sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

TRAGÉDIA YANOMAMI, UM CASO PENSADO


A tragédia vivida pelo povo Yanomami, cujas crianças lembram o estado em que se encontrava a população infantil de Biafra na década de 1960, é a prova de mais um crime de lesa-humanidade e de lesa-pátria cometido por ‘homens de bem’, ‘cristãos’, ‘patriotas’, ‘defensores da moral e dos bons costumes’ do inominável.


A tragédia Yanomami é caso pensado


Os crimes de lesa-humanidade e de lesa-pátria, cometidos pelos representantes de ‘patriotas’, ‘cristãos’, ‘homens de bem’ (bens?) e ‘defensores da moral de dos bons costumes’, ocorreram às vistas de altos funcionários e ministros do inominável que agiram de modo inverso ao institucional ou se omitiram deliberadamente, num gesto de total desumanidade e de irresponsabilidade social.

Apoiadores e apoiadoras de movimentos como o ‘Endireita Brasil’, ‘Vem Pra Rua’ e MBL, entre tantos outros, imaginariam um dia que o apoio ao inominável poderia causar-lhes constrangimento, vergonha e até arrependimento? Cá pra nós, causa-lhes mesmo?

Qualquer pessoa minimamente sensata, cristã de verdade e sinceramente comprometida com os valores civilizatórios sabe que a tragédia dos Yanomami, hoje chamada de ‘crise humanitária’, é expressão cabal da necropolítica (política de morte) e da ideologia do ódio que o inominável potencializou durante seu nefasto período de desgoverno, com o obsessivo afã de disseminar sua doutrina satânica de promover o fascismo, a supremacia branca, a ‘lei do mais forte’, o crime organizado, as milícias, o racismo, a misoginia, a homofobia, a lgbtqia+fobia, o cinismo (em vez de civismo), a fome das populações em situação de vulnerabilidade social, econômica, cultural, educativa e sanitária no Brasil.

É de causar um misto de perplexidade, dor, vergonha e indignação ante a tragédia, em pleno 2023, dos Yanomami. As cenas nos remetem às traumáticas e revoltantes imagens de fins da década de 1960 da população do Biafra, região do sudeste da Nigéria, em que os Ibos eram maioria no país e como tática de guerra o governo nigeriano e seus aliados realizaram política de extermínio por meio da fome, da morte e do enfraquecimento das políticas de saúde. Tanto a Nigéria de 1967-71 como o Brasil de 2019-23 são vergonhoso cenário em que as crianças foram alvo da pior perversidade imaginável, que nos remete aos nefastos tempos do nazifascismo.

É que, a bem da verdade, a chamada ‘grande imprensa’ (aquela mesma que apoiou os golpes de 1964 e de 2016 e que, como a FSP, teve o cinismo de estampar fotomontagem fascistoide para ilustrar a chamada de capa dias depois dos atos terroristas de janeiro de 2023) faz questão de ‘virar a página’ de todo assunto que não interessa aos seus amos e senhores do império. Biafra, região sudeste da então recém independente República da Nigéria (ex-colônia da Grã-Bretanha, ou Reino Unido), foi insuflada por multinacionais do petróleo para se separar, recorrendo aos velhos métodos de ‘dividir para reinar’. Essa guerra fratricida, além de instigar o ódio entre as diferentes etnias africanas que, após séculos de exploração, genocídio e desagregação-desestruturação populacional (inclusive mercantil, com o comércio de escravizados), começavam um tempo de descolonização, causou a tragédia humanitária, em que milhares de crianças foram condenadas à morte por inanição e não assistência alimentar, sanitária e social.

Por meio de um querido Amigo-Irmão que não posso citar, tive acesso a uma elucidativa matéria do Jornalista João de Lira Cavalcante Neto (renomado Escritor, detentor de quatro Jabuti, o maior, prêmio literário brasileiro), que assina Lira Neto, em que provou que o inominável, desde 1993, tem a mefistofélica obsessão de aniquilar os Yanomami e fazer de suas terras novas ‘serras peladas’, como a ditadura fez com a original, e que só rendeu dinheiro aos tubarões e seus feitores e parasitas, pois para os trabalhadores do garimpo só deu desgraça, doença e tragédia. Já em seu primeiro ano de deputado do baixíssimo clero, o inominável ganhou notoriedade por um projeto bizarro, de apenas dois artigos, um tornando sem efeito o decreto de Collor que criara em 1992 a Reserva Yanomami e o segundo revogando as disposições em contrário.

Lira Neto, na matéria “Como B... planejou extinguir a reserva Yanomami”, demonstra a formação do inominável (se é que assim podemos chamar, pois se revelou ao longo de sua funesta existência sem qualquer formação) ser antidemocrática: meses antes da apresentação do bizarro projeto, estivera em Santa Maria (a mesma cidade universitária que tristemente entrou para a história pela tragédia da Boate Kiss, que nesta semana completou dez anos), para defender o fechamento do Congresso Nacional e a instalação de uma ditadura como a do igualmente insano Alberto Fujimori no Peru, este país que até hoje amarga a sua maldita herança, encontrando-se em clima de guerra civil.

Nessa ilustrativa e didática matéria, Lira Neto resgata uma fala bastante reveladora do inominável, requentada pelo filho décadas depois: “Para acabar com a crise brasileira, basta apenas três batalhões da infantaria.” E, mesmo tendo sido arquivado seu bizarro projeto, conseguiu, graças à visibilidade obtida por suas bravatas, ser o terceiro mais votado em sua reeleição, em 1996. E quando se iniciaram os trabalhos dessa legislatura, não só conseguiu desarquivar seu projeto bisonho como conseguiu que tramitasse em regime de urgência, obviamente para retribuir pelo apoio das quadrilhas organizadas que desde sempre atuam nos garimpos que devastam os biomas brasileiros.

Desse jeito foi ganhando projeção e adesões entre os recalcados de todos os matizes, entre os delinquentes de todos os segmentos, entre os canalhas de todas as estirpes. Só que não contava com a oposição, que se mobilizou e, por meio do deputado Fernando Gabeira, na época no Partido Verde, teve sua obsessão mais uma vez frustrada: Gabeira comparou a disputa entre os fora de lei de toda natureza (como grileiros, madeireiros, garimpeiros, contrabandistas e traficantes) e a população Yanomami ao conflito entre sionistas e palestinos, para abortar o insólito despropósito da tramitação em regime de urgência de uma questão complexa e delicada como aquela. Com o apoio de Almino Afonso, então deputado pelo Partido Socialista Brasileiro (o mesmo do Vice-presidente Geraldo Alckmin e do Ministro Flávio Dino, da Justiça, o terror das hordas meliantes do inominável), mais uma vez o projeto vai para o lixo, de onde nunca deveria ter saído.

Lira Neto revela, ainda, a profunda desfaçatez do inominável, ao ver o bizarro projeto mais uma vez derrotado e declara na Câmara, em abril de 1998: “A cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país.” É assim como o nefasto ‘mito’ de ‘cristãos’, ‘patriotas’, ‘homens de bem’ e ‘defensores da moral e dos bons costumes’ manifesta a sua sincera visão de mundo, à luz, ou melhor, sob a sombria perspectiva de quem só enxerga a ganância, a exploração, a usura e a opressão como o caminho daquilo que ele entende por ‘progresso’.

É importante o registro de Lira Neto ao endosso do almiraneco Bento Albuquerque e do juizeco golpista Sérgio Moro, então sinistro da ‘Justissa’ do inominável, ao decreto que o capeta editou quando toma de assalto os destinos da nação. Chamado pela oposição de ‘Decreto do Genocídio’, a iniciativa pretendia autorizar o garimpo e o agro negócio em áreas indígenas. A mobilização da sociedade, com apoio de organizações multilaterais, acabou sepultando de vez mais essa bizarra iniciativa. Não sem antes fazer, em terras Yanomami, motociata em vez de ver pessoalmente o que ocorria com as crianças e os jovens Yanomami. Isso sem falar que o cartão corporativo, aquele que o inominável queria manter em sigilo de 100 anos, registrasse um gasto escandaloso para as orgias e masturbações com suas hordas ensandecidas.

Tão logo o Governo de Reconstrução Nacional assumiu, vêm as tragédias à tona. E com elas fatos revoltantes: o dinheiro previsto no Orçamento da União para a assistência e promoção às populações indígenas (algo como 1 bilhão e 350 mil reais) foi cinicamente desviado para duas fundações ligadas às igrejas dos mercadores da fé, em vez de ser destinado ao atendimento das populações que hoje vemos em crise humanitária. Ainda pior: o desgoverno do ‘passa boi, passa boiada’ fez vistas grossas às grilagens de terra das reservas indígenas, permitiu que quadrilhas de garimpeiros, madeireiros, traficantes e contrabandistas, ‘criadores’ de gado e ‘plantadores’ de soja e assemelhados não só matassem servidores honrados como Bruno Pereira e Jornalistas de verdade como Dom Philips, como devastassem as florestas nativas, aniquilassem formas de vidas que ainda a ciência não catalogou e poluíssem rios e terras com mercúrio e agrotóxicos em áreas que ainda não haviam sido defloradas pela cobiça e usura dos ‘homens de bem’ (bens?).

Lembram-se daqueles generecos recalcados e enrustidos como Pazzuelo, Heleno, Villas-Boas, Mourão et caterva? Ah, sim! Eles também haverão de ser ver com Dona Justa, ah se vão! Em outros tempos seus ídolos foram poupados, por descuido, agora, no entanto, saberão eles que patriotismo não rima com bandidagem, prevaricação, golpismo e tantas outras canalhices que causam vergonha e revolta ante a tragédia humana que, dia após dia, vem à tona. Como, nos idos de 1970, o compositor e poeta Luis Rico disse: “A pátria não está nas promessas que nunca cumpri. / Consciência de homens que nunca juraram verdade. / A pátria está em curumins que vagam por mundos alheios, / famintos de beijos, / e não são como aqueles que nasceram para fazer maldade. / A pátria está nas mãos calejadas de mulheres e homens mineiros, / que mostram sendas, que são os primeiros / que morrem por outros, levando uma cruz / levando uma cruz.” (La Patria, Luis Rico, 1969.)

Uma cruz. Mas cuidado com os seus ancestrais, que eles voltam aos milhões, e levam para o lixo da História todos aqueles que cobiçaram a Mãe Terra, os que esquartejaram, mutilaram, sacrificaram e torturaram de alguma maneira seus curumins. Ainda bem que, ironicamente, temos um estadista estigmatizado por ser ‘de esquerda’ para literalmente endireitar o Brasil, isto é, colocar o Brasil no rumo, em seu lugar no Mundo e na História.

Ahmad Schabib Hany

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