Séculos
de supremacia genocida
O ‘ocidente’ se livrou da fome, da miséria,
da ignorância e da imundície graças à generosidade dos povos submetidos a seu
jugo de intolerância, truculência e saque. Mais de 600 anos depois, as atuais potências se fingem de ‘donas’
dos valores civilizatórios e seus líderes posam de paladinos do progresso e da
civilização. Mas com que moral?
São séculos de supremacia escravista, genocida e
saqueadora. E ainda têm o cinismo de posar de detentores dos valores
civilizatórios, construídos ao longo de milênios por toda a humanidade, por
diversos povos, em diferentes regiões do Planeta.
O processo civilizatório não tem senhores nem lacaios.
Não esqueçamos que os primeiros passos foram dados simultaneamente na África,
América, Ásia, Oceania e Europa, sem qualquer hierarquia. Diferentemente da versão
eurocêntrica que dá um atributo irreal aos brancos de olhos azuis como que
fossem os ‘pais’ da civilização, tendo se apropriado até do legado e da imagem
de Jesus Cristo -- pintado louro de olhos azuis quando, nascido na Terra Santa,
a Palestina milenar, sua tez morena, tanto que os sumos sacerdotes saduceus Anás
e Caifás denunciaram Jesus ao representante do Império Romano na Palestina,
Pôncio Pilatos, o que o levou à condenação pelas leis romanas e o apoio dos
seguidores desses sacerdotes judeus, que o consideraram ‘falso Messias’.
Depois da perseguição aos cristãos por três
séculos, o Império Romano, no tempo de Constantino, se converteu ao
cristianismo e adotou como oficial a religião que antes reprimia. Foi a solução
encontrada para manter a unidade do império, ameaçado pelas divisões internas.
Passaram-se mais dois séculos, mas a decadência do Império Romano se deu com a
vitória das rebeliões germânicas, em conflito com corruptos generais romanos,
que em troca de títulos nobiliários e territórios sob seu mando abusavam de seu
poder. É quando o feudalismo prosperou numa Europa obscurantista, esfomeada,
miserável e suja.
Decorridos alguns séculos, a estratégia dos reinos
medievais, abusivos e corruptos, foi se mancomunar com o clero corrompido pelo
poder e, com a venda de indulgências e outras tramoias, e recorrer às guerras
fraticidas para manter uma unidade real em torno de uma fé cega e um patriotismo
que se resumia à lealdade ao rei, que com a cúpula clerical, funcionava como
elemento aglutinador de cada reino. Assim, de guerra em guerra e de disputa em
disputa entre pretendentes na sucessão em cada reino, a Europa viveu a Idade
Média em meio ao medo e ao fanatismo religioso. Terreno ideal para a promoção
das Cruzadas, mais de doze, dependendo do critério de cada historiador.
Em nome da ‘guerra santa’ desencadeou-se uma série
de campanhas contra os árabes que se espalhava pelo norte da África, oeste da
Ásia, leste e sul da Europa e, apenas para refletir, se caracterizaram pela
tolerância religiosa e cultural (tanto que em quase 800 anos na porção
hispânica da Península Ibérica, desenvolveram o que hoje é Granada, Sevilha,
Córdoba e Andaluzia, e 600 anos no centro-sul das terras lusitanas, como Estremadura,
Baixo Alentejo, Algarve e sul do Douro, não impuseram às nações castelhana e lusitana
a religião, a língua nem a cultura árabe), diferente do período em que os
turcos otomanos, europeus como os germânicos e celtas, impuseram um regime
tirânico, muito parecido ao regime colonial ocidental, seja castelhano,
lusitano, inglês, holandês, belga ou francês, muitos dos quais recorreram à
Inquisição para perseguir muçulmanos e judeus, até então protegidos pelos
árabes em todos os territórios em que estes eram hegemônicos.
Desde o início da hegemonia ocidental, simplesmente
mais de75% da população humana vivem literalmente de pires na mão, a pedir
perdão por existir, senão a pedir ‘esmola’ aos ‘donos do mundo’. Não fosse
pouca a tragédia humana promovida nos tempos do Império Romano, seus sucessores
ocidentais, a partir das Cruzadas, não só reproduziram a cultura de opressão e
saque como foram autores do aperfeiçoamento de todas as técnicas de dominação,
exploração, opressão e espoliação da maioria da humanidade.
Desde que o ‘ocidente’ -- a porção europeia (e sua
área de influência) que a partir das Cruzadas voltou à hegemonia que o antigo
Império Romano detinha e a expandiu por meio do mercantilismo, da colonização
dos continentes africano, asiático, americano e da Oceania, mediante genocídio,
etnocídio e escravização de povos africanos e originários por séculos a fio --
se autoproclamou porta-voz dos valores civilizatórios que jamais -- jamais! --
fez por merecer, todos os povos da África, Ásia, América, Oceania e boa parte
da Europa vivem a reboque das decisões arbitrárias e excludentes da OTAN e
União Europeia.
Para não incorrermos em algum tipo de ‘eurofobia’,
fazemos questão de recorrer aos mais evidentes processos de afirmação
civilizatória da Europa em plena Idade Média. Pois, enquanto os celtas,
germânicos e bretões se digladiavam em intermináveis guerras fraticidas, ou
melhor, suicidas por anos a fio (algumas chegaram a vinte anos, cem anos, como
eles mesmos registraram em seus manuscritos), a Península Ibéria se desenvolvia
à luz do legado árabe (‘mouro’), livre de intolerância religiosa e do supremacismo
cultural. Ou teria sido mero acaso o fato de tanto lusitanos quanto
castelhanos, depois da expulsão dos ‘mouros’, serem a vanguarda nas chamadas
‘grandes navegações’, que precederam ao mercantilismo e à colonização em todo o
chamado ‘novo mundo’ -- América e Oceania, sobretudo, além da subjugação de
parte da África e da Ásia?
Além de terem contribuído com o legado de
conhecimento milenar próprio de povos de uma riqueza cultural generosa e
diversa (tanto que seus líderes receberam seus invasores de braços abertos
acreditando serem de boa índole, a exemplo do encontro do amistoso imperador
asteca Montezuma com o conquistador Hernán Cortez, ou a emboscada de Francisco
Pizarro contra o imperador inca Atahualpa em resposta à recepção amigável do
Sapa Inca do Tahuantinsuyu, em seu próprio território), ouro e prata, milho e
batata, carnes e especiarias de várias procedências permitiram saciar a fome e
curar as doenças, incuráveis até então, dos europeus. Não foi diferente o
ocorrido no cobiçado território africano, nas terras ambicionadas que mais
tarde se chamariam Brasil ou no território colonizado pelas metrópoles
ocidentais na Oceania e na Ásia.
O pretexto usado pelos ‘civilizados’ para
justificar esses crimes hediondos era que, por serem ‘pagãos’, tais povos ‘não
tinham alma’ (sic), e, portanto,
poderiam ser mortos, explorados, escravizados e oprimidos por não serem
‘cristãos’. Nada, aliás, diferente do que hoje acontece, quando essas novas
seitas, ditas ‘cristãs’ mas são sionistas, promovem exploração, morte e
espoliação (além da escravidão) pelo mundo todo. O que ocorreu no Brasil por
meio do inominável (e agora inelegível) é parte de um conjunto de ações
políticas planejadas pelos ‘donos do mundo’ pelo menos há vinte anos.
Quando Ronald Reagan e Margareth Thatcher
pactuaram o Consenso de Washington, o fim da guerra fria (com a dissolução da
União Soviética e do Pacto de Varsóvia, obviamente) e o mundo unipolar
travestido de ‘globalização’ havia a presunção de que o processo de submissão
aos ‘donos do mundo’ ocorreria sem resistências, seria ‘indolor’. Não foi.
Tanto na América Latina, como na África, Ásia, Oceania e parte da Europa houve
um processo de rebeldia histórica e emancipação que impediu qualquer tentativa
de submeter o mundo ao totalitarismo globalitário, dando origem às reuniões anuais
do Fórum Social Mundial, em que a sociedade civil e, sobretudo, os povos
originários passam a fazer o protagonismo transformador, dando vez e voz aos proletários
do Planeta.
Foi nesse processo emancipador que governos
populares com o mesmo perfil do presidente Lula se afirmaram na maioria de
países latino-americano e cuja repercussão se projetou em outros continentes,
inclusive no europeu. Isso desagradou tanto o establishment que, desde 2006,
foram criadas estratégias de ‘golpes brandos’ no Haiti contra Jean-Bertrand
Aristide, em Honduras contra Manuel Zelaya, no Paraguai contra Fernando Lugo,
no Brasil contra Dilma Rousseff (e a farsa lavajatista
contra Lula), no Equador contra Rafael Correa, na Bolívia contra Evo Morales e
no Peru contra Pedro Castillo, além das tramas contra a Argentina de Cristina
Kirchner, Uruguai de Pepe Mujica, Venezuela de Nicolás Maduro e Nicarágua de
Daniel Ortega.
A onda nazifascista espalhada em todos os
continentes, aliadas a seitas ‘cristãs’ sionistas, foram preparadas, desde a
década de 1990, pelos estrategistas ‘duros’ do establishment ocidental em
parceria com o serviço secreto israelense, dentro, aliás, da mesma estratégia
dos grupos extremistas plantados no Oriente Médio, que em substituição às
lideranças anti-imperialistas de esquerda, estimularam o surgimento de
organizações religiosas islâmicas fundamentalistas (como ‘Mujahidin’, ‘Al-Qaeda’,
‘Estado Islâmico’ e congêneres), todos com um pé no Pentágono e outro no
Mossad, a espionagem sionista.
É bem verdade que, a partir de fins do século XIX,
uma corrente pretensamente liberal da História abriu caminho para a hoje
hegemônica linha, chamada social, e que descambou para uma espécie de ‘micro
história’, ou história fragmentada, em que curiosamente, não fatos, mas
narrativas sobre hipóteses ou ‘interpretações’ do que teria sido a ‘verdadeira’
Idade Média, em que aspectos descontextualizados do obscurantismo e da opressão
feudal mostram um cotidiano de uma inocência digna dos contos de fadas. Uma de
minhas Irmãs, irreverentemente, chama de história das futilidades ou das
calcinhas da princesas.
Mas os fatos falam por si mesmos. A humanidade
marcha célere para um mundo multipolar em que o embate é civilização (no
sentido mais amplo, sem o ranço eurocêntrico) ou barbárie. Em outras palavras, a
despeito da sanha ensandecida do atual império que teima em impor riscos
iminentes de uma guerra de dimensões planetárias apenas para manter sua insana
hegemonia, a saída saudável para as sociedades contemporâneas (no plural, pois
somos diversos) é uma nova ordem internacional, sem ‘amos’ ou ‘senhores’. Para
isso precisamos construir um mundo comprometido com a cultura da paz, o desenvolvimento
sustentável, o respeito à diversidade e pluralidade e, sobretudo, a
responsabilidade política e social, baseada na empatia e solidariedade
universal.
Ahmad
Schabib Hany
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