terça-feira, 24 de outubro de 2023

DONA MARIA TORRES TAQUES, SEMPRE NA MEMÓRIA E NO CORAÇÃO

Dona Maria Torres Taques, sempre na memória e no coração

Domingo, 22 de outubro, a Senhora Maria Torres Taques, se eternizou depois de uma nonagenária jornada de muita luta, amor e dignidade. De grande estatura ética e, sobretudo, humana, Dona Maria fez de sua existência honrada trincheira de cidadania e muita sobriedade, ‘sin perder la ternura jamás’.

O dia 22 de outubro foi fatídico em dose dupla, diria cavalar. Depois de ter sido impactado pela notícia da eternização do Companheiro Jadallah Safa, veio por meio da delicada (e bem redigida) mensagem de texto da Doutora Regina, Companheira de Vida do Jornalista Luiz Taques, a notícia da eternização da querida e agora saudosa Dona Maria Petrona Torres Taques, Mãe desse Amigo-Irmão de mais de quatro décadas.

Filha de um casal de integrantes da Coluna Prestes, Dona Maria nasceu na década de 1920 no município de Corumbá, então maior entreposto comercial de águas interiores deste país-continente. Viveu intensamente todo o século XX e com critério e sabedoria as duas décadas do século XXI. Espirituosa e dona de reflexões ímpares, cativava todo interlocutor com quem encontrava alguma via de comunicação.

Quando o Jornalista Luiz Carlos Prestes Filho esteve em Corumbá, em 1995, fazendo uma série de reportagens para a revista Manchete sobre os 50 anos da Coluna Prestes, liderada nos anos 1920 por seu lendário Pai, o Cavaleiro da Esperança, ficou encantado com a riqueza de detalhes com que Dona Maria narrou o que seus Pais lhe haviam contado desse emblemático momento da História (maiúscula, por favor, porque não só do Brasil, mas da humanidade, embora desde 1964 escamoteado pelos livros didáticos dominados pela historiografia oficiosa). Além de Luiz Taques e do Ednaldo, o Caçula, não sei se os outros Filhos e Filhas, Netos e Netas e Bisnetos e Bisnetas de Dona Maria conservam essa memória -- até como referência afetiva.

Conheci Dona Maria em meados da década de 1980 por meio de Luiz Taques, sem dúvida o seu maior fã. Não por acaso: o raro faro de repórter cidadão herdara da Mãe. Mais que fonte de ‘inspiração’, na verdade, reflexão, muita reflexão. Porque Dona Maria era uma verdadeira fonte de reflexão; sem exagero, e com o devido respeito, uma sacerdotisa do Oráculo de Delfos, na cosmovisão grega. Até seu caráter helênico tinha um encantador encontro com a ancestralidade greco-latina de seu dialogar. Confesso que não me atrevera a escrever sobre ela em Vida para não estremecer a Amizade (dessas com letra maiúscula) longeva, pois, resguardadas as devidas peculiaridades, ela e meu saudoso Pai tinham muito em comum, desde a paixão indisfarçável pelo saber.

Discretíssima. Não se permitia expor seus geniais critérios, profundos e abundantes. Toda vez que visitava Luiz Taques em Corumbá, as profundas e reflexivas palavras ficavam por conta dos diálogos com a querida Dona Maria, que com sensatez invejável e uso generoso de metáforas ensinava o segredo do bem viver e da comiseração em tempos de tirania, de intolerância. Católica devota de Nossa Senhora, sempre procurou compreender inúmeros amigos/as e familiares espíritas, evangélicos, umbandistas e até ateus -- sem preconceitos ou quaisquer escorregões de intolerância disfarçada.

Aliás, só o Taques para fazer uma perfeita descrição, inclusive física, de Dona Maria, em mais de uma obra sua. Não ousarei repeti-lo, e muito menos citá-lo. Isso ficará para a perspicácia de seu leitor, já identificado com sua discreta sutileza de filho devotado, mas sem pieguice. E a longevidade de Dona Maria tende a se replicar nesse Filho apaixonado, bem como de algumas de suas Filhas, igualmente dedicadas ao máximo de bem-estar da Mãe. O que é raríssimo hoje, pois a quase totalidade dos familiares tende a ‘despejar’ seus idosos em ‘clínicas de repouso’, nome para asilos que bem conhecemos, à exceção honrosa de alguns dignos de reconhecimento.

Em conversas esporádicas com os Filhos e Filhas de Dona Maria, nunca quis perguntar sobre a evidente severidade da Matriarca com sua prole. Meu Pai e minha Mãe, por dizer, o foram, sem nunca terem enveredado em excessos, ainda que, a depender da travessura, tenhamos na memória algumas cenas inevitáveis de seu rigor na preservação de princípios invioláveis. Eram tempos duros, em que qualquer fraqueza no exercício da autoridade materna / paterna era cobrado com rigor pela sociedade, sobretudo se a origem de classe social ou de nacionalidade estivesse em questão.

Viúva desde 1980 do Senhor Narciso Taques, taxista depois de aposentar-se do Ministério dos Transportes, Dona Maria incumbiu-se sozinha de concluir a formação de todos os Filhos e Filhas, que não lhe deram trabalho. Ela se sentia realizada com a sua prole heterogênea: cada Filho, cada Filha, escolheu seu porvir. Fazia gosto pela opção de cada Filho. E como se abateu quando um deles, por contaminação em transfusão de sangue contraíra hepatite C em tratamento hospitalar e não chegara aos 50 anos. Mãe presente. Avó presente. Bisa presente. Amiga presente. E conselheira. Pra ninguém botar defeito.

Não esqueço que, no dia em que acompanhei o féretro de minha saudosa Mãe, Dona Maria me segurou pela mão ao longo do percurso entre a capela e a necrópole, seu jeito ímpar de manifestar seu apoio, carinho maternal. Por ironia da Vida, não pude estar presente ao mesmo percurso no dia 23, pois, embora tivesse tentado chegar a tempo (a mensagem de texto fui receber em cima da hora e quando cheguei à capela da funerária o féretro já havia saído). Mas a nossa conexão com a sua Família, sobretudo com o Amigo Luiz Taques, está acima dessas adversidades. Até porque a magnanimidade de Dona Maria supera com fluidez e cordura os imprevistos da Vida.

Seu legado de empatia, comiseração, solidariedade e, sobretudo, participação permanece vívido e palpitante no conviver e viver dessa Família de pessoas iluminadas, generosas e compreensivas. Nossos profundos e sinceros sentimentos de toda a minha Família pela eternização de Dona Maria a toda a Família Torres Taques, por quem nosso carinho, admiração e amizade sincera se revigoram com o devir dos dias. Até sempre, Dona Maria, e obrigado por ter existido e generosamente nos ensinado o bem viver com comiseração!

Ahmad Schabib Hany

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