Dona
Maria Torres Taques, sempre na memória e no coração
Domingo, 22 de outubro, a
Senhora Maria Torres Taques, se eternizou depois de uma nonagenária jornada de
muita luta, amor e dignidade. De grande estatura ética e, sobretudo, humana,
Dona Maria fez de sua existência honrada trincheira de cidadania e muita
sobriedade, ‘sin perder la ternura
jamás’.
O dia 22 de outubro foi fatídico em dose dupla,
diria cavalar. Depois de ter sido impactado pela notícia da eternização do Companheiro
Jadallah Safa, veio por meio da delicada (e bem redigida) mensagem de texto da
Doutora Regina, Companheira de Vida do Jornalista Luiz Taques, a notícia da
eternização da querida e agora saudosa Dona Maria Petrona Torres Taques, Mãe desse
Amigo-Irmão de mais de quatro décadas.
Filha de um casal de integrantes da Coluna
Prestes, Dona Maria nasceu na década de 1920 no município de Corumbá, então
maior entreposto comercial de águas interiores deste país-continente. Viveu
intensamente todo o século XX e com critério e sabedoria as duas décadas do
século XXI. Espirituosa e dona de reflexões ímpares, cativava todo interlocutor
com quem encontrava alguma via de comunicação.
Quando o Jornalista Luiz Carlos Prestes Filho
esteve em Corumbá, em 1995, fazendo uma série de reportagens para a revista Manchete sobre os 50 anos da Coluna
Prestes, liderada nos anos 1920 por seu lendário Pai, o Cavaleiro da Esperança,
ficou encantado com a riqueza de detalhes com que Dona Maria narrou o que seus
Pais lhe haviam contado desse emblemático momento da História (maiúscula, por
favor, porque não só do Brasil, mas da humanidade, embora desde 1964
escamoteado pelos livros didáticos dominados pela historiografia oficiosa).
Além de Luiz Taques e do Ednaldo, o Caçula, não sei se os outros Filhos e
Filhas, Netos e Netas e Bisnetos e Bisnetas de Dona Maria conservam essa memória
-- até como referência afetiva.
Conheci Dona Maria em meados da década de 1980 por
meio de Luiz Taques, sem dúvida o seu maior fã. Não por acaso: o raro faro de
repórter cidadão herdara da Mãe. Mais que fonte de ‘inspiração’, na verdade,
reflexão, muita reflexão. Porque Dona Maria era uma verdadeira fonte de
reflexão; sem exagero, e com o devido respeito, uma sacerdotisa do Oráculo de
Delfos, na cosmovisão grega. Até seu caráter helênico tinha um encantador
encontro com a ancestralidade greco-latina de seu dialogar. Confesso que não me
atrevera a escrever sobre ela em Vida para não estremecer a Amizade (dessas com
letra maiúscula) longeva, pois, resguardadas as devidas peculiaridades, ela e
meu saudoso Pai tinham muito em comum, desde a paixão indisfarçável pelo saber.
Discretíssima. Não se permitia expor seus geniais
critérios, profundos e abundantes. Toda vez que visitava Luiz Taques em
Corumbá, as profundas e reflexivas palavras ficavam por conta dos diálogos com a
querida Dona Maria, que com sensatez invejável e uso generoso de metáforas
ensinava o segredo do bem viver e da comiseração em tempos de tirania, de
intolerância. Católica devota de Nossa Senhora, sempre procurou compreender inúmeros
amigos/as e familiares espíritas, evangélicos, umbandistas e até ateus -- sem
preconceitos ou quaisquer escorregões de intolerância disfarçada.
Aliás, só o Taques para fazer uma perfeita
descrição, inclusive física, de Dona Maria, em mais de uma obra sua. Não ousarei
repeti-lo, e muito menos citá-lo. Isso ficará para a perspicácia de seu leitor,
já identificado com sua discreta sutileza de filho devotado, mas sem pieguice.
E a longevidade de Dona Maria tende a se replicar nesse Filho apaixonado, bem
como de algumas de suas Filhas, igualmente dedicadas ao máximo de bem-estar da
Mãe. O que é raríssimo hoje, pois a quase totalidade dos familiares tende a ‘despejar’
seus idosos em ‘clínicas de repouso’, nome para asilos que bem conhecemos, à
exceção honrosa de alguns dignos de reconhecimento.
Em conversas esporádicas com os Filhos e Filhas de
Dona Maria, nunca quis perguntar sobre a evidente severidade da Matriarca com
sua prole. Meu Pai e minha Mãe, por dizer, o foram, sem nunca terem enveredado em
excessos, ainda que, a depender da travessura, tenhamos na memória algumas
cenas inevitáveis de seu rigor na preservação de princípios invioláveis. Eram
tempos duros, em que qualquer fraqueza no exercício da autoridade materna / paterna
era cobrado com rigor pela sociedade, sobretudo se a origem de classe social ou
de nacionalidade estivesse em questão.
Viúva desde 1980 do Senhor Narciso Taques, taxista
depois de aposentar-se do Ministério dos Transportes, Dona Maria incumbiu-se
sozinha de concluir a formação de todos os Filhos e Filhas, que não lhe deram
trabalho. Ela se sentia realizada com a sua prole heterogênea: cada Filho, cada
Filha, escolheu seu porvir. Fazia gosto pela opção de cada Filho. E como se
abateu quando um deles, por contaminação em transfusão de sangue contraíra hepatite
C em tratamento hospitalar e não chegara aos 50 anos. Mãe presente. Avó
presente. Bisa presente. Amiga presente. E conselheira. Pra ninguém botar
defeito.
Não esqueço que, no dia em que acompanhei o
féretro de minha saudosa Mãe, Dona Maria me segurou pela mão ao longo do
percurso entre a capela e a necrópole, seu jeito ímpar de manifestar seu apoio,
carinho maternal. Por ironia da Vida, não pude estar presente ao mesmo percurso
no dia 23, pois, embora tivesse tentado chegar a tempo (a mensagem de texto fui
receber em cima da hora e quando cheguei à capela da funerária o féretro já
havia saído). Mas a nossa conexão com a sua Família, sobretudo com o Amigo Luiz
Taques, está acima dessas adversidades. Até porque a magnanimidade de Dona
Maria supera com fluidez e cordura os imprevistos da Vida.
Seu legado de empatia, comiseração, solidariedade
e, sobretudo, participação permanece vívido e palpitante no conviver e viver
dessa Família de pessoas iluminadas, generosas e compreensivas. Nossos profundos
e sinceros sentimentos de toda a minha Família pela eternização de Dona Maria a
toda a Família Torres Taques, por quem nosso carinho, admiração e amizade
sincera se revigoram com o devir dos dias. Até sempre, Dona Maria, e obrigado
por ter existido e generosamente nos ensinado o bem viver com comiseração!
Ahmad
Schabib Hany
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