Augusto
César Proença e a Corumbá de todos os abandonos
O querido Escritor Augusto César
Proença, grande e generoso talento que muito fez por seu torrão natal, está a
depender dos amigos, contemporâneos e familiares para desfrutar com dignidade sua
terceira idade.
Ao desembarcar na rodoviária em Campo
Grande tive a sorte de encontrar um Amigo muito querido do grande e generoso
Escritor Augusto César Proença. Abalado com o estado delicado do genial autor
de “Pantanal: Gente, tradição e história”, “Corumbá de todas as graças”, “Snack
Bar” e “Atrás daquela poeira não vem mais seu pai” (este último, conto premiado
pela Rádio França Internacional, virou filme de curta-metragem de sucesso), ele
chama a atenção das autoridades locais, amigos, colegas escritores e familiares
para o drama pessoal do escritor e intelectual, um corumbaense reconhecido
internacionalmente, sensível e muito criativo, cujo estado de saúde faz com que
dependa da solidariedade humana para enfrentar a doença e, sobretudo, poder
levar uma vida digna e saudável agora que as adversidades desabaram sobre ele.
Proença, esse grande escritor alado,
por cujo universo literário tivemos o privilégio de viajar, crescer, nos
transformar e nos tornar mais humanos, foi tomado pela solidão e melancolia. Binômio,
aliás, que fragiliza seres livres e libertários com grande talento e que, como
as gaivotas que sempre procuram os mais ousados voos, os mais distantes
destinos, acabam abatidos pelo desencanto. Logo na Corumbá de todos os
talentos, de todos os sonhos (no dizer do Professor Valmir Corrêa) e de todas
as graças (como ele mesmo escreveu em seu emblemático livro que narra a saga do
Padre Ernesto Sassida e sua Cidade Dom Bosco).
Já dizia o igualmente genial e terno
compositor, arranjador e Maestro Waldo de los Ríos em uma das composições para
a sua Mãe Carmen de los Ríos (creio que para apresentar “Calandria”, de 1974),
quando um ser humano acaba levando seu voo para o seu interior corre o risco de
não conseguir sair de seu próprio âmago. Não porque quisesse, mas a solidão,
inicialmente imposta ao longo de dois anos pela pandemia de covid-19, fez com
que as pessoas privilegiadas por sua grande sensibilidade acabassem entrando em
processo de introspecção involuntária e é preciso dar suporte para fazer com
que elas possam, com dignidade e afeto, voltar ao seu cotidiano de criação e
talento -- porque para elas a Vida é fazer exatamente isso.
Augusto César Proença, um grande ser
humano e privilegiado por uma sensibilidade e um talento ímpar, não merece ser
privado daquilo que para ele é oxigênio, que lhe dá o fôlego para viver. Como
todo intelectual, ele precisa estar no circuito cultural em que sempre esteve. Não
por acaso esteve durante décadas no Rio de Janeiro e Nova York. A volta dele
para Corumbá foi uma decisão madura, no início da década de 1990, como bom
filho que à casa torna. Nesse meio-tempo, não só produziu copiosamente, como
contribuiu com importantes lutas em favor de nosso patrimônio cultural e
histórico e no resgate de importantes aspectos e personalidades esquecidas de
nossa cultura.
Corumbá hoje, nesse sentido, está
esvaziada, de modo que é preciso criar situações agradáveis, mas breves, em que
ele possa interagir com membros da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, com
pesquisadores e professores de literatura e artes, com pessoas sensíveis e
identificadas com sua obra, bem como Amigos (desses com letra maiúscula) e
membros de sua Família, sobretudo. Um intelectual dessa magnitude não pode ser
alvo do abandono e da indiferença. É que a Casa de Cultura (ILA), da qual ele
foi gestor, não está dinâmica como em passado recente, mas que seja outro
espaço cultural: dentro da disponibilidade dele (e das condições de saúde),
convidar pessoas, em pequeno número, para visitá-lo e trocar ideias, contar ‘causos’
e proporcionar momentos prazerosos (nada de lembranças tristes) revigora a
saúde e a alma alada de nosso querido escritor e intelectual.
Posso dizer que sou testemunha
privilegiada dos atos (não de intenções) generosos que ofertou graciosamente à
nossa coletividade, com o olhar cosmopolita, sensível e sempre à frente de seu
tempo. Augusto César Proença merece, mais que justas homenagens, de um convívio
fraternal, cultural e digno para que continue a desfrutar (e nós mesmos) de sua
genialidade superlativa, que por sua infinita humildade as pessoas em Corumbá
não tiveram condições de aquilatar. Quando ele ainda caminhava, com visível
dificuldade, pelo centro de Corumbá, as pessoas não se davam conta da grandeza
de ser humano com quem compartilhavam aquele espaço, tempo e história.
Diferente de nós com a nossa insignificância, Augusto César Proença foi, é e
será lido e estudado nos próximos séculos por gerações e gerações por meio de
suas geniais obras literárias.
Pessoas como Augusto César Proença nasceram
para brilhar (e com o seu brilho nos iluminar), não para serem confinadas ao
abandono, ao esquecimento. Basta dizer que em sua juventude esteve nos círculos
iluminados de M. Cavalcanti Proença, seu Padrinho literário, e outros grandes
seres humanos que, como dádiva, a Natureza generosamente ofertou para toda a
humanidade. Corumbá, hoje ameaçada pela perda dos cursos de Letras (Espanhol e
Inglês), um dos mais antigos cursos universitários, com 54 anos de existência,
não pode se dar ao ‘luxo’ de ser indiferente com um dos maiores homens de
letras vivos em nosso estado (e, quiçá, do Brasil).
Mestre, baluarte de arte e cidadania,
este querido Amigo e Companheiro de incansáveis jornadas cidadãs (desde 1991),
ao lado do igualmente querido Menestrel da Cidadania Balbino G. de Oliveira, tem
a sua generosa e iluminada existência lastreada do mais sagrado elemento não
material -- a amálgama inesgotável de talento e humildade -- com o qual
fertiliza, fecunda, nossos sombrios e nada generosos tempos de sórdido desalento
que ameaça o porvir da humanidade.
Alvíssaras, alvíssaras: temos Augusto
César Proença e seus confrades para oferecer o alimento da alma, que são as
letras, letras com sentido de Vida, sensibilidade e talento único generosamente
compartilhado.
Ahmad
Schabib Hany
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