Ainda
sobre o tráfico de pessoas
A vinda da Assistente Social
Estela Scandola a Corumbá e Ladário com uma plêiade de combatentes do tráfico
de pessoas, exploração sexual de crianças e adolescentes e violência contra a
mulher permitiu a retomada oportuna de uma série de lutas, entre elas a do
fortalecimento da rede de proteção social infanto-juvenil.
Até agora repercute em nossa consciência a
profética fala introdutória da Assistente Social Estela Scandola, que ao lado
da Psicóloga Tania Comerlato, da Cientista Política Andréa Cavararo
(superintendente de Políticas de Direitos Humanos, da Secretaria de Direitos
Humanos de MS), da Psicóloga Suzete dos Santos e da Assistente Social Renata
Papa, de que precisamos mais de atitudes e menos de ‘eventismo’ no enfrentamento
à maior das mazelas sociais de nosso tempo, o tráfico de pessoas.
Importantes, sim, as iniciativas
interinstitucionais de sensibilização e reflexão coletiva em todo o Brasil, até
porque uma série de políticas públicas essenciais foram descontinuadas
criminosamente desde 2016, quando o ‘brimo’ Temer e seus aliados em atitude
nada ortodoxa tomaram de assalto os destinos da nação, e, de mal a pior, deu no
que deu. Foi graças ao lançamento da campanha mundial do Coração Azul, que
estamos recomeçando a incansável pugna do enfrentamento ao maior crime contra a
humanidade.
Chega a ser um acinte não só às Famílias --
geralmente humildes, cujas Mães e Pais ficam a acalentar a esperança de um dia
voltar a ver seus queridos entes desaparecidos --, mas ao Estado Democrático de
Direito e a toda a Sociedade Civil (maiúsculas, por favor!) esta aparente
atitude de prevaricação reiterada de quem de direito (e dever). É o caso, sim,
de Lívia Gonçalves Alves, de Larissa (por enquanto sem sobrenome) e tantas
outras gurias em plena inocência e tenra idade arrancadas de seus lares com
propósitos inconfessáveis.
Como seria bom que a rede de proteção
jurídico-social -- sobretudo o Conselho Tutelar, o Conselho Municipal de
Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), a Delegacia de Proteção e
Atendimento à Criança e a Promotoria da Infância e Juventude -- retomasse os
trabalhos de elucidação do caso e também o de Larissa (entendendo que elucidar
implica em achar as gurias ou a situação em que elas se encontram, ‘com
materialidade’) para que, enfim, a Família possa ter alguma resposta depois de
mais de uma década de angústia e sofrimento.
Como seria bom que nossos Jornalistas em pleno
exercício desse sagrado e dignificante ofício fossem visitar a Família de Lívia
para, além de dar o conforto da empatia à Mãe e demais familiares, ver como têm
procurado encontrar a resposta que as autoridades até o momento não conseguiram
lhes dar, ainda que decorridos longos treze anos de infindável angústia,
ansiedade, desespero, sofrimento, torpor e tragédia.
Como seria bom, também, que nossos Jornalistas em
pleno exercício desse sagrado e dignificante ofício fossem aos respectivos
órgãos competentes para saber a quantas anda o longuíssimo e interminável
processo de investigação. Não se trata de uma ‘provocação’, mas de um
acompanhamento à intrincada caminhada de elucidação. Mas o tempo urge, porque
se trata de uma criança desaparecida; trata-se não de uma, mas de várias Vidas;
trata-se de um evidente crime hediondo, cujos agentes e seus tentáculos devem
estar em plena atividade.
Como seria bom que logo saíssemos dessa inércia a
que fomos submetidos pelos atos e ‘manifestos patrióticos’ artificiais
promovidos entre 2013 e 2022 para retomarmos os atos cidadãos reais, em defesa
dos sem voz e sem vez, como as crianças, adolescentes, jovens e mulheres
vítimas dessa e de outras formas de violência. Assim, a exemplo da passeata
feita em 2010 pela comunidade, reivindicando urgência na elucidação do caso.
Então, as manifestações não eram convocadas pelas redes sociais, mas no
corpo-a-corpo, cabendo aos organizadores a solicitação de acompanhamento pela
Guarda Municipal ou Pelotão de Trânsito da Polícia Militar.
Caso que não é elucidado não é caso concluído, é
caso abandonado. Isso entra para as tristes estatísticas da impunidade, e é
essa impunidade a principal responsável pelo aumento vertiginoso da
criminalidade. Senão vejamos o crime organizado -- seja no tráfico de armas,
drogas, pessoas e até científico e tecnológico, nas milícias, nos ataques ao
meio ambiente (desmatamento, contaminação de solos e águas pelo garimpo
criminoso, pesca ilegal ou derrubada de árvores centenárias por madeireiros e
fazendeiros ilegais) --, que faz a cooptação de servidores públicos com ou sem
farda (ou o que são os milicianos que mataram Marielle Franco e seu motorista e
tomaram conta do Rio de Janeiro, a maioria deles com patentes e altos cargos
hierárquicos das forças de segurança?), empresários nada éticos e políticos cinicamente
oportunistas.
Aos leitores mais jovens gostaria de lembrar que
nos momentos de aparente maior falta de ação de quem de direito (e dever) é que
a Cidadania (maiúscula) sai da de sua ‘zona de conforto’ e passa a pautar as
autoridades. Foi como fizemos entre 1991 e 2016, como podem testemunhar
remanescentes do Pacto pela Cidadania (Movimento Viva Corumbá), da Sociedade
dos Amigos da Cultura e do Comitê de Corumbá e Ladário da Ação da Cidadania
contra a Fome e pela Vida, além do Fórum Permanente de Entidades Não
Governamentais de Corumbá e Ladário (FORUMCORLAD), e a partir de 2013 o
Observatório da Cidadania Dom José Alves da Costa.
Foi no instigante processo de construção da
Constituição Cidadã de 1988, durante a Assembleia Nacional Constituinte (entre
1987 e 1988), que a Sociedade Civil se organizou em todo o território deste
país-continente e passou a protagonizar as transformações que permitiram o
soerguimento de um Estado de Bem-Estar Social como este em que vivemos, e
graças a isso as conquistas milimétricas são possíveis, apesar do golpismo das
elites caducas que sonham com a volta do tempo da casa grande e da senzala. Não
por acaso dia sim e outro sim vemos casos flagrados de trabalhadores em
situação parecida à de escravidão.
E é bom que fique claro que o combate ao tráfico
de pessoas tem uma poderosa rede de enfrentamento formada por cidadãos de todas
as profissões, todos os ofícios e todos os credos e filosofias. A despeito das
inúmeras tentativas dos dois últimos ex-presidentes -- o ‘brimo’ e o inominável
(e agora inelegível) --, essa rede de enfrentamento não só resistiu como
cresceu e se revigorou, ao contrário dos fascistazinhos de meia pataca que
voltam à sua insignificância igual guri sujado (perdoem o neologismo), muitos
deles tendo que responder a processos tão compridos quanto as capivaras de seus
líderes bizarros, incompetentes e covardes. Porque ser patriota não é bravata
nem ameaça: é começar a defesa do País desde os mais vulneráveis, da soberania
nacional, popular e tecnológica. O que foi sistematicamente abandonado e
desmontado nos últimos quatro anos.
Finalmente, quero agradecer com penhor a
sensibilidade cidadã do Jornalista Alle Yunes e equipe pelo generoso destaque à
consigna publicada em meu modesto texto da semana passada no Correio de Corumbá, o mais antigo
jornal em circulação de Corumbá e região. Em respeito aos Jornalistas e demais
trabalhadores da imprensa, para não tirar-lhes o honrado ‘pão de cada dia’, até
porque tive a honra de acompanhar os primeiros passos da pioneira Associação
Profissional de Jornalistas de Mato Grosso do Sul, ao lado das queridas Lúcia
da Silva Santos e Margarida Marques e dos queridos Edson Moraes e Luiz Taques,
entre 1980 e 1982. Por isso não preparei um texto jornalístico (os que têm que
fazer texto jornalístico são os Jornalistas), embora entre 1979 e 2003 tenha tido
a honra e o privilégio de estar nesse sagrado ofício, um dos principais
bastiões da Democracia e do processo civilizatório, hoje em franco processo de
ameaça pelos que alardeiam patriotismo, como, aliás, seus bizarros mitos já o
praticavam nos anos de chumbo.
Ahmad
Schabib Hany
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