Patriotas,
pero no mucho
Nem a genialidade de García Márquez e Dias Gomes
com todo o seu realismo fantástico anteveria as façanhas surreais
protagonizadas pelos ‘patriotas’ “cansados de guerra”, no dizer do não menos
genial Jorge Amado. Trata-se de inteligência às avessas a de delinquentes
canastrões, acostumados à impunidade de outrora.
Os
fatos falam por si. Não é preciso explicar. O conjunto da obra é um misto de
horror e perplexidade, tamanhas as aberrações comportamentais: ávidos de ‘ouro,
ouro, ouro!!!’, locupletaram-se todos. E que a ‘pátria (m)amada’ se dane!
Hitler
e Mussolini, quando criaram as nefastas consignas ‘Alemanha acima de tudo, Deus
acima de todos’ e ‘Deus, Pátria e Família’ -- requentadas nos últimos anos em
nome de um suposto patriotismo embolorado e comprometedor (porque o nazismo e o
fascismo são fora da lei pelos crimes contra a humanidade cometidos nas décadas
de 1930 e 1940) --, não tinham outro propósito que o de submeter seus
semelhantes aos seus delírios funestos.
Obviamente,
em nome do que é mais caro para as pessoas de boa-fé, eles (tanto Hitler e
Mussolini quanto Franco, Salazar, Stroessner, Médici, Banzer, Pinochet, Videla
e seus sequazes da atualidade) não só atentaram contra as imensas maiorias da
população como se apropriaram de bens do Estado em nome de seu bizarro
‘patriotismo’, dentro da lógica insana de que ‘o Estado sou eu’, do tempo do
‘rei sol’, Luiz XIV, pioneiro do absolutismo.
Ver
o pai do ex-ajudante de ordens do canastrão que levou o Brasil ao retrocesso
envolvido no mascaramento de apropriação indébita e prevaricação daquele que se
dizia ‘messias’ (sic) e queria, mais que governar, liderar, igual Moisés
pouco mais de três milênios atrás, rumo a uma Canaã de seus delírios insanos.
Como
assim?
Aos
poucos vamos nos inteirando que o inominável (agora inelegível) não passou
quatro anos de um mandato desastroso para a imensa maioria da população
postando fakenews e levando muita gente de boa-fé literalmente à morte
(durante a pandemia, quando quis passar por cima da ciência, da medicina, para
‘sugerir’ -- na verdade, induzir, quase impor -- um tratamento fruto da mente
alucinada de quem confundiu o cargo republicano de dignitário com o de um
suposto ‘messias’, mas com as patas sujas de muita coisa, inclusive do sangue
de indígenas. Ele passou todo esse tempo (e algum tempo depois, também) se
locupletando, como a Polícia Federal revelou por meio das mensagens do pai do
ex-ajudante de ordens e do advogado com nome e cara de ‘brimo’.
Agora
dá para entender por que a intentona foi tão atrapalhada, tão amadora, que
causou tanto estrago ao patrimônio público e nenhum resultado do que era
pretendido. Tal qual o pelotão de ‘Pantaleão Patoaparte’, caricatura criada
pela Disney na década de 1960, os seguidores de Sylvio Frota -- por si um
fracassado, ao ser flagrado e demitido pelo general-presidente Ernesto Geisel,
gostemos ou não, estadista igual a Getulio Vargas e a Juscelino Kubitschek --,
como ‘patriotas’ “cansados de guerra”, nas sábias palavras do grande Jorge
Amado, naufragaram em um copo de cafezinho!
Ora,
movidos pela certeza da impunidade -- ‘aos amigos tudo, aos inimigos os rigores
da lei’, lembram-se? --, esses ‘filhos da pátria’ sequer se preocuparam em
proteger literal e efetivamente a própria imagem, que acabou refletida numa
foto das joias mal havidas, leiloadas nos Estados Unidos e depois resgatadas
por meios pouco ortodoxos. Isso os geniais Gabriel García Márquez e Dias Gomes,
expoentes do gênero literário chamado ‘realismo fantástico’, jamais ousaram
criar, ainda que a irreverência fosse uma de suas marcas.
São
grandes, imensuráveis, os estragos feitos por esses ‘patriotas’ de meia pataca,
verdadeiros mentecaptos, seres perturbados que se pretendem referência quando
sabem de suas fraquezas e limitações. Decorridos oito meses do fim do
desgoverno do inominável (agora inelegível), o longo inventário (ou seria
espólio?), em levantamento, dá pistas do estrago de Vidas e tempo perdidos. O
Brasil não merecia um retrocesso abissal como esse. Claro que muitos ganharam
com isso, sobretudo os rentistas que vivem do parasitismo, os banqueiros que
desde os tempos da ‘redentora’ vivem dos lucros exorbitantes em franco
superávit, os milicianos que expandiram seu poder de atuação sob o beneplácito
do desgoverno, os garimpeiros, grileiros e madeireiros que contaminaram e
mataram diversas formas de Vida, inclusive humana.
Tudo
pela desfaçatez das elites caducas, tomadas pela soberba e falta total de
empatia: por não quererem aceitar que humildes que sempre tiveram algum ou
vários tipos de privação pudessem viajar de avião, frequentar as melhores
faculdades e fazer o curso que quisessem, concorrer a carreiras profissionais
‘de elite’, desfrutar do bem-estar propiciado pelo progresso, enfim, serem
cidadãos e cidadãs em sua plenitude. Porque, segundo a ‘lógica’ (?) das elites,
o povo deve permanecer na mendicância, na exclusão, na senzala, jamais na ‘casa
grande’, que é só para os ‘filhos da pátria’.
E
tudo isso ocorre trinta anos depois da malograda tentativa de ‘collorir’ o
Brasil mediante o inominável fantoche da década de 1990, aquele que não hesitou
em confiscar a poupança e a esperança do Povo Brasileiro, além de desmontar o
Estado da maneira mais torpe, tendo amaldiçoado seu irmão Pedro e sua cunhada
Tereza por terem escancarado a sua personalidade, igualmente mefistofélica. É
hora, pois, da chamada ‘classe média’ (eis que não existe ‘classe média’, ela
não passa de uma ficção, pois como extrato de classe ela se presta ao papel de
pelego nos choques de interesse existentes na sociedade, apenas isso) tomar
consciência e deixar de ser ‘maria-vai-com-as-outras’ e se aperceber de que o
que é bom para si (ela) é bom para todos, e não ‘quanto pior melhor’.
Em
outras palavras, passou da hora de essa minoria barulhenta e imprevisível da
população brasileira praticar a empatia, em especial as camadas avantajadas da
sociedade: a economia só vai bem quando todos ganham, não apenas os banqueiros,
os rentistas e os especuladores estrangeiros. Em vez desse complexo de
inferioridade que tanto infelicita o Brasil, mais esta experiência golpista,
detonada por meliantes travestidos de ‘Leva Jeito’, a serviço de interesses
inconfessáveis (vinculados ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, sem a
devida autorização do STF, como a lei determina), aliados a falsos democratas
como Aéreo Never e a políticos rapinas como Eduardo Cunha, Romero Jucá e Michel
Temer e aos ‘patriotas, pero no mucho’, seguidores de Sylvio Frota e
Garrastazu Médici, de tristes memórias, agora e sempre desmascarados, como os
fatos mais recentes e pretéritos falam por si.
Finalmente,
as pessoas conservadoras de bom-senso despertem e se organizem inteligente e
salutarmente para não mais embarcar em aventuras piroctécnicas e mirabolantes
como as oferecidas por Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, Romero Jucá e Eduardo
Cunha, o ‘brimo’ e o inominável, Aéreo Never e Augusto Heleno. Com coerência,
civilidade, espírito democrático e sinceridade, defendam suas convicções de
modo honesto, transparente e legítimo: sem golpistas e, sobretudo, pessoas
destituídas dos mais comezinhos princípios éticos e de cidadania, como essas
hordas vis que, em nome de falsos valores e muita mentira, tramaram contra os
verdadeiros valores cívicos, democráticos e civilizatórios para promover
farras, proxenetismo (como a cínica ‘festa da cueca’ patrocinada por ‘impolutos’
membros da ‘Leva Jeito’), genocídio (como os fora de lei ligados às milícias do
inominável e seus degenerados capangas), destruição e contaminação de biomas e
rios (por meio da flexibilização criminosa das normas infralegais e do desmonte
das instituições de Estado, como a FUNAI, o IBAMA, o ICMBio, o CONAMA, a PRF
etc) e o fatiamento não menos criminoso do patrimônio público, da soberania
nacional, popular e científica.
É
preciso separar o nazismo e o fascismo da direita civilizada, porque democrática
e com uma história coerente com os valores que ela defende dentro do Estado de
Direito. Embora não concorde com as ideias conservadoras (porque em minha
concepção elas estão fora do contexto histórico em que vivemos), reconheço que
elas tenham sua razão de ser no espectro ideológico de uma Democracia, pela
qual nossa geração deu os seus melhores dias para conquistá-la. Ter ideias
conservadoras não é ser de ultradireita, nazista, fascista ou golpista -- estas
correntes extremistas são, sim, fora de lei e, como vemos agora, suas práticas
são predadoras, decadentes e comprometem a essência não só da Democracia, mas
do próprio processo civilizatório, que a humanidade levou milênios a construir,
por meio de diferentes atores, nações, concepções de mundo e épocas.
Feito
contraponto (e contrassenso!), o desvario das massas argentinas levou à
projeção de um estridente fascistoide chamado Javier Milei nas eleições
primárias da terra da querida Mercedes Sosa, mas, depois do desastre causado
pelo inominável no Brasil e pelo seu assemelhado do Reino Unido (ainda se
lembram do trapalhão chamado Boris Johnson?), o mercado reagiu imediatamente,
reprovando uma saída dessa natureza. Voltaremos ao tema em oportunidade
próxima, eis que serve de alerta sadio e didático para as elites soberbas,
mentecaptas e irracionais. Que a estridência do inominável de lá sirva de ponto
de inflexão para as ‘marias-vão-com-as-outras’ de cá...
A
humanidade é diversa, generosa, civilizada e pacífica. A história está repleta
de milhares de exemplos ao longo dos milênios, em todas as civilizações e
nações que existiram, dessa capacidade de construir caminhos, transições,
transformações rumo a sociedades mais justas, livres e generosas, rumo a um
mundo mais pacífico e sustentável. Não para nós, mas para as gerações que
vierem depois de nós. Desde que o mundo é mundo, esse é o sentido da Vida, a
razão de ser da inteligência humana e, sobretudo, da política como ciência e
arte do convívio entre os diferentes, legítimos ainda que antagônicos.
Ahmad
Schabib Hany
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