SINAL
DE ALERTA
Quando um educandário,
sobretudo como o centenário CENIC, é levado a encerrar suas atividades, toda a
sociedade precisa ‘fechar para balanço’, isto é, parar para refletir sobre seus
rumos.
Tempos sombrios estes em que vivemos: enquanto bocas de fumo e a rede de exploração
sexual infantojuvenil progridem à luz do dia, um dos mais antigos educandários
de Mato Grosso do Sul anuncia seu iminente encerramento de atividades...
Quando uma escola é levada a fechar as portas, a
sociedade está dando sinais de que está à beira da falência. Sobretudo, em se
tratando de um educandário centenário, referência de pioneirismo e vanguarda educacional.
O sistema preventivo de Dom Bosco, que está na base da formação das normalistas
pioneiras na educação corumbaense e ladarense, fez a diferença em todo o mundo
entre fins do século XIX e a primeira metade do século XX.
Também não esqueçamos que, depois que as ‘forças
ocultas’ perseguiram o Frei Mariano de Bagnaia e os Franciscanos saíram desta
região, foram Salesianos e Salesianas a capitanear a educação, com a chegada a
Corumbá, em 1898, da Missão Salesiana para instalar o Colégio Santa Teresa e,
quinze anos depois, a Congregação das Filhas de Maria a implantar
paulatinamente o Ginásio e Escola Normal Imaculada Conceição (GENIC), a partir
de 1904.
O prédio do educandário, sito à rua Frei Mariano,
foi inaugurado em 1925, isto é, daqui a quatro anos comemora seu primeiro
centenário. A atual capela do GENIC é mais recente: foi inaugurada no início da
década de 1960, como testemunhou meu Sogro, Senhor Mário Galeano, que, católico
praticante, se orgulha de ter trabalhado alguns meses, em 1959, na construção
da igreja, só tendo se desligado da equipe quando a Capitania dos Portos lhe entregou
o documento de marinheiro de convés, com o qual iniciou a profissão de marítimo
até aposentar-se como comandante.
O Senhor Jorge José Katurchi, do alto de seus 95
anos a completar no próximo mês, conta que conheceu sua querida e saudosa
Companheira quando ela estudava no GENIC. Cacerense e, do lado materno,
descendente do Marechal Cândido Rondon, Dona Anna Thereza estudou no
tradicional ‘Colégio das Irmãs’, como sempre foi carinhosamente chamado, e
graças ao fato de ser um renomado educandário seus Pais a matricularam, a
despeito da distância, por conta do prestígio e do nível da educação oferecida.
Antes da criação do Instituto Superior de
Pedagogia, em 1968, a quase totalidade das professoras da região era formada no
GENIC, cujo nível era de reconhecimento nacional. Isso é possível conferir em
diversas pesquisas para dissertações de Mestrado e teses de Doutorado. Além do
mais, o acervo da biblioteca centenária e os documentos públicos relativos às
atividades didáticas da instituição são uma rica fonte de pesquisa. E para que
continue, inclusive, como fonte de pesquisa, a escola precisa estar funcionando,
sob pena de se perderem documentos por causa do abandono.
Não são poucas as pessoas que vieram a Corumbá (e
acabaram ficando) por causa do GENIC. Além da saudosa Dona Anna Thereza Rondon
Maldonado Katurchi, Companheira de Vida de Seu Jorge Katurchi, temos a
Professora Marlene Terezinha Mourão, a querida ‘Peninha’, artista plástica,
caricaturista, chargista, poeta e escritora. A ‘Peninha’, que é Prima do
célebre compositor e cantor Zacarias Mourão, veio de Coxim e acabou ficando,
para felicidade nossa, tendo sido das pioneiras docentes do então Centro
Pedagógico de Corumbá (quando da UEMT).
Por outro lado, nos últimos 50 anos, há diretoras
cujos nomes já estão na história de Corumbá, entre elas a Irmã Rosa Maluf, Irmã
Antônia Brioschi, Irmã Aurélia Brioschi e irmã Beatriz de Barros. A Irmã Rosa,
diretora na década de 1960, fez uma gestão de vanguarda, embora os tempos
fossem de obscurantismo político, tendo entre docentes a Irmã Sofia, Professora
de Filosofia e Literatura de grande formação intelectual, entre outras Professoras
(com letra maiúscula) que contribuíram para a afirmação de Corumbá como terra
de grandes talentos nas diferentes áreas da cultura, ciência e tecnologia.
Na última década do século XX, o GENIC teve em sua
Direção a memorável Irmã Antônia Brioschi, coordenadora da Pastoral Social durante
parte do episcopado do saudoso Dom José Alves da Costa, quando conduziu a
Segunda Semana Social Brasileira (1993/4), se responsabilizou pela área da
Comunicação na Ação da Cidadania Contra a Fome e pela Vida e em seguida foi
determinante na fundação do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de
Corumbá e Ladário, cuja sede provisória funcionou no educandário. A Irmã
Aurélia Brioschi a sucedeu com igual ênfase, e no início dos anos 2000 a
saudosa Irmã Beatriz de Barros manteve a escola conectada com a coletividade
corumbaense.
Além disso, as atividades de assistência e
inclusão social mantidas pela congregação no Bairro Aeroporto, sob a
denominação de Geniquinho, têm um grande impacto positivo na região há mais de
30 anos. Embora se trate de uma entidade assistencial, ela é vinculada ao GENIC
e seus projetos, pioneiros e inovadores, traduzem o compromisso das Irmãs
Salesianas em favor do protagonismo juvenil e da qualificação profissional, à
luz dos valores e da experiência centenária com o sistema preventivo de Dom
Bosco.
Como uma cidade de formação cosmopolita feito
Corumbá pode permitir que o cessar de atividades do GENIC possa acontecer sem
esboçar uma iniciativa coletiva capaz de assegurar a permanência não só da
congregação, como da própria escola que tanto contribuiu para o desenvolvimento
da formação intelectual de diversas gerações, e que a partir do último quartel
do século XX abriu seu espaço para alunos?
Embora mais recentes, as escolas paroquiais Nossa
Senhora de Caacupê e Sagrado Coração encerraram suas atividades na década de
1980, na mesma ocasião em que a Escola Batista de Corumbá, mantida pela Primeira
Igreja Batista de Corumbá, também fechou. Pouco tempo depois, foi a vez da
Escola Estrela do Oriente, cuja sobrevivência havia sido assegurada por um
convênio com a Secretaria de Estado da Educação.
À exceção das escolas Batista e Estrela do
Oriente, o fechamento das outras escolas citadas implicou na saída da
Congregação Jesus Menino, responsável pelo apoio não só das escolas, como, na
época, do Asilo São José, fundado e gerido pela Associação das Senhoras
Católicas da Diocese de Corumbá, em que a querida Dona Cerise de Campos Barros
e anteriormente a saudosa Dona Julieta Nemir Marinho e membros de respectivas
diretorias marcaram época pela dedicação e abnegação à frente da entidade.
É um sinal de alerta para todos os segmentos sociais
e todos os setores de atividades lícitas de Corumbá, Ladário e Mato Grosso do
Sul iniciarem um inadiável processo de debate propositivo para encontrar uma saída
honrosa para nossa região. A prefeitura e o governo do estado também não podem
se furtar a participar, tanto quanto a Câmara e a Assembleia Legislativa.
Quando há vontade política tudo é possível, basta dar início e se entregar de
espírito aberto, que dará certo.
Não se trata de um point ou de barzinho em que a juventude se encontra para
divertir-se. Trata-se de uma escola com mais de 100 anos de história, pioneira na
alfabetização, na formação escolar e na preparação das primeiras normalistas da
mais antiga cidade do estado, cujo apogeu cultural mudou os rumos econômicos e
políticos do sul de Mato Grosso.
Confesso que, quando o Jornalista Luiz Taques, em
meio às suas costumeiras ligações de Amigo que não esquece suas raízes, me perguntou
se tinha conhecimento do iminente fechamento do GENIC (ou CENIC), não
acreditei, pensei que se tratasse de alguma chacota, ainda que não seja de seu
feitio.
Mais uma vez, os diferentes segmentos da população
corumbaense e ladarense darão seu inadiável brado para assegurar a permanência
desse importante educandário. Mais que mera manifestação de apoio ao centenário
educandário, precisamos ampliar a adesão de todos os trabalhadores da Educação
para que somem os esforços em favor de novo tempo, que começa agora: só depende
de você, isto é, de cada um de nós.
Para concluir, vou tentar transcrever a letra (ou
parte dela, que eu não consegui gravar) da música que todo final de ano nos
faziam manter, como prova de amor pela escola em que estudamos:
‘Adeus,
Escola querida! / Adeus, adeus, adeus! / De ti eu levo saudades, / Saudades
tantas de ti...’ (Autor desconhecido)
Ahmad
Schabib Hany
3 comentários:
Que notícia extraordinária (no seu sentido mais oblíquo e danoso) essa do encerramento do GENIC, a pergunta vc fez muito bem: ...e ninguém se move? Mais uma página para lembrar de Corumbá como FOI BOM. Amigo Schabib que lástima.
Tito
Estou cá pensando em quantas vezes estive no GENIC (com G) alojada com o cuidado e a discrição própria das freiras... eram os anos de 1980 e estávamos organizando o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua e a Pastoral do Menor. A conexão com Campo Grande fazía-nos ir e vir, juntando meninos e meninas lá no Sassida. À noite, reunião silenciosa para pensar os caminhos e a metodologia do dia seguinte. Não sei quantas vezes isso aconteceu, mas ainda sou capaz de falar das paredes discretas, das luzes amenas e dos chás que tomávamos antes de dormir. É... o capitalismo extensifica e intensifica e a educação passa a ser mercadoria. As lembranças, na verdade são só lembranças.
Pois é, querido(a)s Tito e Estela: o desmonte das políticas públicas e do próprio Estado Democrático de Direito, que anônima mas intensamente nos dedicamos a construir, atinge não apenas a superestrutura, mas o âmago das mais amplas camadas da população.
Quando o Tito realizou em Corumbá o projeto "UFMS na Constituinte" e a Estela protagonizou as atividades que culminaram com o MNMMR e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (me lembro como hoje, no auditório do GENIC, a reunião em que o querido e saudoso Padre Pascoal Forin nos apresentou a Estela e também a então Irmã Fátima Siqueira, e aí aproveito de corrigir o nome da Congregação Jesus Adolescente), lá estava, inclusive, a saudosa Irmã Chiquinha, a Decana das Salesianas do Imaculada Conceição, a acolher todas as pessoas da maneira mais fraternal e carinhosa possível, inclusive com aquele chá inesquecível que Estela mencionou, cujo aroma não só clareava nossas ideias como fortalecia nossas ações.
Felizmente o 'motor da História' não está na (sinistra) vontade das elites, mas sob os pés rachados mas firmes do generoso e incansável Povo, que indiferente ao desdém desses desditados vai abrindo novos horizontes, como o que está prestes a ocorrer, mais cedo que parece...
Como escreveu o eterno e terno Carlos Drummond de Andrade, nos idos de 1940, em "De mãos dadas": "Estou preso à vida e olho meus companheiros / Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças / Entre eles, considero a enorme realidade / O presente é tão grande, não nos afastemos / Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas."
Não nos esqueçamos que somos da geração que venceu a ditadura de 1964 e, não por soberba -- mas por responsabilidade histórica --, não podemos nos furtar de estar na linha de frente, até porque temos o dever de assegurar um porvir digno às novas gerações, inclusive para nosso(a)s Filho(a)s e, se for o caso, Neto(a)s...
Contem comigo até o último suspiro, de pé e avançando sempre.
Grande abraço!
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