ATÉ QUANDO CONTINUARÁ O HOLOCAUSTO DO POVO PALESTINO?
Uma sucessão de crimes contra a
humanidade tem sido praticada contra o povo palestino, que resiste heroicamente
à violência desproporcional das forças de ocupação desde antes de 1947, quando,
a 29 de novembro, seu território milenar foi dividido sem ter sido realizada
qualquer consulta prévia à sua população.
O recrudescimento da violência em
escala exponencial contra a população palestina, há pouco mais de uma semana,
em Jerusalém Oriental, Cisjordânia e Faixa de Gaza atingiu nível de letalidade
preocupante: a grande imprensa tem dado ênfase às 10 vítimas fatais de
nacionalidade israelense, mas não noticia com o mesmo destaque as mais de 145 vítimas
fatais palestinas, como que as vidas humanas tivessem pesos diferentes.
Ao contrário da versão colonialista de
que ‘o conflito entre árabes e judeus é milenar’ - criada e disseminada para justificar
sua insaciável cobiça e inconfessáveis interesses expansionistas, saqueadores e
opressores -, até antes da partilha da Palestina, em 29 de
novembro de 1947, palestinos de todas as religiões (cristãos, muçulmanos e
judeus) por séculos e séculos conviveram harmoniosa e civilizadamente.
Aliás, todos os palestinos, independentemente
de sua religião (ou que não professassem alguma) sempre foram muito patriotas,
tanto que expulsaram os invasores dos impérios romano, turco-otomano e
britânico em diferentes oportunidades ao longo da história. A Palestina sempre
foi cobiçada por todos os impérios por causa de sua posição geopolítica estratégica
e pelas riquezas naturais nela existentes, com abundância e diversidade.
Livros ocidentais sobre a Palestina do
século XIX - portanto, antes da incursão sionista sobre o
território milenar palestino - revelam com riqueza de detalhes a exuberância, o
nível de progresso econômico, social, cultural e político de cidades
emblemáticas, como Jerusalém e Belém (apenas para citar duas), comparadas a
Bagdá, Damasco, Cairo e Beirute: a) cosmopolitas, pois acolhiam cidadãos de
todas as culturas, nacionalidades e religiões; b) modernas, com todos os
recursos tecnológicos da época, mas sem incorrer na descaracterização de
construções milenares ou seculares; c) densamente povoadas, com número de
habitantes maior ou igual às outras capitais árabes citadas antes, pelo que
nunca passou de uma grande falácia a consigna sionista de “um povo sem terra
para uma terra sem povo”, até hoje utilizada com cinismo e má-fé pelos
defensores das agressões ao povo palestino, às suas moradias legitimamente
habitadas há séculos pelas famílias que foram expulsas sob os mais covardes
ardis.
O historiador Arnold J. Toynbee, a
despeito de sua origem britânica, foi uma testemunha sincera e destemida da
justeza da causa palestina, razão pela qual acabou invisibilizado pelo status
quo ocidental depois de ter realizado uma série de conferências pela Europa e
América do Norte condenando a partilha da Palestina. É habitual que todo
intelectual ocidental que questione os inconfessáveis interesses do sionismo
seja combatido pelo lobby judaico-americano e venha a ser rotulado de ‘antissemita’
(sic). Entretanto, para quem usa esse
argumento, precisa ter coerência e deve observar que os descendentes de Ismael,
entre eles os palestinos, também são semitas...
Isso também aconteceu com o incansável
Jornalista Robert Fisk, também britânico, cuja carreira de correspondente
internacional foi muito combatida ao longo de décadas pela coragem de se
posicionar de modo independente na cobertura dos conflitos bélicos e das
chacinas cometidas por Israel, sobretudo nos anos 1970, 1980 e 1990. É verdade
que, no final de sua carreira jornalística, andou escorregando em certos
comentários infelizes, o que me levou a travar um intenso debate com ele, mas é
inegável o reconhecimento de sua ética e dignidade na cobertura jornalística
corajosa, valorosa e justa.
Hoje, com a rede mundial de
computadores, as maiores bibliotecas do mundo estão conectadas e não é difícil
acessar livros históricos que tratam da questão com lisura e rigor, inclusive
em língua portuguesa e espanhola, para melhor compreensão do leitor brasileiro.
Há artigos escritos por personalidades acima de qualquer suspeita, como o
grande pacifista e líder humanista Mahatma Gandhi em que se posiciona
nitidamente pela causa palestina, e pensadores de ascendência judaica como Eric
Hobsbawm, Noam Chomsky e Michel Chossudovski que elucidam didaticamente os
reais interesses pela criação de um enclave colonialista no coração do Oriente
Médio.
Com o fim da ‘guerra fria’ em 1990, o
sionismo, por meio da pressão econômica do Ocidente, deixou de ser condenado, a
exemplo do “apartheid” da África do Sul, como forma de racismo em resolução da
Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas. A partir de então, os
sucessivos governos do Estado de Israel - criado por resolução da ONU sem ter
ouvido a população palestina, e com o voto de minerva do então presidente da
Assembleia-Geral, Oswaldo Aranha, para fazer o desempate em favor de Israel e
pela tragédia dos palestinos, que desde então vivem um verdadeiro holocausto e
se acham em constante êxodo, tendo perdido suas moradias, escolas,
universidades, seus cultivos, fábricas, comércios, empregos, seu porvir e,
sobretudo, sua pátria, sua nacionalidade.
Não nos esqueçamos que a história está
repleta de fatos da proteção árabe aos judeus perseguidos pela Inquisição na
Idade Média. Não por acaso, a Península Ibérica estava tomada de judeus sob a
proteção dos árabes, que entre 350 e 800 anos (dependendo da região),
colonizaram e deixaram sua ciência, sua cultura, suas artes. Por que, afinal, o
português e o espanhol têm mais de 20% de palavras árabes em seu léxico? Por
que, em fins do século XV, os reinos católicos de Castela e Aragão e de
Portugal foram pioneiros e bem sucedidos nas grandes navegações, enquanto a Europa
toda vivia nas trevas do obscurantismo medieval? Quem foram os tradutores
fidedignos das obras da Antiguidade Clássica, traduzidas do grego e de ‘línguas
mortas’ para o árabe, que resgataram obras queimadas no Ocidente medieval por
serem pagãs (sic)? E o estudo de
anatomia, com Ibn Rois e Ibn Cina (Avirrois e Avicena), que assegurou o
desenvolvimento da medicina moderna, a quem é devido (porque então era proibido
pelos senhores feudais e seus sócios herdeiros das ruínas do antigo império
romano)? E a sistematização da gramática, no caso do espanhol e do português,
que não guarda semelhança ao latim, mas ao árabe? As artes, a arquitetura, a
matemática, a álgebra, a geometria, a astronomia, a náutica etc, disseminadas
com generosidade e sem o filtro teológico ou ideológico?
Ao contrário do estigma deixado pelo
colonialismo ocidental, a diversidade árabe, desde a Antiguidade, permitiu a
convivência entre os diversos, a construção de universidades pioneiras, de
centros culturais milenares. Sem qualquer apologia a qualquer forma de expansionismo,
diferentemente da intolerância e da cobiça demonstrada na colonização ocidental
nas Américas, Ásia, África e Oceania, os chamados ‘mouros’, em mais de 800 anos
de ocupação da Península Ibérica, permitiram a fala dos idiomas nativos e o
culto religioso cristão, enquanto portugueses e espanhóis, sob pretexto de uma
suposta ‘salvação’ aos povos ‘pagãos’, saquearam, dizimaram, escravizaram e
destruíram povos inteiros, levando à desaparição total de suas culturas (para
usar um termo cultuado no ocidente, civilizações pré-coloniais). Hoje a
humanidade toma conhecimento do estrago causado por esse modelo predador de
desenvolvimento em todos os sentidos: cultural, antropológico, ecológico,
econômico, urbanístico, humano e sobretudo civilizatório (no sentido dado pelo
grande estudioso Darcy Ribeiro).
Não custa lembrar mais um ardil da simbiose
funesta entre o nazismo e o sionismo: a ‘limpeza étnica’, sob vários pretextos
(desde a rotulação pouco inteligente de chamar os palestinos de ‘terroristas’
às bizarras formas racistas mais cínicas e primitivas de que os palestinos, sobretudo
as mulheres, só sabem ‘fazer filhos’ [sic],
são atrasados e não servem para trabalhar nas sociedades modernas), para
justificar a incessante diáspora palestina, só comparada às tristes marchas
para os campos de extermínio realizadas por nazistas e seus asseclas durante os nefastos
anos sob a tirania hitlerista em território europeu. E é bom lembrar que o
holocausto judeu foi perpetrado na Europa do século XX por ‘civilizados’
europeus, e não na Palestina ou qualquer outro país árabe.
Finalmente, a morte em circunstâncias
nunca esclarecidas do maior estadista árabe dos últimos quatro séculos, Gamal
Abdel Nasser, presidente do Egito e um dos fundadores da República Árabe Unida
(RAU), Liga dos Estados Árabes (LEA), Organização da Unidade Africana (OUA) e,
inclusive, do Movimento dos Países Não Alinhados (MNA, ao lado de Josip Broz
Tito, Jawarhalal Nehru, Sukarno e Cho En Lai), e sua sucessão por seguidores de
grupos sectários do tipo “Irmandade Islâmica”, depreende-se que foi
desenvolvida uma estratégia de substituir lideranças laicas sem sectarismo
religioso por líderes que passaram a justificar o sectarismo judeu, cada vez
mais fundamentalista e intolerante.
Aliás, a eliminação física de Saddam
Hussein (em cuja capital, Bagdá, havia uma das maiores comunidades judias do
mundo e que nunca foram reprimidas pelo regime do BAAS) e de Muammar Kadafi,
também laicos e adversários de líderes fundamentalistas, na primeira década
deste século, corrobora com a tese de que não é puro acaso a expansão de movimentos
sectários (religiosos) no Oriente Médio, até para justificar o Estado
teocrático em que Israel se desmascarou, sobretudo depois da sucessão de
premiês direitistas vinculados a organizações fundamentalistas judias, como
Benjamin Netanyahu.
Lembrando uma emblemática mensagem de
Eduardo Galeano de 1975, a propósito de “As veias abertas da América Latina”, curiosamente
borrada da internet no início do século XX, em que resgatava a recusa de Simón
Bolívar ao panamericanismo proposto pela Doutrina Monroe, dos Estados Unidos: “A
América para os americanos, não. A América para a humanidade.” Ao que meu
saudoso e querido Pai acrescentou em artigo publicado no semanário Tribuna Livre, de Corumbá, em 1987: “A
Palestina para os sionistas, não. A Palestina para a humanidade.”
Nossa irrestrita e incondicional
solidariedade ao heroico povo palestino, neste momento de dor e luto, e a
conclamação às consciências libertárias do mundo todo para apoiar a resistência
palestina com alimentos, medicamentos, atos públicos online para denunciar as atrocidades cometidas à luz do dia (mas
sonegadas pela grande mídia) e, sobretudo, sabotar todas as empresas que de
qualquer forma apoiam o genocídio contra o milenar povo palestino, não
consumindo seus produtos.
Afinal, enquanto a Palestina estiver
sob o jugo sionista e seu milenar povo não tiver os mais elementares direitos
humanos proclamados pela ONU em 1948, não haverá paz no Oriente Médio. A paz mundial começa na Palestina!
Ahmad Schabib Hany
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