Tributo
a Maria da Conceição Tavares
Economista e referência de
ativismo político na luta contra o regime de 1964, a Professora Maria da
Conceição Tavares deixou Portugal e adotou o Brasil, por cujo povo lutou e
empreendeu os maiores projetos na CEPAL, no BNDES e até na Câmara Federal.
Neste 8 de junho a humanidade fica mais pobre,
muito mais pobre. Maria da Conceição de Almeida Tavares, que em 1954 se exilou no
Brasil para se livrar do jugo salazarista de um Portugal sufocado pela
repressão e obscurantismo fascista, se eternizou, aos 94 anos, depois de se
dedicar por setenta anos, com paixão e muito conhecimento, à causa do povo
brasileiro. Docente da pós-graduação da Universidade de Campinas, teve entre seus
alunos José Serra e Dilma Rousseff, por quem ela declarou seu voto em 2010. Se em 1986, sua fala emocionada de apoio
ao Plano Cruzado ecoou em todos lares pela televisão, em 1994, praticamente aos
mesmos ex-alunos, repreendera e condenara pelo achatamento salarial do Plano
Real, declarando-se não só decepcionada, mas enraivecida, o que a motivava a continuar
lutando.
Tanto que naquele ano se
elegeu deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores, em um emblemático
mandato encerrado em 1999. A contundência de sua fala
entrou para a História pela autenticidade com que empreendeu a defesa da
soberania popular, da economia distributiva e da política com viés popular. São
célebres as ‘puxadas de orelha’ a seus ex-alunos que se bandearam para o
neoliberalismo, como esta, no programa Canal Livre, da TV Bandeirantes, em 1995:
“Uma economia que precisa dizer que primeiro precisa estabilizar, depois
crescer e depois distribuir é uma falácia. Tem sido uma falácia. Nem estabiliza,
cresce aos solavancos e não distribui. Esta é a história da economia brasileira
desde o pós-guerra. Ou não é? E ver os meus queridos amigos, que junto comigo
lutaram durante anos, dizendo que isto não era correto, que tinha que se fazer
ao mesmo tempo estabilização, crescimento e distribuição. É uma de minhas
maiores dores. É dor, mas é também raiva. Portanto, energia! Para continuar a
lutar pela justiça social. Se você não luta, você não é um economista sério, é
um tecnocrata!”
Formada em Matemática pela Universidade de Lisboa,
seu diploma foi convalidado durante o período em que trabalhou como técnica do
órgão antecessor ao INCRA, o Instituto Nacional de Imigração e Colonização, no
governo de Juscelino Kubitschek, de 1954 a 1960, tendo sido convidada, depois de ter
concluído sua graduação em Economia na antiga Universidade do Brasil (hoje UFRJ)
para integrar a equipe do Brasil da Comissão Econômica para a América Latina e
Caribe (CEPAL). Ao participar da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC), foi estabelecendo relações com as maiores referências
progressistas no Brasil, como Celso Furtado, Caio Prado Jr. e Ignácio Rangel, aos
quais declarava lealdade.
Celso Furtado, que como
ministro do Planejamento de Kubitschek e João Goulart, criara não só a Sudene
(Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), mas o programa de
desenvolvimento do Brasil, abandonado pelo regime de 1964, foi um estudioso que
com a assistência de Conceição Tavares estruturou muitas estratégias futuras,
muitas delas não interrompidas pelos militares que tomaram de assalto os
destinos da nação. Mas, perspicaz e bem fundamentada, em 1972, desenvolve
estudos, no âmbito da CEPAL, que conseguem provar que seria possível empreender
uma política desenvolvimentista sem estrangular a solvência do tesouro
brasileiro, como Delfim Neto e Reis Velloso, no governo de Emílio Garrastazu
Médici, acabam fazendo, o chamado ‘milagre econômico’.
Conceição Tavares atribuía a Ignácio Rangel sua
acuidade nas questões orçamentárias da área privada. Segundo ela, Rangel lhe
chamara a atenção que economistas progressistas não se interessavam pelas
questões orçamentárias da área financeira empresarial e, por isso, só ficavam
no discurso. Ela, então, passou a se especializar nesta temática, tendo um
legado vastíssimo, cujos seguidores hoje são referência em questões da dívida
pública e da capacidade de endividamento do país. Como pioneira do
questionamento do que na época se denominava ‘dívida externa’, seus estudos
traçaram novos horizontes ainda no tempo em que, voluntariamente, assessorava o
Doutor Ulysses Guimarães na presidência do PMDB, do qual ela era das
personalidades notáveis.
Vinculada à equipe de economistas da CEPAL, na
companhia de Celso Furtado, foi para o Chile quando o regime de 1964 pendeu para
a linha dura, no processo de fascistização da política oficial. Nesse período
deu aula na Universidade de Santiago até quando Augusto Pinochet deu golpe
contra Salvador Allende, em setembro de 1973. Em seguida foi para o México,
onde deu aula na Universidade Nacional Autônoma do México, mas afastou-se por
um tempo da CEPAL para realizar uma pós-graduação na Universidade de Sorbonne,
em Paris. Quando tentou desembarcar no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro,
em 1974, foi sequestrada por grupos paramilitares que ainda atuavam no país,
tendo sido necessária a intervenção de Severo Gomes, então ministro da
Indústria e Comércio, e de Mário Henrique Simonsen, ministro da Fazenda, junto
ao general Ernesto Geisel, o que assegurou sua integridade.
Assim como Ulysses Guimarães, o Presidente Lula
tem em Maria da Conceição Tavares uma referência ímpar nas questões econômicas
de interesse nacional, sobretudo na afirmação da soberania, desde os tempos das
devassas do FMI (Fundo Monetário Internacional) nas contas públicas nacionais. Ao lado de diversas personalidades
brasileiras e mundiais (entre elas a presidenta do Banco dos BRICS Dilma
Rousseff), Lula manifestou sua tristeza com a sua eternização, enfatizando seu
legado de sete décadas em favor do povo brasileiro. O governo português também
enviou condolências à Família de Conceição Tavares, residente no Rio de
Janeiro.
Minha geração conheceu
Maria da Conceição Tavares em sua incansável luta pela defesa dos ganhos
salariais, aquilo que para ela era mais caro no contexto do desenvolvimento e
da estabilidade econômica (no caso da inflação). Mesmo não tendo sido
integrante da equipe que assessorava o ministro Dilson Funaro, da Fazenda, em
1986, na preparação do Plano Cruzado, ela explicou as razões de sua emoção ante
a defesa daquele pacote anti-inflacionário que acabou destruído pela sabotagem
e pressão dos grandes empresários de todos os setores da economia. Uma
Brasileira (maiúscula, por favor!) por opção e lealdade incondicional,
diferentemente dos ‘patriotas’ de meia pataca que vivem a angariar seus ‘dividendos’
usando as informações privilegiadas. O que, aliás, vem rondando o gabinete de
Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central nomeado pelo inominável, e que
o deputado Lindbergh Faria denunciou na tribuna da Câmara Federal para que seja
aberta uma investigação e esclarecidas as suspeitas.
Às novas gerações fica o
repto: não foi por acaso que uma cidadã do mundo e à frente de seu tempo, como
Conceição Tavares, precisou sair de Portugal sob a ditadura de António Salazar
para fazer tanto pelo povo de sua nova pátria. Obrigado, Professora Maria da
Conceição Tavares, por seu legado, sua lealdade e, sobretudo, sua contundente
atuação em defesa do maior patrimônio do Brasil, o Povo Brasileiro, tão
ignorado e enganado de novo, a partir de 2016, quando em nome de ‘patriotismo’ de
cartas marcadas ‘órfãos’ e ‘viúvos’ da ditadura tentaram introduzir no Brasil a
mesma doutrina fascista que a fez vir para a sua nova pátria em 1954.
Ahmad
Schabib Hany
Um comentário:
Obrigada, Schabib, pelo belo texto. Maria da Conceição Tavares, presente!
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