quarta-feira, 2 de agosto de 2023

AINDA SOBRE O TRÁFICO DE PESSOAS

Ainda sobre o tráfico de pessoas

A vinda da Assistente Social Estela Scandola a Corumbá e Ladário com uma plêiade de combatentes do tráfico de pessoas, exploração sexual de crianças e adolescentes e violência contra a mulher permitiu a retomada oportuna de uma série de lutas, entre elas a do fortalecimento da rede de proteção social infanto-juvenil.

Até agora repercute em nossa consciência a profética fala introdutória da Assistente Social Estela Scandola, que ao lado da Psicóloga Tania Comerlato, da Cientista Política Andréa Cavararo (superintendente de Políticas de Direitos Humanos, da Secretaria de Direitos Humanos de MS), da Psicóloga Suzete dos Santos e da Assistente Social Renata Papa, de que precisamos mais de atitudes e menos de ‘eventismo’ no enfrentamento à maior das mazelas sociais de nosso tempo, o tráfico de pessoas.

Importantes, sim, as iniciativas interinstitucionais de sensibilização e reflexão coletiva em todo o Brasil, até porque uma série de políticas públicas essenciais foram descontinuadas criminosamente desde 2016, quando o ‘brimo’ Temer e seus aliados em atitude nada ortodoxa tomaram de assalto os destinos da nação, e, de mal a pior, deu no que deu. Foi graças ao lançamento da campanha mundial do Coração Azul, que estamos recomeçando a incansável pugna do enfrentamento ao maior crime contra a humanidade.

Chega a ser um acinte não só às Famílias -- geralmente humildes, cujas Mães e Pais ficam a acalentar a esperança de um dia voltar a ver seus queridos entes desaparecidos --, mas ao Estado Democrático de Direito e a toda a Sociedade Civil (maiúsculas, por favor!) esta aparente atitude de prevaricação reiterada de quem de direito (e dever). É o caso, sim, de Lívia Gonçalves Alves, de Larissa (por enquanto sem sobrenome) e tantas outras gurias em plena inocência e tenra idade arrancadas de seus lares com propósitos inconfessáveis.

Como seria bom que a rede de proteção jurídico-social -- sobretudo o Conselho Tutelar, o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), a Delegacia de Proteção e Atendimento à Criança e a Promotoria da Infância e Juventude -- retomasse os trabalhos de elucidação do caso e também o de Larissa (entendendo que elucidar implica em achar as gurias ou a situação em que elas se encontram, ‘com materialidade’) para que, enfim, a Família possa ter alguma resposta depois de mais de uma década de angústia e sofrimento.

Como seria bom que nossos Jornalistas em pleno exercício desse sagrado e dignificante ofício fossem visitar a Família de Lívia para, além de dar o conforto da empatia à Mãe e demais familiares, ver como têm procurado encontrar a resposta que as autoridades até o momento não conseguiram lhes dar, ainda que decorridos longos treze anos de infindável angústia, ansiedade, desespero, sofrimento, torpor e tragédia.

Como seria bom, também, que nossos Jornalistas em pleno exercício desse sagrado e dignificante ofício fossem aos respectivos órgãos competentes para saber a quantas anda o longuíssimo e interminável processo de investigação. Não se trata de uma ‘provocação’, mas de um acompanhamento à intrincada caminhada de elucidação. Mas o tempo urge, porque se trata de uma criança desaparecida; trata-se não de uma, mas de várias Vidas; trata-se de um evidente crime hediondo, cujos agentes e seus tentáculos devem estar em plena atividade.

Como seria bom que logo saíssemos dessa inércia a que fomos submetidos pelos atos e ‘manifestos patrióticos’ artificiais promovidos entre 2013 e 2022 para retomarmos os atos cidadãos reais, em defesa dos sem voz e sem vez, como as crianças, adolescentes, jovens e mulheres vítimas dessa e de outras formas de violência. Assim, a exemplo da passeata feita em 2010 pela comunidade, reivindicando urgência na elucidação do caso. Então, as manifestações não eram convocadas pelas redes sociais, mas no corpo-a-corpo, cabendo aos organizadores a solicitação de acompanhamento pela Guarda Municipal ou Pelotão de Trânsito da Polícia Militar.

Caso que não é elucidado não é caso concluído, é caso abandonado. Isso entra para as tristes estatísticas da impunidade, e é essa impunidade a principal responsável pelo aumento vertiginoso da criminalidade. Senão vejamos o crime organizado -- seja no tráfico de armas, drogas, pessoas e até científico e tecnológico, nas milícias, nos ataques ao meio ambiente (desmatamento, contaminação de solos e águas pelo garimpo criminoso, pesca ilegal ou derrubada de árvores centenárias por madeireiros e fazendeiros ilegais) --, que faz a cooptação de servidores públicos com ou sem farda (ou o que são os milicianos que mataram Marielle Franco e seu motorista e tomaram conta do Rio de Janeiro, a maioria deles com patentes e altos cargos hierárquicos das forças de segurança?), empresários nada éticos e políticos cinicamente oportunistas.

Aos leitores mais jovens gostaria de lembrar que nos momentos de aparente maior falta de ação de quem de direito (e dever) é que a Cidadania (maiúscula) sai da de sua ‘zona de conforto’ e passa a pautar as autoridades. Foi como fizemos entre 1991 e 2016, como podem testemunhar remanescentes do Pacto pela Cidadania (Movimento Viva Corumbá), da Sociedade dos Amigos da Cultura e do Comitê de Corumbá e Ladário da Ação da Cidadania contra a Fome e pela Vida, além do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (FORUMCORLAD), e a partir de 2013 o Observatório da Cidadania Dom José Alves da Costa.

Foi no instigante processo de construção da Constituição Cidadã de 1988, durante a Assembleia Nacional Constituinte (entre 1987 e 1988), que a Sociedade Civil se organizou em todo o território deste país-continente e passou a protagonizar as transformações que permitiram o soerguimento de um Estado de Bem-Estar Social como este em que vivemos, e graças a isso as conquistas milimétricas são possíveis, apesar do golpismo das elites caducas que sonham com a volta do tempo da casa grande e da senzala. Não por acaso dia sim e outro sim vemos casos flagrados de trabalhadores em situação parecida à de escravidão.

E é bom que fique claro que o combate ao tráfico de pessoas tem uma poderosa rede de enfrentamento formada por cidadãos de todas as profissões, todos os ofícios e todos os credos e filosofias. A despeito das inúmeras tentativas dos dois últimos ex-presidentes -- o ‘brimo’ e o inominável (e agora inelegível) --, essa rede de enfrentamento não só resistiu como cresceu e se revigorou, ao contrário dos fascistazinhos de meia pataca que voltam à sua insignificância igual guri sujado (perdoem o neologismo), muitos deles tendo que responder a processos tão compridos quanto as capivaras de seus líderes bizarros, incompetentes e covardes. Porque ser patriota não é bravata nem ameaça: é começar a defesa do País desde os mais vulneráveis, da soberania nacional, popular e tecnológica. O que foi sistematicamente abandonado e desmontado nos últimos quatro anos.

Finalmente, quero agradecer com penhor a sensibilidade cidadã do Jornalista Alle Yunes e equipe pelo generoso destaque à consigna publicada em meu modesto texto da semana passada no Correio de Corumbá, o mais antigo jornal em circulação de Corumbá e região. Em respeito aos Jornalistas e demais trabalhadores da imprensa, para não tirar-lhes o honrado ‘pão de cada dia’, até porque tive a honra de acompanhar os primeiros passos da pioneira Associação Profissional de Jornalistas de Mato Grosso do Sul, ao lado das queridas Lúcia da Silva Santos e Margarida Marques e dos queridos Edson Moraes e Luiz Taques, entre 1980 e 1982. Por isso não preparei um texto jornalístico (os que têm que fazer texto jornalístico são os Jornalistas), embora entre 1979 e 2003 tenha tido a honra e o privilégio de estar nesse sagrado ofício, um dos principais bastiões da Democracia e do processo civilizatório, hoje em franco processo de ameaça pelos que alardeiam patriotismo, como, aliás, seus bizarros mitos já o praticavam nos anos de chumbo.

Ahmad Schabib Hany

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