Obrigado por ter existido, Professor Jorge Luis Mariano!
Depois de ter resistido a uma doença impiedosa, o Professor Jorge Luis Mazzeo Mariano se eternizou nesta segunda-feira, 17 de abril. Generoso, genial, gentil e solícito, ensinou-nos muito, a despeito de sua brevíssima permanência nesta dimensão, da maneira mais simples, descomplicada, entusiástica e humilde. É assim que seu legado e sua presença viverão em nossas mentes e corações.
Quando tive a honra de conhecer o Professor Jorge Luis Mazzeo Mariano, em 2019, no Campus do Pantanal da UFMS, durante o processo de seleção do Mestrado em Educação, ao lado da Professora Andressa Rabelo e do Professor Fabiano Rücker, ele tinha exatamente a metade de minha idade. Impressionara-me muito sua humildade, sua simplicidade, no relacionamento e, sobretudo, na abordagem dos temas de estudo. Depois de me ouvir longamente, perguntou-me se aceitava sua Orientação e, se sim, se aceitava fazer algumas alterações no anteprojeto apresentado, até porque o contexto histórico que então vivíamos era de negacionismo, obscurantismo e de ruptura institucional.
Foi quando me apresentou uma nova perspectiva, desconhecida por muitos, inclusive por mim, a despeito de meus 60 anos de janela: o processo de afrofeminização da Educação, isto é, como a presença da mulher afrodescendente no desenvolvimento da Educação vem transformando o cotidiano escolar e da própria sociedade. Didático e meticuloso no proceder, consciente de que o novo olhar requeria, além de preparação teórica, uma postura diferente nas atitudes e na compreensão de sociedade, desde logo me integrou ao seu pioneiro Grupo de Estudos e Pesquisas em Histórias e Memórias da Educação (HISMEE), que continuou a coordenar com o competente apoio da Professora Elaine Gomes Ferro, sua Companheira de Vida, enquanto resistia estoicamente à doença voraz que o levou à eternidade.
Generoso, cordial, solícito, competente e de uma humildade ímpar, até desconcertante para quem não está acostumado a conviver com tamanha competência ao lado de tanta espontaneidade. Sem qualquer exagero, um ser humano iluminado e irremediavelmente entusiasta: apesar das adversidades vividas durante o período de desmonte da Educação, da Ciência e Tecnologia e das políticas afirmativas nas relações étnico-raciais e de gênero, sua fé na Vida o fazia contagiar um alento inesgotável, tanto na graduação (conseguia coordenar a graduação em Pedagogia, além das atividades incansáveis no Mestrado em Educação). É como que soubesse que seu tempo era diminuto, ao contrário de sua visão e talento privilegiados, e por isso não parava um instante.
Produzia compulsivamente, sem se descuidar das diversas orientações, fosse na pós-graduação ou na graduação. Além disso, dedicava-se a fazer ilustrações. Num de nossos encontros de Orientação, depois das atividades acadêmicas, me mostrara uma ilustração feita para um evento da Educação na UFMS. Então, revelara-me de sua aptidão de chargista, mas por conta da Academia, deixara para outro momento. Assim como o fato de haver tentado fazer uma graduação em História enquanto fazia as disciplinas do Doutorado na Universidade Federal de São Carlos, tendo sido aluno do querido Amigo e Camarada do Movimento Estudantil da FUCMT, o Professor Amarílio Ferreira Junior. Quando lhe contei que ele era presidente do Diretório Acadêmico Félix Zavattaro no ano em que ingressei no curso de História, quatro décadas antes (e portanto, havia mais tempo que a idade dele), ele se surpreendeu, pois não imaginava que em uma Corumbá tão distante encontraria um contemporâneo de seu Professor no curso de História, que ele precisou interromper ao concluir o Doutorado em Educação.
Relacionava-se com os seus alunos e alunas como um Colega veterano, na ânsia de contagiar seu entusiasmo com as atividades acadêmicas. Em um evento acadêmico, sem saber que conversava com sua Companheira (até então não a conhecia), comentei-lhe sobre minha admiração pela capacidade inesgotável e entusiasmo contagiante do Professor Jorge Mariano, observando que o orientando dele tinha o dobro da idade do Orientador. Mais tarde, ao me apresentar à Professora Elaine, revelei meu comentário a ele, dizendo que era comum que muitos acreditassem que era mais um Aluno no campus de Corumbá.
Meu encontro derradeiro com ele foi quando veio à minha casa e me presenteou com um livro seu com uma dedicatória emocionante (não fazia ideia de que estava se despedindo de nós naquele momento). E o que me deixa imensamente triste é que havia convidado o casal para um almoço que nunca aconteceu, constatação da imprevisibilidade da Vida e, sobretudo, das adversidades que se sobrepõem às nossas vontades e projetos. Generoso como sempre, pediu à Professora Elaine enviar mensagem aos integrantes do HISMEE lamentando não ter havido tempo para uma confraternização, despedida, antes de viajar para realizar o tratamento em São Paulo: nem nos momentos mais renhidos de luta pela Vida não se esquecera das e dos integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisas.
Revelador de sua visão crítica, quem se comunicava com ele pelo WhatsApp se deparava com um trecho emblemático da memorável “Ouro de tolo”, de Raul Seixas (há exatos 50 anos), que, a despeito da linda melodia (e violenta censura), trata-se de uma ácida crítica à futilidade reinante na sociedade de consumo em que vivemos, cheia de ilusórias metas e falsas conquistas: “E você ainda acredita que é doutor, padre ou policial e está contribuindo com a sua parte para o nosso belo quadro social.”
Até sempre, Professor Jorge Mariano! Obrigado por ter existido e ensinado tanto em tão pouco tempo, com entusiasmo e cumplicidade! À Professora Elaine, sua Companheira de Vida, e toda a sua Família, nossos profundos sentimentos. Sua inspiradora presença e seu iluminado legado continuarão em nossas mentes e corações, a forjar novas gerações de educadoras e educadores para a construção de uma sociedade de pessoas emancipadas, críticas e partícipes.
Ahmad Schabib Hany
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