quinta-feira, 30 de setembro de 2021

HUBO UN ARGENTINO LLAMADO WALDO DE LOS RÍOS

Marta De Los Rios & Waldo De Los Rios (1973) FULL ALBUM [Latin, Folk, Ex...

Golpe de Estado en Chile de 1973 y Muerte de Salvador Allende - Miguel d...

El Yunque: la sociedad ultracatólica secreta que conspira en la sombra e...

La trágica muerte de Jorge Cafrune / REVISTA PUAJ! N° 49

Los Chalchaleros en la apertura de Cosquín, 1989 (parte II)

Los Chalchaleros en la apertura de Cosquín, 1989 (parte I)

Los Chalchaleros - 50 Años y una leyenda (1998)

Despedida de LOS CHALCHALEROS - Teatro Coliseo (2000)

Los Chalchaleros 1996 en la Biblioteca Nacional

Atahualpa Yupanqui - Luna Tucumana (1957)

Atahualpa Yupanqui - Los ejes de mi carreta

Soledad - Perdón Doctor (Homenaje a Horacio Guarany)

SI SE CALLA EL CANTOR - Soledad y Horacio Guarany (Luna Park)

CANTA PAÍS - Soledad y Horacio Guarany (Luna Park)

A DESALAMBRAR CON DANIEL VIGLIETTI, CAPITULO 3

A DESALAMBRAR CON DANIEL VIGLIETTI, CAPITULO II

A DESALAMBRAR CON DANIEL VIGLIETTI (PARTE 1)

terça-feira, 28 de setembro de 2021

GAMAL ABDEL NASSER (1918 -- 1970)

 


REPUBLICAÇÃO EM HOMENAGEM AOS 51 ANOS DA ETERNIZAÇÃO DE GAMAL ABDEL NASSER (1918 - 1970)

 

CINQUENTENÁRIO DE FALECIMENTO DE

GAMAL ABDEL NASSER (1918 - 1970)

Nesta segunda-feira, dia 28 de setembro, transcorre o cinquentenário do súbito falecimento (não esclarecido) do líder árabe Gamal Abdel Nasser, um dos fundadores do Movimento dos Países Não Alinhados, ao lado de Broz Tito, Jawaharlal Nehru e Sukarno.

Fundador da Liga dos Estados Árabes e da República Árabe Unida (RAU), Nasser foi um líder pan-arabista e terceiro-mundista que inspirou muitos líderes latino-americanos entre as décadas de 1960 e 1970, entre os quais Velasco Alvarado (no Peru) e João Goulart e Leonel Brizola (no Brasil), e por essa razão foi combatido pelos Estados Unidos e seus serviçais pelo resto do mundo, como Anwar Sadat e Hosni Mubarak.

Em 2014, graças à Amiga, Irmã, Companheira e Camarada Amyra El-Khalili, tive a honra e o prazer de ter minha singela - e sincera - homenagem a esse grande líder publicada no emblemático Pravda, versão que faço questão de compartilhar com Vocês.

 

GAMAL ABDEL NASSER (1918-1970)

Setembro de 1970. As ovações ao tricampeonato da Seleção Canarinho ainda ecoavam pelos quatro cantos do país enquanto eram sufocados os gemidos das masmorras, nos piores dias do regime de 1964 (entre 1968 e 1973). Na pacata Corumbá, o querido Amigo Orlando Bejarano (cunhado do Professor Huguinho) e eu estávamos, na tarde do dia 28 (acredito que uma terça-feira), estudando para uma prova de Inglês, ministrado pela querida e competente Professora Suzana Maia, titular da disciplina no Ginásio Industrial Dr. João Leite de Barros, quando meu saudoso Pai nos surpreendeu, em indisfarçável estado de comoção, com a notícia do súbito falecimento do grande líder pan-arabista Gamal Abdel Nasser, aos 52 anos, então presidente da República Árabe Unida (nome do Egito durante pouco mais de uma década), vítima de um infarto fulminante quando retornava do aeroporto internacional do Cairo, depois de despedir as delegações de chefes de governos que participaram de um encontro da Liga dos Estados Árabes na capital egípcia, na tentativa de solucionar e apaziguar os ânimos dos líderes árabes revoltados pela repressão a centenas de ativistas palestinos na Jordânia, massacre mais tarde conhecido por Setembro Negro.

Não é demais lembrar que o Rei Hussein, de uma suposta “dinastia hashemita”, da Jordânia, nunca passou de um servil tirano, fantoche do Ocidente, entronizado por meio de um ardil do império britânico, que ao abandonar o território da Transjordânia (antigo nome, por conta do Rio Jordão, dos tempos bíblicos) deixou seus aliados tomando conta da porção árabe da Palestina, ocupada desde 1948 pelos sionistas, que em maio (dia 15) instalaram um governo para nunca mais deixar aquele território milenar e espalhar seitas fundamentalistas com o afã de “igualar”, bem aos moldes fascistas, os lados do conflito, um nefasto modo de justificar que a razão da interminável questão israelo-árabe é religiosa. O mesmo, aliás, os colonizadores fizeram no Egito, onde impuseram o Rei Faruk, deposto por Nasser e demais jovens oficiais egípcios contrários à subserviência do títere com máscara real, em 1956. Nada diferente foi no Marrocos, onde deixaram o Rei Hassan como feitor; na Arábia Saudita, onde reina até hoje uma fictícia (e medieval) “dinastia wahabita”, que por fazer o jogo dos “donos do mundo” de hoje, Estados Unidos e Israel, não sofrem qualquer tipo de sanção pelas violações sistemáticas dos direitos humanos, num regime tirânico, sanguinário e intolerante com os que ousam defender princípios verdadeiramente democráticos em seu território.

Mas, voltando à súbita (e suspeita) morte de Nasser, o maior líder árabe dos últimos trezentos anos, os 22 países árabes, a totalidade das nações asiáticas e africanas, todos os Estados socialistas e boa parte das nações latino-americanas se uniram na dor, por semanas a fio, fato comparado aos funerais de Jawaharlal Nehru, seis anos antes. Depois da interminável despedida ao líder árabe, começaram a circular notícias, nunca desmentidas, de que emissários da Irmandade Islâmica (com o apoio do Mossad, o serviço secreto israelense), arqui-inimiga do presidente egípcio, laico e anticlerical, teriam envenenado o incansável inimigo do invasores ocidentais, a despeito das duas derrotas sofridas entre 1954 e 1967 contra o Ocidente.

Ao contrário dos autoproclamados líderes árabes de seu tempo, Nasser causava muita preocupação ao Ocidente (sobretudo aos Estados Unidos e Israel) por ser um estadista laico e pró-socialista, mas sem curvar-se aos ditames soviéticos - tanto que foi um dos fundadores do Movimento dos Países Não Alinhados, ao lado de Broz Tito, Nehru e Zukarno - além de ter sido determinante na criação da Organização da Unidade Africana e da Liga dos Estados Árabes, enfraquecidas depois de sua morte prematura. Internamente, Nasser foi responsável pela modernização do Egito, pela promulgação de uma Constituição republicana democrática de forte perfil socialista (mas não estalinista), pela construção de importantes obras de infraestrutura, como a represa de Assuã, em seu tempo a maior do mundo (construída em cooperação com a União Soviética), e a malha rodoferroviária que integra o território do Egito aos demais países do Norte da África, cuja conclusão foi preterida por Anwar Sadat e Hosni Mubarak, respectivamente, durante o longo período de arbítrio e entreguismo protagonizado pelos dois fantoches ocidentais.

Gamal Abdel Nasser foi um generoso estadista árabe que inspirou muitos líderes do então chamado Terceiro Mundo a promover mudanças estruturais em seus respectivos países, além de ter incentivado, em toda a África, as corajosas lutas pela emancipação do jugo colonial europeu. Quarenta e quatro anos depois de sua morte (ainda não esclarecida), reverenciar a sua digna memória é, acima de tudo, um gesto libertário, um ato da saudável rebeldia disseminada nas duas décadas posteriores ao pós-guerra de 1945, quando a humanidade com perplexidade conheceu sem máscaras a intolerância e o ódio germinado na autoproclamada “civilizada” Europa de todos os holocaustos, de todas as inquisições e de todas as cruzadas. Mas como não há mal que dure cem anos, cá estamos a saudar o novo amanhã junto às novas gerações...

Ahmad Schabib Hany

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

ARMANDO ANACHE, UM CORMBAENSE A TODA PROVA

ARMANDO ANACHE, UM CORUMBAENSE A TODA PROVA

Foi presidente da Associação Comercial de Corumbá por duas vezes; como prefeito nomeado procurou solucionar os conflitos fronteiriços e construiu o terminal rodoviário internacional com uma pequena feira de artesanato; como deputado estadual condicionou seu voto de apoio ao governo de Wilson Barbosa Martins mediante a construção e asfaltamento da BR 262 e votou contra o acordo de Pedro Pedrossian para entregar a UMSA à CVRD, uma história que fica para a posteridade.

Ex-prefeito nomeado e ex-deputado por três mandatos, Armando Anache entra para a história pela lealdade à cidade que acolheu sua Família anos antes de vir para o mundo. Nasceu um dia antes do aniversário de Corumbá, em 1930, e se eternizou, no Rio de Janeiro, aos 91 anos, no dia em que a Cidade Branca comemorou 243 anos.

O político e empresário Armando Anache encerrou a sua jornada quase seis meses depois de perder seu Filho, o saudoso Jornalista Armando Amorim Anache, para a covid-19, em 30 de março, fato que o abalou ainda mais. Encontrava-se com a saúde precária desde 2017, quando sobreviveu a um infarto agudo do miocárdio e foi levado em UTI aérea para São Paulo. Desde então, não mais pôde retornar ao porto seguro de sua Família, de imigrantes sírios, acolhidos pelo então importante entreposto comercial da América do Sul.

No tempo em que presidira a Aliança Renovadora Nacional (Arena), sucedendo o também comerciante e filho de imigrantes Júlio Emílio Ismael (‘Casa Botafogo’), Anache foi por duas vezes presidente da Associação Comercial de Corumbá, quando deflagrou a campanha pela Zona Franca, a exemplo de Manaus, da qual também participaram o Senhor Jorge José Katurchi, também duas vezes vice-presidente da entidade, e o saudoso Benedito Jorge Boabaid, cuja gestão histórica marcou época. Ligado ao grupo do ousado engenheiro Pedro Pedrossian (também oriundo do Partido Social Democrático, PSD, de Juscelino Kubitschek de Oliveira), defendera com ímpeto as reivindicações de Corumbá, precisamente numa época em que não era possível eleger os prefeitos das cidades fronteiriças.

Independentemente das preferências políticas e ideológicas, Armando Anache foi de uma lealdade e coerência inquestionáveis em sua trajetória política. Prefeito nomeado em fins de 1979 para um mandato de apenas dois anos (pois se desincompatibilizara em fins de 1981 para ser candidato a deputado estadual em 1982 pelo sucedâneo da Arena, o Partido Democrático Social, PDS). Sob o lema “Administração para uma nova era”, fez a diferença: formou um secretariado eclético, entre eles o Professor e historiador Valmir Batista Corrêa, na Educação e Cultura, a Psicóloga e Professora Iliane Esnarriaga na Saúde e Assistência Social, e o então radialista Juvenal Ávila de Oliveira, na Assessoria de Imprensa; enfrentou com desenvoltura os problemas fronteiriços, procurando soluções corajosas e inovadoras, como o livre-trânsito de táxis e ônibus entre Corumbá e Puerto Suárez, bem como a construção do Terminal Rodoviário Internacional e a Feira de Artesanato, atrás do Cemitério Santa Cruz, que funcionou por mais de 30 anos.

Como deputado estadual, empossado na véspera da posse do primeiro governador eleito pelo voto direto e em oposição ao regime de 1964, Doutor Wilson Barbosa Martins, fez um acordo histórico, de votar a favor de Corumbá, como fiel da balança, condicionando seu voto de apoio ao governo peemedebista mediante o compromisso, isto é, o anúncio da ordem de serviço e execução da obra de construção e asfaltamento da BR 262, que foi honrado pelo Doutor Wilson, a despeito de ser uma rodovia federal. Dez anos depois, quando Pedrossian, seu líder político concluía seu mandato derradeiro à frente do governo do estado, voltou a fazer história votando contra o projeto de lei que autorizava o governo a negociar com Mato Grosso a venda das ações da Urucum Mineração, numa transação denunciada por lesiva aos interesses do estado. Essa demonstração de amor e lealdade a Corumbá, apoiada também pela então deputada Marilene Coimbra (do mesmo partido de Anache e Pedrossian), custou caro aos dois parlamentares da base de apoio ao governo pedrista, e, sobretudo, ao deputado Anache, cujo nome havia sido sondado para ser indicado para conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul (mas, pela ‘desobediência’ ao líder, acabou preterido e não recebendo o apoio para sua reeleição).

Nessa época o Correio de Corumbá, sob a direção do ex-vereador Airton Pereira, estava com a circulação interrompida, e o Diário de Corumbá, sob a direção do saudoso Márcio Nunes Pereira, foi o único jornal com circulação na região de Corumbá e Ladário que se manteve rigorosamente crítico à venda, em agosto de 1994, das ações da UMSA para a CVRD, intermediada pelo Banco Vetor S/A, na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. A Rádio Clube de Corumbá, sob a corajosa direção do saudoso Armandinho Anache, era a única emissora que se recusara a ser ‘Cem por cento Vale’. Ação Popular encabeçada pelo ex-governador José Manoel Fontanillas Fragelli denunciara a transação lesiva aos interesses do estado, mas um acordo entre o governo de Mato Grosso do Sul e a então estatal pôs melancólico fim à demanda da cidadania corumbaense. No entanto, até hoje ninguém soube responder por que oito mais seis são iguais a dezoito, questão que ficará para a posteridade, mas será tornada pública...

Assim como entre 2005 e 2008 Corumbá foi tomada por uma sórdida campanha de ódio e difamação contra os que corajosamente se colocaram a favor da ciência e do interesse público na questão dos recursos hídricos e naturais (quando ‘penas de aluguel’, pagos por políticos que se diziam ‘petistas’ e que nunca passaram de arrivistas, caluniaram e ofenderam a honra de estudiosos éticos da maneira mais leviana e covarde), entre 1994 e 1996 havia uma campanha sistemática de coação dirigida aos honrados profissionais da imprensa que não aceitavam curvar-se ao mercado persa instalado à luz do dia. Armando Anache, Armandinho Anache, Márcio Nunes Pereira, Joilce Viegas de Araújo, Moisés dos Reys Amaral, Salomão Amaral, Armando Lacerda e outros cidadãos que subscreveram a Ação Popular contra a venda da Urucum Mineração, fartamente documentada.

Descendente de sírios - de uma minoria étnica chamada de syrianes, segundo pesquisa inédita do Sociólogo Lejeune Mirhan, corumbaense radicado há quase 50 anos em Campinas, também descendente dessa minoria étnica que veio em peso para Corumbá -, Armando Anache, desde antes de ser eleito deputado estadual, manifestou seu apoio e solidariedade à questão palestina. Num tempo em que viajar ao lado de imigrantes era ‘perigoso’ para a reputação política, Anache esteve com uma delegação palestina em Lima, no Peru, e em diversas metrópoles brasileiras. Não por acaso, em 1980, quando o representante da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) esteve em Corumbá, a Rádio Clube cobriu todo o itinerário cumprido por Farid Suwan na cidade, tendo sido entrevistado, ao vivo, pelo então jovem repórter Farid Iunes Solominy.

Formado pela emblemática Escola Técnica de Comércio de Corumbá na década de 1950, o contabilista e comerciante Armando Anache fez jus à sua origem síria, seguindo a tradição de seus Pais. Se, na infância, a dificuldade idiomática lhe causasse alguns desconfortos e apelidos constrangedores, como “Fazido” (como era chamado, segundo contemporâneos, por seus colegas na Escola Salesiana de Santa Teresa), na juventude sua apurada percepção política e, a despeito de correligionários ilustres do PSD de Juscelino Kubitschek terem sido eclipsados pela ‘redentora’, empreendeu uma sólida carreira política como presidente do partido de sustentação do regime de 1964.

Nunca escondeu sua amizade longeva e admiração pelo mais poderoso político desde os tempos do Estado Novo, senador cuiabano Felinto Müller, que de getulista virou paladino do regime nos anos de chumbo (de 1968 a 1973), tendo sido presidente da Arena e do Senado Federal até falecer num trágico desastre de avião em Orly, Paris, em julho de 1972. Correligionários corumbaenses ficavam boquiabertos com a desenvoltura de Armando Anache quando recebido por Felinto Müller em Brasília ou nas visitas que o poderoso político cuiabano fazia a Corumbá, sempre na companhia do então próspero político e empresário.

A inimaginável e trágica morte de Felinto Müller em 1972, obviamente, representou um atraso para o projeto político e empresarial de Armando Anache. Contemplado com uma concessão de canal de televisão e de rádios em AM e FM em Cuiabá (cujo pomposo nome já estava em evidência, Rádio e Televisão Brasil Oeste Ltda.), a dinâmica equipe da Sociedade Rádio Clube de Corumbá Ltda. já preparava profissionais de vanguarda para os desafios que adviriam. Mas o tiro de misericórdia veio em 11 de outubro de 1977, dia em que, para espanto de corumbaenses, ladarenses, cacerenses e cuiabanos (entre tantos outros mato-grossenses), foi assinada a Lei Complementar nº 31, que dividia o território de Mato Grosso e criava Mato Grosso do Sul, com o nome de Campo Grande, com capital na então acanhada Cidade Morena. Não demorou muito, e a Família Anache pôs à venda a Rede Brasil Oeste de Rádio e Televisão Ltda., afiliada à TV Bandeirantes.

Mesmo assim, Armando Anache e familiares deixaram um edifício de 12 andares e outro, de seis andares, além de grandes empreendimentos culturais, como o Cine Anache e, por pouco tempo, uma rede de cinemas (acredito que em comodato), que incluía todas as salas de exibição de Corumbá e Ladário, como jornais da época anunciavam diariamente ao público leitor. Sem dúvida, o maior legado de Armando, Armandinho, Fauze, Doutora Laurita e Leo (que está com bastante saúde e em plena atividade) é o celeiro de talentos e oportunidades representado pela Rádio Clube de Corumbá durante os anos em que a Família Anache a dirigiu: várias as gerações de Radialistas, Jornalistas, Técnicos e demais categorias profissionais (com letras maiúsculas) foram reveladas, capacitadas e profissionalizadas, para felicidade de todos nós, ouvintes.

Amigo e contemporâneo de Armando Anache, o Senhor Jorge José Katurchi, em poucas e certeiras palavras, sintetizou o legado de Armando Anache: “Grande corumbaense, lutou como poucos por nossa Corumbá. Muito leal a seus princípios, Armando abriu mão de vantagens pessoais para ser coerente e correto com o povo que acolheu sua Família.” Pois é, com Armando Anache entra para a história uma geração de corumbaenses forjados no cosmopolitismo do entreposto comercial dos mais importantes do Brasil, da América do Sul. Torçamos para que as novas gerações de corumbaenses e ladarenses não padeçam do mal do provincianismo que assola estes tacanhos e sombrios tempos.

À Família enlutada, nossa profunda solidariedade, além do agradecimento sincero pelas inúmeras demonstrações de respeito à pluralidade, à diversidade e à verdade. Até sempre, Seu Armando, e que seja feliz seu reencontro com o Armandinho e demais membros de sua Família e Amigos na eternidade!

Ahmad Schabib Hany

domingo, 19 de setembro de 2021

Mais que conservar o meio ambiente, trata-se de preservar o Estado de Direito

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM 15 DE JUNHO DE 2006 NO PORTAL AMBIENTE BRASIL E NO SEMANÁRIO URUGUAIO "PERIPECIAS".

Mais que conservar o meio ambiente, trata-se de preservar o Estado de Direito

Uma sociedade que se pretende democrática, baseada no princípio do convívio saudável entre a diversidade de interesses de seus inúmeros segmentos - muitas vezes antagônicos, mas nem por isso ilegítimos -, não pode abrir mão da estrutura jurídica do Estado de Direito, o qual, aliás, foi construído ao longo dos últimos séculos pelas sucessivas gerações que antecederam as contemporâneas.

Nesse sentido, a partir do Renascimento (processo histórico das sociedades ocidentais pelo qual se retomaram as significativas contribuições oriundas da Antiguidade Clássica, ao romper com o obscurantismo medieval), importantes pensadores do Ocidente resgataram o humanismo e seus valores universais - sobretudo o legado da convivência harmoniosa entre os contrários, pondo em xeque a intolerância feudal, que ainda teima em nortear os rumos da humanidade.

A despeito da expansão colonialista protagonizada pelas coroas portuguesa, espanhola, inglesa, francesa, holandesa e austro-húngara, é no auge do Iluminismo que se consolidam as ideias que dão as bases conceituais da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em fins do século 18 (que trata dos direitos individuais, a primeira geração). E num processo evolutivo são acrescidas importantes contribuições, nos séculos 19 e 20 - quando são concebidos os direitos coletivos, de segunda geração -, que se transformam num marco histórico em 1948, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) aprova, em sua Assembleia Geral, a Carta dos Direitos Humanos - a qual ganha maior dimensão com a inclusão de novos conceitos relativos aos direitos dos povos e da diversidade biológica e cultural, compiladas na Carta da Terra, em 1992, durante a realização, no Rio de Janeiro, da Cúpula da Terra, mais conhecida como Eco 92, cujo documento final ficou traduzido na Agenda 21.

Mais que mero protocolo de intenções, a Agenda 21 é um conjunto de novos conceitos e ações recomendados a todos os países-membro da ONU, a qual, no dizer do sociólogo americano Ignacy Sachs, em seu livro Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente (Editora Studio Nobel, São Paulo, 1993), "não foi um fim em si mesma; em vez disso, deve ser encarada como o início de um longo processo a ser percorrido mediante esforços e batalhas dos atores do desenvolvimento". Cabe, portanto, aos respectivos governos nacionais, regionais e locais introduzir em suas políticas públicas novos parâmetros de desenvolvimento, levando em conta as cinco dimensões de sustentabilidade - social, econômica, ecológica, espacial e cultural.

No entanto, a partir da celebração do chamado Consenso de Washington, em 1989 - quando do início do desmoronamento do bloco soviético -, os sete países mais ricos do mundo capitalista decidiram desenvolver uma estratégia ousada na afirmação de sua hegemonia econômica, adotando o neoliberalismo em escala global - a chamada "globalização" -, as sociedades contemporâneas passaram a viver um dilema: a subordinação de sua estrutura jurídica às leis de mercado. Em outras palavras, na América Latina o Estado de Direito passou a ser corroído, de um lado, pelos cartéis e oligopólios transnacionais, e por outro, pelas quadrilhas do crime organizado, pois o recém implantado regime democrático se revelou frágil perante as amplas camadas sociais nas garantias de direitos sociais e trabalhistas e no enfrentamento à expansão da miséria e do desemprego.

Assim, o ruidoso embate que tem como epicentro o projeto de implantação de indústria pesada no município de Corumbá (MS), no coração do Pantanal Mato-grossense, remete os cidadãos comprometidos com os reais interesses da sociedade a uma oportuna reflexão: detentor de uma extraordinária legislação ambiental, o Estado brasileiro pode transigir da legalidade em nome da geração de emprego e renda para uma população residente numa singular região do Planeta, cujos recursos naturais não renováveis têm um valor inestimável para toda a humanidade? Qual o real custo-benefício socioambiental dos projetos alardeados para a região, levando em consideração que o mercado impõe condições cada vez mais voláteis a toda iniciativa econômica, sujeita à própria sorte (a exemplo da crise que afeta a sojicultura, a pecuária e a avicultura, carros-chefe da economia do estado de Mato Grosso do Sul, vitimados pela especulação mercantil dos últimos meses)?

E a garantia de sustentabilidade desses megaprojetos, os quais envolvem elevados investimentos, em sua quase totalidade financiados por instituições públicas, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ou por instituições financeiras multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ou o Banco Mundial (BIRD), dos quais o Estado brasileiro é membro e cujo aval é requerido nos casos de sediar projetos dessa magnitude? Há de se observar também que, antes de se cair no discurso maniqueísta (do "bem" contra o "mal"), é preciso reunir dados jurídico-institucionais para compor o cenário local para a introdução de novos projetos de desenvolvimento, nos parâmetros do século 21, com ênfase às cinco dimensões do desenvolvimento sustentável, bem como a necessária observância ao Estatuto da Cidade, pelo qual toda cidade com mais de 50 mil habitantes é obrigada a construir o respectivo Plano Diretor do Município, além do que a administração estadual não pode deixar de realizar o Macrozoneamento Ecológico-econômico, nos termos da legislação pós-Agenda 21, como medidas preliminares para adoção de novos modelos de desenvolvimento.

Não é demais recordar que as três gerações dos Direitos Humanos (direitos individuais, sociais e econômicos e de solidariedade e meio ambiente) são complementares, embora apresentem, no cotidiano das sociedades hodiernas, aparentes conflitos entre os direitos individuais, coletivos e de solidariedade. Na realidade, a omissão do Estado, enquanto ente responsável pela aplicação estrita dos referidos direitos, induz os incautos a essa aparência, explorada de parte a parte pelos lados em conflito. Mais que a conservação da natureza, a preservação do Estado de Direito, construído nas últimas décadas com muito custo (inclusive com perda de vidas humanas) em toda a América Latina, implica na vigência do império da lei, sem o que a barbárie se instala no seio da sociedade, para o deleite das organizações criminosas que agem, inclusive, nas atividades políticas e econômicas, usando e abusando da fragilidade do tecido social, corroído por suas mazelas.

Ahmad Schabib Hany(*)

 

(*) Fundador e membro da coordenação-executivo da Organização de Cidadania, Cultura e Ambiente (OCCA), entidade socioambiental sediada no coração do Pantanal (Corumbá, MS), e membro da coordenação colegiada do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (FORUMCORLAD), desde 2013 Observatório da Cidadania Dom José Alves da Costa.

NO OLHO DO FURACÃO, SOB A MIRA DO UFANISMO

NO OLHO DO FURACÃO, SOB A MIRA DO UFANISMO

(Texto escrito em 2007, auge dos ataques aos movimentos socioambientais)

No olho do furacão, sob a mira do ufanismo

Reza a lenda que Corumbá, no coração do Pantanal Mato-grossense e do subcontinente sul-americano, teria sido amaldiçoada por ninguém menos que um generoso frade capuchinho, o Frei Mariano, que vivera o clímax da Guerra da Tríplice Aliança em solo pantaneiro e que no pós-guerra de 1870 se dedicara a cuidar de órfãos e viúvas, mas que, vítima da disputa entre a Igreja e a Maçonaria, acabara difamado e, à revelia, transferido ao interior de São Paulo, onde se suicidara mais tarde. A bizarra lenda em que alegóricas sandálias teriam sido enterradas para eternizar tal maldição - a representar outro linchamento moral, post-mortem, do sacerdote franciscano - foi difundida numa cartilha que circulou pelo então ainda próspero centro comercial na primeira metade do século XX, como uma infame tentativa de justificar o anacronismo e a miopia das elites diante da falta de estratégias para a superação da crise iminente do maior polo comercial do interior da América do Sul.

Quase sessenta anos depois, transcorrido um período de indisfarçável (des)compasso de espera entre os discursos ufano-desenvolvimentistas reciclados de paladinos efêmeros e as teses realistas de estudiosos comprometidos tão somente com a honestidade científica aliados às demandas corajosas de movimentos socioambientais sinceros, o que resta de cosmopolitismo e altivez do outrora porto-livre do coração da América do Sul converteu-se em palco de uma aparvalhada batalha em que autoproclamados arautos, de diatribes conspiratórias e de maniqueísmo incorrigível, insistem em arranjar bodes expiatórios para tamanha iniquidade histórica - desta vez parodiando o discurso dos caçadores de comunistas do pós-guerra de 1945 com aviltantes bravatas de que dirigentes e voluntários do terceiro setor (organizações não governamentais) estariam conspirando contra o desenvolvimento do coração do Pantanal e atentando contra a soberania nacional. Coincidentemente, nesse meio-tempo, ganhou destaque a lenda das sandálias do Frei Mariano, quer como peça de teatro, quer como samba-enredo de entidade carnavalesca, mas num contexto em que se evidencia o leviano propósito de deslegitimar qualquer opinião diferente, divergente ou antagônica à proposta requentada dos tempos getulistas de polo siderúrgico, ora com o eufemismo de Zona de Processamento de Exportações, ora com o rótulo de Polo Gás-químico ou Minero-siderúrgico.

Como membro de uma ONG socioambiental de perfil comunitário fundada e consolidada no olho do furacão, sob a mira do ufanismo, confesso ter ficado preocupado com a integridade física dos generosos e corajosos estudiosos que foram alvo de uma ensandecida campanha difamatória, precisamente no ápice dessa atabalhoada verborragia intolerante e desprezível dos que, na falta de argumentos razoáveis e racionais, partiram para a prática fascista da negação do contraditório, de fazer inveja aos mais recalcitrantes títeres da virulência obscurantista que envergonha a espécie humana. Graças à postura irretocável dos representantes locais do Ministério Público Estadual, da Procuradoria da República, da Polícia Federal e do Poder Judiciário, de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e de jornalistas éticos dignos do maior reconhecimento público (cujos nomes são preservados para não torná-los alvo de retaliações), dentro e fora do estado de Mato Grosso do Sul, foi possível assegurar um mínimo de respeito pela dignidade humana a esses cidadãos da maior autoridade moral e tecnocientífica. E, justiça seja feita, meu reconhecimento sincero a um diminuto número de empresários locais de grande espírito público, alguns dos quais ainda sem ter qualquer mandato representativo de entidade classista para resguardar-se na potestade inerente a uma função pública.

Por certo, a experiência e a maturidade cidadã de muitos desses pesquisadores foi fundamental para transpor as provocações próprias dos tempos odiosos dos regimes de arbítrio que assolaram países latino-americanos, de triste memória, quando uma caricata mobilização ganhou proporções inusitadas no emblemático Dia Internacional do Trabalhador, chegando à linha divisória internacional entre o Brasil e a Bolívia, em Corumbá. É, no mínimo, bizarro o fato de representantes de órgãos oficiosos não dissimularem - e ostentarem até - o apoio institucional a tal façanha, num gesto nada amigável ante um governo constitucional e democraticamente eleito da nação irmã, por conta de uma decisão governamental que nada tem a ver com as demandas locais por desenvolvimento. Indiscutivelmente, o oportunismo de certos agentes políticos dos dois lados da mesma fronteira serviu de combustível para ações incendiárias e admoestações extemporâneas que confirmam a mesma origem antidemocrática, partilhada, aliás, num mesmo período histórico, ainda perceptível.

Órfãos ou viúvos de correntes cinicamente nazifascistas que sobreviveram ao segundo quartel do século 20, os paladinos de causas inconfessáveis (muitas vezes vinculados ao crime organizado) travestidos de porta-vozes da livre-iniciativa e do mercado livre nos nada generosos tempos de globalização adotaram um discurso postiço, nada convincente, de arautos da justiça social no exuberante, mas excludente, coração do Pantanal. Embora todos tivessem o pleno direito de lutar por interesses legítimos, diga-se de passagem, a arrogância e a leviandade com que tentaram impor seus pontos de vista - usando truculência explícita e poder econômico sobre os que racionalmente procuram alternativas exequíveis para um sólido e consistente desenvolvimento sustentável no contexto do que é preconizado pela Carta da Terra e pela Agenda 21 - empobrecem e invalidam o necessário desenvolvimento do processo civilizatório da humanidade assentada neste singular território de riquezas incomensuráveis, desde sempre, dos dois lados desta fronteira de povos irmãos.

A despeito das vis agressões e das campanhas difamatórias, o terceiro setor tem dado eloquentes provas de generosidade e compromisso com a vida em todos os quadrantes do planeta, seja na defesa dos recursos naturais, na afirmação do protagonismo cidadão, na inclusão social ou mesmo na preservação da identidade cultural ou do Estado de direito. Senão, vejamos: mesmo com todas as tentativas levianas de deslegitimar suas ações pioneiras, não foram senão as ONGs as que corajosamente não só assumiram para valer como implementaram as iniciativas de interlocução que ganharam a denominação de Plataforma de Diálogo - fórum pelo qual membros do terceiro setor vêm pactuando de forma inovadora e sensata com o segundo setor no sincero intuito de fazer avançar os mecanismos institucionais de proteção ambiental causado pelo delicado processo de licenciamento de empreendimentos industriais em Corumbá. Por outro lado, são as ONGs as que decididamente têm chegado onde o Estado ainda não assumiu suas prerrogativas, preservando contingentes humanos do assédio de quadrilhas organizadas que se valem da ausência institucional para ampliar seus tentáculos e estender suas teias delinquentes sobre populações inteiras, que viram reféns dos criminosos e dos servidores públicos corruptos, de todos os poderes e escalões, cooptados por eles.

No dizer do inigualável sociólogo brasileiro Herbert de Souza, o saudoso Betinho, fundador do pioneiro Instituto Brasileiro de Análises Socioeconômicas (IBASE), “não basta dar um prato de feijão; é preciso ser cidadão para conferir cidadania aos 32 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza”. Pois, então, nessa linha de raciocínio, podemos dizer que não basta bradar pela defesa do desenvolvimento da região, mas é fundamental que esse desenvolvimento seja construído sob o império da lei, à luz da ética e da solidariedade universal e com a participação democrática de todos os diferentes atores sociais, para que, ao lado da geração de emprego, a qualidade de vida represente, de fato, o progresso que a humanidade almeja, sob pena de que, em duas ou três décadas, sobre, mais uma vez para a população local, a herança maldita de iniciativas feitas para o enriquecimento de alguns que sequer ficarão para sentir as consequências dos estragos deixados (as voçorocas expostas, os rios contaminados, a vegetação nativa degradada e a fauna dizimada) para as próximas gerações de pantaneirinhos que absolutamente não têm culpa de que seus pais tenham caído mais uma vez na cantilena esperta das sereias de águas turvas e solos contaminados...

Ahmad Schabib Hany(*) 

(*) É fundador e membro da coordenação-executiva da Organização de Cidadania, Cultura e Ambiente (OCCA Pantanal), entidade socioambiental sediada no coração do Pantanal (Corumbá, MS), além de membro da coordenação colegiada do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (FORUMCORLAD), desde 2013 Observatório da Cidadania Dom José Alves da Costa.

terça-feira, 14 de setembro de 2021

DE ‘MITO’ A MICO

DE ‘MITO’ A MICO

Oriundo do ‘baixo clero’ da Câmara, o ‘mito’ se derreteu como a cera de uma vela colocada ao lado de um fogaréu, tamanha a sua soberba. Nem a seus mais fiéis asseclas quis ouvir, para agradar os fanáticos e igualmente desajustados ‘conselheiros’ de dentro de sua própria ‘dinastia’: 01, 02 e 03...

Não tem jeito. Toda vez que um tiranete tem expostos os seus fétidos glúteos - suas libidinosas nádegas como o falso moralismo que vivem a regurgitar -, o povo dá aquela gostosa gargalhada debochada, com suas banguelas exuberantes, e fazem, com seus pés rachados, o motor da História andar...

Eis que o ‘mito’ não resistiu à sua índole mórbida e se despiu, achando que toda a população fosse atingir o orgástico ápice dos delirantes. Somente e apenas as suas hordas de hienas é que chegaram ao cume do delírio, molhando intempestivamente as calçolas, cometendo toda sorte de delitos, desvarios e deleites. Afinal, são ‘amigos do rei’ e, portanto, impunes - é como pensam.

Só que não. A maioria da população já se cansou dessa cantilena dos ensandecidos, dos ensimesmados, dos ‘bem nascidos’, dos milicianos, dos macabros matadores de aluguel, dos funestos mercadores da fé, dos garimpeiros, madeireiros, grileiros e jagunços sem Deus nem Lei. As hienas ficaram sozinhas em suas orgias sodomitas enquanto o povo vai se apercebendo de que nunca foi prioridade para o ‘posto Ipiranga’ de araque e muito menos para o ‘mito’ - eles não resistem e ficam de quatro para os banqueiros e grandes rentistas que vivem da especulação e da agiotagem.

Não fosse um ‘brimo’, mesmo golpista, Michel Miguel Temer Lulia, o cadafalso erguido pelo ‘mito’ contra si mesmo já teria engolido a parte superior do corpo que na maioria das pessoas costuma ser chamada de cabeça. Não saiu barato, não. Mais uma dívida a ser paga para o centrão. Pobre erário, como nunca foi dilapidado pela desfaçatez de quem se elegeu apontando o dedo contra os que mais elevaram as condições de vida da população, seja com políticas distributivas ou compensatórias - razão pela qual os/as ‘cançados/as’ [com ‘c’ cedilhado, por favor!] foram às ruas pedir o fim dessa heresia, pois ‘lugar do povão é na senzala, não nas universidades públicas e nos aeroportos’...

Sobre isso, Apparicio Torelly, o ‘Barão de Itararé’, já havia advertido: desde quando Antônio Carlos de Andrada e Silva [não o Magalhães, da Bahia], irmão de José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência, revelou o ‘pulo do gato’ da política tupiniquim - “façamos a revolução antes que o povo a faça” -, os ‘acordões’, por cima, entre as elites, passaram a viger na ordem do dia, em que sempre os mesmos se dão sempre bem, e o povo continua na míngua. Foi por isso que, irreverente e criativo, Apparicio Torelly se autoproclamou “barão de uma batalha que nunca houve”.

E de ‘mito’ a mico foi um pulo. Aliás, um estalo de dedos. Como a soberba é capaz de cegar [muito cuidado ao digitar esta palavra, que pode virar um palavrão] um canalha que passou quase quatro décadas na Câmara Federal, à sombra do poder, em meio às piores ratazanas da politicalha, para surgir com efeitos especiais como salvador da pátria, remédio para todos os males. Enfim, o messias que foi sem nunca ter sido...

Analistas experientes atribuem ao ‘ministro Heleno’ de Temer, general Etchegoyen, a iniciativa de colocar o ex-vice golpista de Dilma para ‘apagar o incêndio’ causado pelo mico, digo, ‘mito’ no bozaço do Dia da Independência, ganhando status de ‘Golbery’ destes ignóbeis tempos. Uma tremenda injustiça com a memória do ideólogo de 1964, Golbery do Couto e Silva, que no final das contas acabou engolido pelo monstro que criou. Temer e Etchegoyen agiram em causa própria, como pivôs de um golpe mal feito e que pariu um monstro ainda maior que o de Golbery, 55 anos atrás, e que fugiu do controle de seus criadores...

O fato é que, além de pagar um mico histórico, o mico, digo, ‘mito’ vai ter que recorrer aos cofres públicos para quitar essa dívida com o centrão, pois os créditos vão para eles, que entendem da arte de comprar méritos quando não se os têm...

Por outro lado, fica estampado que se trata de uma continuidade do golpe midiático-parlamentar de 2016. Como aecinho [minúsculo, mesmo] foi incapaz de ‘roubar e carregar’ - como revidavam muitas crianças peraltas da década de 1960, “vergonha é roubar e não conseguir carregar” -, coube às hordas saídas da caixa de pandora a consolidação do golpe, só que também elas foram incapazes de concluir a tarefa, para decepção de Manhattan e do pessoal da Fiesp, que deixou a tão propalada nota pública para depois da intervenção de Temer. Coisa de ‘brimos’, como bem observou o Amigo Luiz Taques. Devemos reconhecer que Skaff e Temer são da mesma ascendência, o Líbano, do qual também Maluf e Kassab o são...

Mesmo que fanáticos delirantes pró-ditadura hostilizem seu mico, digo, ‘mito’ depois do vexame de 7 de setembro, o ex-capitão se sente ‘por cima’ (eu, particularmente, não sei por quê). Ele e seus sequazes acreditam que o estrupício não sofrerá qualquer sanção pelas patacoadas, e tudo seguirá ‘normal’ até o fim do mandato. Eu, modestamente, penso diferente. Passada a amarelada, ele voltará com mais sede ao pote, isto é, com mais contundência ao autogolpe. Trata-se de um desajustado, não há freios protocolares ou éticos, legais ou racionais, que inibam seu ímpeto insano.

A impunidade tem sido o refúgio de todos os ídolos da corja de fascistas que gravitam em volta do mico, digo, ‘mito’. Ele mesmo é um beneficiário de uma ‘quebrada de galho’ quando, em 1987, tentou realizar um ato de sabotagem (que na época se chamou de ‘ato de terrorismo’) de uma grande adutora do Rio de Janeiro. Graças à indulgência do general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército indicado pelo Presidente Tancredo Neves, ele se livrou da expulsão e teve chance de mudar de comportamento. Só que os fatos hoje provam que não fez por merecer, tantas as recaídas do energúmeno recalcitrante.

Não gostaria de desapontar os ilusos deste ‘acordão’, típico da terra de Apparicio Torelly, o memorável ‘Barão de Itararé’, de saudosa memória. Se ele estivesse entre nós, estaria se descabelando, no eterno A Manha, de tanta patacoada junta, ao lado do igualmente saudoso Sérgio Porto, isto é, Stanislaw Ponte Preta e seu Febeapá, o Festival de Besteiras que Assola o País. Não por acaso, os dois inspiradores da saudosíssima turma de O Pasquim, da inesquecível Editora Codecri (Comitê de Defesa do Crioléu), da República Democrática de Ipanema. Na falta de inteligência no centro do poder, sobra muita inteligência no meio do povão, como esses baluartes da consciência coletiva que abrem nossos horizontes, sobretudo em tempos sombrios e muito mesquinhos.

Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

SINAL DE ALERTA

SINAL DE ALERTA

Quando um educandário, sobretudo como o centenário CENIC, é levado a encerrar suas atividades, toda a sociedade precisa ‘fechar para balanço’, isto é, parar para refletir sobre seus rumos.

Tempos sombrios estes em que vivemos: enquanto bocas de fumo e a rede de exploração sexual infantojuvenil progridem à luz do dia, um dos mais antigos educandários de Mato Grosso do Sul anuncia seu iminente encerramento de atividades...

Quando uma escola é levada a fechar as portas, a sociedade está dando sinais de que está à beira da falência. Sobretudo, em se tratando de um educandário centenário, referência de pioneirismo e vanguarda educacional. O sistema preventivo de Dom Bosco, que está na base da formação das normalistas pioneiras na educação corumbaense e ladarense, fez a diferença em todo o mundo entre fins do século XIX e a primeira metade do século XX.

Também não esqueçamos que, depois que as ‘forças ocultas’ perseguiram o Frei Mariano de Bagnaia e os Franciscanos saíram desta região, foram Salesianos e Salesianas a capitanear a educação, com a chegada a Corumbá, em 1898, da Missão Salesiana para instalar o Colégio Santa Teresa e, quinze anos depois, a Congregação das Filhas de Maria a implantar paulatinamente o Ginásio e Escola Normal Imaculada Conceição (GENIC), a partir de 1904.

O prédio do educandário, sito à rua Frei Mariano, foi inaugurado em 1925, isto é, daqui a quatro anos comemora seu primeiro centenário. A atual capela do GENIC é mais recente: foi inaugurada no início da década de 1960, como testemunhou meu Sogro, Senhor Mário Galeano, que, católico praticante, se orgulha de ter trabalhado alguns meses, em 1959, na construção da igreja, só tendo se desligado da equipe quando a Capitania dos Portos lhe entregou o documento de marinheiro de convés, com o qual iniciou a profissão de marítimo até aposentar-se como comandante.

O Senhor Jorge José Katurchi, do alto de seus 95 anos a completar no próximo mês, conta que conheceu sua querida e saudosa Companheira quando ela estudava no GENIC. Cacerense e, do lado materno, descendente do Marechal Cândido Rondon, Dona Anna Thereza estudou no tradicional ‘Colégio das Irmãs’, como sempre foi carinhosamente chamado, e graças ao fato de ser um renomado educandário seus Pais a matricularam, a despeito da distância, por conta do prestígio e do nível da educação oferecida.

Antes da criação do Instituto Superior de Pedagogia, em 1968, a quase totalidade das professoras da região era formada no GENIC, cujo nível era de reconhecimento nacional. Isso é possível conferir em diversas pesquisas para dissertações de Mestrado e teses de Doutorado. Além do mais, o acervo da biblioteca centenária e os documentos públicos relativos às atividades didáticas da instituição são uma rica fonte de pesquisa. E para que continue, inclusive, como fonte de pesquisa, a escola precisa estar funcionando, sob pena de se perderem documentos por causa do abandono.

Não são poucas as pessoas que vieram a Corumbá (e acabaram ficando) por causa do GENIC. Além da saudosa Dona Anna Thereza Rondon Maldonado Katurchi, Companheira de Vida de Seu Jorge Katurchi, temos a Professora Marlene Terezinha Mourão, a querida ‘Peninha’, artista plástica, caricaturista, chargista, poeta e escritora. A ‘Peninha’, que é Prima do célebre compositor e cantor Zacarias Mourão, veio de Coxim e acabou ficando, para felicidade nossa, tendo sido das pioneiras docentes do então Centro Pedagógico de Corumbá (quando da UEMT).

Por outro lado, nos últimos 50 anos, há diretoras cujos nomes já estão na história de Corumbá, entre elas a Irmã Rosa Maluf, Irmã Antônia Brioschi, Irmã Aurélia Brioschi e irmã Beatriz de Barros. A Irmã Rosa, diretora na década de 1960, fez uma gestão de vanguarda, embora os tempos fossem de obscurantismo político, tendo entre docentes a Irmã Sofia, Professora de Filosofia e Literatura de grande formação intelectual, entre outras Professoras (com letra maiúscula) que contribuíram para a afirmação de Corumbá como terra de grandes talentos nas diferentes áreas da cultura, ciência e tecnologia.

Na última década do século XX, o GENIC teve em sua Direção a memorável Irmã Antônia Brioschi, coordenadora da Pastoral Social durante parte do episcopado do saudoso Dom José Alves da Costa, quando conduziu a Segunda Semana Social Brasileira (1993/4), se responsabilizou pela área da Comunicação na Ação da Cidadania Contra a Fome e pela Vida e em seguida foi determinante na fundação do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário, cuja sede provisória funcionou no educandário. A Irmã Aurélia Brioschi a sucedeu com igual ênfase, e no início dos anos 2000 a saudosa Irmã Beatriz de Barros manteve a escola conectada com a coletividade corumbaense.

Além disso, as atividades de assistência e inclusão social mantidas pela congregação no Bairro Aeroporto, sob a denominação de Geniquinho, têm um grande impacto positivo na região há mais de 30 anos. Embora se trate de uma entidade assistencial, ela é vinculada ao GENIC e seus projetos, pioneiros e inovadores, traduzem o compromisso das Irmãs Salesianas em favor do protagonismo juvenil e da qualificação profissional, à luz dos valores e da experiência centenária com o sistema preventivo de Dom Bosco.

Como uma cidade de formação cosmopolita feito Corumbá pode permitir que o cessar de atividades do GENIC possa acontecer sem esboçar uma iniciativa coletiva capaz de assegurar a permanência não só da congregação, como da própria escola que tanto contribuiu para o desenvolvimento da formação intelectual de diversas gerações, e que a partir do último quartel do século XX abriu seu espaço para alunos?

Embora mais recentes, as escolas paroquiais Nossa Senhora de Caacupê e Sagrado Coração encerraram suas atividades na década de 1980, na mesma ocasião em que a Escola Batista de Corumbá, mantida pela Primeira Igreja Batista de Corumbá, também fechou. Pouco tempo depois, foi a vez da Escola Estrela do Oriente, cuja sobrevivência havia sido assegurada por um convênio com a Secretaria de Estado da Educação.

À exceção das escolas Batista e Estrela do Oriente, o fechamento das outras escolas citadas implicou na saída da Congregação Jesus Menino, responsável pelo apoio não só das escolas, como, na época, do Asilo São José, fundado e gerido pela Associação das Senhoras Católicas da Diocese de Corumbá, em que a querida Dona Cerise de Campos Barros e anteriormente a saudosa Dona Julieta Nemir Marinho e membros de respectivas diretorias marcaram época pela dedicação e abnegação à frente da entidade.

É um sinal de alerta para todos os segmentos sociais e todos os setores de atividades lícitas de Corumbá, Ladário e Mato Grosso do Sul iniciarem um inadiável processo de debate propositivo para encontrar uma saída honrosa para nossa região. A prefeitura e o governo do estado também não podem se furtar a participar, tanto quanto a Câmara e a Assembleia Legislativa. Quando há vontade política tudo é possível, basta dar início e se entregar de espírito aberto, que dará certo.

Não se trata de um point ou de barzinho em que a juventude se encontra para divertir-se. Trata-se de uma escola com mais de 100 anos de história, pioneira na alfabetização, na formação escolar e na preparação das primeiras normalistas da mais antiga cidade do estado, cujo apogeu cultural mudou os rumos econômicos e políticos do sul de Mato Grosso.

Confesso que, quando o Jornalista Luiz Taques, em meio às suas costumeiras ligações de Amigo que não esquece suas raízes, me perguntou se tinha conhecimento do iminente fechamento do GENIC (ou CENIC), não acreditei, pensei que se tratasse de alguma chacota, ainda que não seja de seu feitio.

Mais uma vez, os diferentes segmentos da população corumbaense e ladarense darão seu inadiável brado para assegurar a permanência desse importante educandário. Mais que mera manifestação de apoio ao centenário educandário, precisamos ampliar a adesão de todos os trabalhadores da Educação para que somem os esforços em favor de novo tempo, que começa agora: só depende de você, isto é, de cada um de nós.

Para concluir, vou tentar transcrever a letra (ou parte dela, que eu não consegui gravar) da música que todo final de ano nos faziam manter, como prova de amor pela escola em que estudamos:

‘Adeus, Escola querida! / Adeus, adeus, adeus! / De ti eu levo saudades, / Saudades tantas de ti...’ (Autor desconhecido)

Ahmad Schabib Hany