REFLEXÃO, DEBATE E AÇÃO EM DEFESA DA SAÚDE
Em razão de vários comentários ponderados e,
sobretudo, reflexivos, volto ao tema de “Cenas surreais na Maternidade de
Corumbá”. Não foram poucas as observações relativas a diversos aspectos do
episódio, fato que evidencia tratar-se de questão represada pelo compasso de
espera que tem caracterizado a longeva crise da Associação Beneficente Corumbaense.
O
episódio que culminou com a ação de efetivos da Polícia Militar em dependências
da Associação Beneficente Corumbaense - sob mais uma
intervenção municipal há quase 10 anos - expõe a ponta
do iceberg de uma crise com quase quatro décadas, cujo ponto nevrálgico é a
gestão, sempre a gestão, do único hospital do SUS da região, que atende uma
população superior a 120 mil habitantes, inclusive do outro lado da fronteira.
Na
tentativa de equacionar os graves problemas financeiros da Sociedade Beneficência
de Corumbá (entidade mantenedora do Hospital de Caridade e da Maternidade), em
1994, a administração municipal se decidira por uma malograda intervenção
municipal. Com o agravamento da crise financeira, foi procurada uma saída
honrosa, avalizada pela credibilidade de Dom José Alves da Costa, com a
indicação do binômio Padre Antônio Müller e Doutor Lamartine Costa. Assim que a
gestão começava a desvendar os gargalos administrativos, o Padre Antônio Müller
adoeceu gravemente, precisou ser transferido para o Paraná (onde se eternizou),
e o Doutor Lamartine Costa tentou de todos os meios prosseguir com as medidas
acordadas quando de sua indicação.
Anos
depois, em 1999, assim que o Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais
(FORUMCORLAD) protagonizou, na memorável gestão da Doutora Rosemeire Fernandes
Arias, a coordenação do processo transparente de eleição dos membros dos
segmentos dos usuários do SUS e dos trabalhadores em saúde do Conselho
Municipal de Saúde, sob a fiscalização do Ministério Público de Mato Grosso do
Sul, aquele lócus promoveu dois seminários memoráveis para debater a questão,
com a participação de diversos agentes públicos das diferentes instâncias. Foi,
então, construída uma agenda para equacionar o velho problema, com o aval da
Secretaria de Estado de Saúde e o Conselho Estadual de Saúde, além do
acompanhamento pelo Ministério Público.
No
período em que o Doutor Mário Sérgio Kassar foi gestor municipal de Saúde
(entre 2000 e 2004), memoráveis medidas saneadoras foram adotadas, devidamente
discutidas entre as partes, muito bem representadas: usuários do SUS,
trabalhadores em saúde, prestadores privados e o gestor público (que como então
a gestão era compartilhada com o estado, havia uma parceria bem objetiva e
racional). A implantação do Conselho Gestor de Saúde do Hospital se realizou
nessa ocasião, sob condução da saudosa Heloísa Helena da Costa Urt. Destacou-se
então um importante interlocutor do segmento de prestadores privados como um
parceiro do SUS, o saudoso Doutor Humberto da Silva Pereira, embora a direção
do hospital insistisse numa postura intransigente.
Outro
momento em que o diálogo, ainda que muitas vezes sob tensão, teve a necessária
efetividade, foi na gestão do Doutor Lauther da Silva Serra, ora contundente na
defesa de suas posições, mas efetivo quando convencido pelos membros do
Conselho Municipal de Saúde. Tentou-se efetivar nesse ocasião, em caráter
permanente, o atendimento à população ribeirinha e à população Guató, com a
aquisição de “ambulanchas” e recursos tecnológicos para assegurar dignidade
àquela população historicamente esquecida, mas que não avançaram na gestão da
Professora Dinaci Ranzi.
Como
a partir de então o FORUMCORLAD deixou de coordenar e monitorar os processos de
eleição e composição do Conselho Municipal de Saúde e conselhos gestores de
saúde (bem como similares de outras políticas públicas), um dos primeiros
conselhos gestores a ser colocado na berlinda foi o do Hospital de Caridade.
Depois do empenho de membros do Conselho Municipal de Saúde junto à
Procuradoria da República quando a Doutora Maria Olívia Pessoni Junqueira se
encontrava em Corumbá é que o Conselho Gestor de Saúde do Hospital, bem como a
situação geral da Santa Casa, foi objeto de atenção pelo gestor e pelo próprio
lócus. Mas com a pandemia, indiscutivelmente, houve um refluxo nas atividades
de controle social.
Isto
exposto, e graças ao recebimento de comentários bastante ponderados,
compartilho três deles, preservando a identidade do(a)s Amigo(a)s que os fizeram,
por razões óbvias.
O
primeiro comentário é de um profissional jovem, que tenho a honra de acompanhar
desde tenra idade, cuja competência e dedicação têm sido elogiadas em nossa
região:
“Boa
tarde, amigo!
“O
ocorrido não foi na Maternidade, e sim na Pediatria.
“Infelizmente,
o cenário foi bem diferente do divulgado.
“Toda
a equipe foi mobilizada na tentativa de resolver o problema, mas não houve
colaboração por parte da família.
“Nossa
estrutura é péssima, mães recém operadas ficam em poltronas inadequadas para
acompanhar seus filhos durante a internação.
“Seria
justo, ético, humano, deixar que apenas uma criança tivesse todo esse amparo?
“E
as outras que estavam internadas pelo SUS, por que não teriam o mesmo direito?
“Infelizmente
há a crença de pagar e dar o ‘jeitinho’.
“O
Regimento Interno é para todos.
“Acredite,
nossa equipe Maternidade/Pediatria, mesmo desvalorizada, trabalha com o melhor
que temos, o amor!!!
“Grande
abraço.”
O
segundo comentário é de um profissional de competência igualmente reconhecida e
que também tenho a honra de acompanhar há décadas. Participou da gênese de
espaços públicos a que nos referimos, mas por razões pessoais precisou se desligar,
sem, no entanto, ter perdido de vista o compromisso com a cidadania e o rigor
profissional.
“Olá,
bom dia, Ahmad!
“Assisti
às cenas do episódio a que você se refere. E, realmente, são impactantes. Mas,
fiquei tentando entender o que realmente aconteceu. Por um lado, o que levou a
senhora envolvida a ‘descumprir’ uma regra tão propagada, constante em lei,
alvo de um sem fim de apelos pela vida? E mais, segundo informações, a se
recusar a colocar a máscara? Afinal, ela estaria em visita a uma parente no
interior de um local onde as pessoas estão, de certo modo, debilitadas...
(???). Por outro lado, qual teria sido a atitude imediata dos funcionários
daquela casa de saúde diante do ocorrido? Qual teria sido a resposta da senhora
a essa atitude? O que aconteceu que levou os funcionários a recorrerem à força
policial?
“Enfim,
desprovidos desses dados, só podemos refletir que apesar da avalanche de
informações e apelos diante dos estragos que essa pandemia tem nos trazido,
nada disso conseguiu sensibilizar verdadeiramente muitas pessoas, que continuam
se aglomerando por diversão ou mesmo por medo (negacionismo) de acreditar no
risco iminente que correm e espalham. Que assumem atitudes de afronta aos meios
possíveis, disponíveis, de preservação da vida diante de uma ameaça real, à
preservação da vida dos seus em que a dos outros não importa mesmo.
“Talvez,
sejamos reféns do medo que nos leva às mais diversas formas de respostas. Então,
é um momento de mantermos o equilíbrio para não piorarmos mais a situação. E,
lamentavelmente, são atitudes como essas que continuarão levando mais pessoas
queridas para o cemitério.
“Na
cena em particular, entendemos que houve exagero de todos os envolvidos.
Realmente, não precisava ter chegado onde chegou. Lamentável como o ser humano
não consegue se identificar, se reconhecer como ser humano. Vou parando por
aqui porque o assunto dá margem para longa reflexão que não cabe no momento. Só
não podia deixar de refletir o mínimo que fosse. Forte abraço.”
O
terceiro comentário é de autoria de uma profissional que também tenho a honra
de acompanhar há décadas. É pioneira nas pesquisas em saúde social e controle
público, e que, graças à sua sensibilidade cidadã, foi determinante na disseminação
da pioneira, mas modesta, experiência do FORUMCORLAD, não só em nível estadual,
mas nacional e internacionalmente (era representante da Rede Brasil quando foi
possível construir o monitoramento do Programa BID Pantanal e a Plenária
Permanente de Fóruns de Políticas Públicas de Mato Grosso do Sul).
“Compa
Schabib, os hospitais em seus rompantes de autoridade impõem à população o
controle sobre os corpos de acordo com a classe social. E, nos hospitais ditos ‘filantrópicos’
isso ainda fica à mercê do poder dos donos... Esse episódio me dói, mas não é
exceção, infelizmente! Que dor é essa que não cessa nenhum dia e nenhuma hora?”
Acredito
que o debate - sadio, necessário e inadiável - esteja apenas
começando, em benefício de toda a coletividade, sobretudo daqueles que não têm
voz e vez, preteridos historicamente. Apesar das limitações impostas pela pandemia,
nos empenharemos para que a dialética, reflexão-debate-ação, encontre eco entre
os agentes públicos.
Porque
a centenária entidade hospitalar, patrimônio histórico de nossa população, é a
que acolhe, nos momentos de fragilidade, a todos os moradores e visitantes de
nossa região. Até como prova de gratidão e carinho por essa casa de saúde cujos
dedicados profissionais, com denodo e compromisso ético, têm se doado
diuturnamente, expondo-se aos riscos de infecção pela covid-19, muitos dele(a)s
tendo ofertado a própria existência no exercício de sua labor, muitas vezes
incompreendida.
Obrigado
a todo(a)s o(a)s Amigo(a)s que altiva e generosamente nos enviaram seus
comentários, os quais serão oportunamente compartilhados, desde que o(a)s
autore(a)s autorizem previamente.
Ahmad Schabib
Hany
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