sábado, 29 de maio de 2021

CUBA, A DIGNIDADE DE UM POVO DO TAMANHO DE SUA ALTIVEZ

CUBA, A DIGNIDADE DE UM POVO DO TAMANHO DE SUA ALTIVEZ

“Lo que brilla con luz propia, nadie lo puede acabar.

Su brilho puede alcanzar la oscuridad de otras cosas.”

Pablo Milanés (Canción por la Unidad Latinoamericana)

Desde que a trágica colonização se abateu sobre o continente batizado de americano, o povo do território que foi chamado de Cuba, ainda no século XVI, nunca mais conheceu a paz e a concórdia, mas o saque e a exploração até que a Revolução Cubana de 1959 lhe assegurou soberania, dignidade, respeito e autoestima.

Piratas, corsários e todas as corjas oriundas da Europa usavam o arquipélago cubano, no Caribe, como base de apoio às suas aventuras.

No genocida processo de colonização, os povos originários praticamente foram extintos pelos espanhóis, e para explorar a mão de obra escrava e alimentar o comércio negreiro, trouxeram aprisionados centenas de milhares de africanos, que hoje constituem a maioria da população cubana.

Na dura luta pela independência da Espanha, o povo cubano teve como líder o pensador, jornalista e poeta José Martí, também chamado de “O Apóstolo”, mutilado em pleno combate pelas tropas coloniais antes do fim da guerra pela independência, em fins do século XIX.

É dele este emblemático pensamento:

“A liberdade custa muito caro e temos ou de nos resignar a vivermos sem ela ou de nos decidir a pagarmos o seu preço.” (José Martí)

Mas seu exemplo, resgatado pela Revolução Cubana, sequer foi honrado pelos sucessivos ditadores, verdadeiros marionetes do “Grande Irmão do Norte” e demais representantes dos interesses das empresas açucareiras e de orgias para a elite estadunidense, na primeira metade do século XX.

Durante praticamente duas décadas de luta contra o ditador Fulgencio Batista, mais um fantoche dos interesses americanos em solo cubano, três jovens líderes de um levante popular sem precedentes deram outro rumo à história do Povo Cubano: Fidel Castro, Camilo Cienfuegos e Ernesto Che Guevara.

A ira da elite entreguista cubana e os interesses do poder capitalista americano tentaram de todos os meios silenciar a Revolução. Mas o Povo Cubano deu o apoio necessário ao novo líder, Fidel Castro, e aos poucos foi se aproximando do socialismo, em plena Guerra Fria.

No início da década de 1960, com a participação de Che Guevara no governo revolucionário cubano, os Estados Unidos tentaram uma invasão, mal sucedida e que custou caro ao governo norte-americano, humilhado dentro de sua área de influência. O ponto alto dessa tensão foi a crise do mísseis, quando a União Soviética enviou mísseis para a defesa da ilha e os Estados Unidos tentaram repelir – segundo alguns historiadores o episódio por pouco não foi o estopim de uma possível terceira Guerra Mundial.

Desde então, Cuba vive um terrível bloqueio econômico (um verdadeiro boicote econômico que impede que as demais nações do continente negociem com o governo da ilha), além de parte de seu território, a região de Guantánamo, ter estado sob permanente ocupação militar estadunidense. Aliás, é lá onde atualmente se encontra a abominável prisão que o governo dos Estados Unidos mantém desde 2001 aprisionadas as vítimas de sua propaganda terrorista contra os árabes: sem qualquer processo formal, violando as mais elementares prerrogativas dos Direitos Humanos e das convenções internacionais, os autoproclamados “paladinos da democracia e dos direitos humanos” cometem toda forma de desumanidade, em nome de uma ficção que eles mesmos criaram – a luta contra o “terrorismo” (quando eles são os maiores terroristas).

Mesmo acuada, Cuba não deixou de manter viva a chama da solidariedade socialista, e, além de ter recebido jovens de todas as partes do mundo para frequentar suas universidade, escolas profissionais e centros de excelência em diversas atividades humanas, enviou suas missões humanitárias para vários continentes, sobretudo África (Angola e Moçambique) e América Latina (Peru, Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Venezuela e mais recentemente Brasil).

Não por acaso, Fidel Castro, ao lado de Jawaharlal Nehru (Índia), Gamal Abdel Nasser (República Árabe Unida) e Josip Broz Tito (Iugoslávia) foram os protagonistas do Movimento de Países Não Alinhados, que representou uma alavanca à luta dos povos por sua libertação nacional, seja América, África, Ásia, Oceania e Europa.

Até para os conservadores, Cuba tem um sentido emblemático, ou, como os camaradas baianos declararam na convenção de solidariedade anterior, “uma terrível pedra no sapato, uma vez que é a demonstração real da superioridade moral do socialismo”. E são eles que disseram que soube superar “as maiores adversidades após o fim da União Soviética sem fechar um único hospital ou escola e sem abrir mão da solidariedade internacional: menor taxa de mortalidade infantil da América Latina, menor taxa de violência urbana, analfabetismo zero, todas as crianças na escola, primeiro país do continente americano a cumprir as metas do milênio segundo a ONU, melhor país da América Latina e 30º do mundo para ser mãe, segundo a fundação inglesa Save the Children”.

Depois da extinção da União Soviética, os trabalhadores do mundo e alguns governos socialistas e anti-imperialistas passaram a colaborar com o Povo Cubano, mas o mérito de sua heroica superação é deles, exclusivamente. Ao contrário da insaciável propaganda enganosa do “grande irmão do norte” e de todas as iniciativas terroristas estadunidenses de sabotar, cooptar e denegrir o Povo Cubano de todas as formas, Cuba dá inequívocas provas de sua decisiva opção pelo socialismo como real alternativa para a sociedade decadente e cada vez mais fratricida do hediondo capitalismo, agora travestido de sociedade global, mas sempre igualmente perverso, tirânico, excludente e mais que nunca intolerante e explorador.

Por isso, a solidariedade a Cuba e à dignidade de seu bravo e heroico Povo é incondicional, fraternal, militante e, sobretudo, literalmente dialética: proativo, criativo, palpitante, alegre, futurista e permanente – como a Vida –, com a mesma convicção dos jovens que transformaram e transformam o mundo para as novas gerações, e dos sábios anciões como Oscar Niemeyer que, do alto de seus mais de cem anos, calou a boca dos milhões de cínicos “ex-socialistas” arrependidos: “Enquanto houver uma só criança no mundo a morrer de fome, tenho orgulho de ser socialista.”

Foi assim como Chico Buarque verteu para o português o citado poema de Pablo Milanés:

A história é um carro alegre cheio de um povo contente, que atropela indiferente todo aquele que a negue.

É um trem riscando trilhos, abrindo novos espaços, acenando muitos braços, balançando nossos filhos.

Quem vai impedir que a chama saia iluminando o cenário, saia incendiando o plenário, saia inventando outra trama?”

 

(Pablo Milanés e Chico Buarque, Canção para a Unidade da América Latina)

 

https://schabibhany.blogspot.com/2013/06/cuba-dignidade-de-um-povo-do-tamanho-de.html

Schabib Hany, pelo Observatório da Cidadania Dom José Alves da Costa (Corumbá, MS)

'É PRECISO TER CORAGEM' (DARY JR.)

SOBRE A MAIS RECENTE MÚSICA DO DARY JR.

“É PRECISO TER CORAGEM...”

Lembram-se de um jovem repórter que, com coragem e desenvoltura, ancorou a campanha de Manoel Bronze, do PT, ao governo de MS em 1990, quando as eleições, durante o primeiro ano de (des)governo Collor, se polarizaram entre Pedrossian (PTB) e Gandhi Jamil (PDT)?

Pois é, ele, Dary Jr., era uma grande promessa para o Jornalismo (com letra maiúscula) em MS, mas as oligarquias que se apossaram dos meios de comunicação lhe fecharam as portas depois que ele, além de ancorar o programa eleitoral, compôs e interpretou a belíssima letra, por sinal, muito parecida à de Zeca em 1998.

Se os seus desafetos acharam que isso o faria desistir de suas convicções ou de seu ofício de Jornalista de verdade, ao contrário, acabaram fazendo-lhe um grande favor, pois brilhou, fora do estado criado pela ditadura, no jornalismo da Vênus Platinada (por uma questão de sobrevivência) e chegou até editar um programa sobre cultura e arte na TV Justiça, em Brasília.

Mas o que ele sempre gostou de fazer é música, e de alto nível. Ainda em sua Corumbá, nos anos 1980, ele criou a banda de rock com o sugestivo nome de "Carestia em ascensão"; em Curitiba, no início dos anos 2000, a "Terminal Guadalupe", e por aí foi peregrinando pelas artes, e hoje nos presenteia com esta pérola:

 


Gostei! O Dary é um gênio...

É uma pena que o chamado "mer(d)cado" fonográfico esteja ainda mais contaminado pela mediocridade negacionista que nos tempos da (mal)ditadura! Com todo o devido respeito à identidade extraordinária dele, mas a genialidade é comparável à do Cazuza em seus melhores momentos...

Não sou, nunca fui nem pretendo ser crítico musical. Entendo que isso seja para quem nasceu com o dom compor e interpretar. Mas como, digamos, apreciador exigente de música, me dou o direito de emitir minha modesta e despretensiosa opinião. Ainda que incomode com isso os ‘doutos’ do mer(d)cado...

Trago, porém, dois comentários com muita propriedade de Amigos-Companheiros-Camaradas que têm bastante familiaridade com a música, que são, respectivamente, os Professores Alberto Feiden e Moacir Lacerda, que além da sensibilidade artística têm a percepção crítica e, sobretudo, o compromisso com a ciência:

“Incorporou uma batida bem típica do rock curitibano do movimento Som do Sul dos anos 80 do século passado.”

“Muita boa em tudo: música, letra e execução; estilo bem bacana. Contempla as velhas e novas gerações...”

E como o artista não vive de brisa, até por conta dos custos de gravação (que não são baratos), deixo aqui as plataformas digitais, por cuja execução se espalham as canções e podem dar algum retorno financeiro ao artista para custear as despesas de gravação: <https://tratore.ffm.to/eprecisocoragem>.

Obviamente, sensível à situação da maioria do povo brasileiro e que não tem condições de assinar alguma plataforma digital, ele deixou um link no YouTube para os milhões de trabalhadores/as brasileiros/as que são amantes das músicas de qualidade e que hoje estão fartos da ditadura do jabaculê das grandes gravadoras: <https://youtu.be/Kqj6AQ0ZvRo>.

 “É preciso ter coragem...”

sexta-feira, 21 de maio de 2021

GRATOS, HELÔ E DONA EUNICE!

GRATOS, HELÔ E DONA EUNICE!

O reconhecimento de uma manifestação cultural popular como o banho de São João pelo IPHAN como patrimônio cultural imaterial nacional confirma que a maior riqueza desta terra exuberante são seu povo e sua vida (seu modo de ser e de viver, conviver, devotar, festar, falar, amar, acolher, compartilhar, trabalhar, lutar e se relacionar com o próximo e com o exuberante ambiente de seu entorno, o majestoso Pantanal).

Devemos isso, sobretudo, às pessoas que, sem qualquer outro interesse, como uma razão de ser, dedicaram suas Vidas a esse generoso e sincero objetivo, entre elas as saudosas Heloísa Urt e Dona Eunice Ajala Rocha, sempre presentes, dignas de nossa sincera gratidão.

Parabéns a Corumbá e Ladário pela conquista de um reconhecimento emblemático como o do banho de São João nas águas do Rio Paraguai. É a vitória da Vida e da História neste momento lúgubre, sombrio, que tanto nos aflige.

Com a devida vênia aos religiosos de todas as denominações, mas parece que São João Batista recorreu a Nossa Senhora da Candelária para ‘alumiar’ as mentes e corações de todos e, em meio ao breu e às cinzas espalhadas de nosso querido, mas maltratado, Pantanal, nos chamar à razão para cuidarmos do maior patrimônio que temos: o povo e sua vida, seu jeito de ser, de viver, conviver, devotar (de devoção, por favor, mas também de votar, por que não?), festar, amar, acolher, compartilhar, trabalhar, lutar e se relacionar com o próximo e com o exuberante ambiente de seu entorno, o Pantanal.

Com todo o respeito merecido pelo esforço de todas as pessoas envolvidas nesta etapa conclusiva - os atuais e ex-gestores, técnicos e conselheiros da Cultura e do Patrimônio Histórico de Corumbá, Ladário, Mato Grosso do Sul e do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico Nacional) -, mas aqui cabe um reconhecimento público especial a duas grandes cidadãs que não mais estão entre nós, “pantaneiras da gema”: a querida Professora Heloísa Helena da Costa Urt e sua incansável e generosa obsessão de valorizar a cultura popular (e ter tomado a iniciativa corajosa em 2010, ao dar o pontapé inicial desta longa e exitosa tramitação) e a igualmente querida Professora Eunice Ajala Rocha, cujo amor pelo povo e sua cultura a tornou pioneira nas pesquisas sobre os cururueiros, a viola de cocho e os festejos de São João no contexto da cultura popular pantaneira.

Cacerense de ‘chapa e cruz’, a Professora Eunice Ajala, viúva do sempre lembrado Vereador Edu Rocha, apesar da dor pela tragédia pessoal (afinal, seu Companheiro fora covardemente assassinado quando se encontrava em plena ascensão política, em fins da década de 1950), sempre amou o povo que a acolheu e à sua família. Tanto que, ainda acadêmica do curso de História, cativou os Professores Valmir Batista Corrêa e Lúcia Salsa Corrêa com seus projetos sobre a cultura popular do Pantanal, que eles passaram a orientá-la em suas pesquisas. Não demorou muito, Dona Eunice fez o mestrado em São Paulo sob a coorientação da Professora Lúcia Salsa e do Professor Valmir Corrêa.

Em 1983, coube ao então Vereador Valmir Corrêa, eleito pelo PMDB, indicar a pessoa que viria a ser a titular da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Corumbá na gestão do médico Fadah Scaff Gattass, indicado pelo Doutor Wilson Barbosa Martins e nomeado pelo general João Figueiredo (o Professor Valmir foi titular dessa pasta, por pouco tempo, na gestão do empresário Armando Anache como prefeito nomeado). Foi a oportunidade de a Professora Eunice poder demonstrar seus conhecimentos e retribuir o carinho que o povo lhe deu duas décadas antes, quando implementou uma série de políticas para a Cultura e para a Educação em Corumbá.

Com a Professora Eunice, deu-se início aos estudos para o processo de tombamento do Casario do Porto de Corumbá e de seu entorno, do qual o Vereador Valmir foi autor como lei municipal. Em sua gestão, a Educação e a Cultura foram responsáveis por uma série de inovações, como a adoção do espanhol como opção de língua estrangeira, a difusão da arte dos cururueiros e da construção da viola de cocho, do banho de São João e dos primeiros estudos sobre a contribuição dos afrodescendentes escravizados na construção da Corumbá do pós-guerra de 1867 (com base em pesquisas que ela mesma havia desenvolvido na então Universidade Estadual de Mato Grosso).

Helô Urt, palestino-pantaneira com um coração do tamanho de seu amor pelas grandes causas, cuja passagem pela Cultura revolucionou os rumos de nossa terra. Assim que assumiu a Casa de Cultura, sucedendo o igualmente querido Augusto César Proença na coordenação do ILA no primeiro mandato do Governador Zeca, Helô sacudiu o imponente casarão e o transformou em usina de ideias-piloto em três frentes: cultura, cidadania e ambiente, dentro de uma estratégia interdisciplinar. Mais tarde, quando foi nomeada presidente da Fundação de Cultura do Pantanal de Corumbá, ela implementou essa estratégia, construindo uma série de parcerias com ONGs e movimentos populares.

Não por acaso, o ILA então sediou uma série de eventos, projetos e programas pioneiros, como atividades alusivas ao Dia Mundial da Água; Dia Mundial da Saúde; Dia da Terra; Dia da Consciência Negra; curso de fabricação de viola de cocho e de formação de violeiros; cursos de formação e empoderamento de mulheres para artesanato em taboa e para a cidadania (em parceria com o Projeto Mulheres de Fibras, da UFMS, coordenado pela Professora Wadia Schabib Hanny); cursos de qualificação do controle social para a formação de conselheiros não governamentais de diversas políticas públicas; curso popular para o monitoramento e conservação da arborização urbana de Corumbá (em parceria com as Professoras Wadia e Iria Hiromi Ishii, da UFMS), entre tantos outros.

Aliás, a gênese da iniciativa para o tombamento da viola de cocho, com o devido resgate do querido e saudoso Agripino Magalhães Soares e seus companheiros violeiros, inclusive de Ladário (e os contatos com o de Cáceres, em Mato Grosso), partiu dela, irrequieta e ousada, como sempre foi. E a mesma sacada teve quando pensou no banho de São João como patrimônio cultural imaterial nacional, pouco antes de se eternizar, em 2011. Para ela, Corumbá e Ladário eram uma usina criadora de tudo, fruto de muita miscigenação e do cosmopolitismo desde antes da entrada no século XX. Felizmente encontrou eco em grandes mulheres como a Socióloga Wanessa Pereira Rodrigues, gestora da Cultura de Ladário, que em 2013 incluiu a cidade-irmã nos processos do IPHAN.

O banho de São João é a primeira manifestação cultural de Mato Grosso do Sul como Patrimônio Cultural Imaterial Nacional tombada pelo IPHAN. E, a bem da verdade, foi assim quando do tombamento, quase 40 anos atrás, do Casario do Porto de Corumbá como Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional, também o primeiro em Mato Grosso do Sul, graças ao trabalho, questionado e combatido (porque, por ignorância ou má-fé, os detratores insistiam que isso condenaria a região ao atraso), dos Professores Valmir Batista Corrêa, Lúcia Salsa Corrêa e Gilberto Luiz Alves, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (então no Centro Universitário de Corumbá).

Como no início da década de 1980, Corumbá e Ladário hoje clamam por uma política diferenciada de desenvolvimento sustentável, condizente com sua vocação histórica, biológica, geológica, cultural e ambiental. Se na década de 1980 o reconhecimento do valor histórico do Casario do Porto de Corumbá abriu as portas da região para o turismo - reiterado pela descoberta pelo cientista alemão Detlef Wald do fóssil Corumbella, provavelmente a primeira manifestação de vida pluricelular da Terra -, atualmente a conquista deste status pelo povo pantaneiro serve também de advertência para que as elites de Mato Grosso do Sul mudem seu modo de enxergar Corumbá e Ladário de modo subalternizado, folclorizado ou até debochado.

Porque Corumbá e Ladário são expressões autênticas deste Pantanal único e de seu povo sábio e repleto de culturas originárias, tradicionais e exóticas, daí seu cosmopolitismo secular. Tudo que esta região peculiar e exuberante precisa é oportunidade de inserção no contexto do verdadeiro progresso, cuja verdadeira riqueza está na gente, no seu jeito de ser, viver, se relacionar e interagir, sobretudo com seu ambiente majestoso e único, bioma, aliás, que muitas nações gostariam ter enquanto desavisados tentam destruí-lo impunemente.

Ahmad Schabib Hany

domingo, 16 de maio de 2021

ATÉ QUANDO CONTINUARÁ O HOLOCAUSTO DO POVO PALESTINO?

ATÉ QUANDO CONTINUARÁ O HOLOCAUSTO DO POVO PALESTINO?

Uma sucessão de crimes contra a humanidade tem sido praticada contra o povo palestino, que resiste heroicamente à violência desproporcional das forças de ocupação desde antes de 1947, quando, a 29 de novembro, seu território milenar foi dividido sem ter sido realizada qualquer consulta prévia à sua população.

O recrudescimento da violência em escala exponencial contra a população palestina, há pouco mais de uma semana, em Jerusalém Oriental, Cisjordânia e Faixa de Gaza atingiu nível de letalidade preocupante: a grande imprensa tem dado ênfase às 10 vítimas fatais de nacionalidade israelense, mas não noticia com o mesmo destaque as mais de 145 vítimas fatais palestinas, como que as vidas humanas tivessem pesos diferentes.

Ao contrário da versão colonialista de que ‘o conflito entre árabes e judeus é milenar’ - criada e disseminada para justificar sua insaciável cobiça e inconfessáveis interesses expansionistas, saqueadores e opressores -, até antes da partilha da Palestina, em 29 de novembro de 1947, palestinos de todas as religiões (cristãos, muçulmanos e judeus) por séculos e séculos conviveram harmoniosa e civilizadamente.

Aliás, todos os palestinos, independentemente de sua religião (ou que não professassem alguma) sempre foram muito patriotas, tanto que expulsaram os invasores dos impérios romano, turco-otomano e britânico em diferentes oportunidades ao longo da história. A Palestina sempre foi cobiçada por todos os impérios por causa de sua posição geopolítica estratégica e pelas riquezas naturais nela existentes, com abundância e diversidade.

Livros ocidentais sobre a Palestina do século XIX - portanto, antes da incursão sionista sobre o território milenar palestino - revelam com riqueza de detalhes a exuberância, o nível de progresso econômico, social, cultural e político de cidades emblemáticas, como Jerusalém e Belém (apenas para citar duas), comparadas a Bagdá, Damasco, Cairo e Beirute: a) cosmopolitas, pois acolhiam cidadãos de todas as culturas, nacionalidades e religiões; b) modernas, com todos os recursos tecnológicos da época, mas sem incorrer na descaracterização de construções milenares ou seculares; c) densamente povoadas, com número de habitantes maior ou igual às outras capitais árabes citadas antes, pelo que nunca passou de uma grande falácia a consigna sionista de “um povo sem terra para uma terra sem povo”, até hoje utilizada com cinismo e má-fé pelos defensores das agressões ao povo palestino, às suas moradias legitimamente habitadas há séculos pelas famílias que foram expulsas sob os mais covardes ardis.

O historiador Arnold J. Toynbee, a despeito de sua origem britânica, foi uma testemunha sincera e destemida da justeza da causa palestina, razão pela qual acabou invisibilizado pelo status quo ocidental depois de ter realizado uma série de conferências pela Europa e América do Norte condenando a partilha da Palestina. É habitual que todo intelectual ocidental que questione os inconfessáveis interesses do sionismo seja combatido pelo lobby judaico-americano e venha a ser rotulado de ‘antissemita’ (sic). Entretanto, para quem usa esse argumento, precisa ter coerência e deve observar que os descendentes de Ismael, entre eles os palestinos, também são semitas...

Isso também aconteceu com o incansável Jornalista Robert Fisk, também britânico, cuja carreira de correspondente internacional foi muito combatida ao longo de décadas pela coragem de se posicionar de modo independente na cobertura dos conflitos bélicos e das chacinas cometidas por Israel, sobretudo nos anos 1970, 1980 e 1990. É verdade que, no final de sua carreira jornalística, andou escorregando em certos comentários infelizes, o que me levou a travar um intenso debate com ele, mas é inegável o reconhecimento de sua ética e dignidade na cobertura jornalística corajosa, valorosa e justa.

Hoje, com a rede mundial de computadores, as maiores bibliotecas do mundo estão conectadas e não é difícil acessar livros históricos que tratam da questão com lisura e rigor, inclusive em língua portuguesa e espanhola, para melhor compreensão do leitor brasileiro. Há artigos escritos por personalidades acima de qualquer suspeita, como o grande pacifista e líder humanista Mahatma Gandhi em que se posiciona nitidamente pela causa palestina, e pensadores de ascendência judaica como Eric Hobsbawm, Noam Chomsky e Michel Chossudovski que elucidam didaticamente os reais interesses pela criação de um enclave colonialista no coração do Oriente Médio.

Com o fim da ‘guerra fria’ em 1990, o sionismo, por meio da pressão econômica do Ocidente, deixou de ser condenado, a exemplo do “apartheid” da África do Sul, como forma de racismo em resolução da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas. A partir de então, os sucessivos governos do Estado de Israel - criado por resolução da ONU sem ter ouvido a população palestina, e com o voto de minerva do então presidente da Assembleia-Geral, Oswaldo Aranha, para fazer o desempate em favor de Israel e pela tragédia dos palestinos, que desde então vivem um verdadeiro holocausto e se acham em constante êxodo, tendo perdido suas moradias, escolas, universidades, seus cultivos, fábricas, comércios, empregos, seu porvir e, sobretudo, sua pátria, sua nacionalidade.

Não nos esqueçamos que a história está repleta de fatos da proteção árabe aos judeus perseguidos pela Inquisição na Idade Média. Não por acaso, a Península Ibérica estava tomada de judeus sob a proteção dos árabes, que entre 350 e 800 anos (dependendo da região), colonizaram e deixaram sua ciência, sua cultura, suas artes. Por que, afinal, o português e o espanhol têm mais de 20% de palavras árabes em seu léxico? Por que, em fins do século XV, os reinos católicos de Castela e Aragão e de Portugal foram pioneiros e bem sucedidos nas grandes navegações, enquanto a Europa toda vivia nas trevas do obscurantismo medieval? Quem foram os tradutores fidedignos das obras da Antiguidade Clássica, traduzidas do grego e de ‘línguas mortas’ para o árabe, que resgataram obras queimadas no Ocidente medieval por serem pagãs (sic)? E o estudo de anatomia, com Ibn Rois e Ibn Cina (Avirrois e Avicena), que assegurou o desenvolvimento da medicina moderna, a quem é devido (porque então era proibido pelos senhores feudais e seus sócios herdeiros das ruínas do antigo império romano)? E a sistematização da gramática, no caso do espanhol e do português, que não guarda semelhança ao latim, mas ao árabe? As artes, a arquitetura, a matemática, a álgebra, a geometria, a astronomia, a náutica etc, disseminadas com generosidade e sem o filtro teológico ou ideológico?

Ao contrário do estigma deixado pelo colonialismo ocidental, a diversidade árabe, desde a Antiguidade, permitiu a convivência entre os diversos, a construção de universidades pioneiras, de centros culturais milenares. Sem qualquer apologia a qualquer forma de expansionismo, diferentemente da intolerância e da cobiça demonstrada na colonização ocidental nas Américas, Ásia, África e Oceania, os chamados ‘mouros’, em mais de 800 anos de ocupação da Península Ibérica, permitiram a fala dos idiomas nativos e o culto religioso cristão, enquanto portugueses e espanhóis, sob pretexto de uma suposta ‘salvação’ aos povos ‘pagãos’, saquearam, dizimaram, escravizaram e destruíram povos inteiros, levando à desaparição total de suas culturas (para usar um termo cultuado no ocidente, civilizações pré-coloniais). Hoje a humanidade toma conhecimento do estrago causado por esse modelo predador de desenvolvimento em todos os sentidos: cultural, antropológico, ecológico, econômico, urbanístico, humano e sobretudo civilizatório (no sentido dado pelo grande estudioso Darcy Ribeiro).

Não custa lembrar mais um ardil da simbiose funesta entre o nazismo e o sionismo: a ‘limpeza étnica’, sob vários pretextos (desde a rotulação pouco inteligente de chamar os palestinos de ‘terroristas’ às bizarras formas racistas mais cínicas e primitivas de que os palestinos, sobretudo as mulheres, só sabem ‘fazer filhos’ [sic], são atrasados e não servem para trabalhar nas sociedades modernas), para justificar a incessante diáspora palestina, só comparada às tristes marchas para os campos de extermínio realizadas por  nazistas e seus asseclas durante os nefastos anos sob a tirania hitlerista em território europeu. E é bom lembrar que o holocausto judeu foi perpetrado na Europa do século XX por ‘civilizados’ europeus, e não na Palestina ou qualquer outro país árabe.

Finalmente, a morte em circunstâncias nunca esclarecidas do maior estadista árabe dos últimos quatro séculos, Gamal Abdel Nasser, presidente do Egito e um dos fundadores da República Árabe Unida (RAU), Liga dos Estados Árabes (LEA), Organização da Unidade Africana (OUA) e, inclusive, do Movimento dos Países Não Alinhados (MNA, ao lado de Josip Broz Tito, Jawarhalal Nehru, Sukarno e Cho En Lai), e sua sucessão por seguidores de grupos sectários do tipo “Irmandade Islâmica”, depreende-se que foi desenvolvida uma estratégia de substituir lideranças laicas sem sectarismo religioso por líderes que passaram a justificar o sectarismo judeu, cada vez mais fundamentalista e intolerante.

Aliás, a eliminação física de Saddam Hussein (em cuja capital, Bagdá, havia uma das maiores comunidades judias do mundo e que nunca foram reprimidas pelo regime do BAAS) e de Muammar Kadafi, também laicos e adversários de líderes fundamentalistas, na primeira década deste século, corrobora com a tese de que não é puro acaso a expansão de movimentos sectários (religiosos) no Oriente Médio, até para justificar o Estado teocrático em que Israel se desmascarou, sobretudo depois da sucessão de premiês direitistas vinculados a organizações fundamentalistas judias, como Benjamin Netanyahu.

Lembrando uma emblemática mensagem de Eduardo Galeano de 1975, a propósito de “As veias abertas da América Latina”, curiosamente borrada da internet no início do século XX, em que resgatava a recusa de Simón Bolívar ao panamericanismo proposto pela Doutrina Monroe, dos Estados Unidos: “A América para os americanos, não. A América para a humanidade.” Ao que meu saudoso e querido Pai acrescentou em artigo publicado no semanário Tribuna Livre, de Corumbá, em 1987: “A Palestina para os sionistas, não. A Palestina para a humanidade.”

Nossa irrestrita e incondicional solidariedade ao heroico povo palestino, neste momento de dor e luto, e a conclamação às consciências libertárias do mundo todo para apoiar a resistência palestina com alimentos, medicamentos, atos públicos online para denunciar as atrocidades cometidas à luz do dia (mas sonegadas pela grande mídia) e, sobretudo, sabotar todas as empresas que de qualquer forma apoiam o genocídio contra o milenar povo palestino, não consumindo seus produtos.

Afinal, enquanto a Palestina estiver sob o jugo sionista e seu milenar povo não tiver os mais elementares direitos humanos proclamados pela ONU em 1948, não haverá paz no Oriente Médio. A paz mundial começa na Palestina!

Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 14 de maio de 2021

SABAH, A ALVORADA QUE DESCORTINOU HORIZONTES

SABAH, A ALVORADA QUE DESCORTINOU HORIZONTES

Estudiosa desde a infância, a Psicóloga Sabah Robban se eterniza num momento em que, como nunca, a abnegação e o altruísmo com que sempre se caracterizou são as maiores carências de uma sociedade silenciada pelo individualismo destes tempos sombrios.

Corumbá ficou muito mais pobre nesta quinta-feira, dia 13. A Psicóloga Sabah Robban, exemplo de profissional e de ser humano dedicado à educação inclusiva, se eternizou em consequência de problemas cardíacos. Além de ter trabalhado por décadas a fio na APAE de Corumbá, foi uma referência na pioneira plêiade de profissionais corumbaenses voltadas para a inclusão de pessoas com deficiência, procurando sempre se atualizar para desenvolver com plenitude seu nobre ofício baseado na ciência e no humanismo.

De personalidade forte e muito sincera, Sabah foi membro, há quase duas décadas, de diversos conselhos de controle social, quando, ao lado de colegas como a Psicóloga Marilza Pinheiro e as Professoras Iliane Esnarriaga e Ruth Esnarriaga, contribuiu para a efetivação de políticas públicas sociais em Corumbá. Foi nessa oportunidade que pude testemunhar sua sinceridade e compromisso com a qualidade de vida e a efetiva inclusão das pessoas com deficiência em um dos mais antigos centros urbanos do Brasil.

Filha de imigrantes sírios, Sabah fez de Corumbá sua razão de ser, sua família. Dedicou seu conhecimento e sua própria existência à população que acolheu com generosidade e hospitalidade a sua Família, como a todos os imigrantes que fazem do coração do Pantanal e da América do Sul um centro cosmopolita há mais de 150 anos. Tanto Sabah como seus Irmãos têm dedicado suas vidas e a de seus descendentes ao desenvolvimento com qualidade de vida do povo corumbaense nas diversas atividades em que atuam.

Sabah em árabe significa Manhã, semanticamente se remete ao alvorecer do dia, quando a claridade abre os horizontes da humanidade. Independentemente da religião, nacionalidade ou cultura, é da tradição das famílias do Oriente Médio, ao escolher o nome de uma filha ou de um filho, proporcionar um sentido, um ‘destino’ benfazejo a seu/sua descendente. E a Psicóloga Sabah deu sentido ao seu nome, à sua existência, ao propiciar às pessoas pelas quais dedicou sua Vida uma manhã alvissareira, promissora, com melhor qualidade de vida e condições de trabalho que assegurassem sua dignidade humana.

Sua breve, mas intensa, existência foi provedora de oportunidades, transformações, sonhos, esperanças e realizações para diversas gerações e inúmeras pessoas que se depararam com algum tipo de deficiência, mas que puderam se sobrepor a elas com a generosa participação profissional da incansável Psicóloga e Educadora (com letras maiúsculas) que, em tempo integral, fazia de seu ofício sua própria razão de ser.

Sabah se eterniza no momento em que a sociedade carece de abnegação e altruísmo que a caracterizaram. Seu legado de empatia e generosidade permanece vívido e fecundo junto às gerações que conviveram e testemunharam seu proceder profissional e humano. Nossa solidariedade e sinceros sentimentos à sua querida Família neste momento de luto e profunda dor.

Até sempre, Professora Sabah, e obrigado - chucran! - pelas incontáveis lições de sinceridade e generosidade compartilhadas ao longo de sua Vida!

Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 7 de maio de 2021

CPI DA COVID E A CHACINA DO JACAREZINHO

 


CPI DA COVID E A CHACINA DO JACAREZINHO

Tudo indica que não se tratou de mera coincidência entre os trabalhos da CPI da Covid do Senado e a chacina de Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Há indícios de a chacina estar relacionada à estratégia de disseminação de uma cortina de fumaça sobre os fatos levantados pela CPI. Além da trágica operação policial, vedada pelo STF em 2020 enquanto houver risco de contágio pelo novo coronavírus, as provocações presidenciais contra a China e ameaças de afronta às decisões da mais alta corte do país passaram a ocorrer tão logo começaram a ser evidenciadas, pelos depoimentos dos convocados para a CPI, omissões e ações questionáveis no enfrentamento da pandemia e na assistência aos pacientes contaminados pelo novo coronavírus.

Coincidência? No mesmo dia em que o ministro Marcelo Queiroga, da Saúde, depunha na CPI da Covid no Senado, a comunidade do Jacarezinho, Zona Norte do Rio de Janeiro, era alvo de uma avassaladora operação policial que afrontou a decisão do STF (aquela que proíbe operações policiais em comunidades durante a pandemia). Mais tarde, final do dia, os atuais inquilinos dos palácios do Planalto e da Guanabara estavam reunidos para tratar, segundo a versão oficial, de visita de cortesia do presidente ao governador recém empossado com o impeachment de Wilson Witzel, que com João Dória (de São Paulo) se tornou inimigo do capitão depois de trocarem afagos e promessas de eterna amizade.

Mas quem disse que amizade seja algo a ser levado em conta entre os, digamos, impolutos e incorruptíveis cidadãos de bem eleitos em 2018? Se Witzel hoje posa de vítima de seu ex-aliado, o temido ex-juiz também não teve qualquer comiseração quando descartou seus ex-auxiliares na ânsia de se livrar de denúncias de prevaricação, peculato e superfaturamento de equipamentos e insumos clínicos para o enfrentamento da pandemia de covid-19. Tanto é verdade, que um de seus mais leais assessores, inconformado com a deslealdade do líder, fez acordo de delação e escancarou todo o esquema de corrupção.

Longe de se tratar de pragmatismo político, o ocorrido não tem outro nome que chacina. Até porque houve vidas de inúmeras famílias expostas ao risco iminente de ser atingidas por armas de grosso calibre - muitas das quais hoje enlutadas, sem ter tido o direito mais comezinho, de seus entes queridos terem sido devidamente processados em ação judicial de acordo com o que determina a Constituição Federal, e não serem executados em arrepio a tudo o que o Estado de Direito estabelece.

O Ministério Público do Estado do Rio, a Defensoria Pública e a OAB/RJ, em parceria com instituições de defesa dos Direitos Humanos (inclusive ONGs e organismos multilaterais com longa experiência no Brasil e em outros países, inclusive em guerra), se mobilizaram para elucidar a matança e a identificação das vítimas. Segundo a Secretaria de Polícia Civil do Rio de Janeiro, a operação contou com a mobilização de 200 homens da Polícia Civil, mas a lista de todos os envolvidos não foi apresentada às autoridades e à imprensa.

Por outro lado, chama a atenção até dos mais leigos a cortina de fumaça feita para expor os dados de cada um dos mortos na operação, inclusive menores de 18 anos, quando o motivo para a incursão armada, proibida pelo STF em tempos de pandemia, no Jacarezinho teve o intuito de desbaratar uma quadrilha que aliciava crianças e adolescentes para o crime. Aliás (é bom que fique claro), até aí não há qualquer novidade, pois o crime organizado cresce e se alimenta da tragédia social decorrente do abandono do Estado nas comunidades, ainda mais agora, que os programas sociais sofreram um corte inaudito nos últimos anos.

Ainda que pessoas de trajetória impoluta, como o querido Professor Fausto Matto Grosso (docente aposentado da UFMS, ex-vereador de Campo Grande pelo PCB, ex-secretário de Estado de Planejamento e Ciência e Tecnologia no primeiro mandato do governador Zeca do PT, ex-consultor técnico do saudoso assessor Frederico Valente do então ministro Ciro Gomes, da Integração Nacional no primeiro mandato do Presidente Lula), insistam com a tese de que não passa de narrativa do PT de ter sido golpe a deposição da Presidenta Dilma em 2016, contra fatos não há argumentos (como diria o igualmente querido Amigo e Camarada Carmelino Rezende).

Não temos como omitir o nefasto papel, na iniciativa golpista, da Tucanésia, à época comandada por Aécio Neves da Cunha, o netinho mimado de Tancredo Neves e filho mal resolvido de Aécio Ferreira da Cunha, um ex-arenista e ex-pedessista que virou membro do Partido da Frente Liberal (hoje ‘Democratas’, cuja metade ora nos cultos dos atuais ocupantes do Planalto) depois que o ex-sogro impôs uma derrota acachapante ao regime de 1964 por meio da figura patética de Paulo Salim Maluf.

Aecinho, antes de montar o palanque para declarar-se vencedor (direito que lhe assistia como candidato numa eleição renhida, com pequena diferença de votos entre ele e a candidata reeleita Dilma Rousseff), passou a adotar a cantilena negacionista de Lacerda para Getúlio, em editorial na sua Tribuna da Imprensa, em junho de 1950: “O Sr. Getúlio senador, não pode ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.”

Dito e feito, mas como não havia nenhum parlamentar da Tucanésia à altura do erudito e eloquente Carlos Frederico Werneck de Lacerda, um reacionário golpista, antes um comunista de verve arrebatadora, recorreram a membros de passado esquerdista, como o então senador José Aníbal Peres de Pontes (ex-amigo da Presidenta Dilma e ex-integrante do POLOP), em cuja conta no Twitter chegou a postar durante a campanha do segundo turno de 2014 algo que lembrasse a citação à consigna negacionista de Lacerda. Mas também aliados do PPS, foram arregimentados para a ‘cruzada cívica’ (sic), entre os quais o ex-candidato à presidência Roberto Freire, mais tarde alçado a ministro da Cultura, uma pasta esvaziada de suas atribuições, na qual permaneceu por pouco tempo.



Ocorre que os ‘democratas’ arrependidos, arrastados pela soberba ao golpismo ao rasgar cláusulas pétreas da Constituição Cidadã (ou melhor, estuprar o Estado Democrático de Direito), acabaram enxovalhando a digna memória do Doutor Ulysses Guimarães e de outros verdadeiros democratas como Mario Covas e Franco Montoro (das honradas hostes peessedebistas) e sendo atropelados por golpistas autênticos, isto é, com expertise e, por incrível que pareça, DNA. Quem diria... Ao tirar da caixa de pandora os órfãos e viúvos da (mal)ditadura, remanescentes da horda de facínoras, como Ulysses as nomeou em seu memorável discurso no ato solene de promulgação da Constituição em 1988, o tão cobiçado cargo pelo qual abandonaram a impostura ‘democrática’ mais uma vez lhes fugiu das próprias mãos.

O problema é que os patrioteiros saudosistas da ‘redentora’ só sabem ficar conspirando contra o Estado Democrático de Direito. Ameaçam, prevaricam, deploram, aglomeram e conspiram o tempo todo na obsessiva ânsia de se perpetuar no poder, como que ainda não estivessem no governo. Mas se dermos uma olhadela na história do Brasil nos séculos XIX e XX, compreenderemos por que a obsessão pelo poder. Não para governar a nação, não para trabalhar, mas para se locupletar, mamar nas tetas do Estado. Como bem dizia o genial Sérgio Porto (ou melhor, Stanislaw Ponte Preta, imortal criador do Festival de Besteiras que Assola o País, Febeapá, e ‘Pai’ do saudoso O Pasquim), “ou restaure-se a moralidade, ou locupletemo-nos todos”...

É curioso o comportamento da casta política brasileira, que sempre fez questão de passar a imagem de ‘civilizada, branca, cristã e monarquista’, como ficou estabelecido em 1838, quando da criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Se durante o curto, mas nefasto, (des)governo de Michel Temer essa consigna já havia sido resgatada do baú embolorado de nossa triste história de exclusão e violência social, com a ascensão de Jair Bolsonaro à presidência da República tudo isso passou a fazer parte do cotidiano e da narrativa oficial dos mandarins de plantão, saudosistas de um período virulento da história.

Para concluir, os sombrios tempos a que fomos submetidos pelos ‘democratas’ arrependidos e seus aliados de última hora saudosistas da ditadura não foi fruto da divisão do país causada pelo PT (a mesma narrativa requentada dos tempos de Lacerda contra Vargas, basta ir ao Google e procurar pelos trabalhos de pesquisadores como a Professora Maria Vitória Mesquita Benevides ou o Professor Márcio de Paiva Delgado), mas da impetuosa crise de abstinência das benesses do poder, logo aqueles que desde 1983 (e, sobretudo, 1995) estão no governo de São Paulo, mas fora do estado exigem alternância, mas só entre eles.

Ahmad Schabib Hany

quarta-feira, 5 de maio de 2021

O PAÍS DE PAULO GUSTAVO

O PAÍS DE PAULO GUSTAVO

O talentoso ator e comediante Paulo Gustavo, uma das 414 mil vítimas da pandemia, teve seu reconhecimento póstumo só comparado ao da eternização de Ayrton Senna. Desde sempre, o Brasil tem na mente iluminada e liberta de seus geniais humoristas, dramaturgos e comediantes a chave de seu porvir libertário e mais alegre. São eles os responsáveis pelo despertar crítico das grandes maiorias do país e sua possível emancipação.

Depois de resistir heroicamente por quase dois meses às investidas rasteiras do novo coronavírus, o talentoso e brilhante ator e comediante Paulo Gustavo se eternizou na noite desta terça-feira, 4 de maio, causando comoção nacional só comparada à da eternização do piloto Ayrton Senna, em maio de 1994.

É a nação de Paulo Gustavo que se manifesta grata, solidária, comovida, mas também indignada. Como todo humorista, o agora saudoso ator e comediante soube captar com verdade a alma, o comportamento, a generosidade, irreverência, espontaneidade, as contradições, angústias e frustrações do povo brasileiro. Sábia e ousada, a população também soube retribuir de imediato as caricaturas amorosas e perspicazes que Paulo Gustavo pinçou do cotidiano popular.

Aliás, cabe aos humoristas, caricaturistas, satíricos, comediantes e saltimbancos o nobre papel de despertar com alegre irreverência o povo de um país cuja origem se confunde com o fanatismo e a hipocrisia de ‘cristãos’ de ocasião (pela promiscuidade institucional que no período medieval e pós-medieval, na verdade renascentista, existia entre o alto clero e as tais ‘famílias reais’, como em Portugal e Espanha), que alegavam estar vindo em ‘missão cristã’ para catequizar povos pagãos, quando a motivação era acintosamente a cobiça, a ganância e a exploração, com as quais tornaram a então famélica e ignorante Europa em ‘centro do mundo e berço da civilização’.

Importante registrar que o talento do brilhante ator e comediante veio de sua vivência, convivência e capacidade de observação irreverente de sua realidade imediata. Detentor de uma poderosa autocrítica e sensibilidade humana singular, construiu meteórica e vitoriosa carreira artística sem perder suas raízes nem o convívio com a base social de sua própria história.

Em pouco mais de uma década de intensas atividades profissionais na televisão, teatro e outros espaços culturais, Paulo Gustavo amadureceu, evoluiu e se transformou sem ter perdido seu veio genial ou se perdido nos meandros do sucesso. Tudo isso por conta de uma autenticidade ímpar, aliás, incomum nestes tempos sombrios de sucesso a qualquer custo.

Além de ter sabido administrar seu sucesso, doou solidária, generosa e anonimamente a quantidade que quis a quem precisava, fossem botijões de oxigênio no Amazonas ou dinheiro para ajudar iniciativas como a do Padre Júlio Lancelotti em São Paulo ou das obras sociais Irmã Dulce em Salvador. Tudo isso em valores inimagináveis, na ordem de unidades de milhões de reais, mesmo sabendo que a pandemia havia interrompido, até então temporariamente, sua apoteótica carreira artística.

Foi muito além da dramaturgia: em nome do afeto, do amor em ação, foi um ativista alegre, contagiante e crítico com muita sutileza e cordialidade. Aliás, altruísmo, pois soube compartilhar seus espaços e conquistas com ativistas de diferentes causas, todas justas, como a dele, sem holofotes ou claques para sua autopromoção. Esses fatos só se tornaram conhecidos depois de anunciada a sua eternização.

Sua obra derradeira foi um filme recordista de bilheteria, com mais de 12 milhões de espectadores, lançado pouco antes do isolamento social imposto pela covid-19. Então, o filme de certo ‘bispo’ integrante das hordas do ódio e do fascismo caquético tentou chegar perto, com farta distribuição gratuita a membros de sua comunidade, mas o mais curioso é que muitos desses ‘irmãos’ assistiram e se deliciaram com Paulo Gustavo.

Talvez por isso um nefasto ‘pastor’, desses fundamentalistas frustrados, tenha postado uma ‘oração’ (sic) carregada de ódio e recalque semanas atrás, em que desejava que o ator perdesse sua renhida luta contra a infecção pelo coronavírus e se jactava com a tragédia das vítimas da covid-19 e suas famílias e amigos. Como todo hipócrita leviano que segue os ditames do fascistazinho porcaria que só despreparo, desequilíbrio e, pasmem, covardia vem demonstrando desde sempre, ‘pediu desculpas’ no afã de não ter que responder judicialmente pelo crime cometido.

O Brasil chega a 414 mil vidas ceifadas pela covid-19 - cada uma delas com seus sonhos, compromissos, famílias e histórias - diante da apatia de alguém que se diz líder e, no entanto, não manifesta empatia nem gestos concretos para liderar “com hombridade” o enfrentamento à pandemia. No país em que um impostor, ‘rei Midas’ às avessas - tudo o que ele toca ou a que ele se refere vira contra si e a população -, é o canhestro ocupante do Planalto, a autenticidade de um comediante é o irreverente caráter do verdadeiro messias, libertador de almas e de corpos da opressão dos hipócritas adoradores do deus mercado, sinônimo de dinheiro, usura, ganância, cobiça.

Aplausos e gratidão a Paulo Gustavo, que nos revelou com gargalhadas e na prática a mais pura e efetiva chave da emancipação popular do obscurantismo fundamentalista aliado a um neofascismo caquético totalmente decadente. Ele, sim, humilde e eterno messias da nação brasileira, sem hipocrisias, fanatismos e tiranetes fraudulentos.

Ahmad Schabib Hany