PROFESSOR
HUSSEIN KHALIL SCHABIB (1926 – 2020)
Aos
94 anos, eterniza-se o Tio Hussein Khalil Schabib, professor aposentado de
inglês, incansável inovador na Amazônia boliviana e ex-sócio no Brasil e no
Líbano de Mahoma Hossen Schabib. Sua experiência mais ousada foi a fundação de
uma cooperativa de consumo e microcrédito que resistiu por mais de três décadas
no período de maior instabilidade econômica e política da Bolívia.
Junho
de 1996, a poucas semanas da súbita eternização de nosso querido e saudoso Pai,
Mahoma Hossen Schabib (1914-1996), quando o surto da epidemia de Ebola
amedrontava o mundo, dois peregrinos do Mediterrâneo travavam um diálogo que
ficou na memória de todos/as os/as que tiveram a sorte e o privilégio de
testemunhar.
—
De que mesmo morreu nosso Amigo Abdul? Ebola?!
—
Não, embolia. Adbul estava com a saúde muito frágil e morreu por complicações
circulatórias...
Como
hoje o Coronavírus, a epidemia de Ebola então assombrara a humanidade. A
epidemia estava em todas as conversas, ainda que não houvesse qualquer relação
com ela. Isso ocorrera durante a visita derradeira de nosso agora saudoso Tio
Hussein ao nosso igualmente saudoso e querido Pai, que se encantara durante a
estada desse primo em Corumbá. Ele era ex-sócio em duas ocasiões: em Guajará-Mirim
(RO) em um comércio atacadista, em fins da década de 1950, e em um ousado
restaurante em Trípoli, segunda cidade mais importante do Líbano, entre 1961 e
1962, para onde os dois e suas respectivas famílias viajaram em 1960 (e retornaram
à América do Sul em 1964).
O
Professor aposentado Hussein Khalil Schabib Khatib faleceu aos 94 anos na
cidade de Magdalena, Departamento do Beni, na Amazônia da Bolívia, no último
dia 10 de março, véspera do aniversário de 94 anos de nossa querida e saudosa
Mãe, Wadia Al Hany de Schabib. Foi casado por mais de 60 anos com a saudosa
Senhora Nelly Arza de Schabib, cujos/as sobrinhos/as residem em Corumbá e
Puerto Quijarro desde os tempos da Comissão Mista Ferroviária Brasil-Bolívia. Desde
o início de sua viuvez se recolheu e passou viver de lembranças, pois pouco
antes falecera a Professora Nesby Schabib Arza, filha única do casal e Mãe de
três filhos/as, todos/as já formados/as, para felicidade desse cidadão do
mundo, tal qual nosso Pai.
Emigrou
do Líbano ainda jovem, incentivado por nosso saudoso Pai quando já se
estabelecera como atacadista na região amazônica da Bolívia. Ao lado do saudoso
Primo Zoheir Schabib Khatib, o Tio Hussein foi o parente mais presente do lado
paterno. No início da década de 1960 retornou com sua esposa e filha ao Líbano
na mesma época em que nosso Pai também o fez, ao lado de nossa Mãe e Irmãos/ãs.
Além de sócios, foram Amigos, tanto que quando nasceu nossa Irmã caçula eu
decidira me mudar para a casa dele, dizem que por conta da abundância de doces
e dos agrados da Senhora Nelly, como a chamávamos carinhosamente desde
crianças.
Além
de vocacionado para o comércio, como a maioria dos árabes, o Tio Hussein se
revelou, como autodidata, brilhante professor de inglês numa região em que
professores nessa disciplina eram raros antes da internet. Muito querido em
Magdalena, cidade em que nossos Pais moraram tão logo casaram e nossos/as
Irmãos/ãs mais velhos/as nasceram (entre 1948 e 1950), tornou-se referência para
várias gerações: quando alguém se preparava para viajar ao exterior, fosse
passear ou trabalhar, era procurado para uma preparação preliminar, mesmo
depois de aposentado, já idoso.
Entre
1959 e 1973, a Amazônia boliviana enfrentou dois surtos de uma virulenta
epidemia de febre hemorrágica alastrada por ratos infectados pelo Machupo, uma
variedade do Arenavírus, de acordo com a equipe de pesquisadores da Organização
Pan-Americana de Saúde (OPAS). Em 1971, quando o Tio Hussein e a Senhora Nelly
estiveram passando as férias em Corumbá, contaram para nossos Pais sobre o
drama dos moradores da região, caracterizada pela pobreza de uma das regiões
mais ricas do país, que entre o início do século XX e a Segunda Guerra Mundial
havia fornecido muita seringa e castanha, atividades que permitiram a
sobrevivência de meu Pai, recém-chegado, e o Irmão dele, o Tio Ale Hossen
Schabib, que ao se naturalizar passou a assinar Alejandro Hossen.
Como
nosso Pai, o Tio Hussein chamava a atenção para as riquezas naturais da
Amazônia boliviana e o abandono e miséria de sua população tradicional e
originária, explicando que não foi por acaso o trabalho da equipe de
sanitaristas da OPAS iniciado em 1959 (e concluído somente em 1973). A
importância da região levou à descoberta do vetor, Calomys Callosus, um
rato nativo da região. Esses estudos permitiram inclusive o desenvolvimento de
vacina e a devida profilaxia, além do controle populacional do roedor, então predominante
nas localidades mais afetadas pela epidemia (o povoado onde nossa saudosa e
querida Mãe nasceu, San Joaquín de las Aguas Dulces, além de San Ramón e Santa
Ana, todos ao Norte do Beni).
Depois
de ter retornado do Líbano com a Família, o agora saudoso Tio Hussein passara a
se dedicar mais à terra que o acolhera ainda jovem. Além de ministrar inglês na
única escola pública de Magdalena, dedicara-se à fundação (e depois à
manutenção por quase três décadas) de uma cooperativa de consumo e microcrédito
no período de maior instabilidade econômica e política da Bolívia. Ele, sempre
que vinha a passar uma temporada conosco, contava com orgulho que servia de
fomento para as modestas atividades de pessoas humildes que não tinham acesso aos
bancos privados, cujos juros extorsivos os afastavam de qualquer financiamento
de suas modestas lides.
Lutou
pela manutenção da cooperativa até o final da década de 1990, quando o sistema
bancário, já conectado à internet, passou a fazer uma guerra cega a todas as
cooperativas similares na Bolívia. Eram tempos de neoliberalismo globalitário,
capitaneado pelos fantoches mais cínicos de todos os tempos, Gonzalo Sánchez de
Lozada e sua versão intelectualizada, Carlos D. Mesa Gisbert
—
uma caricatura de FHC, sem pós-graduação ou graduação qualquer, a despeito de
seus pais terem sido renomados professores universitários e arquitetos
bem-sucedidos.
Ele
sempre se declarara socialista convicto. Não sei se por coincidência, sua única
Filha militou em partidos de esquerda durante a juventude. Depois de casada,
para não colidir com os interesses do esposo, preferiu dedicar-se somente ao
magistério, o que a tornou tão querida quanto o Pai. Diabética, há menos de
cinco anos se encantou, mas depois de deixar bem formados/as os/as três
filhos/as. A ausência da única Filha abalou muito o Tio Hussein, que logo perdeu
a Companheira de 60 anos, mas permaneceu saudável graças aos cuidados da Neta
Janan (homônima de nossa Irmã), médica que não mediu esforços para
assegurar-lhe qualidade de vida, embora ele preferisse viver das suas
lembranças.
Tio
Hussein, sempre na memória e no coração!
Ahmad
Schabib Hany
Um comentário:
Hermoso relato tío querido!!😘😘😘
Postar um comentário