Evento
alvissareiro
O VIII Seminário Internacional
de Estudos Fronteiriços, realizado em Corumbá pelo Mestrado da área em parceria
com universidades e instituições de vários países durante a semana passada,
antevê um futuro promissor às cidades fronteiriças, sobretudo à Capital do
Pantanal e Coração da América do Sul.
Corumbá, entre 25 e 28 de setembro, foi palco
transcontinental de um evento de caráter internacional e importância científica
mundial, por sinal concorridíssimo nestes insólitos tempos de negacionismo e
obscurantismo sórdidos. Como fui um mero participante, não tenho como declinar
nomes de todos os pesquisadores e de todas as instituições envolvidas no
Seminário Internacional de Estudos Fronteiriços, vinculado ao Mestrado em
Estudos Fronteiriços do Campus Pantanal (CPAN) da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS), e a determinante parceria de diversas universidades e
instituições renomadas do continente americano.
A invasão por hackers
do sistema de dados da UFMS, ocorrido no dia 24 de setembro (véspera do evento
em Corumbá), prejudicou sobremaneira o acesso à programação, aos nomes, currículos
e instituições dos palestrantes, debatedores e participantes com direito a
apresentação de trabalhos. Apesar disso tudo, o brilho e a humildade de todos e
todas as pesquisadores e suas instituições fizeram com que o Seminário
Internacional de Estudos Fronteiriços, em sua oitava edição, fosse coberto de
total êxito.
Posso afirmar, sem risco de cometer gafe por
atrevimento, que pelo menos meia centena de cientistas de diferentes áreas do
conhecimento trouxe as suas contribuições para o desenvolvimento científico
(desde o México até a Argentina, da costa do Atlântico à costa do Pacífico, do
Caribe ao Golfo do México e de diversas universidades brasileiras, entre elas do
Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia, Grande Dourados, Mato Grosso e Rondônia, além
da anfitriã UFMS, em nossa região fronteiriça). Aportes qualificados de
pesquisas inter e multidisciplinares em regiões de fronteira sob olhar
antropológico, como na região de Chiapas (México e Guatemala, de origem Maia)
ou das povos Mapuche (Chile Argentina) e Aimara (Bolívia, Peru, Chile e Equador),
bem como os estudos das cidades gêmeas Guajará-Mirim (RO) e Guayaramerín
(Bolívia) realizados por pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia
(UFRO).
As pesquisas desenvolvidas de modo inovador (com a
adoção de novas metodologias, uma delas a experiência do ‘escutatório’) pelos
pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) com as populações
tradicionais (ribeirinhos e quilombolas) do Pantanal e Cerrado de Mato Grosso
(Poconé, Barão de Melgaço e Rondonópolis) são emblemáticas. Se houvesse maior
tempo para essa troca de experiências, pantaneiros sul-mato-grossenses teriam
muito, muitíssimo, a se beneficiar, não só pelo protagonismo estimulado, como
também pela capacidade de resiliência ensinadas por pantaneiros
mato-grossenses.
Não apenas na perspectiva da mobilidade humana (as
migrações), mas em sua cosmovisão, protagonismo coletivo, desenvolvimento
emancipatório e reafirmação cultural, diversas pesquisas foram expostas, em
profundidade, e submetidas ao debate. Talvez o veterano entre os pesquisadores
vindos, o pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que
expôs sob diferentes aspectos as relações interculturais entre diversas
fronteiras brasileiras mais ao sul (incluindo Ponta Porã e Pedro Juan Caballero),
resume de forma plena a necessária compreensão destes estudos e os desafios
inerentes.
A sessão / oficina de elaboração do Plano de
Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira do Centro-Oeste do Brasil,
realizada no Auditório Professor Salomão Baruki na última tarde do evento,
permite antever os avanços e desafios destas pesquisas inovadoras e,
obviamente, transformadoras. A propósito, diversos pesquisadores e
pós-graduandos relataram o processo de pesquisa (Corumbá/Ladário, Campo Grande,
Dourados, Cuiabá, Cáceres, Poconé, Barão de Melgaço, Santo Antônio de Leverger,
Rondonópolis, Guajará-Mirim, Porto Velho, Uruguaiana, Foz do Iguaçu, Ponta Porã
e Santa Cruz de la Sierra, entre outras) seja como comunicação, no auditório,
ou como banner (pôster), no saguão, além da rica troca de experiências neste
processo de interação e desenvolvimento coletivo.
Pesquisadora-docente do Mestrado em Estudos
Fronteiriços do CPAN/UFMS, Lucilene Machado Garcia Arf debateu sobre o legado
de protagonismo da pensadora e ativista boliviana Julieta Paredes e a concepção
de feminismo comunitário por ela desenvolvido. A pesquisadora analisou a
perspectiva inovadora / transformadora de Julieta Paredes no processo de
afirmação / emancipação das populações originárias bolivianas no começo deste
século e, de maneira didática, expôs as bases da concepção desse processo de
transformação social que vem ocorrendo na Bolívia desde 2005, quando amplas camadas
sociais assumiram o protagonismo político do agora Estado Plurinacional da
Bolívia.
A Professora Elisa Pinheiro de Freitas, de
Geopolítica do Mestrado em Estudos Fronteiriços do CPAN/UFMS, fez, ao lado de
colegas, o lançamento de seu mais recente livro, com base em pesquisa apurada e
autores clássicos da Geopolítica e da Energia, temática que estuda desde o
tempo de mestranda, doutoranda e pós-doutoranda na Universidade de São Paulo
(USP). Intitulado ‘Energia, poder e território: a geopolítica dos recursos
energéticos sob a hegemonia do capitalismo’, o livro é uma edição da Paco
Editorial e trata do processo de desenvolvimento energético do Brasil, que, apesar
de ser caudatário dos interesses das potências hegemônicas, conquistou certo
protagonismo no avanço da matriz energética de baixo carbono.
Sinceros aplausos aos realizadores, apoiadores e
participantes desse ousado evento, sem dúvida, de magnitude internacional e de
repercussão continental. A despeito da falta de verbas para concretizar sequer
um modesto seminário, os docentes-pesquisadores tiveram a coragem cidadã de
empreender uma verdadeira maratona científica em que a meta não tem sentido
competitivo, mas colaborativo. Constatei a generosidade de pesquisadores da
estatura da (para citar apenas um nome) Professora Cláudia Araújo de Lima, que,
mesmo aposentada e residindo em Brasília, veio de van desde Campo Grande para
contribuir com seus inestimáveis conhecimentos fora das mesas, estando na
plenária, como tantos outros e outras colegas pesquisadoras igualmente
experientes e generosas.
Embora sob indisfarçável desapontamento com, no
dizer do eterno Horacio Guarany em seu memorável ‘Si se calla el cantor’
(celebrizado na voz da saudosa Mercedes Sosa), “los humildes gorriones de los diários”
desta região fronteiriça que não cobriram um dia sequer de um evento de âmbito
e relevância internacional que durou quatro dias, ora na Unidade 3 do CPAN/UFMS
(Alfândega, Porto Geral), ora no Auditório Professor Salomão Baruki, na Unidade
2, Bairro Universitário. Com a autonomia permitida pela tecnologia digital, após
o primeiro contato, o pessoal do telejornalismo poderia deixar agendada a
entrevista com cada uma ou cada um dos pesquisadores, dentro da temática pertinente.
Pauta, aliás, que daria para realizar durante todo o ano, ou até muito mais.
E sem qualquer afã provocador, nunca é tarde para
lembrar que a história acontece nas ruas, longe dos palácios e dos burocratas.
Em 1984, tanto em junho como em novembro, ocorreram em Corumbá o VII Seminário
de Ensino, Pesquisa e Extensão (SEPE), do CEUC/UFMS, e o I Simpósio sobre
Recursos Socioeconômicos e Naturais do Pantanal (sob a coordenação técnica do
Pesquisador Eduardo Künze Bastos e o apoio dos Pesquisadores Arnildo Pott,
Sílvia Maria Costa Nicola e Araê Book, à época chefe da UEPAE/Embrapa de Corumbá,
depois primeiro chefe-geral da atual Embrapa Pantanal, além do Professor
Arnaldo Yoso Sakamoto, do CEUC/UFMS), oriundo de uma parceria entre o CEUC/UFMS
e o recém-criado Centro de Pesquisas Agropecuárias do Pantanal (CPAP) da
Embrapa. Na falta de assessor de imprensa, este aprendiz de cidadão se prestou,
anônima e voluntariamente, a ‘carregar o piano’ para preparar material para a mídia,
e o pouco que está registrado nas hemerotecas locais e estaduais deve-se à
teimosia dos que fizeram, a despeito da resistência dos burocratas de Campo
Grande e Brasília, que não conseguiam entender o interesse de quem o fazia em
troca de absolutamente nada.
Decorridos quase quarenta anos, hoje a realidade é
outra, não faltam Jornalistas com diploma, até porque nossa geração lutou e
conquistou com quase os mesmos protagonistas (os saudosos Professores Jair
Madureira, reitor, e Octaviano Gonçalves da Silveira Junior, ex-diretor do
Centro de Ciências Humanas e Sociais -- CCHS -- e depois chefe de gabinete do
reitor, e alguns Amigos que articularam o encontro e que gostam de discrição,
não de holofotes, durante a realização do VII SEPE) para a implantação do curso
pioneiro de Comunicação Social na UFMS (levou mais alguns anos para a seleção
de docentes e a oferta de vagas, em 1988, e o início das aulas, em 1989).
Eram tempos de reconquista da democracia, pois
1984 já era prenúncio do fim do regime de 1964. O clima de tempos de liberdade
e alívio tem discreta relação com nossos dias, contudo a ultradireita estava na
exaustão e totalmente desacreditada, diferente de hoje, que ainda teima em
mostrar as garras e desafiar o Estado Democrático de Direito. Longe de nos
pretendermos ‘donos da verdade’ (porque ser incisivo na defesa de pontos de
vista é uma razão de ser depois de um vendaval genocida que arrancou da
existência milhares de seres, inclusive humanos, em nome de um negacionismo
obscurantista medieval. E cabe às novas gerações manter essas conquistas, focar
no desenvolvimento soberano da ciência e da tecnologia e defender o Estado
Democrático de Direito, de cuja existência depende a sobrevivência de todas as
espécies, inclusive a humana.
Ahmad
Schabib Hany
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