ARMANDO
ANACHE, UM CORUMBAENSE A TODA PROVA
Foi presidente da Associação
Comercial de Corumbá por duas vezes; como prefeito nomeado procurou solucionar
os conflitos fronteiriços e construiu o terminal rodoviário internacional com
uma pequena feira de artesanato; como deputado estadual condicionou seu voto de
apoio ao governo de Wilson Barbosa Martins mediante a construção e asfaltamento
da BR 262 e votou contra o acordo de Pedro Pedrossian para entregar a UMSA à
CVRD, uma história que fica para a posteridade.
Ex-prefeito nomeado e ex-deputado por três
mandatos, Armando Anache entra para a história pela lealdade à cidade que
acolheu sua Família anos antes de vir para o mundo. Nasceu um dia antes do
aniversário de Corumbá, em 1930, e se eternizou, no Rio de Janeiro, aos 91
anos, no dia em que a Cidade Branca comemorou 243 anos.
O político e empresário Armando Anache encerrou a
sua jornada quase seis meses depois de perder seu Filho, o saudoso Jornalista
Armando Amorim Anache, para a covid-19, em 30 de março, fato que o abalou ainda
mais. Encontrava-se com a saúde precária desde 2017, quando sobreviveu a um
infarto agudo do miocárdio e foi levado em UTI aérea para São Paulo. Desde
então, não mais pôde retornar ao porto seguro de sua Família, de imigrantes
sírios, acolhidos pelo então importante entreposto comercial da América do Sul.
No tempo em que presidira a Aliança Renovadora
Nacional (Arena), sucedendo o também comerciante e filho de imigrantes Júlio
Emílio Ismael (‘Casa Botafogo’), Anache foi por duas vezes presidente da
Associação Comercial de Corumbá, quando deflagrou a campanha pela Zona Franca,
a exemplo de Manaus, da qual também participaram o Senhor Jorge José Katurchi,
também duas vezes vice-presidente da entidade, e o saudoso Benedito Jorge
Boabaid, cuja gestão histórica marcou época. Ligado ao grupo do ousado
engenheiro Pedro Pedrossian (também oriundo do Partido Social Democrático, PSD,
de Juscelino Kubitschek de Oliveira), defendera com ímpeto as reivindicações de
Corumbá, precisamente numa época em que não era possível eleger os prefeitos das
cidades fronteiriças.
Independentemente das preferências políticas e
ideológicas, Armando Anache foi de uma lealdade e coerência inquestionáveis em
sua trajetória política. Prefeito nomeado em fins de 1979 para um mandato de
apenas dois anos (pois se desincompatibilizara em fins de 1981 para ser
candidato a deputado estadual em 1982 pelo sucedâneo da Arena, o Partido
Democrático Social, PDS). Sob o lema “Administração para uma nova era”, fez a
diferença: formou um secretariado eclético, entre eles o Professor e
historiador Valmir Batista Corrêa, na Educação e Cultura, a Psicóloga e
Professora Iliane Esnarriaga na Saúde e Assistência Social, e o então
radialista Juvenal Ávila de Oliveira, na Assessoria de Imprensa; enfrentou com
desenvoltura os problemas fronteiriços, procurando soluções corajosas e
inovadoras, como o livre-trânsito de táxis e ônibus entre Corumbá e Puerto
Suárez, bem como a construção do Terminal Rodoviário Internacional e a Feira de
Artesanato, atrás do Cemitério Santa Cruz, que funcionou por mais de 30 anos.
Como deputado estadual, empossado na véspera da
posse do primeiro governador eleito pelo voto direto e em oposição ao regime de
1964, Doutor Wilson Barbosa Martins, fez um acordo histórico, de votar a favor
de Corumbá, como fiel da balança, condicionando seu voto de apoio ao governo peemedebista
mediante o compromisso, isto é, o anúncio da ordem de serviço e execução da
obra de construção e asfaltamento da BR 262, que foi honrado pelo Doutor
Wilson, a despeito de ser uma rodovia federal. Dez anos depois, quando
Pedrossian, seu líder político concluía seu mandato derradeiro à frente do
governo do estado, voltou a fazer história votando contra o projeto de lei que
autorizava o governo a negociar com Mato Grosso a venda das ações da Urucum
Mineração, numa transação denunciada por lesiva aos interesses do estado. Essa
demonstração de amor e lealdade a Corumbá, apoiada também pela então deputada
Marilene Coimbra (do mesmo partido de Anache e Pedrossian), custou caro aos
dois parlamentares da base de apoio ao governo pedrista, e, sobretudo, ao
deputado Anache, cujo nome havia sido sondado para ser indicado para
conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul (mas, pela ‘desobediência’
ao líder, acabou preterido e não recebendo o apoio para sua reeleição).
Nessa época o Correio
de Corumbá, sob a direção do ex-vereador Airton Pereira, estava com a
circulação interrompida, e o Diário de
Corumbá, sob a direção do saudoso Márcio Nunes Pereira, foi o único jornal
com circulação na região de Corumbá e Ladário que se manteve rigorosamente
crítico à venda, em agosto de 1994, das ações da UMSA para a CVRD, intermediada
pelo Banco Vetor S/A, na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. A Rádio Clube de
Corumbá, sob a corajosa direção do saudoso Armandinho Anache, era a única
emissora que se recusara a ser ‘Cem por cento Vale’. Ação Popular encabeçada
pelo ex-governador José Manoel Fontanillas Fragelli denunciara a transação
lesiva aos interesses do estado, mas um acordo entre o governo de Mato Grosso
do Sul e a então estatal pôs melancólico fim à demanda da cidadania
corumbaense. No entanto, até hoje ninguém soube responder por que oito mais
seis são iguais a dezoito, questão que ficará para a posteridade, mas será
tornada pública...
Assim como entre 2005 e 2008 Corumbá foi tomada
por uma sórdida campanha de ódio e difamação contra os que corajosamente se
colocaram a favor da ciência e do interesse público na questão dos recursos
hídricos e naturais (quando ‘penas de aluguel’, pagos por políticos que se
diziam ‘petistas’ e que nunca passaram de arrivistas, caluniaram e ofenderam a
honra de estudiosos éticos da maneira mais leviana e covarde), entre 1994 e
1996 havia uma campanha sistemática de coação dirigida aos honrados
profissionais da imprensa que não aceitavam curvar-se ao mercado persa
instalado à luz do dia. Armando Anache, Armandinho Anache, Márcio Nunes Pereira,
Joilce Viegas de Araújo, Moisés dos Reys Amaral, Salomão Amaral, Armando
Lacerda e outros cidadãos que subscreveram a Ação Popular contra a venda da
Urucum Mineração, fartamente documentada.
Descendente de sírios - de
uma minoria étnica chamada de syrianes,
segundo pesquisa inédita do Sociólogo Lejeune Mirhan, corumbaense radicado há
quase 50 anos em Campinas, também descendente dessa minoria étnica que veio em
peso para Corumbá -,
Armando Anache, desde antes de ser eleito deputado estadual, manifestou seu apoio
e solidariedade à questão palestina. Num tempo em que viajar ao lado de
imigrantes era ‘perigoso’ para a reputação política, Anache esteve com uma
delegação palestina em Lima, no Peru, e em diversas metrópoles brasileiras. Não
por acaso, em 1980, quando o representante da Organização para a Libertação da
Palestina (OLP) esteve em Corumbá, a Rádio Clube cobriu todo o itinerário
cumprido por Farid Suwan na cidade, tendo sido entrevistado, ao vivo, pelo
então jovem repórter Farid Iunes Solominy.
Formado pela emblemática Escola Técnica de
Comércio de Corumbá na década de 1950, o contabilista e comerciante Armando
Anache fez jus à sua origem síria, seguindo a tradição de seus Pais. Se, na
infância, a dificuldade idiomática lhe causasse alguns desconfortos e apelidos
constrangedores, como “Fazido” (como era chamado, segundo contemporâneos, por
seus colegas na Escola Salesiana de Santa Teresa), na juventude sua apurada percepção
política e, a despeito de correligionários ilustres do PSD de Juscelino
Kubitschek terem sido eclipsados pela ‘redentora’, empreendeu uma sólida
carreira política como presidente do partido de sustentação do regime de 1964.
Nunca escondeu sua amizade longeva e admiração
pelo mais poderoso político desde os tempos do Estado Novo, senador cuiabano
Felinto Müller, que de getulista virou paladino do regime nos anos de chumbo
(de 1968 a 1973), tendo sido presidente da Arena e do Senado Federal até
falecer num trágico desastre de avião em Orly, Paris, em julho de 1972.
Correligionários corumbaenses ficavam boquiabertos com a desenvoltura de
Armando Anache quando recebido por Felinto Müller em Brasília ou nas visitas
que o poderoso político cuiabano fazia a Corumbá, sempre na companhia do então
próspero político e empresário.
A inimaginável e trágica morte de Felinto Müller
em 1972, obviamente, representou um atraso para o projeto político e
empresarial de Armando Anache. Contemplado com uma concessão de canal de
televisão e de rádios em AM e FM em Cuiabá (cujo pomposo nome já estava em
evidência, Rádio e Televisão Brasil Oeste Ltda.), a dinâmica equipe da
Sociedade Rádio Clube de Corumbá Ltda. já preparava profissionais de vanguarda
para os desafios que adviriam. Mas o tiro de misericórdia veio em 11 de outubro
de 1977, dia em que, para espanto de corumbaenses, ladarenses, cacerenses e
cuiabanos (entre tantos outros mato-grossenses), foi assinada a Lei
Complementar nº 31, que dividia o território de Mato Grosso e criava Mato Grosso
do Sul, com o nome de Campo Grande, com capital na então acanhada Cidade
Morena. Não demorou muito, e a Família Anache pôs à venda a Rede Brasil Oeste
de Rádio e Televisão Ltda., afiliada à TV Bandeirantes.
Mesmo assim, Armando Anache e familiares deixaram
um edifício de 12 andares e outro, de seis andares, além de grandes
empreendimentos culturais, como o Cine Anache e, por pouco tempo, uma rede de
cinemas (acredito que em comodato), que incluía todas as salas de exibição de
Corumbá e Ladário, como jornais da época anunciavam diariamente ao público
leitor. Sem dúvida, o maior legado de Armando, Armandinho, Fauze, Doutora
Laurita e Leo (que está com bastante saúde e em plena atividade) é o celeiro de
talentos e oportunidades representado pela Rádio Clube de Corumbá durante os
anos em que a Família Anache a dirigiu: várias as gerações de Radialistas,
Jornalistas, Técnicos e demais categorias profissionais (com letras maiúsculas)
foram reveladas, capacitadas e profissionalizadas, para felicidade de todos
nós, ouvintes.
Amigo e contemporâneo de Armando Anache, o Senhor
Jorge José Katurchi, em poucas e certeiras palavras, sintetizou o legado de
Armando Anache: “Grande corumbaense, lutou como poucos por nossa Corumbá. Muito
leal a seus princípios, Armando abriu mão de vantagens pessoais para ser
coerente e correto com o povo que acolheu sua Família.” Pois é, com Armando
Anache entra para a história uma geração de corumbaenses forjados no
cosmopolitismo do entreposto comercial dos mais importantes do Brasil, da
América do Sul. Torçamos para que as novas gerações de corumbaenses e
ladarenses não padeçam do mal do provincianismo que assola estes tacanhos e
sombrios tempos.
À Família enlutada, nossa profunda solidariedade,
além do agradecimento sincero pelas inúmeras demonstrações de respeito à
pluralidade, à diversidade e à verdade. Até sempre, Seu Armando, e que seja
feliz seu reencontro com o Armandinho e demais membros de sua Família e
Amigos na eternidade!
Ahmad
Schabib Hany
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