UMA DAMA CHAMADA ANNA THEREZA
Dona Anna Thereza de
Copacabana Maldonado Katurchi se despediu da Corumbá que a acolheu desde tenra
juventude no mesmo dia em que a primavera de 2016 se despedia de todos. Precisamente
ao meio-dia da fatídica penúltima quarta-feira deste ano de tantas perdas e decepções,
seu corpo era sepultado no jazigo familiar em que Dona Amélia e Dona Rosa
Maria, além do patriarca, Seu José Katurchi, descansam em paz –- a paz dos justos,
dos honrados, dos leais, dos sinceros.
Altiva, discreta, afirmativa,
elegante, honrada e, sobretudo, verdadeira –- profundamente verdadeira -–, Dona
Anna Thereza, com a devida reserva que guardava, sempre foi o esteio, o
alicerce, do Esposo e eterno Companheiro desde a juventude escolar. Sim, foi
como aluna do Colégio das Irmãs (como era o então Ginásio e Escola Normal
Imaculada Conceição, GENIC, conhecido em todo Mato Grosso uno) que a mais
corumbaense dos cacerenses conheceu e encantou o à época jovem contabilista
Jorge José Katurchi, já egresso da Escola Técnica de Comércio, outra instituição
que causava inveja às demais cidades mato-grossenses.
Detentora de uma
personalidade marcante e um nome imponente –- Anna Thereza de Copacabana Rondon
Maldonado -–, Dona Anna Thereza era a emblemática síntese de uma miscigenação cosmopolita
entre descendentes do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon e a família Maldonado
radicada em Cáceres, onde seu venerável progenitor foi Cônsul da Bolívia por décadas.
Aliás, os moradores da cidade coirmã de Corumbá são testemunhas convictas do
valor, honradez e talento ético da Família Maldonado, tanto que o falecimento
precoce de seu querido sobrinho, Professor Doutor Carlos Alberto Maldonado,
ex-reitor da Universidade Estadual de Mato Grosso (UNEMAT), ex-secretário de
Estado de Educação do também saudoso governador mato-grossense Dante de
Oliveira (quando no PDT) e consultor da UNESCO no Brasil, enlutou a população
cacerense ainda neste ano.
Dama de uma rara elegância e
beleza, Dona Anna Thereza detinha um domínio único sobre aquilo a que se
propunha. Não posso deixar de relatar sobre seu discretíssimo mas fundamental
papel no Pacto Pela Cidadania –- a articulação cidadã coordenada, entre 1994 e
2008, pelo saudoso Dom José Alves da Costa, então Bispo Diocesano de Corumbá, e
pelo Padre Pascoal Forin, à época titular da Paróquia São João Bosco -–, cujo Esposo
foi imprimindo-lhe (ao lado de outros membros igualmente generosos) uma
legitimidade popular, ainda que sem ser agente político “profissional”, tendo feito
relevantes contribuições para a população corumbaense e ladarense, como o
financiamento dos custos da construção do Cristo Rei do Pantanal e de
importante infraestrutura para o Corpo de Bombeiros Militar da região, durante
os sucessivos mandatos do governador Zeca.
Altruísta, Dona Anna Thereza
jamais admitiu que pudesse haver trocas de favor em torno de reivindicações que
acreditava vitais para a cidadania. Seu Jorge, que sempre concordou com essa
postura ética, foi percebendo o processo de exaustão do Pacto Pela Cidadania, não
por seus integrantes, mas pela cultura política dominante. O amor e a gratidão por
Corumbá, entretanto, os fizeram insistir o máximo possível numa agenda cada vez
mais tênue, como foi ficando tênue aquele movimento inédito na historia de Mato
Grosso do Sul.
O lamentável acidente
ocorrido com Dona Anna Thereza num evento do Clube da Bela Idade no mesmo dia
em que eram comemorados os 60 anos da proclamação da Carta das Nações Unidas
sobre os Direitos Humanos, em dezembro de 2008, foi o divisor de águas na
vigorosa atuação de Seu Jorge nas atividades de cidadania e o início do longo calvário
de Dona Anna. Oito anos de sucessivas intervenções cirúrgicas e clínicas, cuja interrupção
se deu nesta terça-feira, dia 20, emblematicamente um dia depois do centenário de
nascimento do Poeta Manoel de Barros, cujo universo é a mais exata expressão de
uma natureza dadivosa ainda não compreendida pela mesquinhez humana manifesta
por agentes políticos surreais porque anacrônicos e míopes, contra os quais a
eterna Dama de Seu Jorge, da Cidadania, se insurgiu elegantemente.
Como toda historia de amor,
a eterna caminhada de Dona Anna Thereza nas terras de Frei Mariano, sempre ao
lado de Seu Jorge Katurchi, não cessará, não findará, como nas repetitivas produções
cinematográficas não mais exibidas na grande tela das outrora imponentes salas
da cosmopolita Corumbá que atraiu o jovem casal de apaixonados não narcisamente
por si apenas, mas por toda uma coletividade, de cujo apogeu são e sempre serão
seus porta-vozes.
Que as futuras gerações tenham
argúcia e generosidade anímica para compreender e se inspirar nesta história verdadeira,
até como homenagem a estes queridos e reais personagens que tornam Corumbá e o Pantanal
únicos, como a genial criação de Manoel de Barros.
Ahmad Schabib Hany
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