sexta-feira, 19 de agosto de 2022

AUGUSTO CÉSAR PROENÇA E A CORUMBÁ DE TODOS OS ABANDONOS

Augusto César Proença e a Corumbá de todos os abandonos

O querido Escritor Augusto César Proença, grande e generoso talento que muito fez por seu torrão natal, está a depender dos amigos, contemporâneos e familiares para desfrutar com dignidade sua terceira idade.

Ao desembarcar na rodoviária em Campo Grande tive a sorte de encontrar um Amigo muito querido do grande e generoso Escritor Augusto César Proença. Abalado com o estado delicado do genial autor de “Pantanal: Gente, tradição e história”, “Corumbá de todas as graças”, “Snack Bar” e “Atrás daquela poeira não vem mais seu pai” (este último, conto premiado pela Rádio França Internacional, virou filme de curta-metragem de sucesso), ele chama a atenção das autoridades locais, amigos, colegas escritores e familiares para o drama pessoal do escritor e intelectual, um corumbaense reconhecido internacionalmente, sensível e muito criativo, cujo estado de saúde faz com que dependa da solidariedade humana para enfrentar a doença e, sobretudo, poder levar uma vida digna e saudável agora que as adversidades desabaram sobre ele.

Proença, esse grande escritor alado, por cujo universo literário tivemos o privilégio de viajar, crescer, nos transformar e nos tornar mais humanos, foi tomado pela solidão e melancolia. Binômio, aliás, que fragiliza seres livres e libertários com grande talento e que, como as gaivotas que sempre procuram os mais ousados voos, os mais distantes destinos, acabam abatidos pelo desencanto. Logo na Corumbá de todos os talentos, de todos os sonhos (no dizer do Professor Valmir Corrêa) e de todas as graças (como ele mesmo escreveu em seu emblemático livro que narra a saga do Padre Ernesto Sassida e sua Cidade Dom Bosco).

Já dizia o igualmente genial e terno compositor, arranjador e Maestro Waldo de los Ríos em uma das composições para a sua Mãe Carmen de los Ríos (creio que para apresentar “Calandria”, de 1974), quando um ser humano acaba levando seu voo para o seu interior corre o risco de não conseguir sair de seu próprio âmago. Não porque quisesse, mas a solidão, inicialmente imposta ao longo de dois anos pela pandemia de covid-19, fez com que as pessoas privilegiadas por sua grande sensibilidade acabassem entrando em processo de introspecção involuntária e é preciso dar suporte para fazer com que elas possam, com dignidade e afeto, voltar ao seu cotidiano de criação e talento -- porque para elas a Vida é fazer exatamente isso.

Augusto César Proença, um grande ser humano e privilegiado por uma sensibilidade e um talento ímpar, não merece ser privado daquilo que para ele é oxigênio, que lhe dá o fôlego para viver. Como todo intelectual, ele precisa estar no circuito cultural em que sempre esteve. Não por acaso esteve durante décadas no Rio de Janeiro e Nova York. A volta dele para Corumbá foi uma decisão madura, no início da década de 1990, como bom filho que à casa torna. Nesse meio-tempo, não só produziu copiosamente, como contribuiu com importantes lutas em favor de nosso patrimônio cultural e histórico e no resgate de importantes aspectos e personalidades esquecidas de nossa cultura.

Corumbá hoje, nesse sentido, está esvaziada, de modo que é preciso criar situações agradáveis, mas breves, em que ele possa interagir com membros da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, com pesquisadores e professores de literatura e artes, com pessoas sensíveis e identificadas com sua obra, bem como Amigos (desses com letra maiúscula) e membros de sua Família, sobretudo. Um intelectual dessa magnitude não pode ser alvo do abandono e da indiferença. É que a Casa de Cultura (ILA), da qual ele foi gestor, não está dinâmica como em passado recente, mas que seja outro espaço cultural: dentro da disponibilidade dele (e das condições de saúde), convidar pessoas, em pequeno número, para visitá-lo e trocar ideias, contar ‘causos’ e proporcionar momentos prazerosos (nada de lembranças tristes) revigora a saúde e a alma alada de nosso querido escritor e intelectual.

Posso dizer que sou testemunha privilegiada dos atos (não de intenções) generosos que ofertou graciosamente à nossa coletividade, com o olhar cosmopolita, sensível e sempre à frente de seu tempo. Augusto César Proença merece, mais que justas homenagens, de um convívio fraternal, cultural e digno para que continue a desfrutar (e nós mesmos) de sua genialidade superlativa, que por sua infinita humildade as pessoas em Corumbá não tiveram condições de aquilatar. Quando ele ainda caminhava, com visível dificuldade, pelo centro de Corumbá, as pessoas não se davam conta da grandeza de ser humano com quem compartilhavam aquele espaço, tempo e história. Diferente de nós com a nossa insignificância, Augusto César Proença foi, é e será lido e estudado nos próximos séculos por gerações e gerações por meio de suas geniais obras literárias.

Pessoas como Augusto César Proença nasceram para brilhar (e com o seu brilho nos iluminar), não para serem confinadas ao abandono, ao esquecimento. Basta dizer que em sua juventude esteve nos círculos iluminados de M. Cavalcanti Proença, seu Padrinho literário, e outros grandes seres humanos que, como dádiva, a Natureza generosamente ofertou para toda a humanidade. Corumbá, hoje ameaçada pela perda dos cursos de Letras (Espanhol e Inglês), um dos mais antigos cursos universitários, com 54 anos de existência, não pode se dar ao ‘luxo’ de ser indiferente com um dos maiores homens de letras vivos em nosso estado (e, quiçá, do Brasil).

Mestre, baluarte de arte e cidadania, este querido Amigo e Companheiro de incansáveis jornadas cidadãs (desde 1991), ao lado do igualmente querido Menestrel da Cidadania Balbino G. de Oliveira, tem a sua generosa e iluminada existência lastreada do mais sagrado elemento não material -- a amálgama inesgotável de talento e humildade -- com o qual fertiliza, fecunda, nossos sombrios e nada generosos tempos de sórdido desalento que ameaça o porvir da humanidade.

Alvíssaras, alvíssaras: temos Augusto César Proença e seus confrades para oferecer o alimento da alma, que são as letras, letras com sentido de Vida, sensibilidade e talento único generosamente compartilhado.

Ahmad Schabib Hany

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