terça-feira, 15 de agosto de 2023

PATRIOTAS, 'PERO NO MUCHO'

Patriotas, pero no mucho

Nem a genialidade de García Márquez e Dias Gomes com todo o seu realismo fantástico anteveria as façanhas surreais protagonizadas pelos ‘patriotas’ “cansados de guerra”, no dizer do não menos genial Jorge Amado. Trata-se de inteligência às avessas a de delinquentes canastrões, acostumados à impunidade de outrora.

Os fatos falam por si. Não é preciso explicar. O conjunto da obra é um misto de horror e perplexidade, tamanhas as aberrações comportamentais: ávidos de ‘ouro, ouro, ouro!!!’, locupletaram-se todos. E que a ‘pátria (m)amada’ se dane!

Hitler e Mussolini, quando criaram as nefastas consignas ‘Alemanha acima de tudo, Deus acima de todos’ e ‘Deus, Pátria e Família’ -- requentadas nos últimos anos em nome de um suposto patriotismo embolorado e comprometedor (porque o nazismo e o fascismo são fora da lei pelos crimes contra a humanidade cometidos nas décadas de 1930 e 1940) --, não tinham outro propósito que o de submeter seus semelhantes aos seus delírios funestos.

Obviamente, em nome do que é mais caro para as pessoas de boa-fé, eles (tanto Hitler e Mussolini quanto Franco, Salazar, Stroessner, Médici, Banzer, Pinochet, Videla e seus sequazes da atualidade) não só atentaram contra as imensas maiorias da população como se apropriaram de bens do Estado em nome de seu bizarro ‘patriotismo’, dentro da lógica insana de que ‘o Estado sou eu’, do tempo do ‘rei sol’, Luiz XIV, pioneiro do absolutismo.

Ver o pai do ex-ajudante de ordens do canastrão que levou o Brasil ao retrocesso envolvido no mascaramento de apropriação indébita e prevaricação daquele que se dizia ‘messias’ (sic) e queria, mais que governar, liderar, igual Moisés pouco mais de três milênios atrás, rumo a uma Canaã de seus delírios insanos.

Como assim?

Aos poucos vamos nos inteirando que o inominável (agora inelegível) não passou quatro anos de um mandato desastroso para a imensa maioria da população postando fakenews e levando muita gente de boa-fé literalmente à morte (durante a pandemia, quando quis passar por cima da ciência, da medicina, para ‘sugerir’ -- na verdade, induzir, quase impor -- um tratamento fruto da mente alucinada de quem confundiu o cargo republicano de dignitário com o de um suposto ‘messias’, mas com as patas sujas de muita coisa, inclusive do sangue de indígenas. Ele passou todo esse tempo (e algum tempo depois, também) se locupletando, como a Polícia Federal revelou por meio das mensagens do pai do ex-ajudante de ordens e do advogado com nome e cara de ‘brimo’.

Agora dá para entender por que a intentona foi tão atrapalhada, tão amadora, que causou tanto estrago ao patrimônio público e nenhum resultado do que era pretendido. Tal qual o pelotão de ‘Pantaleão Patoaparte’, caricatura criada pela Disney na década de 1960, os seguidores de Sylvio Frota -- por si um fracassado, ao ser flagrado e demitido pelo general-presidente Ernesto Geisel, gostemos ou não, estadista igual a Getulio Vargas e a Juscelino Kubitschek --, como ‘patriotas’ “cansados de guerra”, nas sábias palavras do grande Jorge Amado, naufragaram em um copo de cafezinho!

Ora, movidos pela certeza da impunidade -- ‘aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei’, lembram-se? --, esses ‘filhos da pátria’ sequer se preocuparam em proteger literal e efetivamente a própria imagem, que acabou refletida numa foto das joias mal havidas, leiloadas nos Estados Unidos e depois resgatadas por meios pouco ortodoxos. Isso os geniais Gabriel García Márquez e Dias Gomes, expoentes do gênero literário chamado ‘realismo fantástico’, jamais ousaram criar, ainda que a irreverência fosse uma de suas marcas.

São grandes, imensuráveis, os estragos feitos por esses ‘patriotas’ de meia pataca, verdadeiros mentecaptos, seres perturbados que se pretendem referência quando sabem de suas fraquezas e limitações. Decorridos oito meses do fim do desgoverno do inominável (agora inelegível), o longo inventário (ou seria espólio?), em levantamento, dá pistas do estrago de Vidas e tempo perdidos. O Brasil não merecia um retrocesso abissal como esse. Claro que muitos ganharam com isso, sobretudo os rentistas que vivem do parasitismo, os banqueiros que desde os tempos da ‘redentora’ vivem dos lucros exorbitantes em franco superávit, os milicianos que expandiram seu poder de atuação sob o beneplácito do desgoverno, os garimpeiros, grileiros e madeireiros que contaminaram e mataram diversas formas de Vida, inclusive humana.

Tudo pela desfaçatez das elites caducas, tomadas pela soberba e falta total de empatia: por não quererem aceitar que humildes que sempre tiveram algum ou vários tipos de privação pudessem viajar de avião, frequentar as melhores faculdades e fazer o curso que quisessem, concorrer a carreiras profissionais ‘de elite’, desfrutar do bem-estar propiciado pelo progresso, enfim, serem cidadãos e cidadãs em sua plenitude. Porque, segundo a ‘lógica’ (?) das elites, o povo deve permanecer na mendicância, na exclusão, na senzala, jamais na ‘casa grande’, que é só para os ‘filhos da pátria’.

E tudo isso ocorre trinta anos depois da malograda tentativa de ‘collorir’ o Brasil mediante o inominável fantoche da década de 1990, aquele que não hesitou em confiscar a poupança e a esperança do Povo Brasileiro, além de desmontar o Estado da maneira mais torpe, tendo amaldiçoado seu irmão Pedro e sua cunhada Tereza por terem escancarado a sua personalidade, igualmente mefistofélica. É hora, pois, da chamada ‘classe média’ (eis que não existe ‘classe média’, ela não passa de uma ficção, pois como extrato de classe ela se presta ao papel de pelego nos choques de interesse existentes na sociedade, apenas isso) tomar consciência e deixar de ser ‘maria-vai-com-as-outras’ e se aperceber de que o que é bom para si (ela) é bom para todos, e não ‘quanto pior melhor’.

Em outras palavras, passou da hora de essa minoria barulhenta e imprevisível da população brasileira praticar a empatia, em especial as camadas avantajadas da sociedade: a economia só vai bem quando todos ganham, não apenas os banqueiros, os rentistas e os especuladores estrangeiros. Em vez desse complexo de inferioridade que tanto infelicita o Brasil, mais esta experiência golpista, detonada por meliantes travestidos de ‘Leva Jeito’, a serviço de interesses inconfessáveis (vinculados ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, sem a devida autorização do STF, como a lei determina), aliados a falsos democratas como Aéreo Never e a políticos rapinas como Eduardo Cunha, Romero Jucá e Michel Temer e aos ‘patriotas, pero no mucho’, seguidores de Sylvio Frota e Garrastazu Médici, de tristes memórias, agora e sempre desmascarados, como os fatos mais recentes e pretéritos falam por si.

Finalmente, as pessoas conservadoras de bom-senso despertem e se organizem inteligente e salutarmente para não mais embarcar em aventuras piroctécnicas e mirabolantes como as oferecidas por Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, Romero Jucá e Eduardo Cunha, o ‘brimo’ e o inominável, Aéreo Never e Augusto Heleno. Com coerência, civilidade, espírito democrático e sinceridade, defendam suas convicções de modo honesto, transparente e legítimo: sem golpistas e, sobretudo, pessoas destituídas dos mais comezinhos princípios éticos e de cidadania, como essas hordas vis que, em nome de falsos valores e muita mentira, tramaram contra os verdadeiros valores cívicos, democráticos e civilizatórios para promover farras, proxenetismo (como a cínica ‘festa da cueca’ patrocinada por ‘impolutos’ membros da ‘Leva Jeito’), genocídio (como os fora de lei ligados às milícias do inominável e seus degenerados capangas), destruição e contaminação de biomas e rios (por meio da flexibilização criminosa das normas infralegais e do desmonte das instituições de Estado, como a FUNAI, o IBAMA, o ICMBio, o CONAMA, a PRF etc) e o fatiamento não menos criminoso do patrimônio público, da soberania nacional, popular e científica.

É preciso separar o nazismo e o fascismo da direita civilizada, porque democrática e com uma história coerente com os valores que ela defende dentro do Estado de Direito. Embora não concorde com as ideias conservadoras (porque em minha concepção elas estão fora do contexto histórico em que vivemos), reconheço que elas tenham sua razão de ser no espectro ideológico de uma Democracia, pela qual nossa geração deu os seus melhores dias para conquistá-la. Ter ideias conservadoras não é ser de ultradireita, nazista, fascista ou golpista -- estas correntes extremistas são, sim, fora de lei e, como vemos agora, suas práticas são predadoras, decadentes e comprometem a essência não só da Democracia, mas do próprio processo civilizatório, que a humanidade levou milênios a construir, por meio de diferentes atores, nações, concepções de mundo e épocas.

Feito contraponto (e contrassenso!), o desvario das massas argentinas levou à projeção de um estridente fascistoide chamado Javier Milei nas eleições primárias da terra da querida Mercedes Sosa, mas, depois do desastre causado pelo inominável no Brasil e pelo seu assemelhado do Reino Unido (ainda se lembram do trapalhão chamado Boris Johnson?), o mercado reagiu imediatamente, reprovando uma saída dessa natureza. Voltaremos ao tema em oportunidade próxima, eis que serve de alerta sadio e didático para as elites soberbas, mentecaptas e irracionais. Que a estridência do inominável de lá sirva de ponto de inflexão para as ‘marias-vão-com-as-outras’ de cá...

A humanidade é diversa, generosa, civilizada e pacífica. A história está repleta de milhares de exemplos ao longo dos milênios, em todas as civilizações e nações que existiram, dessa capacidade de construir caminhos, transições, transformações rumo a sociedades mais justas, livres e generosas, rumo a um mundo mais pacífico e sustentável. Não para nós, mas para as gerações que vierem depois de nós. Desde que o mundo é mundo, esse é o sentido da Vida, a razão de ser da inteligência humana e, sobretudo, da política como ciência e arte do convívio entre os diferentes, legítimos ainda que antagônicos.

Ahmad Schabib Hany

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