sexta-feira, 28 de abril de 2023

CHICO BUARQUE HONRA A INTELIGÊNCIA BRASILEIRA


Foto: Ricardo Stuckert (Presidência da República)

Prêmio Camões: Chico Buarque, Presidente Lula, Presidente Marcelo e Ministra Margareth

 

Chico Buarque honra a inteligência brasileira

Com atraso de quatro anos, o Prêmio Camões conquistado por Chico Buarque finalmente foi entregue ao compositor e escritor, que dignifica a inteligência brasileira.

Em 2019, quando Chico Buarque foi contemplado com o Prêmio Camões, o maior e mais importante da comunidade dos países de fala portuguesa, era inimaginável o momento vivido em abril de 2023, véspera dos 49 anos da Revolução dos Cravos. O Presidente Lula, ao lado do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, em Portugal, assinando e entregando o diploma ao compositor e escritor mais perseguido pelos nefastos ditadores da América Latina e décadas depois pelos seus peçonhentos, ignorantes e canastrões viúvos e órfãos, igualmente nefastos.

O inominável, movido pela bílis (não se sabe se o pâncreas está em sua caixa craniana ou se o que equivaleria a cérebro se encontra em suas vísceras), se recusou a participar do ato solene de entrega em Portugal no primeiro ano de seu longuíssimo e tenebroso (des) governo. Prestou, mesmo que involuntariamente, algum serviço à cultura e um favor ao grande compositor, que nos anos em que seus ídolos reinavam numa terra sem lei nem piedade precisou criar um codinome, Julinho da Adelaide, com o qual celebrizou duas canções memoráveis: ‘Acorda Amor’ e ‘Jorge Maravilha’.

‘Acorda Amor’ retrata com a genialidade do inimitável Chico a angústia de ser apanhado pelos mandarins e suas bestas feras: “Acorda amor / Eu tive um pesadelo agora / Sonhei que tinha gente lá fora / Batendo no portão, que aflição / Era a dura, numa muito escura viatura / Minha nossa santa criatura / Chame, chame, chame lá / Chame, chame o ladrão, chame o ladrão ...” (Julinho da Adelaide, isto é, Chico Buarque, 1974.)

‘Jorge Maravilha’ faz um deboche com o então general-presidente Ernesto Geisel, cuja filha era fã declarada de Chico: “Tem nada como um tempo após um contratempo / O meu coração / E não vale a pena ficar / Apenas ficar / Chorando, resmungando / Até quando não, não / E como já dizia Jorge Maravilha / Prenhe de razão / Mais vale uma filha na mão / Do que dois pais voando / Você não gosta de mim / Mas sua filha gosta / Você não gosta de mim / Mas sua filha gosta ...” (Julinho da Adelaide, isto é, Chico Buarque, 1979.)

Autor ou coautor de, entre outras, ‘A Banda’, ‘Sabiá’, ‘Luciana’, ‘Apesar de Você’, ‘Cálice’, ‘Canção para a Unidade da América Latina’, ‘Caro Amigo’, ‘João e Maria’, ‘Construção’, ‘Calabar’, ‘Funeral de um Lavrador’, ‘Gente humilde’ e ‘Ópera do Malandro’. Genial e criativo, Chico fez parceria com compositores igualmente brilhantes, como Gilberto Gil, Milton Nascimento, Ruy Guerra, Edu Lobo, Carlos Lyra, Toquinho, Pablo Milanés, Sivuca, Garoto, Vinicius de Moraes, Tom Jobim e João Cabral de Melo Neto.

Musicou o poema (na verdade, toda a peça de Melo Neto) ‘Funeral de um lavrador’, que desde o início é melancólica: “Esta terra em que estás / Com palmos medida / É a conta menor que tiraste em vida / É a conta menor que tiraste em vida / É de bom tamanho / Nem largo nem fundo / É a parte que te cabe deste latifúndio / É a parte que te cabe deste latifúndio ...” Pôs letra em uma música trinta anos mais velha, a pedido de seu autor, Sivuca, que ele chamou de João e Maria: “Agora eu era o herói / E meu cavalo só falava inglês / A noiva do cowboy / Era você além das outras três / Eu enfrentava os batalhões / Os alemães e seus canhões / Guardava o meu bodoque / E ensaiava o rock para as matinês ...”

‘Apesar de Você’ e ‘Cálice’ (esta em parceria com Gilberto Gil) se converteram em verdadeiros hinos à liberdade: “Hoje você é quem manda / Falou ’tá falado / Não tem discussão, não / A minha gente hoje anda falando de lado / E olhando pro chão, viu / Você que inventou esse estado / E inventou de inventar / Toda a escuridão / Você que inventou o pecado / Esqueceu-se de inventar / O perdão / Apesar de Você / Amanhã há de ser outro dia ...” (Chico, 1978.) “Pai, afasta de mim esse cálice / Pai, afasta de mim esse cálice / Pai, afasta de mim esse cálice / De vinho tinto de sangue / Pai, afasta de mim esse cálice, Pai / Afasta de mim esse cálice / De vinho tinto de sangue / Como beber dessa bebida amarga / Tragar a dor, engolir a labuta / Mesmo calada a boca, resta o peito / Silêncio na cidade não se escuta / De que me vale ser filho da santa / Melhor seria ser filho da outra / Outra realidade menos morta / Tanta mentira, tanta força bruta ...” (Chico Buarque e Gilberto Gil, 1978.)

‘Canção para a Unidade da América Latina’, em parceria com Pablo Milanés, celebra o momento de maior desejo de integração dos nossos povos explorados e separados, pela estratégia colonial, de ‘dividir para dominar’, que se inicia em espanhol e encerra em português: “El nacimiento del mundo se aplazó por un momento / Un breve lapso del tiempo, del Universo un segundo / Sin embargo, parecía que todo se iba a acabar / Con la distancia mortal que separó nuestras vidas / Realizaron na labor de desunir nuestras manos / Y a pesar de ser hermanos nos miramos con temor / Cuando pasaron los años se acumularon rencores / Se olvidaron los amores, parecíamos extraños / Qué distancia tan sufrida, qué mundo tan separado / Jamás hubiera encontrado sin aportar nuevas vidas / Esclavo por una parte, servil criado por la otra / Es lo primero que nota el último por desatarse / Explotando esta misión de verlo todo tan claro / Un día se vio liberado por esta revolución / Esto no fue buen ejemplo para otros por liberar / La nueva labor fue aislar bloqueando toda experiencia / Lo que brilla con luz propia nadie lo puede apagar / Su brillo puede alcanzar la oscuridad de otras cosas / E quem garante que a História é carroça abandonada / Numa beira de estrada ou numa estação inglória / A História é um carro alegre cheio de um povo contente / Que atropela indiferente todo aquele que a negue ...” (Pablo Milanés e Chico Buarque, 1976.)

Filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda (e sobrinho do ‘dono’ do mais importante dicionário brasileiro, o lexicólogo Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, tanto que ‘Aurélio’ virou sinônimo de dicionário), Francisco Buarque de Holanda, ou simplesmente Chico Buarque, compositor e escritor de extraordinária elegância, singular criatividade. Ainda que o ‘jabá’ das gravadoras sertanejas (irmãs siamesas do agro, desgraçadamente) teime em impor uma censura sórdida e tirânica, a MPB (música popular brasileira) e sua obra generosa e crítica existem e resistem graças às raízes do genial Povo Brasileiro. Mas Chico Buarque não ficou só na música, mas fez diversas peças teatrais, como ‘Calabar’ e ‘Ópera do Malandro’, além de ter se dedicado nas últimas décadas a escrever romances, como ‘Estorvo’, ‘Budapeste’, ‘Chapeuzinho Amarelo’, ‘Fazenda Modelo’ e ‘Essa gente’.

Em um País de genialidades ignoradas acintosamente pelos que se julgam ‘donos’ desde os tempos da colonização europeia, dos quais a memória coletiva é refém, ou melhor, foi sequestrada, e certas camadas da população padecem de uma amnésia seletiva, por meio da qual as elites canhestras manipulam os pretensos ‘crasse mé(r)dia’, aqueles que comem farofa e arrotam caviar. Enquanto toda a América hispânica tinha Universidades para a preparação de suas elites (ainda que muitas servis aos interesses coloniais), o país só pôde contar com o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, como edícula do palácio imperial de Dom Pedro II, na terceira década do século XIX (tendo como foco ser uma monarquia, branca, católica e ‘ordeira’), daí por que a população foi privada de sua própria História e de suas raízes culturais.

Mas Chico Buarque coroou sua discografia, em parceria com Ruy Guerra, com ‘Tanto Mar’, em homenagem à Revolução dos Cravos, que pôs fim à ditadura sanguinária de António Salazar, aliado de Adolf Hitler e Benito Mussolini. “Foi bonita festa, pá / Fiquei contente / Ainda guardo renitente / Um velho cravo para mim / Já murcharam tua festa, pá / Mas certamente / Esqueceram uma semente / Em um canto de jardim / Sei que há léguas a nos separar / Tanto mar, tanto mar / Sei também quanto é preciso, pá / Navegar, navegar ...” (Chico Buarque e Ruy Guerra, 1974.)

Realizada a entrega do Prêmio, não por acaso, na véspera do 49º aniversário da Revolução dos Cravos, Lula e Chico Buarque se referiram aos versos de ‘Tanto Mar’ em sua saudação ao altivo Povo Português, que fez da República de Portugal uma nação digna de sua soberania histórica, distante do tempo dos reinos coloniais que ficaram no passado e no saudosismo dos ultradireitistas que, como os daqui, cultuam o atraso, as ruínas e a intolerância a amesquinhar os destinos da humanidade.

Ahmad Schabib Hany

quarta-feira, 19 de abril de 2023

OBRIGADO POR TER EXISTIDO, PROFESSOR JORGE LUIS MARIANO!

Obrigado por ter existido, Professor Jorge Luis Mariano!

Depois de ter resistido a uma doença impiedosa, o Professor Jorge Luis Mazzeo Mariano se eternizou nesta segunda-feira, 17 de abril. Generoso, genial, gentil e solícito, ensinou-nos muito, a despeito de sua brevíssima permanência nesta dimensão, da maneira mais simples, descomplicada, entusiástica e humilde. É assim que seu legado e sua presença viverão em nossas mentes e corações.

Quando tive a honra de conhecer o Professor Jorge Luis Mazzeo Mariano, em 2019, no Campus do Pantanal da UFMS, durante o processo de seleção do Mestrado em Educação, ao lado da Professora Andressa Rabelo e do Professor Fabiano Rücker, ele tinha exatamente a metade de minha idade. Impressionara-me muito sua humildade, sua simplicidade, no relacionamento e, sobretudo, na abordagem dos temas de estudo. Depois de me ouvir longamente, perguntou-me se aceitava sua Orientação e, se sim, se aceitava fazer algumas alterações no anteprojeto apresentado, até porque o contexto histórico que então vivíamos era de negacionismo, obscurantismo e de ruptura institucional.

Foi quando me apresentou uma nova perspectiva, desconhecida por muitos, inclusive por mim, a despeito de meus 60 anos de janela: o processo de afrofeminização da Educação, isto é, como a presença da mulher afrodescendente no desenvolvimento da Educação vem transformando o cotidiano escolar e da própria sociedade. Didático e meticuloso no proceder, consciente de que o novo olhar requeria, além de preparação teórica, uma postura diferente nas atitudes e na compreensão de sociedade, desde logo me integrou ao seu pioneiro Grupo de Estudos e Pesquisas em Histórias e Memórias da Educação (HISMEE), que continuou a coordenar com o competente apoio da Professora Elaine Gomes Ferro, sua Companheira de Vida, enquanto resistia estoicamente à doença voraz que o levou à eternidade.

Generoso, cordial, solícito, competente e de uma humildade ímpar, até desconcertante para quem não está acostumado a conviver com tamanha competência ao lado de tanta espontaneidade. Sem qualquer exagero, um ser humano iluminado e irremediavelmente entusiasta: apesar das adversidades vividas durante o período de desmonte da Educação, da Ciência e Tecnologia e das políticas afirmativas nas relações étnico-raciais e de gênero, sua fé na Vida o fazia contagiar um alento inesgotável, tanto na graduação (conseguia coordenar a graduação em Pedagogia, além das atividades incansáveis no Mestrado em Educação). É como que soubesse que seu tempo era diminuto, ao contrário de sua visão e talento privilegiados, e por isso não parava um instante.

Produzia compulsivamente, sem se descuidar das diversas orientações, fosse na pós-graduação ou na graduação. Além disso, dedicava-se a fazer ilustrações. Num de nossos encontros de Orientação, depois das atividades acadêmicas, me mostrara uma ilustração feita para um evento da Educação na UFMS. Então, revelara-me de sua aptidão de chargista, mas por conta da Academia, deixara para outro momento. Assim como o fato de haver tentado fazer uma graduação em História enquanto fazia as disciplinas do Doutorado na Universidade Federal de São Carlos, tendo sido aluno do querido Amigo e Camarada do Movimento Estudantil da FUCMT, o Professor Amarílio Ferreira Junior. Quando lhe contei que ele era presidente do Diretório Acadêmico Félix Zavattaro no ano em que ingressei no curso de História, quatro décadas antes (e portanto, havia mais tempo que a idade dele), ele se surpreendeu, pois não imaginava que em uma Corumbá tão distante encontraria um contemporâneo de seu Professor no curso de História, que ele precisou interromper ao concluir o Doutorado em Educação.

Relacionava-se com os seus alunos e alunas como um Colega veterano, na ânsia de contagiar seu entusiasmo com as atividades acadêmicas. Em um evento acadêmico, sem saber que conversava com sua Companheira (até então não a conhecia), comentei-lhe sobre minha admiração pela capacidade inesgotável e entusiasmo contagiante do Professor Jorge Mariano, observando que o orientando dele tinha o dobro da idade do Orientador. Mais tarde, ao me apresentar à Professora Elaine, revelei meu comentário a ele, dizendo que era comum que muitos acreditassem que era mais um Aluno no campus de Corumbá.

Meu encontro derradeiro com ele foi quando veio à minha casa e me presenteou com um livro seu com uma dedicatória emocionante (não fazia ideia de que estava se despedindo de nós naquele momento). E o que me deixa imensamente triste é que havia convidado o casal para um almoço que nunca aconteceu, constatação da imprevisibilidade da Vida e, sobretudo, das adversidades que se sobrepõem às nossas vontades e projetos. Generoso como sempre, pediu à Professora Elaine enviar mensagem aos integrantes do HISMEE lamentando não ter havido tempo para uma confraternização, despedida, antes de viajar para realizar o tratamento em São Paulo: nem nos momentos mais renhidos de luta pela Vida não se esquecera das e dos integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisas.

Revelador de sua visão crítica, quem se comunicava com ele pelo WhatsApp se deparava com um trecho emblemático da memorável “Ouro de tolo”, de Raul Seixas (há exatos 50 anos), que, a despeito da linda melodia (e violenta censura), trata-se de uma ácida crítica à futilidade reinante na sociedade de consumo em que vivemos, cheia de ilusórias metas e falsas conquistas: “E você ainda acredita que é doutor, padre ou policial e está contribuindo com a sua parte para o nosso belo quadro social.”

Até sempre, Professor Jorge Mariano! Obrigado por ter existido e ensinado tanto em tão pouco tempo, com entusiasmo e cumplicidade! À Professora Elaine, sua Companheira de Vida, e toda a sua Família, nossos profundos sentimentos. Sua inspiradora presença e seu iluminado legado continuarão em nossas mentes e corações, a forjar novas gerações de educadoras e educadores para a construção de uma sociedade de pessoas emancipadas, críticas e partícipes.

Ahmad Schabib Hany

sábado, 15 de abril de 2023

ACOLHIMENTO, O MELHOR ANTÍDOTO PARA A VIOLÊNCIA JUVENIL

Acolhimento, o melhor antídoto para a violência juvenil

Entrevistada pelo Jornalista Luis Nassif (Canal GGN), a pesquisadora e Professora Telma Vinhas (Unicamp) expõe a violência desde 2002, o crescimento exponencial de atentados a partir de 2018 e propõe como prevenção que os jovens sejam acolhidos e ouvidos antes de serem segregados e criminalizados.

Acolher, respeitar, ouvir e incluir.

Jamais segregar, criminalizar, ignorar e discriminar.

São os passos para derreter o muro da violência que assola a juventude contemporânea, refém das redes nada sociais de pilantras e oportunistas de toda natureza: delinquentes, mercenários, pedófilos, cafetões, psicopatas, sociopatas, misóginos, lgbtqia+fóbicos, racistas, nazifascistas, recalcados, enrustidos e criminosos travestidos de ‘patriotas’, ‘moralistas’, ‘homens de fé’, hipócritas hienas em forma de gente.

A cultura do ódio, do recalque, frustração, misoginia, homofobia, machismo tóxico, necropolítica, nazifascismo e toda a perversa gradiente de ideologias extremistas a ele vinculadas -- entre eles, o sionismo, lavajatismo, neopentecostalismo, kukluxklanismo e a vigarice neoliberal -- estão ligadas umbilical e sintomaticamente ao explosivo e canibal clima, ambiente de intolerância e desrazoabilidade que vêm assolando nossa juventude a partir de 2002, e que no caso do Brasil, há siglas e ‘heróis nus’ revelados, como os da ‘Leva Jeito’, ‘Escola sem Partido’, ‘Vem pra rua’, ‘Movimento Brasil Livre’ e ‘Cançei’ (com cedilha mesmo, pois seus integrantes são tão limitados que sequer têm noção de seu próprio idioma).

Na semana posterior à Páscoa, a pesquisadora e Professora Telma Vinha, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), integrante do Instituto de Estudos Avançados (IdEA), foi entrevistada pelo Jornalista Luis Nassif, do Canal GGN no YouTube, dia 11 de abril, sobre a violência nas escolas. O IdEA tem um diagnóstico detalhado desde 2002 sobre os conflitos dentro das escolas, e como foram ‘jogados’ para baixo do tapete todos estes anos, por meio da indiferença e do apagamento, hoje maior é o problema: requer uma política de mediação de conflitos, de acolhimento dos alunos e das demais pessoas que trazem esses conflitos nas costas, curiosamente invisibilizados pelas autoridades municipais e estaduais todas estas décadas.

Vinha faz uma verdadeira radiografia deste fenômeno em que os piores conceitos de sociedade foram construídos com base no ódio, recalque, culto à hegemonia branca e ao machismo tóxico por meio daquilo que parecia uma revolução cultural e tecnológica propiciada pela internet e suas plataformas e redes sociais nada sociais. O agravamento é fruto da ausência de políticas públicas educacionais em que, mais que repressão, fosse estimulada a promoção da cultura de paz e, sobretudo, de estratégias de adoção de negociação para dirimir conflitos entre os jovens. Isso além do fortalecimento de ações de acolhimento, empatia, protagonismo juvenil e, sobretudo, iniciativas efetivas de estímulo a relações interpessoais não repressivas no ambiente escolar e livres de preconceito e da ausência do diálogo.

Sem dúvida, a criação do Escola Segura, um canal de denúncia pelo Ministério da Justiça (http://mj.gov.br/escolasegura) para centralizar todas as evidências de ataques contra o público escolar (sobretudo estudantil e docente) é estratégico, além da constituição da força-tarefa interministerial para elaborar diagnóstico e um conjunto de propostas de ações (e programas, serviços e políticas permanentes) pelo Governo de Reconstrução Nacional e a edição também pelo Ministério da Justiça de uma nova política nacional de responsabilização das operadoras das redes sociais, a exemplo do que já ocorre contra a pedofilia, para monitorar e restringir plataformas que disseminam mensagens de ódio, de ideologia nazifascista e ‘jogos’ nefastos que desafiam jovens a cometer atentados contra grupos específicos, como escolares, crianças, adolescentes, afrodescendentes e os mais idosos, próprio de uma sociedade acostumada a descartar os mais velhos e mais experientes.

Em síntese, mais que apenas deixar a escola um verdadeiro bunker para censurar o desassossego juvenil, trata-se de resgatar o papel transformador e construtor de novos horizontes para introduzir as tão necessárias mudanças de que tanto os jovens da atualidade anseiam. Como disse certa vez o sempre atual Charles Chaplin: “Mais que de máquinas, precisamos de humanidade.” (‘O grande ditador’, 1940.)

Ahmad Schabib Hany

terça-feira, 11 de abril de 2023

PROFESSOR JOSÉ CARLOS ABRÃO, PRESENTE!

Professor José Carlos Abrão, Presente!

Nesta Sexta-feira Santa, o Professor José Carlos Abrão se eternizou em São Paulo. Pedagogo, Mestre e Doutor pela USP, foi um dos docentes pesquisadores pioneiros do antigo Centro Pedagógico de Corumbá da Universidade Estadual de Mato Grosso, entre 1972 e 1979, quando, depois de criada a UFMS, pediu remoção para o campus de Dourados (base da atual UFGD).

Tomei conhecimento por meio da Professora Kati Caetano, querida docente do saudoso Centro Pedagógico de Corumbá (tempo da Universidade Estadual de Mato Grosso, UEMT), da eternização, nesta Sexta-feira Santa, em São Paulo, do agora saudoso Professor José Carlos Abrão.

Dos primeiros docentes do então recém implantado curso de Pedagogia em Corumbá, o Professor José Abrão formou-se em Pedagogia pela Faculdade de Educação da USP, mesma instituição em que fez Mestrado e Doutorado. Ao lado de sua Companheira de Vida, a Professora Vera Abrão, dedicou-se à estruturação do então CPC e da UEMT, tendo sido um dos mais brilhantes docentes pesquisadores, incumbido, ao lado do Professor Gilberto Luiz Alves e do Professor Valmir Batista Corrêa, da adequação das grades curriculares das licenciaturas à época oferecida pelo campus de Corumbá.

Foi protagonista de iniciativas pioneiras do então CPC, como a da criação da revista acadêmica Dimensão (uma das mais emblemáticas experiências editoriais da UEMT) e a idealização e realização dos SEPEs (os Seminários de Ensino, Pesquisa e Extensão da UEMT, depois UFMS). Também esteve à frente dos primeiros projetos de pesquisa na área da Educação, os quais foram registrados nos congressos nacionais (e, mais tarde, regionais) da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), entre eles o que tratou sobre a habilitação de educadores para a direção de escolas do primeiro grau, de 1974.

Entre 1972 e 1979, período em que esteve no CPC, os cursos de licenciatura do campus corumbaense foram destino de grande número de universitários latino-americanos (sobretudo bolivianos), em especial no curso de Pedagogia. Então, acadêmicos como os também saudosos Professor Caro, memorável diretor do mais antigo Colégio da Província à época denominada de Chiquitanía (hoje Germán Busch), e Professor Jorge Ocampo Claros, renomado educador em Cochabamba e La Paz, tiveram uma formação sólida que os habilitou profissionalmente em seu país. Além disso, um considerável número de corumbaenses e ladarenses que estudaram nesse mesmo período, hoje a maioria aposentada, fez do magistério um ofício emblemático, tornando-se referência para as novas gerações.

Nos primeiros trinta anos do inicialmente Instituto Superior de Pedagogia (cuja sede era no então Grupo Escolar Luiz de Albuquerque, o atual ILA), depois Centro Pedagógico de Corumbá (CPC), mais tarde Centro Universitário de Corumbá (CEUC) e atualmente Campus do Pantanal (CPAN), o papel de vanguarda do campus de Corumbá fazia com que os docentes, a despeito da falta de infraestrutura e de recursos financeiros, realizassem pesquisas pioneiras. Lá estavam, ao lado do Professor José Abrão, os Professores Masao Uetanabaro, Valmir Batista Corrêa, Gilberto Luiz Alves, Lúcia Salsa Corrêa, Edy Assis de Barros, Kati Eliana Caetano, Vera Abrão, José Carlos Françolin, Gisela Angelina Levatti Alexandre, Wilson Ferreira de Mello, Jorge Vancho Panovich, Luiz Carlos Mesquita, Iliane Esnarriaga Sampaio, Edson Machado Nemir, Carlos Alberto Patusco, Salomão Baruki, Lécio Gomes de Souza, José Luiz Finocchio, Octaviano Gonçalves da Silveira Junior, Leonides Justiniano e Wilson Baruki, entre outro(a)s não menos importantes.

Lembro-me com carinho do Professor José Abrão, circulando pelos corredores do então Centro Pedagógico de Corumbá. É que desde 1973 frequentávamos a biblioteca do CPC, ainda secundarista, época em que a querida Amiga Aydê Victório era responsável pelo acervo bibliotecário, por sinal, frequentado por estudantes de todos os educandários de toda a região. Mais de dez anos depois, quando tive a honra de cobrir para o Jornal da Manhã (compartilhando com um querido Amigo o material de cobertura no diário de maior circulação do estado, para que o projeto de curso de Jornalismo entrasse na pauta da UFMS) o VI SEPE, realizado em Corumbá (em meados da década de 1980), pude conhecer melhor, entre outro(a)s, os Professores Wilson Uieda, Arnaldo Yoso Sakamoto, Lupércio Antônio Pereira, Silvina Rosa Pereira, Maria Angélica de Oliveira Bezerra, Iria Hiromi Ishi, Ivã Moreno, João Bortolanza, Renato Nogueira, Eduardo Saboya Filho, Vilma Trindade Saboya, Tito Carlos Machado de Oliveira, Geraldo Damasceno e Ieda Bortolotto.

O Professor José Abrão, ao optar pelo campus de Dourados, contribuiu de modo especial para as bases da futura Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), que virou uma referência entre as universidades públicas de Mato Grosso do Sul. Ao se aposentar, em 1991, decidiu retornar ao seu estado natal, onde trabalhou em instituições públicas e privadas, além de ter atuado como avaliador de cursos de pós-graduação do INEP Anísio Teixeira. Coerente com sua trajetória profissional, em 2005 uma reportagem revelava que o título de doutor perdeu força nas universidades privadas, em que constatava que ele e seus colegas foram demitidos porque custavam mais caro à instituição.

A despeito da discriminação com docentes mais velhos (e mais experientes), continuou a atuar como pesquisador e a compartilhar suas experiências para todos os cantos do país, como quando apresentou na 62ª Reunião Anual da SBPC, realizada em junho de 2010 em Natal, uma comunicação cuja brilhante conclusão, com a qual encerro esta homenagem.

De acordo com Castells é possível passar da situação de legitimação para a conquista de uma identidade de projeto. Esta visão propositiva se enquadra, segundo entendemos, na situação do Avicies. É preciso que se criem algumas condições que possam levar à identidade de projeto. A principal delas, no momento, é iniciar um movimento junto ao Congresso Nacional para reformular a lei 10.861/04 que criou a CONAES (Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior) com 13 elementos e permitir que os Avicies tenham assentos garantidos na CONAES, onde eles, em número bastante representativo, tenham voz e voto para discutir e aprovar diretrizes válidas para o processo de avaliação. Este talvez seja um passo importante a caminho de projeto. Outro ponto que tem interferido nas observações dos avaliadores é o fato de eles terem que levar em conta um modelo único de avaliação (‘referencial mínimo’ para mais ou para menos) sem respeitar as diferenças locais de instituição, de cursos e de currículos, Os referenciais conflitam com a lei. Daí a necessidade de o Avicies fazer parte de um movimento social e político envolvente na busca de uma avaliação sistêmica e emancipatória. Para tanto vale até a utopia: transformar o ciberespaço do BASis no Avatar das forças possíveis!”

Até sempre, Professor José Carlos Abrão! Obrigado por sua incansável luta! Sua memória e seu legado permanecerão no âmago dos milhares de educadores deste país-continente que tiveram a oportunidade de conhecer seus estudos, ainda que estejamos distantes da valorização e do reconhecimento da Educação como estratégia de transformação de uma sociedade excludente, exploradora e preconceituosa.

Ahmad Schabib Hany