domingo, 22 de outubro de 2023

ATÉ SEMPRE, COMPANHEIRO JADALLAH SAFA!

Até sempre, Companheiro Jadallah Safa!

Depois de resistir por mais de dez dias a um AVC, o Amigo-Irmão Jadallah Safa se eternizou neste domingo, dia 22 de outubro, em São Paulo. Seu exemplo de incansável ativista da Causa Palestina permanece vivo entre nós, que tivemos o privilégio de conviver e aprender por quatro décadas com ele.

O Amigo-Irmão que despeço, incansável e exemplar ativista palestino Jadallah Safa, conheci na luta, na resistência, no inesgotável ativismo em que todo resistente se forja. Interrompera seus estudos universitários na Palestina porque os invasores, os que vivem a impostar a falsa verdade de que são eternas vítimas, não permitiam que palestino pudesse ter diploma universitário. Três anos mais jovem, que eu, havia pouco tempo chegado a Corumbá para sobreviver, como comerciante, dono da humilde Casa Laiali, senão me engano na rua XV de Novembro, entre a Treze de Delamare.

Lembro-me como hoje, precisamente quatro décadas atrás, na mobilização para observar o primeiro ano do Massacre de Sabra e Chatila, em que, como sempre, a hipocrisia israelense usou a insanidade odienta do militar libanês Ellie Hobeika, líder miliciano da Falange Libanesa, para executar, sob ordens e requintes de crueldade de Ariel Sharon, que mais tarde, em vez de punição, receberia Prêmio Nobel da Paz (sic). Era setembro de 1983, quando Corumbá realizara a terceira manifestação de solidariedade à Palestina.

Filha do saudoso Senhor Subhi Issa Ahmad, Amigo-Irmão de décadas de meu saudoso Pai, a hoje saudosa Abla e a sua Amiga Bassma Hussein eram as porta-vozes das mobilizações. Com a discrição e disciplina que lhe eram peculiares, Jadallah se revelara um grande articulador. Logo se tornou Amigo, desses com letra maiúscula. Fui-lhe apresentando as pessoas simpáticas à Causa Palestina, entre elas o então o Professor e Vereador Valmir Batista Corrêa (do PMDB), o Professor Gilberto Luiz Alves, o Professor Tito Carlos Machado de Oliveira, a artista plástica Marlene Terezinha Mourão (querida Peninha), a saudosa Professora Heloísa Helena da Costa Urt (a querida Helô), o Professor Maurício Lopo Vieira (então coordenador da Unidade Regional do Trabalho), o ferroviário Manoel do Carmo Vitório, o saudoso Professor e Vereador Fausto Matto Grosso (do PCB, de Campo Grande) e o também saudoso Manoel Sebastião da Costa Lima, então generoso proprietário da maior livraria da história de Mato Grosso do Sul, a emblemática Livraria Guató, em cuja edícula funcionava a sede do Centro de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais (CEPES).

A discrição e o rigor metódico eram a marca indelével desse incansável ativista. Sincera e honestamente, em 40 anos de Amizade e trabalhos incessantes, nunca o vi perder o foco e, sobretudo, a sobriedade. Um verdadeiro estoico em toda a sua generosa existência. Em minha estada em Corumbá, quando o conheci, era aprendiz de repórter num jornalão que associava palestino a ‘terrorista’. A família proprietária, três anos antes, se prestara ao papel de publicar uma foto do então Deputado Antônio Carlos de Oliveira (fundador do Partido dos Trabalhadores em Mato Grosso do Sul) ao lado de Yasser Arafat, líder da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) usando um texto-legenda vergonhoso, em que insinuava que o idôneo e combativo parlamentar tivesse ‘vínculos espúrios’ com o ‘terrorismo internacional’.

Ainda vivíamos os derradeiros dias da ditadura, mas a política externa capitaneada pelo chanceler Saraiva Guerrero desvinculara o Brasil da melancólica condição de marionetes dos Estados Unidos e das potências ocidentais, em plena guerra fria. Aliás, mérito de seu antecessor, chanceler Azeredo da Silveira, escolhido pelo general-presidente Ernesto Geisel, com o firme propósito de deixar bem claro de que o Brasil não era ‘quintal dos Estados Unidos’, e assim o Brasil passou a se destacar no concerto das nações pela posição independente e defensor da autodeterminação dos povos e contra o colonialismo ainda vigente nos anos 1970.

Diferente da maioria dos jovens de sua idade, Jadallah lia compulsivamente. Como ler em português requeria muito cuidado (embora tivesse em casa um bom acervo bibliográfico, fazia questão de sublinhar parágrafos inteiros para ter convicção de que compreendera o texto corretamente), e nossas reuniões também tinham uma dose de didática. Generoso, ele também nos ensinava o árabe e o inglês, pois na Palestina se estuda também a língua do colonizador britânico. Ambidestro, escrevia simultaneamente em árabe com a mão esquerda e em inglês ou português com a mão direita. Uma inteligência a toda prova.

Morou oito anos em Corumbá. Nesse período, bastante fecundo por conta da Constituinte e das mobilizações decorrentes da construção do Estado Democrático de Direito, a Vida nos permitiu testemunhar inúmeras atividades no âmbito da defesa de direitos do Povo Palestino. No primeiro ano da Nova República, tivemos a sorte de conhecer Miguel Anacleto Junior, fundador e presidente do Instituto Brasileiro de Amizade e Solidariedade aos Povos (IBASP), com sede em Olinda (Pernambuco), por meio da querida Amiga Yone Ribeiro Orro, esposa do saudoso Deputado Roberto Moaccar Orro, de Aquidauana.

No entanto, sua atuação em Corumbá e região ficou marcada com a histórica realização por mais de 60 dias da I Mostra da Cultura Árabe-Palestina de Corumbá (Casa de Cultura Luiz de Albuquerque, ILA, de 30 de junho a 30 de setembro de 1987, com a importante colaboração da Professora Mestra Elenir de Mello Alves, biblioteconomista responsável da Biblioteca Pública Estadual Doutor Gabriel Vandoni de Barros). O evento contou com a visitação de mais de três mil pessoas e a presença do Secretário de Estado da Cultura, artista plástico Humberto Espíndola; do Diretor-executivo da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, Cândido Alberto da Fonseca; do chefe do Escritório de Representação da Palestina no Brasil, Farid Sawan; do Prefeito Municipal de Corumbá, Dr. Hugo Silva da Costa; do Prefeito Municipal de Ladário, o saudoso Professor Nivaldo Ferreira da Silva; do ex-prefeito de Corumbá, o saudoso Dr. Fadah Scaff Gattass; do saudoso Deputado Armando Anache; do Vereador Valmir Corrêa, e do Presidente da Sociedade Árabe-Palestino-Brasileira de Corumbá Najeh Mustafá nos atos solenes de abertura e encerramento.

Por seu turno, outro momento emblemático foi o ato de lançamento do Comitê 29 de Novembro de Solidariedade ao Povo Palestino, no dia 27 de novembro de 1987 no antigo auditório do Centro Universitário de Corumbá (CEUC/UFMS), de que participaram o Secretário de Estado de Justiça, o saudoso Dr. Roberto Orro; a Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Mato Grosso do Sul, a saudosa Jornalista Margarida Marques; a representante do Grupo de Apoio ao Índio (GAIN-MS); o Diretor da Casa de Cultura Luiz de Albuquerque, saudoso Dr. Lécio Gomes de Souza; a Diretora do Centro Universitário de Corumbá, Professora Doutora Gisela Levatti Alexandre; a Biblioteconomista responsável da Biblioteca Pública Estadual Dr. Gabriel Vandoni de Barros, Professora Mestra Elenir de Mello Alves; o Historiador e Vereador Valmir Corrêa, um dos primeiros Professores Doutores em Mato Grosso do Sul; o saudoso Poeta Rubens de Castro, autor de ‘Flor dos Aguaçais’, membro da Academia Corumbaense de Letras que generosamente declamou o célebre poema ‘Sabra & Chatila’, de autoria do Poeta e Compositor argentino Alberto Cortés, em sua versão traduzida ao português para o evento, e os Amigos Professor Maurício Lopo Vieira e Manoel do Carmo Vitório, na época da Unidade Regional do Trabalho (URT), que integraram a primeira coordenação do referido Comitê de Solidariedade.

Ele é um dos milhões de Palestinos e de Palestinas espalhadas pelo Planeta. Não porque quisesse sair de seu país milenar, berço de culturas, protagonista de História. Foi expulso pelos invasores, europeus, que se apossaram de suas terras, suas casas e suas vidas. Já imaginaram uma pessoa com a inteligência e a capacidade do querido Jadallah o que não poderia ter sido? Mas foi impedido de fazer um curso universitário pelos que fingem ser vítimas, quando não passam de criminosos, em todos os sentidos. Foram os nazistas, na Europa, que lhes impuseram o holocausto, por que os Palestinos, por que os árabes, têm que pagar a conta, em piores condições? É porque naquela região há muita riqueza, e a cobiça tem nome e sobrenome, Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia?

Jadallah Safa, em toda a sua Vida honrada e de muita luta, foi um voluntário, pois nunca auferiu qualquer remuneração pelo que fez com denodo, desprendimento e convicção. De uma geração de resistentes palestinos em que a realização acontece pelo resultado do que faz, não de louvores ou de salamaleques, todos os seus trabalhos foram fruto de muita luta, esforço pessoal. Seu mais recente trabalho, a publicação do resgate biobibliográfico do Poeta e Jornalista Ghassan Kanafani (organizado por Yasser Farid Fayad), ativista de esquerda assassinado pelo Mossad em Beirute na década de 1970, corrobora a trajetória fecunda de Vida e de luta, sem holofotes ou frivolidades.

Sou testemunha privilegiado do valor desse grande ser humano, cuja falta fará, não só para a sua Família (deixa Esposa e Filhos/as em São Paulo), mas para a humanidade, logo nestes nada generosos tempos de individualismo e muita vaidade. Além do aprendizado, ganhei dele alguns livros ímpares como ele (o último, que chegou às minhas mãos pelas de seus Irmãos, é este sobre Kanafani), inúmeras horas de atividades inesquecíveis e, para quem não imaginava, deliciosos pratos palestinos que ele mesmo fazia em casa. Aos queridos Amigos-Irmãos Munther, Nasser e Dona Nelly, à Cunhada Jalila, aos Filhos, Primos, Sobrinhos e Sobrinhos-netos, meus profundos sentimentos. Até sempre, Companheiro Jadallah, e obrigado por ter existido!

Ahmad Schabib Hany

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