sábado, 15 de junho de 2024

ATÉ SEMPRE, PROFESSORA VERA ABRÃO!


 Até sempre, Professora Vera Abrão!

Companheira do saudoso Professor José Carlos Abrão, a Professora Vera Lúcia Santos Abrão, também pioneira do então Centro Pedagógico de Corumbá, eternizou-se no dia 14 de junho, 14 meses depois de seu Companheiro de Vida e de Ofício.

Mais que Companheira de Vida e de Ofício do saudoso Professor José Carlos Abrão, pioneiro na docência e pesquisa no extinto Centro Pedagógico de Corumbá, a Professora Vera Lúcia Santos Abrão fez da disciplina de Geografia uma ciência com a qual não apenas combateu o obscurantismo e a desigualdade na sociedade, mas ajudou a construir sólidas carreiras docentes e de pesquisa em diversas instituições, localidades e classes sociais.

Ao se eternizar, a 14 de junho, 14 meses depois de seu Companheiro de Vida, luta e ofício, a Professora Vera Abrão entra para o Memorial dos Pioneiros da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) -- criada no segundo governo do Presidente Lula --, em distinção ao legado de incansável Docente e Pesquisadora da Ciência Geográfica no então Centro Universitário de Dourados da UFMS, onde trabalhou na implantação do curso de Geografia e pelo livre acesso a obras proibidas pelo regime obscurantista de 1964.

Esse reconhecimento consta, acompanhado de relatos da generosidade e empenho em diversos episódios, do e-book Sob a proteção das deusas Clio, Gaia, Atena e Psiquê: a Faculdade de Ciências Humanas da UFGD em narrativas, obra de 2023 organizada pelos Professores Marisa de Fátima Lomba de Farias e Conrado Neves Sathler, em várias páginas, sobretudo nas de números 85, 96, 97, 98, 99 e 101.

“No processo de democratização da sociedade brasileira, a Geografia se fez crítica e a professora Vera Santos Abrão tem registro assegurado na memória e nesse Memorial. Pelas suas mãos chegaram as leituras, vindas dos muitos lançamentos editoriais do período; as ‘teorias novas’ podendo ser debatidas na transição do regime militar e o texto traduzido (em cópia datilografada), ‘A geografia, serve, antes de mais nada, para fazer a guerra’, se faria leitura obrigatória em 1986 (...)” Professora Silvana de Abreu, 1993, em sua dissertação de Mestrado “Uma análise da noção de espaço e sociedade do professor de Geografia do 1º grau: formação, discurso e prática”, pela UFMS, citada na referida obra coordenada pelos Professores Marisa de Fátima Lomba de Farias e Conrado Neves Sathler, na página 101.

Depois de aposentados da UFMS, os Professores José e Vera se mudaram para Ribeirão Preto, sua cidade-natal, onde trabalharam em algumas universidades particulares, antes de se mudar para a capital paulista, onde se eternizaram depois de enfrentar as doenças que os abateram impiedosamente. Do período em que, em Ribeirão Preto, foi docente do Centro Universitário Barão de Mauá, o seu então orientando na pesquisa para o trabalho de conclusão de curso de graduação, hoje Professor Mestre Luís Guilherme Maturano, fez importante registro na introdução de sua dissertação de mestrado, “O conceito de Paisagem no ensino de Geografia: reflexão acerca dos Currículos”, pela USP de Ribeirão Preto, em 2019:

Apesar das comparações dicotômicas entre ciência geográfica e geografia escolar, compreendemos por meio da experiência ao longo da profissão docente que existe um caminho amplo no campo da investigação que possam analisá-las. Nesse sentido, esta dissertação procura apresentar aspectos históricos da Geografia acadêmica e escolar. / O desejo de desenvolver tal temática já foi, de um jeito ou de outro, iniciado e averiguado na elaboração do trabalho de conclusão de curso (Licenciatura Plena em Geografia), intitulado ‘O processo de produção da ciência geográfica: análise teórico-metodológica’, sob a orientação da Professora Mestre Vera Lúcia Santos Abrão, apresentado em sessão pública, no ano de 2OO9, no Centro Universitário ‘Barão de Mauá’.”

Vera Lúcia e José Carlos Abrão chegaram no início da década de 1970 a Corumbá para dar aula no recém-criado Instituto Superior de Pedagogia, mais tarde transformado em Centro Pedagógico de Corumbá, uma das unidades descentralizadas da Universidade Estadual de Mato Grosso (CPC/UEMT). Ela geógrafa e ele pedagogo, ambos formados pela Universidade de São Paulo (USP), em seu campus de Ribeirão Preto, nos tensos anos de repressão e de perseguição a quem ousasse utilizar autores e obras consideradas ‘subversivas’.

Ao lado de outras e outros colegas -- entre eles Gilberto Luiz Alves, Valmir Batista Corrêa, Masao Uetanabaro, Lúcia Salsa Corrêa, Kati Eliana Caetano, Gisela Angelina Levatti, José Luiz Finocchio, Wilson Ferreira de Mello, Carlos Alberto Patusco, José Carlos Françolin, Leonides Justiniano e Octaviano Gonçalves da Silveira Jr. --, trazidos em sua maioria pelo Médio e Professor Salomão Baruki, à época vice-reitor da UEMT e diretor do CPC, Vera e José Abrão se dedicaram a construir as grades curriculares de todas as graduações com base nas da USP, bem como a elevar o nível das ementas, sempre tendo como referência as universidades de vanguarda do País, a despeito da ‘caça às bruxas’ existente então.

Em uma época em que UEMT não dispunha sequer de plano de cargos e carreiras, em razão da precocidade da instituição e dos tempos cruentos vividos no País, os Professores Vera e José Carlos Abrão não deixaram de aprimorar seus conhecimentos e, mesmo tendo que bancar os custos de sua pós-graduação na USP (a uma distância de mais de mil quilômetros entre Corumbá e São Paulo), o fizeram sem pedir afastamento remunerado à instituição, concentrando as aulas em vindas periódicas a Corumbá, além de trazer obras de autores de ponta para a biblioteca do CPC no afã de elevar o nível de formação de seus alunos.

Nesse contexto, o casal Abrão participou de pesquisas bibliográficas e de campo pioneiras e da criação da publicação acadêmica Dimensão, cuja logomarca e capa de vanguarda foram concebidas pelo Arquiteto e Professor José Sebastião Candia, até hoje procurada como referência para uma série de citações de pesquisa em diferentes campos da ciência. Além disso, empreenderam esforços para a criação de espaços para grupos de estudo, tal como o Centro de Estudos Históricos Ricardo Franco, em parceria com os compadres Lúcia e Valmir Corrêa.

Lembro-me da atenção dos ‘Professores de fora’, quando, em 1973, ainda aluno ginasiano a frequentar a biblioteca do CPC, sob o zeloso cuidado da querida Aidê Varela, então aluna de Pedagogia e que mais tarde passou no concurso do Banco do Brasil e acabou deixando o CPC. À procura de livros que descrevessem o Renascimento ocidental, os Professores José e Vera Abrão nos auxiliaram até encontrarmos o volume 1 de “História da Civilização Ocidental”, de Edward Mc. Neil Burns, cuja pesquisa foi possível graças ao assessoramento qualificado do gentil casal de docentes.

Onze anos depois, quando vim a Corumbá para participar e cobrir para o extinto Jornal da Manhã (e enviar material para um amigo do jornalão que existe até hoje) a realização do VI Seminário de Ensino, Pesquisa e Extensão (SEPE) da UFMS, tive a honra e o prazer de reencontrar diversos Professores que haviam solicitado remoção a outros campi, entre eles o casal Abrão. Nessa época, o Professor Arnaldo Sakamoto se debruçava sobre a grade curricular do curso de Geografia, previsto para ser oferecido pelo CEUC em 1985.

Antes de concluir, agradeço com penhor à querida Professora Kati Eliana Caetano, sempre atenta aos Amigos e ex-colegas com quem conviveu e trabalhou em Corumbá, responsável pela triste, mas necessária informação. Aliás, a Professora Kati só não pôde ter sido minha Professora de Linguística no curso de Letras por estar em licença-maternidade quando do nascimento da querida Mariana, sua Filha mais velha, nascida em Corumbá.

Até sempre, Professora Vera Abrão! Seu legado, sua alegria de viver e desafiar os grotões da ditadura militar e, sobretudo, de se dedicar à construção de uma Geografia libertária e uma sociedade melhor, discretamente ao lado de seu eterno Companheiro de Vida, Ofício e luta, Professor José Abrão, palpitam vivos e intensos na mente e nos corações dos que tiveram a felicidade e o privilégio de conviver e compartilhar de sua generosa práxis.

Ahmad Schabib Hany

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