quarta-feira, 11 de outubro de 2023

NA MEMÓRIA E NO CORAÇÃO: SEU JORGE KATURCHI, O JOVEM DE 95 ANOS

Na memória e no coração: Seu Jorge Katurchi, o jovem de 95 anos

Neste 11 de outubro transcorre o 97º aniversário natalício do querido Amigo-Irmão-Companheiro carinhosamente chamado de Seu Jorge Katurchi, que no último dia de janeiro deste ano se eternizou, depois do agravamento de sua saúde, apesar da fortaleza que sempre foi.

Neste dia 11 de outubro de 2023, transcorre o 97º aniversário natalício do querido Amigo-Irmão-Companheiro carinhosamente chamado de Seu Jorge Katurchi, que no último dia de janeiro deste ano se eternizou, depois de sofrer com o agravamento de seu quadro de saúde, apesar da fortaleza que sempre foi. Ainda que vivamos este momento de consternação e angústia com o drama da população palestina, sobretudo na Faixa de Gaza, reduzida a verdadeiro campo de extermínio, desde cedo lembramos com saudade e profundo carinho da sempre iluminada presença do Senhor Jorge José Katurchi, um cidadão a toda prova, apaixonado por Corumbá e seu hospitaleiro e cosmopolita povo. Foi com essa identidade comum que fortalecemos nossa Amizade (com letra maiúscula) desde o início da década de 1990, que nos últimos tempos não conseguíamos ficar muito tempo sem trocar longamente, nem que fosse ao telefone, ideias, opiniões e, sobretudo, "planos para o futuro", sempre na luta por um mundo melhor.

Em sua homenagem, republico o texto com que o saudamos em Vida, há dois anos, quando de seu aniversário de 95 anos, observando que nosso encontro pessoal (aliás, familiar, pois estavam conosco Solange, Omar e Sofia) derradeiro ocorreu há precisamente um ano, quando comemorava seus 96 de intensa e alegre existência iluminada entre nós. Não esqueço de seu carinhoso abraço (acompanhado de beijo fraternal, bem ao estilo árabe) com que se despediu de nós.

A toda a sua querida e sempre lembrada Família, em particular à Doutora Tereza Katurchi Exner (com o Doutor Walter Exner e estimadas Filhas), ao igualmente querido José Eduardo Maldonado Katurchi (com o estimado José Katurchi, o querido Zequinha e Família) e o meu querido Professor há cinco décadas, Irmão de Seu Jorge, Doutor Luiz Carlos Katurchi (com seus Filho e Filha), nossos fraternais e vívidas saudações afetuosas, sempre com a iluminada Presença da querida Dona Anna Thereza, Dona Rosa Maria e os Patriarcas Seu José e Dona Amélia, na memória e no coração.

 

SEU JORGE KATURCHI, O JOVEM DE 95 ANOS

Do alto de seus 95 anos de muito trabalho, convicções sólidas, conquistas, alegrias, tristezas e perdas pessoais, o Patriarca da Família Katurchi nos ensina a conexão com a realidade. Neste dia 11 celebra seu aniversário com muita lucidez e sensibilidade.

O Senhor Jorge José Katurchi celebra no mesmo dia da divisão de Mato Grosso e criação de Mato Grosso do Sul seus 95 anos, com lucidez invejável e sensibilidade incontida. Ele costuma se justificar a todo interlocutor que o flagra com os olhos marejados: “Desculpe meu jeito, mas é que sou chorão mesmo...”

Seu Jorge aportou em Corumbá aos 5 anos de idade, na companhia de Dona Amelia Abraham Katurchi, sua saudosa Mãe, e Dona Rosa Maria Katurchi, sua Irmã mais velha, ao encontro de Seu José Katurchi, o Pai, que se instalara no à época próspero entreposto comercial que ligava a América do Sul ao Mundo já com a célebre grife Casa Katurchi, que chegou aos 90 anos de atividades ininterruptas no coração do quadrilátero central de Corumbá, e cujo encerramento ocorreu no mesmo ano em que o saudoso Mário Márcio Maldonado Katurchi, o filho do meio, se eternizou.

Cidadão a toda prova, apaixonado por Corumbá desde tenra juventude: depois de ter feito o serviço militar em sua terra, a Argentina, onde recebera propostas tentadoras, irrecusáveis, para permanecer por lá, estava convencido de que há, sim, paraíso na Terra, e para lá teria que retornar. E foi logo premiado com sua cara metade, a querida e saudosa Dona Anna Thereza de Copacabana Rondon Maldonado Katurchi, Companheira de Vida, de sonhos e de luta, Mãe de seus três Filhos - José Eduardo, Mário Márcio e a Doutora Tereza Cristina - e parceira incondicional em suas iniciativas cidadãs, que se eternizou em 2017.

Aluno do Colégio Salesiano de Santa Teresa, Seu Jorge foi contemporâneo de diversos homens públicos, de diferentes posições políticas e ideológicas: os saudosos Armando Anache, Eldo Delvizio, Walmir Provenzano, Ney Philbois e José Mirha, entre tantos não menos importantes e igualmente Amigos. Interessante é que, apelidado de Perón por causa da simpatia pelo caudilho argentino (ainda que no Brasil fosse declarado apoiador da UDN do Brigadeiro Eduardo Gomes), Seu Jorge nunca discriminou amizades de todo o gradiente político, de dentro e fora do Brasil.

Ele conta que, recém-casado, encontrava-se em Cáceres, terra-natal de Dona Anna Thereza, quando encontrou o Doutor José Mirha, seu velho contemporâneo de Santa Teresa. Não pensou duas vezes para chamá-lo pelo apelido, “Zé Borracha”. Baixinho, o velho Amigo pediu para que guardasse o apelido, pois em Cáceres ele era Promotor de Justiça. Nada que tivesse abalado a velha Amizade que atravessou décadas e que toda vez que o Doutor José Mirha estava de férias aproveitava de visitá-lo e dar boas gargalhadas.

Quando o regime de 1964 se abateu sobre a vida nacional, o Promotor José Mirha e outros simpatizantes da esquerda da época se viram em apuros. Diplomaticamente, bem ao seu estilo discreto mas efetivo, Seu Jorge encontrou interlocutores que ouviram as oportunas ponderações dele em defesa dessas pessoas de bem, punidas apenas por terem ideais diferentes dos novos detentores do poder. Foi também o que aconteceu com o emblemático advogado, Doutor Amorésio de Oliveira, quando esteve detido por algum tempo assim que a ‘redentora’ foi instalada no país.

Seu Jorge sempre soube lidar com polidez e gentileza as diferenças. Lembra com riqueza de detalhes do inesquecível Professor Fragoso, de Matemática. Amigo de sua Família, não deixava de frequentar a casa de Seu José e Dona Amélia. Irmão do lendário dirigente comunista Apolônio de Carvalho, o Professor Fragoso era muito culto e respeitador das ideias liberais de Seu Jorge, tanto que nunca o convidou a qualquer reunião ou atividade de sua organização. Como com os anteriores, em 1964 ofereceu ajuda para poupá-lo de maiores constrangimentos.

Amigo do engenheiro Pedro Pedrossian desde os tempos em que trabalhara na Noroeste do Brasil e periodicamente visitava sua residência, Seu Jorge também tinha relações de Amizade com a Família do Doutor Wilson Barbosa Martins, cassado pelo regime de 1964, e que diversas vezes visitou ao longo de sua Vida, antes e depois do período em que teve seus direitos políticos cassados. Tanto com Pedrossian como com o Doutor Wilson soube manter uma relação de respeito e, sobretudo, de defesa dos interesses de Corumbá, tanto que toda vez em que a cidade era objeto de alguma obra ou questão, recebia emissário do governo para ouvir seu parecer.

Quando o Pacto Pela Cidadania foi constituído, em 1994 (final do governo derradeiro de Pedro Pedrossian), Seu Jorge Katurchi desempenhou um papel estratégico na articulação com as autoridades do estado. A pedido de Dom José Alves da Costa e do Padre Pasquale Forin, Seu Jorge se incumbiu dos contatos preliminares, o mesmo tendo feito quando do agendamento da caravana do Pacto em Campo Grande, já no último governo do Doutor Wilson Barbosa Martins, cuja secretária particular era a Dona Neusa Chacha, esposa do Professor João Jorge Chacha, ex-reitor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, primo de Seu Jorge. Humilde e discreto, manteve os contatos com prudência e zelo, mas em Campo Grande foi centro das atenções na longa agenda cumprida na capital.

Da mesma forma, quando o governador José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT, exerceu seus dois mandatos, Seu Jorge recebia com primazia determinadas informações de interesse da região, em especial de Corumbá. Entre as inúmeras, de cujas reivindicações foi porta-voz, o financiamento da construção do Cristo Rei do Pantanal, por Dona Izulina Gomes Xavier. Como o Pacto Pela Cidadania é um espaço público e não tem personalidade jurídica constituída (CNPJ), o presidente do Lions Clube de Corumbá, o saudoso Carlos Alberto Machado, foi o gestor dos recursos enviados pelo estado. Porém e lamentavelmente, da placa não consta o nome de Seu Jorge, incansável e maior articulador dessa iniciativa.

Mas como presidente desse mesmo clube de serviços, uma década antes, e tendo como seu secretário o saudoso Professor Sérgio Freire, Seu Jorge Katurchi foi contemplado com um diploma que é um verdadeiro prêmio de reconhecimento internacional: o de “Presidente Cem por Cento”, obtido num certame entre todos os Lions sediados em países de língua portuguesa, fato que muito o lisonjeia. Como democrata, compartilha a honra ao mérito com todos os membros de sua diretoria, cujos nomes não esquece. Uma memória privilegiada.

Aliás, u’a memória fotográfica, do alto de seus 95 anos, celebrados no mês em que a Constituição Federal de 1988 foi promulgada (dia 5) e que hoje chega aos 33 anos; que o memorável democrata que dirigiu a Assembleia Constituinte, Doutor Ulysses Guimarães, fazia aniversário (dia 6); que o grande estadista brasileiro do século XXI, Luiz Inácio Lula da Silva, faz aniversário (dia 6); que o nosso saudoso Amigo, o Padre Ernesto Sassida, comemorava seu aniversário, no Dia dos Professores e Professoras (dia 15), neste País-continente que tem na Educação o passaporte para a emancipação de seu laborioso Povo hospitaleiro, que acolheu sua Família de imigrantes, como a minha Família, cujo saudoso e querido Patriarca, Mahoma Hossen Schabib, também celebrava seu aniversário (dia 1º).

Com a habilidade de um diplomata e a argúcia de um político veterano, Seu Jorge tem sido um baluarte das grandes causas de Corumbá e do Pantanal. No entanto, costuma agir com discrição, razão pela qual tem sido vítima de uma invisibilidade injusta. Não que ele precise de holofotes, mas perante a história e o domínio público as louváveis iniciativas por ele protagonizadas têm que ser registradas e reconhecidas. Lembrando que sem ter sido, ao longo de sua Vida, detentor de cargo público. É justo e necessário que isso seja feito. Afinal, trata-se de um jovem de 95 anos, e com muita conexão com a realidade.

Parabéns, Seu Jorge Katurchi! Vida longa e muita saúde, que, como nunca, precisamos de sua lucidez e cosmopolitismo para assegurar um porvir alvissareiro para as gerações futuras de corumbaenses e ladarenses, natos ou por opção (como o Senhor), ávidos por horizontes largos e majestosos como o Rio Paraguai, mais uma vítima da usura, cobiça e insensatez sem limites.

Ahmad Schabib Hany

Prezado amigo Schabib,

Ao término da leitura de seu maravilhoso texto, meus olhos fizeram água.
O amigo descreveu, com a elegância de suas letras, uma trajetória de honradez e ética que sempre caracterizou a vida do nosso pai, Jorge José Katurchi, e que é a nossa maior herança.

Muito, muito obrigada.

Abraços para o amigo e toda a sua querida família.

Estimada Doutora Tereza,

É uma honra privar da Amizade sincera e vibrante do grande Amigo que é Seu Jorge Katurchi (e de sua querida Família), de modo que receber mensagem da Filha que é o amálgama de um Amor emblemático e perene do Casal, que não só se completou como multiplicou a generosidade e a retidão de caráter, é um alento nestes sombrios e mesquinhos tempos.

Tomei a liberdade de dizer, dias atrás, a Seu Jorge que precisamos nos cuidar para comemorarmos os seus 100 anos, uma festa digna de um Cidadão à frente de seu tempo. Sua lucidez, conexão com a realidade e vontade de viver são o segredo de sua juventude vigorosa e salutar.

Nossa Família, sobretudo as Crianças, são seus fãs, ao extremo de chamá-lo de "Você" com a maior desenvoltura, tamanha a Amizade entre eles. Isso me entusiasma e me conforta: o entusiasmo é por conta dessa verdade; o conforto se deve à imprevisibilidade destes angustiantes momentos vividos no País, cujo Povo laborioso e hospitaleiro é a maior vítima.

A nossa esperança são as pessoas que, como Seu Jorge, têm a capacidade transformadora e a eterna chama juvenil que não cessa jamais na certeza de colher as conquistas merecidas.

Grande abraço a toda a sua querida Família!

Ahmad Schabib Hany

ATO DE DESAGRAVO À RESISTÊNCIA DO POVO PALESTINO

Comunidade palestina e entidades promovem ato de desagravo ao Povo Palestino em Corumbá

Ato de desagravo ao Povo Palestino está previsto para o dia 18 de outubro, às 16 horas, no centro de Corumbá

Com o apoio de diversas entidades, a Sociedade Árabe-Palestino-Brasileira de Corumbá realizará, quarta-feira, às 16 horas, ato de desagravo ao Povo Palestino. Uma caminhada e concentração na esquina das ruas Delamare e Frei Mariano, no centro do coração do Pantanal e da América do Sul, marcarão a manifestação de solidariedade ao povo milenar, cuja resistência -- desumanizada pela propaganda de potências mundiais, que enviam bilhões de dólares todos os anos a Israel -- tem sido marcada por sucessivos massacres, como de Jerusalém, em 2021; Gaza, 2005; Sabra e Chatila, 1982, e de Deir Yassin, em 1948, sem qualquer reparação à nação palestina, sobretudo às crianças e jovens inocentes e indefesos.

A cobertura parcial e manipulada da grande mídia internacional insiste na agressão moral à dignidade e à existência do Povo Palestino. Causa indignação reduzir a ‘ato terrorista’ uma legítima e insurgente contraofensiva da resistência palestina, ocorrida em mais de 40 anos de opressão, tortura, invasões, prisões ilegais (inclusive de crianças e adolescentes), contínuas ameaças de extermínio por ‘limpeza étnica’.

Diversos governos progressistas de países soberanos estão sendo pressionados pelo poderoso lobby sionista internacional para aparentar uma condenação unânime pelo concerto das nações ao humilhado e confinado Povo Palestino. Mas a empatia e a solidariedade internacional, feitas pela sociedade civil livre, espontânea e corajosamente em todos os continentes, inclusive Estados Unidos, União Europeia e Grã-Bretanha, que não conseguem sufocar nem impedir essas manifestações.

A Palestina e seu governo não existem desde 1948, mas agora as mesmas potências que armam Israel querem processar um estado que fizeram desaparecer (sequer tem unidade territorial) em tribunal penal internacional. Israel está acima das leis internacionais?

Acompanhado de uma nota em que destaca o ato de reparação à dignidade do Povo Palestino e sua legítima resistência ao longo de 75 anos de constante ameaça de extermínio, guerras de terra arrasada, total desproporção de aviões militares, tanques de guerra e alta tecnologia a serviço da morte pelo governo sionista de Israel, os representantes das entidades organizadoras deste ato de desagravo ao Povo Palestino convidam a todos para se somar a este ato de defesa da dignidade e contra o extermínio do Povo Palestino.

 

NOTA / ATO DE DESAGRAVO AO POVO PALESTINO

Diante da sórdida campanha de difamação contra a Resistência Palestina em seu legítimo direito de defesa e pela sobrevivência da população indefesa, agredida, humilhada e confinada na Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém, sob constante ameaça de extermínio e limpeza étnica, a Sociedade Árabe Palestino-Brasileira de Corumbá, o Comitê 29 de Novembro de Solidariedade ao Povo Palestino, o Observatório de Cidadania e Direitos Humanos, a Organização de Cidadania, Cultura e Ambiente (OCCA) e demais entidades abaixo relacionadas, irmanadas na solidariedade e em apoio à dignidade e defesa da existência do Povo Palestino, vêm esclarecer o que segue:

1) A grande mídia internacional vem cobrindo, de modo parcial e manipulado, os fatos trágicos e criminosos que ocorrem nos territórios da Palestina milenar, ocupados, invadidos, colonizados, há décadas pelo Estado de Israel, e sem dar o devido direito e nas mesmas proporções aos milhões de seres humanos confinados, agredidos, humilhados, oprimidos e ultrajados até em sua dignidade humana, como em campos de extermínio nazistas, como na Faixa de Gaza, onde vivem há mais de 16 anos em condições sub-humanas mais de DOIS MILHÕES DE PESSOAS, sem direito de circular, viver livremente, estudar, trabalhar e sonhar.

2) Não há qualquer proporção, simetria, equilíbrio, entre as poderosas armas do exército de ocupação de Israel, onde todo habitante em idade adulta é soldado, seja reservista ou da ativa, e que pode tudo, sob a cumplicidade das potências mundiais, que enviam bilhões de dólares para defender os invasores. Não é “confronto”, é GENOCÍDIO contra a população palestina: como pode haver “guerra”, “conflito”, entre as forças armadas de Israel e alguns combatentes palestinos, martirizados todos os dias, desde 1948?

3) A população da Palestina há meses vem sendo submetida (na verdade, há pelo menos 75 anos) a toda forma de opressão, tortura, prisões ilegais, ultraje, agressões, confinamento, humilhações, expulsão e destruição de suas casas, por um dos mais poderosos exércitos do mundo e o apoio declarado das maiores potências mundiais, sem sofrer qualquer sanção, advertência, nem por razões humanitárias, nem pelas Resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1948, 1967, 1973, 1982 e acordos internacionais, como o de Camp David (1976) e Oslo (1988), QUE NUNCA FORAM CUMPRIDOS POR ISRAEL.

4) Os massacres à população indefesa da Palestina (porque não tem direito sequer de ter um facão dentro de casa, quanto mais uma arma) se sucedem de modo desumano, e sem qualquer condenação pelos tribunais penais internacionais: desde Deir Yassin (1948), Sabra e Chatila (1982), Gaza (2005), Jerusalém (2021, durante a pandemia de covid-19) ocorrem sistematicamente massacres para fazer o que se chama de LIMPEZA ÉTNICA, EXTERMÍNIO, ou guerra de terra arrasada, flagrante crime previsto nas Convenções internacionais, inclusive da ONU. Alguém, em nome da humanidade, tem feito algo? A mídia internacional denuncia? Os governos das potências condenam?

5) É preciso esclarecer, informar corretamente, fazer um ATO DE DESAGRAVO À RESISTÊNCIA PALESTINA para que não se cometam mais crimes, além do bárbaro genocídio ocorrido em pleno século XXI. A Palestina deu à humanidade, durante milênios, suas oliveiras, suas terras férteis, sua cultura, sua arte, sua culinária, sua generosidade, sua empatia e fé, seu futuro. Não é justo que, além de privar seu povo de seu próprio território e sua existência, agora queiram lhe usurpar a dignidade, a verdade e seu legítimo direito de se defender como pode.

A PAZ MUNDIAL COMEÇA NA PALESTINA!

Corumbá (MS), 10 de outubro de 2023.

Sociedade Árabe-Palestino-Brasileira de Corumbá

Comitê 29 de Novembro de Solidariedade ao Povo Palestino

Observatório de Cidadania e Direitos Humanos

Organização de Cidadania, Cultura e Ambiente

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

CONTRAOFENSIVA DA RESISTÊNCIA PALESTINA

Contraofensiva da Resistência Palestina

Após décadas de humilhação e violência injustificada pelas forças da ocupação sionista sobre o território e a população palestina, a resistência armada do Hamas decidiu interromper a sucessão de agressões realizando contraofensiva-surpresa vigorosa sobre unidades militares de um dos mais poderosos exércitos do mundo.

O 7 de outubro de 2O23 entra para a História pela corajosa e ousada operação da Resistência Palestina contra um dos mais poderosos exércitos do mundo. Cansados das sucessivas ações de humilhação e violência contra a população da Palestina milenar, hoje acuada na Faixa de Gaza e parte da Cisjordânia e sem qualquer sanção dos hipócritas ‘donos’ da ONU (senhores da guerra e da cizânia na Terra desde o fim da União Soviética), os combatentes do Hamas, com a adesão da Jihad Islâmica, empreenderam contraofensiva-surpresa, um histórico revés aos sionistas e seus aliados, todos criminosos de guerra.

Lembra-se da parábola bíblica de Davi contra Golias? Foram combatentes palestinos os que atuaram como o pequeno Davi contra o gigante Golias, dos mais armados (e corruptos) exércitos, embora durante décadas a propaganda sionista usasse a parábola para justificar os abusos e a opressão contra a população palestina, que hospitaleira e generosamente acolheu ao longo dos últimos séculos diversas gerações de colonos judeus da Pérsia, da Etiópia e da Europa (durante a Inquisição promovida pelo ocidente e mais recentemente por causa das atrocidades promovidas pelos nazistas, sobretudo, na Alemanha e Polônia).

Por que o hospitaleiro e inofensivo Povo Palestino pagou com sua diáspora, seu êxodo (‘Nakba’, tragédia, em árabe), a conta da tirania europeia, tanto durante a obscurantista Inquisição quanto na sanguinária sanha nazista. Para começo de conversa, isso aconteceu em solo europeu e sob a iniciativa peçonhenta de europeus, ‘brancos de olhos azuis’, pela narrativa hitlerista, ‘arianos’. Antes de partir para açambarcar o território, a cultura e a história palestina, os sionistas haviam cogitado se apossar de outras regiões do Planeta, na África (Uganda) e na América do Sul (Argentina, ao sul, região próxima da Patagônia, e no Brasil, ao norte, parte da Amazônia), em sua cobiça por territórios ricos de petróleo e minério ‘nobre’ (ouro, diamantes e agora lítio).

Donos dos maiores grupos midiáticos do mundo, das maiores organizações financeiras e de uma rede de serviços de alta tecnologia e de artefatos bélicos, os sionistas, desde o início do século XIX e com maior ênfase nos anos 1910 e no pós-guerra de 1945 detêm o controle da narrativa de “uma terra sem povo para um povo sem terra”, criada por Israel Zangwill. Essa, na verdade, é a consigna do movimento sionista internacional desde os fins do século XIX, quando Theodor Herzl e depois Ben Gurion e Chaim Weizmann tomaram iniciativas em que projetos de ‘limpeza étnica’ da Palestina foram praticados: não por acaso as ações de grupos paramilitares (consideradas pela Grã-Bretanha organizações terroristas), como ‘Haganá’, ‘Irgun’ (ou ‘Etzel’), ‘Betar’ e ‘Hatzohar’, depois foram assumidas pelo Mossad, organização de Israel especializada em todo tipo de sabotagens e espionagens.

Entre a Declaração Balfour (nome do primeiro-ministro britânico Arthur James Balfour, do acordo com o dirigente do movimento sionista britânico, Barão Rotschild, entregando a Terra Santa, a Palestina, aos sionistas) e o Acordo Sykes-Picot (os chanceleres Mark Sykes, do Reino da Grã-Bretanha e Irlanda, e François Georges Picot, da Terceira República da França, em 1916, antes do fim da Primeira Guerra Mundial, celebraram o ‘Acordo da Ásia Menor’, em que definiram os limites das regiões a serem colonizadas pelos dois impérios coloniais antes mesmo de derrotar o império turco-otomano, quando Thomas Lawrence, o ‘da Arábia’, havia prometido liberdade aos líderes árabes em troca de apoio árabe ao ocidente contra os turcos, que não honraram), várias potências europeias foram incluídas no projeto de colonização da Palestina, cuja denominação era Alia. Foram cinco Alias: a primeira Alia em 1882-1903; a segunda Alia em 1904-1914; a terceira Alia em 1919-1923; a quarta Alia em 1924-1928, e a quinta Alia em 1929-1939.

Como assim?

Historiadores ocidentais respeitados em todo o globo terrestre, como Arnold J. Toynbee (apenas para citar um), desmascararam durante os debates do pós-guerra de 1945 que os ‘teóricos’ do sionismo falsearam a História ao apagar fatos históricos e até o inegável legado árabe-palestino para a humanidade. Ze’ev Jabotinsky, nascido em Odesa (Ucrânia), e ainda menino imigrante na Alemanha, desenvolveu a narrativa de que árabe-palestinos não estavam ‘à altura’ do desenvolvimento dos judeus e, que, portanto, não poderiam compartilhar com eles a mesma sociedade, daí o apartheid e a insólita tese da limpeza étnica acintosamente defendida por sionistas. Jabotinsky foi importante ideólogo do sionismo -- tanto que a imponente sede mundial do Instituto Jabotinsky se encontra em Tel-Aviv --, e ativista e fundador de diversas organizações paramilitares, entre as quais ‘Betar’, ‘Hatzohar’ e ‘Legião Judaica’, com reconhecida ação na Primeira Guerra Mundial.

Com a internet, hoje fica difícil manter uma mentira por muito tempo. A despeito da miséria imposta a uma das populações mais desenvolvidas da humanidade -- não são poucos os livros em inglês e francês, alguns com as informações do espião Thomas Edward Lawrence (‘Lawrence da Arábia’), a demonstrar a abundância e fidalguia dos habitantes da Palestina, quando a fome e a precariedade afugentavam jovens e famílias inteiras em toda a Europa e parte da Ásia e África depauperadas pela rapinagem do colonialismo (base da acumulação capitalista), sobretudo entre fins do século XVIII e meados do século XX.

Ao contrário das diversas propagandas -- colonialista (período colonial), imperialista (do capitalismo financeiro), sionista (no período de preparação do saque territorial e cultural da Palestina) e desde 1990 globalitarista (do totalitarismo globalitário), de que os árabes são ‘terroristas’, ‘fora da lei’, ‘fanáticos’, ‘intolerantes’ e ‘incultos’, na longa história da humanidade está consignado o legado árabe em bandeja de ouro: a Península Ibéria, em território europeu, é uma das mais eloquentes constatações da ausência colonialista na presença árabe e do pluralismo com que se desenvolveu o processo histórico, científico e cultural na Espanha e em Portugal (além de outras regiões da Europa, Ásia e África). Ou o fato de esses dois reinos terem sido pioneiros nas grandes navegações, em fins do século XV, teria sido mera ‘coincidência’? ‘Dádiva divina’?

O desenvolvimento das ciências e da arte da navegação (uso de cartas náuticas, astrolábio, bússola e vela triangular pelos navegadores ibéricos), o domínio da química, física, ótica, geometria, arquitetura, engenharia civil, matemática, cinemática, astronomia, filosofia, lógica, dialética, direito, literatura, gramática (sintaxe, morfologia, semântica, linguística e sistematização nas línguas hispana e lusitana), biologia, anatomia, genética, história, arqueologia, geologia, geografia etc. Não é demais reiterar que, enquanto havia no ocidente proibição expressa dos estudos de medicina (sobretudo anatomia) e química (com foco para as reações químicas, como a elaboração de novas substâncias orgânicas e inorgânicas), por questões de caráter religioso e doutrinário.

As potências ocidentais, patrocinadoras da tragédia humana desde antes de 1947 (ano da criação do Estado de Israel com a partilha, pela ONU, do território da Palestina milenar e que nunca se empenharam na proteção da Palestina, que aos poucos foi desaparecendo com a instalação de centenas de colônias judias ao longo de seu território), têm a cara de pau de falar em ação terrorista contra Israel. Mais uma farsa da mídia corporativa mundial. Ou o leitor(a) atento acredita que foi ‘natural’ a forma como o GAFE (Globo, Abril, Folha e Estadão) vem cobrindo em seu noticiário de maneira parcial os acontecimentos dentro dos territórios saqueados por Israel, em que foram expulsos, presos sem mandado judicial, torturados, mortos e desaparecidos pelo Mossad e outras forças sionistas há décadas.

A propósito, para cada israelense morto, são 23 palestinos criminosamente assassinados pelo Estado terrorista de Israel. Além do que desde a criação, em 1948, o Estado Sionista recebe dos governos ocidentais, como doação, mais de 5 bilhões por ano, não por acaso o exército israelense, um dos mais poderosos do Planeta, tem um orçamento de mais de 18 bilhões de dólares e as armas mais modernas de todos os arsenais militares mundiais, inclusive armas nucleares e de destruição em massa. E assim como a Ucrânia recebe todo o apoio do ocidente, Israel recebe desde o ano em que foi criado de fora para dentro, sem que o Povo Palestino tivesse sido consultado.

Diante da total desproporção entre o poderosíssimo exército israelense e os combatentes palestinos em sua legítima resistência armada, jamais podemos dizer que se trata de ‘conflito’, mas massacre, genocídio e LIMPEZA ÉTNICA, crimes contra a humanidade. Mas que fique claríssimo: enquanto houver um árabe na face da Terra, Israel e todas as forças poderosas a ele aliadas não terão sossego nem tranquilidade, e um dia venceremos com a paz justa e duradoura para todo o Planeta. Então, todos os Povos Originários do mundo estarão vivendo em concórdia e soberania.

Todo apoio e solidariedade ao Povo Palestino, a verdadeira vítima há sete décadas da limpeza étnica e da tragédia humana sem fim causada pelo colonialismo e imperialismo, há séculos opressores de grande parcela da população humana. Lamentamos, profunda e sinceramente, a perda de Vidas inocentes dos dois lados dessa tragédia humana, mas não havia mais como esse altivo Povo suportar tamanha opressão. A paz mundial começa na Palestina, sem o que tudo não passa de hipocrisia e cinismo.

Ahmad Schabib Hany

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

EVENTO ALVISSAREIRO

Evento alvissareiro

O VIII Seminário Internacional de Estudos Fronteiriços, realizado em Corumbá pelo Mestrado da área em parceria com universidades e instituições de vários países durante a semana passada, antevê um futuro promissor às cidades fronteiriças, sobretudo à Capital do Pantanal e Coração da América do Sul.

Corumbá, entre 25 e 28 de setembro, foi palco transcontinental de um evento de caráter internacional e importância científica mundial, por sinal concorridíssimo nestes insólitos tempos de negacionismo e obscurantismo sórdidos. Como fui um mero participante, não tenho como declinar nomes de todos os pesquisadores e de todas as instituições envolvidas no Seminário Internacional de Estudos Fronteiriços, vinculado ao Mestrado em Estudos Fronteiriços do Campus Pantanal (CPAN) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), e a determinante parceria de diversas universidades e instituições renomadas do continente americano.

A invasão por hackers do sistema de dados da UFMS, ocorrido no dia 24 de setembro (véspera do evento em Corumbá), prejudicou sobremaneira o acesso à programação, aos nomes, currículos e instituições dos palestrantes, debatedores e participantes com direito a apresentação de trabalhos. Apesar disso tudo, o brilho e a humildade de todos e todas as pesquisadores e suas instituições fizeram com que o Seminário Internacional de Estudos Fronteiriços, em sua oitava edição, fosse coberto de total êxito.

Posso afirmar, sem risco de cometer gafe por atrevimento, que pelo menos meia centena de cientistas de diferentes áreas do conhecimento trouxe as suas contribuições para o desenvolvimento científico (desde o México até a Argentina, da costa do Atlântico à costa do Pacífico, do Caribe ao Golfo do México e de diversas universidades brasileiras, entre elas do Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia, Grande Dourados, Mato Grosso e Rondônia, além da anfitriã UFMS, em nossa região fronteiriça). Aportes qualificados de pesquisas inter e multidisciplinares em regiões de fronteira sob olhar antropológico, como na região de Chiapas (México e Guatemala, de origem Maia) ou das povos Mapuche (Chile Argentina) e Aimara (Bolívia, Peru, Chile e Equador), bem como os estudos das cidades gêmeas Guajará-Mirim (RO) e Guayaramerín (Bolívia) realizados por pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia (UFRO).

As pesquisas desenvolvidas de modo inovador (com a adoção de novas metodologias, uma delas a experiência do ‘escutatório’) pelos pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) com as populações tradicionais (ribeirinhos e quilombolas) do Pantanal e Cerrado de Mato Grosso (Poconé, Barão de Melgaço e Rondonópolis) são emblemáticas. Se houvesse maior tempo para essa troca de experiências, pantaneiros sul-mato-grossenses teriam muito, muitíssimo, a se beneficiar, não só pelo protagonismo estimulado, como também pela capacidade de resiliência ensinadas por pantaneiros mato-grossenses.

Não apenas na perspectiva da mobilidade humana (as migrações), mas em sua cosmovisão, protagonismo coletivo, desenvolvimento emancipatório e reafirmação cultural, diversas pesquisas foram expostas, em profundidade, e submetidas ao debate. Talvez o veterano entre os pesquisadores vindos, o pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que expôs sob diferentes aspectos as relações interculturais entre diversas fronteiras brasileiras mais ao sul (incluindo Ponta Porã e Pedro Juan Caballero), resume de forma plena a necessária compreensão destes estudos e os desafios inerentes.

A sessão / oficina de elaboração do Plano de Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira do Centro-Oeste do Brasil, realizada no Auditório Professor Salomão Baruki na última tarde do evento, permite antever os avanços e desafios destas pesquisas inovadoras e, obviamente, transformadoras. A propósito, diversos pesquisadores e pós-graduandos relataram o processo de pesquisa (Corumbá/Ladário, Campo Grande, Dourados, Cuiabá, Cáceres, Poconé, Barão de Melgaço, Santo Antônio de Leverger, Rondonópolis, Guajará-Mirim, Porto Velho, Uruguaiana, Foz do Iguaçu, Ponta Porã e Santa Cruz de la Sierra, entre outras) seja como comunicação, no auditório, ou como banner (pôster), no saguão, além da rica troca de experiências neste processo de interação e desenvolvimento coletivo.

Pesquisadora-docente do Mestrado em Estudos Fronteiriços do CPAN/UFMS, Lucilene Machado Garcia Arf debateu sobre o legado de protagonismo da pensadora e ativista boliviana Julieta Paredes e a concepção de feminismo comunitário por ela desenvolvido. A pesquisadora analisou a perspectiva inovadora / transformadora de Julieta Paredes no processo de afirmação / emancipação das populações originárias bolivianas no começo deste século e, de maneira didática, expôs as bases da concepção desse processo de transformação social que vem ocorrendo na Bolívia desde 2005, quando amplas camadas sociais assumiram o protagonismo político do agora Estado Plurinacional da Bolívia.

A Professora Elisa Pinheiro de Freitas, de Geopolítica do Mestrado em Estudos Fronteiriços do CPAN/UFMS, fez, ao lado de colegas, o lançamento de seu mais recente livro, com base em pesquisa apurada e autores clássicos da Geopolítica e da Energia, temática que estuda desde o tempo de mestranda, doutoranda e pós-doutoranda na Universidade de São Paulo (USP). Intitulado ‘Energia, poder e território: a geopolítica dos recursos energéticos sob a hegemonia do capitalismo’, o livro é uma edição da Paco Editorial e trata do processo de desenvolvimento energético do Brasil, que, apesar de ser caudatário dos interesses das potências hegemônicas, conquistou certo protagonismo no avanço da matriz energética de baixo carbono.

Sinceros aplausos aos realizadores, apoiadores e participantes desse ousado evento, sem dúvida, de magnitude internacional e de repercussão continental. A despeito da falta de verbas para concretizar sequer um modesto seminário, os docentes-pesquisadores tiveram a coragem cidadã de empreender uma verdadeira maratona científica em que a meta não tem sentido competitivo, mas colaborativo. Constatei a generosidade de pesquisadores da estatura da (para citar apenas um nome) Professora Cláudia Araújo de Lima, que, mesmo aposentada e residindo em Brasília, veio de van desde Campo Grande para contribuir com seus inestimáveis conhecimentos fora das mesas, estando na plenária, como tantos outros e outras colegas pesquisadoras igualmente experientes e generosas.

Embora sob indisfarçável desapontamento com, no dizer do eterno Horacio Guarany em seu memorável ‘Si se calla el cantor’ (celebrizado na voz da saudosa Mercedes Sosa), “los humildes gorriones de los diários” desta região fronteiriça que não cobriram um dia sequer de um evento de âmbito e relevância internacional que durou quatro dias, ora na Unidade 3 do CPAN/UFMS (Alfândega, Porto Geral), ora no Auditório Professor Salomão Baruki, na Unidade 2, Bairro Universitário. Com a autonomia permitida pela tecnologia digital, após o primeiro contato, o pessoal do telejornalismo poderia deixar agendada a entrevista com cada uma ou cada um dos pesquisadores, dentro da temática pertinente. Pauta, aliás, que daria para realizar durante todo o ano, ou até muito mais.

E sem qualquer afã provocador, nunca é tarde para lembrar que a história acontece nas ruas, longe dos palácios e dos burocratas. Em 1984, tanto em junho como em novembro, ocorreram em Corumbá o VII Seminário de Ensino, Pesquisa e Extensão (SEPE), do CEUC/UFMS, e o I Simpósio sobre Recursos Socioeconômicos e Naturais do Pantanal (sob a coordenação técnica do Pesquisador Eduardo Künze Bastos e o apoio dos Pesquisadores Arnildo Pott, Sílvia Maria Costa Nicola e Araê Book, à época chefe da UEPAE/Embrapa de Corumbá, depois primeiro chefe-geral da atual Embrapa Pantanal, além do Professor Arnaldo Yoso Sakamoto, do CEUC/UFMS), oriundo de uma parceria entre o CEUC/UFMS e o recém-criado Centro de Pesquisas Agropecuárias do Pantanal (CPAP) da Embrapa. Na falta de assessor de imprensa, este aprendiz de cidadão se prestou, anônima e voluntariamente, a ‘carregar o piano’ para preparar material para a mídia, e o pouco que está registrado nas hemerotecas locais e estaduais deve-se à teimosia dos que fizeram, a despeito da resistência dos burocratas de Campo Grande e Brasília, que não conseguiam entender o interesse de quem o fazia em troca de absolutamente nada.

Decorridos quase quarenta anos, hoje a realidade é outra, não faltam Jornalistas com diploma, até porque nossa geração lutou e conquistou com quase os mesmos protagonistas (os saudosos Professores Jair Madureira, reitor, e Octaviano Gonçalves da Silveira Junior, ex-diretor do Centro de Ciências Humanas e Sociais -- CCHS -- e depois chefe de gabinete do reitor, e alguns Amigos que articularam o encontro e que gostam de discrição, não de holofotes, durante a realização do VII SEPE) para a implantação do curso pioneiro de Comunicação Social na UFMS (levou mais alguns anos para a seleção de docentes e a oferta de vagas, em 1988, e o início das aulas, em 1989).

Eram tempos de reconquista da democracia, pois 1984 já era prenúncio do fim do regime de 1964. O clima de tempos de liberdade e alívio tem discreta relação com nossos dias, contudo a ultradireita estava na exaustão e totalmente desacreditada, diferente de hoje, que ainda teima em mostrar as garras e desafiar o Estado Democrático de Direito. Longe de nos pretendermos ‘donos da verdade’ (porque ser incisivo na defesa de pontos de vista é uma razão de ser depois de um vendaval genocida que arrancou da existência milhares de seres, inclusive humanos, em nome de um negacionismo obscurantista medieval. E cabe às novas gerações manter essas conquistas, focar no desenvolvimento soberano da ciência e da tecnologia e defender o Estado Democrático de Direito, de cuja existência depende a sobrevivência de todas as espécies, inclusive a humana.

Ahmad Schabib Hany

domingo, 1 de outubro de 2023

109 ANOS DO INCANSÁVEL PEREGRINO

109 ANOS DO INCANSÁVEL PEREGRINO

Neste 1º de outubro transcorre o 109º aniversário de Mahoma Hossen Schabib, o jovem octogenário que se eternizou em 1996. Sua memória, construída em sólidas bases éticas e cidadãs, está viva e nos inspira ao longo da jornada de Filhas e Filhos, Netas e Netos, Bisnetas e Bisnetos...

 

AOS CEM ANOS DO INCANSÁVEL PEREGRINO




AOS CEM ANOS DO INCANSÁVEL PEREGRINO
 MAHOMA HOSSEN SCHABIB (1º/10/1914 – 04/07/1996)

Se estivesse vivo, o Peregrino que a Vida generosamente nos presenteou como Pai estaria completando 100 anos nesta quarta-feira, dia 1º de outubro de 2014.

Nascido no dia em que eclodira a Primeira Guerra Mundial na bucólica e formosa Rasen-Hache (província de Batroun), no Líbano, o incansável Peregrino chamado Mahoma Hossen Schabib ficara órfão de Mãe, dona Maquie Madi, aos 5 anos de vida. O Pai, Hussein Schabib, não quisera que os sete filhos (quatro meninas e três meninos) tivessem madrasta. Como caçula, coube às irmãs, bem mais velhas, cuidar dele. Por influência do primo mais velho, matemático e poeta Scandar Shalak, alfabetizara-se precocemente, e logo fora para o internato na distante Damasco (capital da Síria), onde concluíra com destaque os níveis fundamental e médio.

Ele contava, emocionado, que tivera o privilégio de ver a comoção popular quando da chegada do corpo do imortal poeta libanês Gibran Khalil Gibran (autor de “O Profeta”, entre outras obras) a Damasco para as homenagens póstumas na Síria e Líbano, quando professores participaram como oradores das celebrações ecumênicas. Igualmente, narrava com indisfarçável indignação sobre a repressão, pelos gendarmes franceses, ao movimento juvenil sírio contrário à opressão colonialista em meados da década de 1920, em que milhares de intelectuais e universitários foram torturados e mortos sem piedade, logo por aqueles que se diziam agentes da civilização e do progresso ao substituir o igualmente obscurantista e opressor império turco-otomano, de triste memória.

Obstinado, não sossegara enquanto não transpusesse as fronteiras políticas da Arábia, dividida à época pelos impérios britânico e francês (Líbano e Síria, colônias francesas; Palestina e Egito, colônias britânicas). Para tanto, passou-se por beduíno e atravessou todo o território da Palestina (ainda livre da ocupação sionista), pela fronteira do sul do Líbano e chegar, por Gaza, ao Cairo, no Egito, para cursar Filosofia na milenar Universidade Al-Azhar – fechada em 1954, início do governo de Gamal Abdel Nasser, por causa de seus arqui-inimigos da Irmandade Islâmica, contrária ao Estado laico implantado pelo maior estadista árabe dos últimos cinco séculos. Mas ele (meu Pai) não pôde concluir o curso universitário por causa da eclosão da Segunda Guerra Mundial: o Egito era colônia da Grã-Bretanha e o ardil colonialista obrigava os jovens mais instruídos ao alistamento militar – uma acintosa forma de eliminar a juventude inquieta porque esclarecida, feito bucha de canhão.

Mesmo a contragosto, acabou interrompendo os estudos no final do curso (1939), aceitando o conselho de seu irmão mais velho, Ale Hossen Schabib (que, naturalizado boliviano, virou Alejandro Hossen, pois, como em todo país hispânico, o primeiro sobrenome é o que conta). Esse irmão havia emigrado para a América no fim da Primeira Guerra Mundial e, depois de incursionar pela Amazônia brasileira, decidira estabelecer-se na Bolívia, de onde custeava os estudos do irmão caçula, além de ajudar a família com o que fosse possível naquele período de miséria e tragédias no Hemisfério Norte. A sua esperança – e consolo – era que a guerra não levasse muito tempo e que ele não demorasse a retornar ao Cairo para concluir seus estudos e seguir seu projeto de vida no Oriente Médio.

OUTRA CULTURA, NOVOS DESAFIOS
Mas não foi bem assim. Para começar, foi uma verdadeira epopeia chegar até a América do Sul, atravessando dois oceanos num barco de cruzeiro da companhia italiana de navegação Costa, o “Ana C”. Aportou em Arica, no Chile, após a travessia do Canal do Panamá com as suas comportas deslumbrantes. Em seguida, voou literalmente sobre a Cordilheira dos Andes até chegar a La Paz, a mais de três mil metros de altura, e seguir em outro voo até a capital do departamento de Beni, Trinidad, na Amazônia boliviana, para finalmente conhecer o irmão mais velho com quem só se relacionara até então por cartas – afinal, ele partira quando meu Pai era de colo. Adaptar-se à vida de mascate num país de cultura totalmente diferente da sua foi outra proeza. Com a ajuda do irmão que era como Pai, procurou estabelecer-se num povoado menor, Magdalena, para capitalizar-se e logo ganhar autonomia financeira. Mas as adversidades (entre elas, o naufrágio de seu batelão carregado de mercadorias) o fizeram descapitalizar-se e quase lhe custaram a própria vida, em 1940, que ele passara a grafar como “0000” (quatro zeros), pois os prejuízos o fizeram voltar à estaca zero.

Perseverante, em cinco anos – praticamente o período da sangrenta guerra que acabou com a inocência da humanidade –, entre a disciplina nos estudos (não abandonara o hábito de estudar, nem quando atingiu a terceira idade, lendo sistematicamente no mínimo quatro horas diárias) e no trabalho, aprendeu a arte do comércio e dois novos idiomas (espanhol e inglês), e logo era detentor de um capital monetário respeitável. Por essa razão, o irmão que fazia as vezes de Pai o aconselhara a ir se preparando para casar-se. Coincidência ou não, nessas incursões como mascate havia conhecido um dentista muito popular, de nacionalidade libanesa, o assim chamado doutor José (Yussef) Al Hany, Pai de dez filhos (seis meninas e quatro meninos) com uma única companheira, a jovem senhora Guadalupe Ascimani de Hany, afável, culta e hospitaleira.

O doutor Hany, druso (ou derzi, religião espiritualista oriental); a dona Guadalupe, católica, de Pai maronita (variação libanesa de catolicismo cujo sacerdote pode se casar). Meu Pai, muçulmano. Como os árabes, a exemplo dos brasileiros, vivem e celebram a diversidade, não demorou muito para que a mais velha das filhas, a bela Wadia Hany Ascimani, decorrido algum tempo, viesse a contrair núpcias com o jovem imigrante. Não é demais dizer que naquela época, entre os árabes, não era tão acirrada a intolerância religiosa de hoje, alimentada pelas potências ocidentais dentro da ignóbil lógica do “dividir para reinar”, iniciada com a imposição do Estado sionista no território da Palestina em 1948, como perniciosa reparação dos danos causados pelos europeus nazistas em território europeu, e que nada têm a ver com os árabes, estes também vítimas dos abusos colonialistas até a presente data.

Casaram-se em abril de 1948 (ironicamente três semanas antes da formalização, pelas potências mundiais, do Estado de Israel), uma relação conjugal que durou 48 anos e dois meses (meus Pais já planejavam comemorar suas bodas de ouro, quando uma parada cardíaca interrompeu, em 1996, seus projetos comuns de Vida). Mas essas quase cinco décadas, como em tudo na Vida, não foram um mar de rosas, pois tiveram altos e baixos. Os primeiros cinco anos de vida conjugal, sim, por conta da estabilidade econômica então reinante na Bolívia, foram tranquilos: minha Mãe aprendeu logo as habilidades comerciais, tendo se tornado referência nos negócios crescentes da família. Deixaram a Amazônia depois do nascimento da segunda filha, indo residir na chamada cidade-jardim boliviana, Cochabamba, localizada num formoso vale da Cordilheira dos Andes e com excelente qualidade de vida, cultura e cosmopolitismo.


VOLTA ÀS ATIVIDADES INTELECTUAIS
Nesse importante centro cultural boliviano, até por conta da estabilidade da economia familiar, meu Pai decidiu retomar os estudos na Bolívia, e não demorou muito para que exercesse com maestria o jornalismo, além de conduzir um programa radiofônico sobre a cultura árabe e as relações com a América Latina. (Era um período de efervescência política em todo o mundo: além da consolidação do socialismo como alternativa real para todos os povos vítimas do saque e da exploração de suas riquezas naturais e de sua gente, na Bolívia viviam-se as transformações decorrentes do triunfo da Revolução de 1952 boliviana, e na Arábia espalhavam-se os ideais de Nasser, um dos jovens líderes da Revolução de 1952 egípcia, que acabou com o jugo pró-inglês do rei Faruk no Egito e mudou os rumos do povo árabe disperso em 22 Estados divididos pelo Ocidente e das nações do Terceiro Mundo no século XX, ao fundar, com Broz Tito, Jawaharlal Nehru e Chu En-Lai, o Movimento dos Países Não Alinhados.) Talvez a excessiva visibilidade tivesse exposto muito meu Pai diante de adversários poderosos, até então desconhecidos, que se valeram da crise sociopolítica e econômica na Bolívia para desencadear contra ele uma série de ações judiciais e fragilizá-lo comercial e economicamente. Em meio a uma avalanche inflacionária de mais de nove mil por cento ao ano, no início da década de 1960, meus Pais decidiram vender todo o seu patrimônio, construído com muito esforço ao longo de três décadas, a fim de reunir o máximo possível para adquirir as passagens para dez pessoas (dois adultos e oito crianças) de trem e navio a fim de retornar ao Líbano, onde nasceu a caçula dos filhos e permanecemos por quase quatro anos. Nesse meio-tempo, meu Pai cobriu para a Rádio Cairo em espanhol, uma revista árabe-chilena chamada “Mundo Árabe” e uma edição em espanhol da revista brasileira “O Cruzeiro” a luta pela independência das nações árabes do norte da África (Argélia, Líbia e sobretudo o Egito, que passara a se denominar República Árabe Unida, um Estado confederado com a Síria e o Iraque, mas que não durou muito por conta das investidas ocidentais e de seus fantoches dos reinos, emirados e sultanatos árabes, temerosos de que a experiência socialista de Nasser no Egito irradiasse para os demais países do Oriente Médio).

Como o jornalismo não lhe proporcionara o suficiente para o sustento de uma família de onze pessoas (nove delas crianças e adolescentes), meu Pai lançara mão de suas últimas economias para tentar se estabelecer com um restaurante na segunda maior cidade libanesa, Trípoli (capital da província de Batroun), em sociedade com um primo que já fora seu sócio na fronteira da Bolívia com o Brasil (Guajará Mirim, Rondônia), Hussein Khalil Schabib. Entre as atividades comerciais e a agricultura (nas terras herdadas do Pai), tentou se recuperar financeiramente, mas decidiu por retornar para a América do Sul, pois o clima político no Líbano não lhe inspirava bons augúrios. Ele pressentira, pela insustentabilidade do cotidiano do cidadão comum libanês, a revolta das camadas populares contra as oligarquias libanesas, fato que eclodiu em 1974 com a trágica guerra civil que durou duas décadas, dizimou e empobreceu a população e destruiu a infraestrutura do país após a invasão de tropas israelenses e americanas, no início da década de 1980, provocando uma série de massacres nunca antes vistos no Líbano ou qualquer outra nação árabe, à exceção da Palestina e da Argélia em sua luta pela independência (depois, sim, vimos, em maior escala, a invasão do Iraque e da Líbia – e agora na Síria – pelos mesmos gendarmes e mercenários de Israel e Estados Unidos, em pleno século XXI).



A ESCOLHA DE CORUMBÁ
Nos quase 25 anos que vivera na Bolívia, inúmeras vezes viajara de avião ou trem pela região do Pantanal, tendo ficado em Corumbá por breves estadas, sobretudo depois que fixara residência em Cochabamba. Rumo a São Paulo, de onde comprava muitos itens para abastecer seu comércio atacadista, havia se encantado com o desenvolvimento desta região, que, depois da inauguração da ferrovia Corumbá – Santa Cruz de la Sierra, passou a compará-la à região de Milão pelo tronco ferroviário e a importância desse transporte para a integração do continente. Por isso, quando se decidiu por retornar para a América do Sul, sua escolha recaiu sobre Corumbá, de modo que os três filhos mais velhos (que estavam por chegar à universidade) ficassem na casa da Vovó Guadalupe e os demais não tão distantes do país que o acolhera na juventude e, a despeito das adversidades, lhe ensinara muito. Ele era muito grato ao povo boliviano por tudo que lhe ocorreu na Vida. Obviamente, como todo imigrante, amava todos os países que o acolheram. E sua relação com o Brasil foi como o coroar de seus sonhos e lutas, até pelo fato de haver feito a escolha em plena maturidade. Assim, quando se estabeleceu com um modesto comércio de armarinhos, à rua Joaquim Murtinho, plena Feira Boliviana (a poucas quadras da estação ferroviária da Red Oriental da Bolívia, à época separada por uma centena de metros da ferroviária da Noroeste), semanas antes do golpe militar de 1964, iniciava uma nova fase em sua renhida existência de Peregrino incansável.

Seis meses mais tarde, início da primavera de 1964, meu Pai deu início a seu projeto de trabalho (e de Vida) no coração do Pantanal e da América do Sul (era assim como ele via Corumbá, centro do bioma e do subcontinente): abrir uma sorveteria (com a solidária assessoria de um Amigo libanês, Fauze Rachid e sua esposa boliviana Pura Ceballos de Rachid, proprietários da popular Sorveteria Superbom, e que anos depois se mudaram para Puerto Suárez) e construir uma hospedaria (pousada) com menos de uma dezena de quartos, que em pouco mais de cinco anos se transformara em referência para comerciantes bolivianos e jovens turistas de todo o mundo por causa da higiene, segurança e atenção de seu proprietário poliglota e bem informado (como recomendavam os guias pioneiros que descobriram a rota dos Incas e os safáris fotográficos do Pantanal, sem qualquer incentivo das instâncias de governo federal, estadual e municipal de todos os países sul-americanos, que viam os mochileiros barbudos como suspeitos, quer fosse como “subversivos” ou como “maconheiros”), depois de ter conseguido comprar, com o pouco que lhe restava da venda de seus bens do Líbano, uma casa modesta de um simpático casal de idosos (o senhor Afonso, português, e dona Paulina, corumbaense, irmã de uma vizinha que logo ganhou status de vovó, a dona Ventura, muito cordial e sempre presente nos primeiros anos da chegada de toda a Família).

Foi com essa modesta pousada que, por quase trinta anos, assegurou o sustento digno de uma numerosa família de nove filhos, tendo como meta dar-lhes formação universitária. Quando um amigo bem próximo lhe propôs um empréstimo para ampliar as instalações da pousada, diante do movimento e do reconhecimento de seus serviços, ele revelou que não pretendia ser dono de rede de pousadas ou fazendas, mas pai realizado por ver todos os seus filhos a concluir os seus estudos, independentemente da profissão escolhida. Obviamente que a perda do filho mais velho (ocorrida em circunstâncias não elucidadas pela polícia em 1974, que me induziu a declarar, aos 15 anos, que fora por suicídio, fato questionado por seus colegas universitários e sobretudo por um investigador de uma seguradora que por coincidência se hospedara dois meses depois da tragédia), Mohamed (ou carinhosamente “Tchítchi”), o abatera profundamente: ainda que não abandonara as metas que traçara para sua Vida, com a maior dignidade e responsabilidade, não era difícil pegá-lo lacrimejando ao ler ou conversar com jovens que lembrassem o espírito arrojado do saudoso filho.

A propósito dessa tragédia, houve quem propusesse que denunciássemos o governo do mais sanguinário, corrupto e mercenário dos ditadores bolivianos, Hugo Banzer Suárez, pela morte de nosso irmão, cuja memória foi criminosamente vilipendiada pela chefia da polícia local nos tempos nefastos da ditadura. Lembro-me como hoje que, acompanhado de dois queridos Amigos (Juvenal Ávila de Oliveira, então radialista, e João de Souza Álvarez, fotógrafo à época da tragédia), visitamos quase todas as redações de jornais locais que haviam estampado a manchete sensacionalista do tipo “estudante (sic) universitário se fuzila sem deixar carta” (coisa típica de crônica policial chapa-branca, espreme-sai-sangue) a fim de esclarecer os fatos e pedir que republicassem a matéria dando-nos o direito de mostrar o outro lado dessa notícia. Alguns, obviamente, nem se deram a esse trabalho. Mas o velho Diário de Corumbá, então dirigido pelo jornalista Carlos Paulo Pereira Júnior, corrigiu a notícia com o devido destaque. O Pai dele, fundador do jornal em 1969, jornalista Carlos Paulo Pereira, tinha uma relação de amizade com o meu Pai, que desde as primeiras edições colaborava com matérias de política internacional. Por conta desse gesto, a partir de então meu Pai passou a assinar também matérias de fundo espiritual, não doutrinário, em que homenageava de alguma forma meu saudoso Irmão. Talvez o artigo dele que mais tenha repercutido na década de 1970 tenha sido “De onde viemos, para onde vamos e por quê?”, o qual foi publicado em dois idiomas em diversos jornais do Brasil e da Bolívia.


A MILÃO SUL-AMERICANA
Ainda na década de 1970, por ocasião do bicentenário da fundação de Corumbá, publicou outro emblemático artigo, desta vez voltado para as perspectivas de desenvolvimento da região do Pantanal, quando explicou por que o turismo, ao lado do comércio, eram a vocação natural de Corumbá – tendo então comparado a posição estratégica do coração do Pantanal a Milão, na Itália. Essa matéria foi levada por um turista para publicá-la num jornal espanhol e em outro italiano. Desde então, quando calhava de se hospedar algum jornalista em sua pousada, meu Pai fazia questão de entregar alguns artigos de sua autoria, autorizando-o a publicar como quisesse, ainda que sequer publicasse a autoria. Ele foi um defensor declarado de que as ideias não têm “dono”, e é um dever fazê-las circular, em benefício da humanidade.

Mas foi ao lado de outros dois imigrantes como ele – William “Bill” Sefusatti, o ítalo-britânico dono dos barcos Califórnia, e Hermann Pettersen, alemão casado com Dona Maria, cuiabana, dono do Restaurante El Pacu, ambos localizados no Casario do Porto – que anonimamente deu sua contribuição para a consolidação do turismo contemplativo no Pantanal entre os fins da década de 1970 e início da década de 1990, quando alguns guias pioneiros brasileiros também passaram a integrar a atividade, tais como Clóvis Brandão Carneiro, Rodrigues, Guilherme Carstens, Armando Duprat, Roberto Kassar, Joaquim, Catu, Gilberto, José Bobadilha, José Paraguaio, Johnny Índio, entre outros. De forma bem profissional, ao lado da pioneira La Barca Tours, da família Nader, o também pioneiro J. Carneiro e seu Expresso do Pantanal consolidaram de forma sustentável o turismo voltado para as famílias que vinham conhecer o bioma pantaneiro pelo majestoso Rio Paraguai.

No início da década de 1990, frustrado com a sucessão de equívocos cometidos pelos gestores do turismo em nível estadual e municipal, que em troca de favores eleitoreiros, permitiam que os chamados guias piratas prostituíssem a atividade em Corumbá, iniciou uma série de artigos sobre a importância do turismo e fazendo explícitas advertências às instâncias administrativas. Recebia telefonemas de cumprimentos “pela coragem”, mas as sugestões reiteradas para a organização da atividade na região jamais viu serem implementadas. Tanto assim, em maio de 1994 encerrou as atividades de sua modesta pousada, depois de trinta anos de trabalho ininterrupto, em protesto contra a pirataria que então tomava conta do turismo.

Para não se deprimir, fez sucessivas viagens com a minha Mãe – ao México, onde mora um de meus irmãos e suas filhas; ao Líbano, onde deixou praticamente toda a Família, e à Bolívia, onde visitou a Família e amigos contemporâneos seus, ainda saudáveis – e, quando se preparava para organizar sua “segunda lua-de-mel”, para comemorar suas bodas de ouro, faleceu subitamente, ao meio-dia de uma quinta-feira, 4 de julho de 1996, aos 82 anos incompletos.

Minha Mãe, dona Wadia, viveu mais treze anos, tendo resistido estoicamente a um câncer virulento que a silenciou sem lhe tirar o gosto pela Vida, em menos de seis meses. Internada num hospital de Campo Grande, ela deu seu último suspiro no início da manhã de uma segunda-feira, dia 15 de junho de 2009, aos 83 anos de idade. Eles tiveram nove filhos (seis mulheres e três homens) e um legado de trabalho e muita dignidade, um exemplo para todos nós que nos orgulhamos de sermos filhos seus.

Ahmad Schabib Hany
1º de outubro de 2014