A tríade
cidadania-cultura-ambiente
(Escrito originalmente em 13/12/2004 para o livro sobre educação ambiental editado pela Embrapa Pantanal)
Atuar no terceiro setor, por si só, tem
sido algo bastante difícil nestes tempos em que o deus-mercado teve a sua
importância elevada à enésima potência. Imagine-se, então, a atuação no
contexto sócio-ambiental, sobretudo numa região em que o exercício do
contraditório nada vale, pois o maniqueísmo inquisitorial, sob a batuta de
aprendizes de coronéis, é quem dá as cartas, como se ainda vivêssemos sob os
caquéticos valores do século 19, auge do liberalismo clássico, mas sem o
louvável recurso do direito de resposta.
Mas, e o que isso tudo tem a ver com a
tríade cidadania-cultura-ambiente?
Como bem diz a sabedoria popular, a
vida é uma grande escola. Eis que a rica experiência de vida de inúmeros
antecessores na luta serve, senão de exemplo pelo menos de lição para nós e
para os que nos vierem a suceder. Constata-se, portanto, que a vida não é
segmentada, e que atuar no eixo sócio-ambiental significa entender e agir de
forma articulada nas questões de afirmação de cidadania, do resgate da
identidade cultural e da proteção da diversidade biológica do meio em que nos
encontramos. Ainda mais se, como em nosso caso, residirmos numa região única
como é o Pantanal.
Em outras palavras, desenvolver o
protagonismo cidadão da população local como recurso de potencialização da
capacidade de intervenção qualificada do cidadão comum representa uma
estratégia inovadora e transformadora. Não se trata, apenas, da necessária mas
insuficiente responsabilização de nosso cidadão comum para as questões que
implicam na mudança de conduta rumo à construção de um novo modelo de
desenvolvimento, já previsto na Agenda 21, a qual, aliás, em Mato Grosso do Sul
virou alvo de chacota dos bizarros representantes das elites anacrônicas e mais
recentemente dos novos empoderados, ex-adeptos da dialética marxista que
sucumbiram diante dos atrativos do poder.
E habitante ativo, mobilizado para as
legítimas demandas da sua comunidade, corresponde ao perfil de cidadão do
século 21, cuja noção de cidadania perpassa questões pontuais ou até
ideológicas e se engaja em pleitos que vão para além do cotidiano. Assim,
preocupações como ambiente saudável e qualidade de vida, por exemplo, acabam
ganhando uma dimensão maior, como políticas públicas intersetoriais cujas metas
não se esgotam nos relatórios da burocracia, mas o devido alcance junto aos
destinatários, mesmo que não redunde em popularidade ou votos em épocas de
eleição.
Mesmo correndo o risco de pecar por
redundância, não é demais reiterar que sentir-se comprometido com a causa da
conservação dos recursos naturais para as futuras gerações não significa não
desejar o progresso e o bem-estar para a sociedade contemporânea. Pelo
contrário, lutar por um novo modelo de desenvolvimento é empenhar-se para que
os atuais investidores não comprometam a qualidade de vida e de trabalho dos
que participam do processo produtivo e dos que vivem em seu entorno, e que, no
entanto, não são beneficiários à altura diante dos riscos e prejuízos à saúde e
ao meio ambiente em que se encontram.
O que é, mesmo, protagonismo cidadão?
A despeito da inesgotável capacidade
inovadora e transformadora de nossa população, nossa história está repleta de
episódios em que as amplas camadas sociais desempenham, desde os imemoráveis
tempos da colonização ibérica, um papel caudatário –sequer de coadjuvantes, mas
de reles figurantes–, como que a nação fosse constituída de súditos, não de
cidadãos. Em pleno século 21, no generoso contexto oferecido pelas relevantes
conquistas do século 20 em nível global, a postura dos habitantes do planeta
não pode ser outra que a de protagonistas da própria história, seja do ponto de
vista da cidadania, da cultura ou do meio ambiente.
É, pois, a prática articulada e
coerente da tríade cidadania-cultura-ambiente que terá como resultado
inexorável o protagonismo cidadão preconizado. E, bem entendido, sem dogmas ou
receitas preconcebidas, tendo claro que poderemos saber onde iniciamos nosso
trajeto, sem, contudo, sabermos onde iremos chegar, porque dependerá
tão-somente da capacidade de superação do coletivo em que nos encontrarmos.
Isto põe, também, por terra a postura arcaica de nossos antecessores, de que o
messianismo –- seja ele de esquerda ou de direita -– está em desuso. E o mais
importante: o resultado terá sido da exata estatura de nosso povo.
(*) Ahmad Schabib Hany é membro da
secretaria-executiva do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de
Corumbá e Ladário (FORUMCORLAD) em MS e fundador e coordenador-adjunto da
Organização de Cidadania, Cultura e Ambiente (OCCA).
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