quarta-feira, 31 de agosto de 2022

UMA PEQUENA CONTRIBUIÇÃO SOBRE O DEBATE NA BAND (Prof. Amarílio Ferreira Junior)

Uma pequena contribuição sobre o debate na Band

Nota do querido Companheiro Professor Amarílio Ferreira Junior, docente-pesquisador aposentado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), ex-presidente do Diretório Acadêmico Félix Zavattaro (DAFEZ) quando, em 1979, eu ingressava no curso de História da FUCMT (hoje UCDB) e tive a honra de tê-lo como um dos mestres na luta pela democratização nos idos da década de 1980.

Bom dia, Pessoal... Uma pequena contribuição sobre o debate na Bandeirantes:

1. Ontem, a grande vencedora do debate foi a democracia brasileira, que vem sendo atacada violentamente desde 2016. O ovo da serpente começou a ser chocado em 2013.

2. O golpe de Estado tão desejado pelo Bolsonaro ficou ainda mais distante depois de ontem. Está cada vez mais virando um “sonho de verão”. A direita fascista ficou mais isolada depois de ontem.

3. A chamada "terceira via" cresceu ontem, notadamente em função do desempenho da Simone. Ela é um Collor de saias melhorada. Embusteira e mentirosa porque escondeu o seu neoliberalismo com uma retórica "em defesa dos pobres". Eu a conheço muito bem, foi minha aluna no cursinho (ela fez direito na UFRJ). Vem de uma família elitista de MS. O pai apoiou a ditadura militar até a reforma política de 1979, quando deixou a ARENA e se filiou ao PMDB. Foi prefeito biônico de Três Lagoas, então "área de segurança nacional" (por causa da hidrelétrica formada pelo Complexo de Urubupungá).

4. Depois de ontem ficou mais difícil Lula ganhar no primeiro turno, pois o debate reforçou os eleitores tanto de Simone como de Ciro.

5. Se a chamada "terceira via" saiu fortalecida do debate de ontem, o problema estrutural perdura: para onde Ciro e Simone irão crescer? Para cima dos eleitores de Lula? Vão "roubar" votos do Bolsobaro? Não acredito em nenhuma dessas duas possibilidades. Portanto, por conta da divisão que existe no seu interior, a "terceira via" vai continuar vivendo a falta de "espaço político e social" para crescer, mas vai impedir o Lula de ganhar no primeiro turno (o Ciro corre o sério risco de ser ultrapassado pela Simone).

6. Aqui uma observação sobre o feminismo, eu acho que depois de ontem muitas feministas irão migrar os seus votos para a Simone, a candidata que representa os interesses financeiros da Faria Lima. O debate de ontem mostrou os limites ideológicos do feminismo: uma fração da direita neoliberal brasileira também é, hoje, feminista como nos EUA ou no Reino Unido. Temos que pensar sobre isso, pois esse feminismo de direita chegou para ficar nas "terras brasílicas".

7. Quem ganhou e quem perdeu: o Bolsonaro foi o grande derrotado da noite. Simone e Ciro saíram fortalecidos. Lula ficou onde está, ou seja, liderando as pesquisas. Ele foi o candidato que demonstrou duas coisas: experiência e histórico de bons governos para os pobres, de um lado; e do outro, o candidato do bom-senso quando respondeu, por exemplo, sobre a paridade entre homens e mulheres nos ministérios.

8. Lula não desistiu do PDT, com ou sem o Ciro. E isso é importante. Provavelmente o Ciro ficará isolado depois das eleições (destino: Avenue des Champs-Élysées). Escolheu um caminho sem volta.

9. Ciro, ontem, fez tabelinha como candidato do Novo, que foi quem mais expressou o programa neoliberal selvagem. Estado mínimo é loas ao "todo poderoso mercado". O d'Ávila se revelou mais "perigoso", neste aspecto, do que o próprio Bolsonaro.

É isso...

Amarilio Ferreira Jr.

NOVIDADE REQUENTADA

Novidade requentada

No debate dos presidenciáveis na Band, Lula demonstrou humildade e parcimônia, mesmo com as ofensas insidiosas de todos os candidatos presentes, sobretudo de Ciro, cada vez mais à direita (de fazer Brizola revirar no túmulo), e da dupla nem tão sertaneja Simone e Soraia, amiguinhas do inominável entre 2018 e 2020 (e ainda aliadas dos aliados dele).

Não é de surpreender que os mesmos que endeusaram aquele juiz de primeira instância de Curitiba -- lembram-se dele? -- e foram às ruas pedir o impeachment de Dilma (a primeira mulher eleita e reeleita para a Presidência da República) e em seguida comemorar a prisão de Lula em abril de 2018 (ano da eleição do inominável) sejam os mesmos a se apresentar como novidade. A velha política sempre utilizou o ‘novo’, tanto é que tem até um partido com esse nome, mas cuja prática se remete ao século XIX, tempo do liberalismo econômico, quando os direitos sociais, trabalhistas, coletivos e difusos ainda não haviam sido consignados no arcabouço jurídico das nações chamadas ‘civilizadas’.

No estado em que nasceu o ‘sertanejo universitário’, a dupla Simone e Soraia não pode se declarar novidade. A primeira, ungida de uma ‘terceira via’ que não decola, e a segunda, trazida de última hora para substituir Luciano Bivar e não deixar o juizeco sair candidato, a pedido de alguém. Ambas, no entanto, estiveram granjeando votos para o inominável em 2018 e participaram de sua bancada conservadora. Em embates decisivos, as duas votaram com o (des)governo, hoje em processo de dissolução, e agora tentam requentar, digo, maquiar, sua postura antipovo, segundo estratégia de marqueteiros ‘feministas’ e muito ‘sensíveis’ à temática social, como a fome, a exclusão social e o desemprego. Haja estômago!

A despeito de todos os seus méritos, a senadora Simone Tebet -- filha de Ramez Tebet, ex-arenista, ex-deputado estadual constituinte, ex-vice-governador, ex-governador, ex-senador, ex-presidente do Senado e ex-ministro da Justiça --, ela tenta esconder o fato de ter sido vice-governadora de André Puccinelli, integrante da bancada ruralista (e em seu estado, Mato Grosso do Sul, interlocutora dos invasores de terras indígenas: seu marido, um obscuro deputado estadual, foi importante membro da CPI que tentou criminalizar o CIMI, Conselho Indigenista Missionário, órgão da CNBB voltado para a defesa dos direitos dos povos originários), tendo votado a favor de todas as medidas que retiraram direitos dos trabalhadores desde que Michel Temer instituiu uma série de medidas antipopulares e antinacionais.

O saudoso Doutor Ulysses Guimarães, democrata a toda prova e apreciador do velho e bom debate, costumava dizer que não há política sem um bom ringue -- referindo-se às estratégias habituais nos debates, ele que nos embates da primeira eleição presidencial foi uma das maiores vítimas, por conta dos desmandos de seu ‘correligionário’ forçado, o então presidente José Sarney, um dos patrocinadores do Centrão durante a Assembleia Nacional Constituinte (por meio de seu aliado, Roberto Cardoso Alves, Robertão, que entrou para a história com seu bordão ‘é dando que se recebe’), e adversário declarado do Senhor Diretas, a ponto de ter sido flagrado articulando a candidatura natimorta de Sílvio Santos para dar uma rasteira no candidato da famiglia Marinho, Fernando Collor de Mello.

E, voltando ao contexto atual, não é preciso ser analista político para ver a arena armada, tipo ‘todos contra Lula’, no debate promovido pela Band (em parceria com a Folha de S.Paulo, TV Cultura e UOL), domingo, 28 de agosto. O primeiro golpe de desmoralização contra o ex-presidente partiu de ninguém menos que do inominável, que, como guri borrado, já adentrou ao estúdio fazendo suas estripulias de miliciano de carteirinha: primeiro, que não iria apertar a mão de um ‘ladrão’, logo ele que antes de findar seu (des)governo já se blindou todo, decretando ‘sigilo de 100 anos’ a suas contas cabeludas, e, depois, recorrendo a seus subordinados do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), de modo a deixar seu atabalhoado trocador de canivete ‘longe’ do estadista que inseriu o Brasil na sexta economia do planeta.

Mais uma vez, em persuasiva mostra de generosidade e maturidade política, o candidato que presidiu o País por dois mandatos e deixou o cargo com os mais elevados índices de aprovação confirmou sua vocação republicana e seu inarredável compromisso com a sociedade brasileira. Foi sua generosidade que, na primeira provocação do inominável, o fez esboçar um sorriso e preferiu se dirigir ao público telespectador para falar sobre as medidas de combate à corrupção implantadas em seu governo. Sem ódio, rancor, mágoa ou recalque, na segunda provocação, quando foi chamado de ‘presidiário’ (esqueceu-se o ‘impoluto’ que ele mesmo ficou encarcerado na caserna por atitudes nada ortodoxas, análogas às de terrorismo), Lula preferiu lembrar o público que ele havia deixado as reservas do Tesouro Nacional em um patamar inédito na história do Brasil, além de não baixar qualquer decreto para manter em sigilo de 100 anos as contas de seu governo.

Enfim, Lula, do alto de sua maturidade, entende que o jogo democrático não seja um conflito cruento, em que se jogue ‘tudo ou nada’. Não foi ao debate para procurar mais brilho que seus adversários, jamais inimigos. Disse isso claramente a Ciro Gomes quando respondeu a uma pergunta capciosa. Com o desprendimento de quem está de bem com a Vida, foi quase paternal com seu ex-ministro da Integração Regional (isso no tempo em que Ciro era PPS, pois nisso Ciro também se parece ao inominável: troca de esposa e de partido como quem troca de camisa), um mau indício de estabilidade pessoal. Veremos se, em caso de um segundo turno, de qual lado estarão todos esses candidatos ‘novos’, o que não será possível é estar ‘em cima do muro’...

Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

O BRASIL TEM LULA. LULA TEM O BRASIL.

O Brasil tem Lula. Lula tem o Brasil.

O País tem jeito. O compromisso é com o povo, não com as hordas ensandecidas que atentam contra o Estado de Direito.

Como há seis anos não se via, o País inteiro se tranquilizou depois de assistir à entrevista do líder das pesquisas de opinião nesta campanha presidencial.

Mais que uma eloquente demonstração de maturidade e competência política, o candidato que já presidiu o País por dois mandatos e deixou o cargo com os mais altos níveis de credibilidade comprovou seu espírito republicano, cujo compromisso é com a sociedade brasileira. E o mais importante: não é movido a ódio ou rancor, mágoa e recalque, como o atual titular, excessivamente instável, além de incompetente.

Sem perder de vista que numa entrevista de televisão o diálogo é com o telespectador, isto é, o público, começou mostrando que em seus dois mandatos anteriores ele não só estruturou a Polícia Federal, como lhe deu total autonomia para desenvolver todas as suas prerrogativas, sem sofrer (aliás, como hoje) as tentativas de ingerência do maior cargo da República.

Lembrou ainda que, com seu espírito republicano, não só nomeou o mais votado da lista tríplice elaborada pelos membros do Ministério Público para a Procuradoria-Geral da República, como instituiu mecanismos de controle e transparência em nível federal para proteger os recursos públicos e combater a corrupção, com orçamento garantido, livre de qualquer toma-lá-dá-cá.

Ao contrário do inominável, fortaleceu as carreiras de Estado, como a Receita Federal, o COAF, a Procuradoria-Geral da República, a Advocacia-Geral da União, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Controladoria-Geral. Todas elas com a devida autonomia e tratamento republicano. Nada de ‘amigos’, pois o Estado precisa se resguardar desse grande mal, muito instrumentalizado, sobretudo, durante o regime de 1964, sob o lema de “aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei”.

Com elegância, soube mostrar que não guarda qualquer rancor ou mágoa daqueles que o perseguiram e comemoraram, como nas arenas romanas, durante a pirotécnica cena de sua prisão em Curitiba. Ao se referir à cambada da Leva Jeito, liderada por um juiz de primeira instância que posava de heroizinho de patrioteiros que hoje nem se incomodam com o tal ‘orçamento secreto’ e o ‘segredo de 100 anos’ a atos suspeitos cometidos por serviçais das hordas antidemocráticas e antinacionais que se julgam acima da lei.

E se há algo inquestionável feito por esse retirante nordestino galgado pela História ao posto de maior estadista do século (comparável a Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek no século XX) são as políticas sociais de reparação, inclusão, promoção e equiparação do ponto de vista dos mínimos sociais e, sobretudo, de geração de trabalho e renda. Além disso, a política desenvolvimentista reeditada entre os anos 2003 e 2014 pelos diferentes governos populares eleitos e reeleitos que consolidaram a soberania tecnocientífica e industrial brasileira, lamentavelmente ceifada pela quadrilha da Leva Jeito, a serviço de interesses inconfessáveis, como acabou explicitada depois que o ‘paladino’ camisa-negra procurou seus amos e senhores na City nova-iorquina.

Até porque, diferentemente de alguns rançosos senhores de engenho -- outros saudosos da senzala e da ditadura que auferiram vantagens inestimáveis durante os 13 anos de fartura (desde juros subsidiados até generosas políticas de financiamento a perder de vista) --, uma expressiva parcela do agronegócio reconhece que esse estadista já deu provas sobejas de que faz política com o cérebro (e não o fígado, como o pobre diabo que tenta desesperadamente tapar o sol com a peneira e recuperar o tempo perdido em delírios mórbidos entre a soberba e a necrofilia). Tanto Blairo Maggi quanto Kátia Abreu, gestores setoriais da política agropecuária desse período, conhecem o céu de brigadeiro com que trabalharam à frente do Ministério da Agricultura.

E o que dizer, então, de sua capacidade de convencimento ao chamado pelos idolatras e saudosistas do regime de 1964 de ‘público interno’? O competentíssimo chanceler Celso Amorim desde há muito vem aparando arestas e mitigando escaramuças decorrentes da morbidez estúpida que tomou conta das instituições depois do apagão cerebral tomou conta do eleitorado e de que desequilibrados vêm instigando as carreiras de Estado, inclusive as Forças Armadas, a embarcar em uma aventura sabidamente extemporânea e fadada ao fracasso. Basta ver a palhaçada feita no Capitólio em 6 de janeiro de 2021, da qual o cafajeste trocador de canivetes Trump não sairá impune.

Em síntese, o Brasil tem Lula. E Lula tem o Brasil. Bem entendido, o Brasil que ama o próximo (e não ‘arma o próximo’); o Brasil que madruga, trabalha e dignifica a maior democracia do hemisfério sul (e não vive das ‘ações entre amigos’ nem das facilidades do tempo da corte); o Brasil da esperança que venceu o medo, que mitigou o ódio e se sobrepôs ao recalque secular dos tempos da sociedade escravocrata e genocida. Sim, o Brasil tem Lula, e Lula tem o Brasil. O estadista que o povo brasileiro revelou para o mundo à luz de Nelson Mandela, Mahatma Gandhi, Desmond Tutu, Martin Luther King e Gamal Abdel Nasser.

Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

AUGUSTO CÉSAR PROENÇA E A CORUMBÁ DE TODOS OS ABANDONOS

Augusto César Proença e a Corumbá de todos os abandonos

O querido Escritor Augusto César Proença, grande e generoso talento que muito fez por seu torrão natal, está a depender dos amigos, contemporâneos e familiares para desfrutar com dignidade sua terceira idade.

Ao desembarcar na rodoviária em Campo Grande tive a sorte de encontrar um Amigo muito querido do grande e generoso Escritor Augusto César Proença. Abalado com o estado delicado do genial autor de “Pantanal: Gente, tradição e história”, “Corumbá de todas as graças”, “Snack Bar” e “Atrás daquela poeira não vem mais seu pai” (este último, conto premiado pela Rádio França Internacional, virou filme de curta-metragem de sucesso), ele chama a atenção das autoridades locais, amigos, colegas escritores e familiares para o drama pessoal do escritor e intelectual, um corumbaense reconhecido internacionalmente, sensível e muito criativo, cujo estado de saúde faz com que dependa da solidariedade humana para enfrentar a doença e, sobretudo, poder levar uma vida digna e saudável agora que as adversidades desabaram sobre ele.

Proença, esse grande escritor alado, por cujo universo literário tivemos o privilégio de viajar, crescer, nos transformar e nos tornar mais humanos, foi tomado pela solidão e melancolia. Binômio, aliás, que fragiliza seres livres e libertários com grande talento e que, como as gaivotas que sempre procuram os mais ousados voos, os mais distantes destinos, acabam abatidos pelo desencanto. Logo na Corumbá de todos os talentos, de todos os sonhos (no dizer do Professor Valmir Corrêa) e de todas as graças (como ele mesmo escreveu em seu emblemático livro que narra a saga do Padre Ernesto Sassida e sua Cidade Dom Bosco).

Já dizia o igualmente genial e terno compositor, arranjador e Maestro Waldo de los Ríos em uma das composições para a sua Mãe Carmen de los Ríos (creio que para apresentar “Calandria”, de 1974), quando um ser humano acaba levando seu voo para o seu interior corre o risco de não conseguir sair de seu próprio âmago. Não porque quisesse, mas a solidão, inicialmente imposta ao longo de dois anos pela pandemia de covid-19, fez com que as pessoas privilegiadas por sua grande sensibilidade acabassem entrando em processo de introspecção involuntária e é preciso dar suporte para fazer com que elas possam, com dignidade e afeto, voltar ao seu cotidiano de criação e talento -- porque para elas a Vida é fazer exatamente isso.

Augusto César Proença, um grande ser humano e privilegiado por uma sensibilidade e um talento ímpar, não merece ser privado daquilo que para ele é oxigênio, que lhe dá o fôlego para viver. Como todo intelectual, ele precisa estar no circuito cultural em que sempre esteve. Não por acaso esteve durante décadas no Rio de Janeiro e Nova York. A volta dele para Corumbá foi uma decisão madura, no início da década de 1990, como bom filho que à casa torna. Nesse meio-tempo, não só produziu copiosamente, como contribuiu com importantes lutas em favor de nosso patrimônio cultural e histórico e no resgate de importantes aspectos e personalidades esquecidas de nossa cultura.

Corumbá hoje, nesse sentido, está esvaziada, de modo que é preciso criar situações agradáveis, mas breves, em que ele possa interagir com membros da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, com pesquisadores e professores de literatura e artes, com pessoas sensíveis e identificadas com sua obra, bem como Amigos (desses com letra maiúscula) e membros de sua Família, sobretudo. Um intelectual dessa magnitude não pode ser alvo do abandono e da indiferença. É que a Casa de Cultura (ILA), da qual ele foi gestor, não está dinâmica como em passado recente, mas que seja outro espaço cultural: dentro da disponibilidade dele (e das condições de saúde), convidar pessoas, em pequeno número, para visitá-lo e trocar ideias, contar ‘causos’ e proporcionar momentos prazerosos (nada de lembranças tristes) revigora a saúde e a alma alada de nosso querido escritor e intelectual.

Posso dizer que sou testemunha privilegiada dos atos (não de intenções) generosos que ofertou graciosamente à nossa coletividade, com o olhar cosmopolita, sensível e sempre à frente de seu tempo. Augusto César Proença merece, mais que justas homenagens, de um convívio fraternal, cultural e digno para que continue a desfrutar (e nós mesmos) de sua genialidade superlativa, que por sua infinita humildade as pessoas em Corumbá não tiveram condições de aquilatar. Quando ele ainda caminhava, com visível dificuldade, pelo centro de Corumbá, as pessoas não se davam conta da grandeza de ser humano com quem compartilhavam aquele espaço, tempo e história. Diferente de nós com a nossa insignificância, Augusto César Proença foi, é e será lido e estudado nos próximos séculos por gerações e gerações por meio de suas geniais obras literárias.

Pessoas como Augusto César Proença nasceram para brilhar (e com o seu brilho nos iluminar), não para serem confinadas ao abandono, ao esquecimento. Basta dizer que em sua juventude esteve nos círculos iluminados de M. Cavalcanti Proença, seu Padrinho literário, e outros grandes seres humanos que, como dádiva, a Natureza generosamente ofertou para toda a humanidade. Corumbá, hoje ameaçada pela perda dos cursos de Letras (Espanhol e Inglês), um dos mais antigos cursos universitários, com 54 anos de existência, não pode se dar ao ‘luxo’ de ser indiferente com um dos maiores homens de letras vivos em nosso estado (e, quiçá, do Brasil).

Mestre, baluarte de arte e cidadania, este querido Amigo e Companheiro de incansáveis jornadas cidadãs (desde 1991), ao lado do igualmente querido Menestrel da Cidadania Balbino G. de Oliveira, tem a sua generosa e iluminada existência lastreada do mais sagrado elemento não material -- a amálgama inesgotável de talento e humildade -- com o qual fertiliza, fecunda, nossos sombrios e nada generosos tempos de sórdido desalento que ameaça o porvir da humanidade.

Alvíssaras, alvíssaras: temos Augusto César Proença e seus confrades para oferecer o alimento da alma, que são as letras, letras com sentido de Vida, sensibilidade e talento único generosamente compartilhado.

Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

A DEMOCRACIA É UM DIREITO, DEFENDÊ-LA É UM DEVER

A Democracia é um direito, defendê-la é um dever

Como em 1977, a sociedade civil organizada e a academia proclamaram a defesa da Democracia. Atentas e em vigília.

O dia 11 de agosto de 2022, tal qual o de 1977, entra para a História como o Dia da Defesa da Democracia. Não houve uma capital, uma universidade pública ou privada, um coletivo organizado, um espaço público que passasse a emblemática data sem reunir cidadãs e cidadãos altivos a proclamar a defesa corajosa da Democracia e o respeito à urna eletrônica -- a mesma, aliás, que amedrontava, “como o diabo foge da cruz”, os facínoras que covardemente prenderam, sequestraram, torturaram, fizeram desaparecer e mataram em nome de uma ‘democracia relativa’ entre 1964 e 1985.

Ainda que os dirigentes das universidades públicas de Mato Grosso do Sul não tivessem se somado ao histórico ato, a inquietude cidadã de alunos, docentes e servidores fizeram a diferença. Em 1977, antes mesmo de ser anunciada unilateral e monocraticamente a partilha de Mato Grosso para ‘esticar’ a bancada da Arena (partido da ditadura) tanto na Câmara de Deputados quanto no Senado Federal, os reitores da época também tinham se omitido de qualquer manifestação em defesa das liberdades democráticas.

Cívica e solenemente, como nas memoráveis manifestações das Diretas-Já, reuniram-se aos milhares cidadãs e cidadãos de diversas idades, gerações, classes sociais, atividades econômicas, categorias profissionais, condições de vida, origens, etnias, raças, gêneros, orientações sexuais, ideologias, convicções filosóficas, denominações religiosas, credos, opiniões, modalidades desportivas e times de futebol. Patrioteiros às favas, mas civismo é isso: é comungar na diversidade, sem vociferar, ofender e disseminar ódio e propalar intrigas, fakenews. Mais uma vez, o Brasil mostrou a sua cara, com coragem e galhardia.

Havia, por acaso, alguma ‘matociata’ a ameaçar? Havia alguma horda a tumultuar? Havia algum torturador a agredir? Não. Sem capuz nem rostos cobertos, cidadãs e cidadãos, livre e espontaneamente, decidiram defender o que há de mais sagrado em uma Nação constituída de pessoas que conhecem cada passo galgado para erigir um Estado digno de ser Democrático de Direito -- fruto do sacrifício e da luta abnegada de brasileiros que deram os melhores dias e o melhor de si para que vivêssemos a plenitude democrática.

O modesto Observatório da Cidadania Dom José Alves da Costa, no coração do Pantanal e da América do Sul, não deixou de se somar à manifestação histórica e, por meio de plataforma digital, reuniu alguns de seus integrantes para estar em rede durante o ato de proclamação da vigília em defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito, quando foi lida a Carta às Brasileiras e Brasileiros, com quase um milhão de adesões, a exemplo do que foi protagonizado pelo saudoso Professor Goffredo da Silva Telles Junior em 1977, ano em que se comemorava o Sesquicentenário dos Cursos Jurídicos no Brasil.

E não interessa o deboche do inominável sobre as eloquentes manifestações em defesa e respeito dos valores democráticos duramente erigidos ao longo das últimas décadas. Fica evidente sua postura ignóbil e isolada, própria de quem nunca comungou dos generosos sonhos e inesgotáveis lutas por uma sociedade mais justa, livre e solidária. Até porque não são poucas as constatações nítidas, antes e depois de 2019, de seu desprezo pelo Estado Democrático de Direito, pelas instituições de Estado que velam pelos cânones da Carta Magna e, sobretudo, pelas políticas públicas sociais de promoção, proteção e reparação social, cujos órgãos gestores foram criminosamente alvo de toda sorte de atentados, do desmonte até o esvaziamento institucional e estrangulamento orçamentário ao longo de um mandato antipovo e antinacional.

Ante a afronta de saudosos, viúvos e órfãos da (mal)ditadura, corajosa e altivamente a sociedade civil organizada e a academia proclamaram a defesa intransigente da Carta Constitucional de 1988, fruto da histórica e emblemática mobilização que escreveu nova página de nossa História. A partir de então, Democracia são as eleições diretas, livres e universais com os direitos inalienáveis à alimentação, à saúde, à educação, à assistência social, à dignidade, à cultura, à equidade, ao ambiente protegido e saudável, à inclusão, ao emprego e trabalho, à formação profissional, à proteção social, à seguridade social, à segurança pública, à promoção desportiva, à defesa dos direitos da população infanto-juvenil e da terceira idade, à liberdade de orientação de gênero, à liberdade de culto religioso, ao respeito pelas populações originárias, tradicionais e afrodescendentes, ao direito de moradia digna, ao acesso equitativo de oportunidades, ao enfrentamento das vulnerabilidades sociais e econômicas, o combate ao racismo estrutural e, sobretudo, ao efetivo direito de ir e vir com integridade nas periferias e nas comunidades, bem como a preservação do patrimônio histórico e cultural, material e imaterial, da população toda, como garantia de afirmação das identidades, e o desenvolvimento científico-tecnológico para assegurar a soberania nacional e popular em todas as dimensões.

Atentos e em vigília, os mais amplos setores da sociedade civil reiteram com maturidade e compromisso inarredável com os valores e as instituições democráticas que asseguram o funcionamento efetivo, pleno, do Estado, em especial com os mais vulneráveis deste país-continente que em menos de 30 dias celebrará seu bicentenário de Independência num processo incessante e crescente de empoderamento da cidadania. Se isso desagrada uns bizarros seres desconectados da contemporaneidade, são outros quinhentos. O fato é que, como nunca, capital e trabalho estiveram lado a lado para proclamar e resistir às incessantes investidas fascistas contra o nosso bem maior. A Democracia é um direito, e defendê-la é um dever.

Ahmad Schabib Hany

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

NA TERRA DE MANOEL DE BARROS COMO NÃO TERMOS LETRAS?

Na terra de Manoel de Barros como não termos Letras?

O Poeta Manoel de Barros mal se eternizou e a cidade que povoou seu fértil imaginário na infância pode abrir mão do curso de Letras (Espanhol / Inglês)? Ainda mais, fazendo fronteira com a Bolívia e o Paraguai, dois países hispanofalantes? O que está por trás desse projeto de ‘suspensão temporária’ do ingresso de novas turmas de alunos, atribuída à necessidade de preservar o nível das licenciaturas?

Era março de 1978 quando adentrei a uma sala de aula do bloco C da atual Unidade 1 do então Centro Pedagógico de Corumbá da Universidade Estadual de Mato Grosso (CPC / UEMT) para assistir à primeira aula do primeiro semestre da licenciatura em Letras. As aulas, de 50 minutos, eram vespertinas, com início às 13 horas, e o titular da disciplina de Linguística I era o Professor José Carlos Françolin, que não demorou muito para se tornar um verdadeiro Amigo -- jovem, vindo do interior de São Paulo, colocava-se à disposição de todos os alunos para sanar as muitas dúvidas em razão do ineditismo da ementa para recém-saídos do à época segundo grau profissionalizante.

Embora ainda vivêssemos os anos de chumbo do regime de 1964 -- eu mesmo, havia menos de quatro anos, perdido, em circunstâncias nunca esclarecidas, meu Irmão mais velho, aluno dos últimos semestres de Psicologia --, o então CPC era um ambiente de excelência, de fazer inveja aos congêneres de Aquidauana, Dourados, Três Lagoas e até de Campo Grande, que se preparava para se tornar sede de governo do novo estado. Referência nas licenciaturas, os docentes do CPC iam aos recônditos do Mato Grosso uno ministrar cursos compactos e permitir a formação acadêmica de professores até então leigos, bem como aproximadamente 20% das vagas eram oferecidas a estudantes de convênio cultural oriundos da Bolívia e de outros países, inclusive Cabo Verde, na África.

Assim como a licenciatura de História dispunha do emblemático Centro de Estudos Históricos Ricardo Franco, a de Letras tinha um centro embrionário de Linguística, cujos desdobramentos não pude acompanhar por ter-me mudado para Campo Grande em fins de 1978, véspera da instalação da ‘Nova Cap’, no dizer de um dos ex-docentes, o Professor Octaviano Gonçalves da Silveira Junior, que para lá se mudara dois anos antes. Além do Professor Françolin, tínhamos a Professora Kati Eliana Caetano (que naquele semestre tirara licença-maternidade), a Professora Maria Auxiliadora Puccini, o saudoso Padre João (que nos dava as memoráveis aulas de Latim, e no Santa Teresa era o titular de Física, um gentleman), a Professora Wilma Teixeira e a Professora Angélica Baruki.

A querida Marlene Terezinha Mourão (nossa Peninha) e o saudoso Seu Hélio eram do Multimeios, setor responsável pela gestão do equipamento de apoio para as aulas, como retroprojetor, fotocópia e aparelho de som. Na biblioteca, que depois ganharia o nome do Poeta Manoel de Barros, a titular era a querida Haidê, que mais tarde passou no concurso do Banco do Brasil e deixou a UEMT. Num tempo em que não havia internet, a biblioteca era disputada por todos -- afinal, o acervo bibliográfico era extraordinário e os jovens ávidos de conhecimento passavam horas para fazer o fichamento de capítulos inteiros para apresentar nos seminários.

Não posso deixar de reconhecer que foi no breve período em que enveredei no universo de Letras do CPC que tive conhecimento do extraordinário Poeta Manoel de Barros. A então jovem estudante Heloísa Helena da Costa Urt, nossa querida e saudosa Helô, havia ajudado na preparação da Semana de Letras e um dos pontos altos fora a obra do eterno lapidador de versos e fidedigno intérprete da complexa simplicidade humana. Nessa época os cursos de Letras e História eram os que detinham a vanguarda do movimento estudantil, não por acaso a Helô foi uma memorável dirigente do aguerrido Diretório Acadêmico Dom Aquino Corrêa (DADAC).

Mesmo cursando História em Campo Grande, em toda vinda a Corumbá, por breves dias, acompanhava as intensas atividades dos cursos de História e Letras. Uma das iniciativas memoráveis foi o Seminário de Ensino Pesquisa e Extensão (SEPES), em que a obra de Manoel de Barros foi um dos principais temas na área de Letras, em sua edição de 1984. Não foram poucos os estudos desenvolvidos sobre o emblemático ‘conterrâneo’ cuja infância fértil foi fecundada com a exuberância pantaneira (as aspas decorrem do fato de ele ter nascido em Cuiabá e na idade adulta ter fixado residência em Campo Grande).

Mais tarde, em fins da década de 1990, quando o Professor João Bortolanza desenvolveu um projeto de extensão em que eram oferecidos cursos de idiomas à comunidade, tive a oportunidade de testemunhar a amplitude do curso e o impacto social obtido por uma aparentemente simples iniciativa: o curso de Letras, então, teve oportunidade de sediar um evento único no Brasil com o hoje saudoso poeta mexicano Moisés Rodríguez Patiño, cuja obra bilíngue foi editada e lançada em Corumbá, a “Dama Misteriosa”, em 1998. Discentes da UFMS e de algumas escolas públicas locais interpretaram alguns poemas e o querido Amigo-Irmão Aníbal Carlos Monzón, na época um dos professores do curso de extensão em Espanhol, se incumbiu da produção da noite de lançamento do livro.

Quando de minha passagem pelo CPAN como professor substituto de História, entre 2014 e 2016, tive a grata experiência de ministrar a disciplina de Educação para as Relações Étnico-Raciais a alunos de Letras, além da sorte de reencontrar um querido Amigo-Irmão da década de 1980 -- o Professor Doutor Julio Xavier Galharte, também substituto (apesar do doutorado e da inquietude genial) --, que generosamente me proporcionou a memorável oportunidade de participar de um colóquio sobre a obra de Manoel de Barros e que se transformou na magistral obra “Baú de Barro(s): ensaios sobre a poética de Manoel de Barros” (Pontes Editores, 2019).

Antes de encerrar meu contrato com a UFMS, apresentei dois projetos de extensão para contribuir de alguma forma para a valorização do curso de História (ao qual era vinculado), mas que pode ser adaptado a todos os cursos de licenciatura (e até a alguns bacharelados), bem como para o reconhecimento do próprio CPAN como instituição pública e gratuita para a formação profissional de excelência. Passados seis anos, além de não ver qualquer iniciativa constante desses projetos (ou mesmo outras com igual objetivo), pasmamo-nos com uma decisão questionável, desvinculada de qualquer debate transparente com a população por meio da sociedade organizada, nos diferentes segmentos sociais e econômicos. Até por se tratar de uma instituição pública que precisa interagir com a coletividade para a qual se destina, de modo articulado e público.

Daí a indagação, que me permito com certa dose de indignação: por que suspender o ingresso de novas turmas de alunos do curso de Letras (Espanhol / Inglês) na cidade em que Manoel de Barros passou a infância e povoou seu fecundo imaginário? Na terra de Lobivar de Matos, Pedro de Medeiros, Renato Báez, Rubens de Castro, Augusto César Proença e Marlene Terezinha Mourão, entre outros não menos importantes, que devem ser estudados e conhecidos? Logo na emblemática fronteira com a Bolívia e o Paraguai, dois países hispanofalantes com os quais há uma intensa interação cultural, social e econômica e cuja produção literária de excelência deve ser estudada?

O que, afinal, está por trás de um projeto como esse? Embora se diga o contrário, o fato público e notório é que a suspensão temporária de um curso em nada contribui para sua elevação de nível. Um esplendoroso centro urbano cosmopolita que já perdeu de tudo não pode abrir mão de um dos cursos mais antigos e importantes do Instituto Superior de Pedagogia, de 1968, anterior à criação da Universidade Estadual de Mato Grosso, da qual a UFMS é sucedânea. Sob o argumento de não haver docentes para assegurar nível de excelência, é temerário encerrar por quatro anos o ingresso de novas turmas de alunos, quando há verdadeira liberalidade na remoção de docentes concursados para outros campi, sobretudo Campo Grande, sem a manutenção das vagas originais de docentes do CPAN.

Ahmad Schabib Hany

domingo, 7 de agosto de 2022

DIA SEGUINTE

Dia seguinte

Nem eu mesmo consigo acreditar: no Dia da Independência da Bolívia, quando o Amigo-Irmão Luiz Taques lançava sua mais recente novela e o Neto de meu maior Amigo, Seu Jorge José Katurchi, se casava, tudo aconteceu e consegui chegar depois dos dois momentos históricos, com o testemunho do Mervim, um motorista de aplicativo que se transformou em Amigo e confidente...

Domingo, 7 de agosto de 2022. Compartilho esta reflexão escrita sobre o dia seguinte ao Dia da Independência de um dos países mais saqueados e oprimidos da América Latina, ao som do áudio da saudosa parceria Nilo Soruco - Óscar Alfaro [o primeiro, reconhecido músico, e o segundo, respeitado poeta, ambos bolivianos], generosamente enviada pelo Amigo-Irmão Juvenal Ávila de Oliveira, um dos integrantes da geração de ouro da comunicação (do jornalismo, radiofonia e cultura) em Corumbá.

No mesmo dia em que o Amigo-Irmão Luiz Taques me informou sobre o lançamento, por iniciativa do Amigo-Irmão Arturo Ardaya, de seu mais recente livro (a novela em que a impactante Dolores é a envolvente protagonista), o querido José Katurchi (Neto do querido Amigo e incansável Companheiro de inúmeras ações do Pacto pela Cidadania, Seu Jorge José Katurchi) me entregava o convite de seu casamento, dia 6 de agosto de 2022, sábado solene. Como nunca, me preparei para esse dia triplamente emblemático.

Só que não. Um conjunto de situações inusitadas, indescritíveis, se apresentou desde a véspera do sábado solene. Obrigações de estudante extemporâneo, de revisor de texto açodado e, sobretudo, de um pai babão, que não consegue se desligar de seus rebentos, hoje já adolescentes... Mas a responsabilidade é exclusiva e intransferivelmente deste aprendiz de cidadão que, por não saber conciliar o tempo, acaba sempre endividado com quem lhe são caros, muito caros.

O fato é que, preocupado em não ‘furar’ com o Avô dos nubentes, Amigo verdadeiras aventuras (no melhor sentido) cidadãs, ligo para o Seu Jorge Katurchi que me faz gelar, como num banho de água fria, que a celebração não era à noite: já havia ocorrido pela manhã, oito da manhã. Nesse momento eu percebi que meu pretensamente atento olhar de revisor já havia claudicado. Delicado e elegante, Seu Jorge fez questão de reiterar nossa Amizade, mas, não consigo até agora equacionar a sensação de frustração nesse compromisso, agradável e benfazejo, pois se trata de um momento feliz na Família, que nos últimos anos viveu perdas irreparáveis.

Da mesma forma, na ânsia de não incorrer na mesma indelicadeza, aliás, imperdoável, agendei a corrida para o local do lançamento do livro do Taques, que, no dia em que chegou a Corumbá, fez questão de dedicar, ao lado da Companheira de Vida e editora Regina Utsumi, um generoso tempo comigo para ter certeza de que iria. Há dias, porém, que até previamente agendado e muito bem planejado não dá certo. Devo ter ficado ao  menos 50 minutos na portaria do condomínio, e nada.

Com receio de não encontrar o casal de Amigos e seu evento organizado por Arturo na Feira BrasBol, quando já passavam das 19 horas, decidi-me a caminhar até uma esquina mais concorrida do bairro, onde encontrei um gentil Amigo que se prontificou a chamar um motorista de aplicativo. Não demorou muito, e nisso chega o Mervim, que tem na atividade um reforço para melhorar o salário de funcionário público estadual. Atencioso, o motorista de aplicativo se desloca rapidamente para a antiga feirinha e me ajuda a localizar o evento, pois o local estava bastante lotado -- afinal, boliviano que se preste ama festar, sobretudo quando se trata do agora chamado de Estado Plurinacional.

Mais de quinze minutos, e nada. Um velho Amigo me advertiu que vira o historiador e Jornalista Nelson Urt com uns livros no entorno do palco instalado por causa do evento. Fomos até lá. Já havia ido embora. Não é primeira vez que tenho um desencontro com o querido Amigo-Irmão Urt. Em novembro de 2016, quando sua saudosa Mãe se eternizara e a querida Professora Marilene Rodrigues estava fazendo a defesa de sua dissertação de Mestrado para em seguida retornar ao Pará, já passara por uma situação terrivelmente parecida, em que conseguira me desencontrar com os dois, o Nelson e a Marilene. Pois a experiência, felizmente em clima alegre, ocorrera de forma análoga: eu mesmo o furão.

Não mais me resta pedir e reiterar meu pedido de desculpas pelo furo. Não adianta dizer que foi contra a minha vontade, pois o fato óbvio e ululante, como diria outro Nelson, no caso, Rodrigues, é que nos dois momentos simplesmente não cheguei, não estive. Aos Amigos-Irmãos que ficaram, inutilmente, à minha espera, meus sinceros pedidos de perdão. Mas, a rigor, não há nada para reparar o desgaste de não chegar a destino no momento certo e, pior, de fazer os outros esperar à toa. Fazer o quê?

Ahmad Schabib Hany

terça-feira, 2 de agosto de 2022

25 ANOS SEM MÁRCIO NUNES PEREIRA

25 anos sem Márcio Nunes Pereira

O Jornalista Márcio Nunes Pereira, como a adivinhar que seu tempo na Terra era diminuto, fez de seu Ofício um tributo à Cidadania, à Liberdade e, sobretudo, ao Jornalismo combativo e libertário.

Neste 2 de agosto transcorrem os 25 anos sem a combatividade e a irreverência do jovial e incansável Jornalista Márcio Nunes Pereira. Depois de lutar sofregamente contra um câncer traiçoeiro, ele se eternizou numa tarde ensolarada de domingo -- uma semana antes do dia dos pais, ele que tanto amava o Paulinho, seu unigênito, fruto de seu amor com sua única Companheira de Vida, Dona Margareth Matas Pereira. Mesmo impedido de ir à redação do Diário de Corumbá, a três quadras de sua residência, ele acompanhava atentamente as edições de sua razão de ser, com a mesma importância e dignidade, aliás, com que amava a Família.

Era o ano de 1997. Ocaso do segundo milênio, limiar do terceiro. A sociedade civil, em todo o mundo, despertava para o grito uníssono de que a globalização não passava de uma fraude dos herdeiros dos saqueadores que se locupletaram com a cobiça chamada de ‘civilização’, mas que nunca passou de eufemismo, de nome bonito, para a odienta colonização, a mesma que escravizou, que esquartejou, que despojou, que espoliou, que explorou e que dizimou as verdadeiras civilizações existentes além da Europa. O Fórum Social Mundial, com a sua consigna “Um outro mundo é possível”, passava a reunir os movimentos sociais em todo o mundo, e as primeiras edições foram realizadas no Brasil.

Naquele mesmo ano, Paulo Freire, Herbert de Souza e Darcy Ribeiro se eternizaram. Até parece que esses grandes brasileiros, inclusive Márcio Pereira, sacrificaram suas Vidas a fim de assegurar uma transição, uma revolução pacífica, para uma sociedade mais justa, liberta e verdadeiramente democrática. Não demorou muito, no ano seguinte à sua eternização, Mato Grosso do Sul deu uma guinada e, para surpresa dos mais antenados, o governador eleito em 1998 era o até então deputado estadual Zeca do PT. E por pouco o Advogado Carmelino Rezende, ex-presidente da OAB e grande articulador, não se elege senador da República. Foram oito anos de governo popular que abriram caminho neste estado, herança maldita do regime de 1964, para o início de políticas públicas sociais que mudaram a face do Brasil perante o mundo até 2016, quando o golpe travestido de impeachment depôs a primeira mulher eleita e reeleita presidente do Brasil.

Márcio Nunes Pereira tinha o Jornalismo em seu DNA, pois o Pai, dono de um texto apurado e que a vida toda exercera o sagrado Ofício como assalariado em diversos jornais do então Mato Grosso uno, ao final da Vida decidira não mais escrever o que agradava aos seus patrões, inclusive os membros da UDN (União Democrática Nacional), que em Corumbá detinham o controle da linha editorial do até então mais antigo e conservador diário em circulação, O Momento, para fundar o Diário de Corumbá, “matutino noticioso e independente”, em 1969. As crônicas elegantes de ‘Tia Fifina’, por anos a principal atração das edições do jornal, eram dele, do saudoso Jornalista Carlos Paulo Pereira, fundador e primeiro diretor do emblemático diário da Rua Antônio João, no centro, ao lado da Torrefação e Moagem de Café São Paulo.

Em sua breve existência, de apenas 42 anos, Márcio não só era caracterizado pelo faro apurado de repórter incansável, combatividade, irreverência e coragem, muita coragem, mas um coração do tamanho dele, com sua estatura de atleta de basquete. Desde os tempos de jovem rebelde, quando acompanhou o então jovem cunhado Roberto Hernandes, Jornalista e radialista que também marcou época não só em Corumbá como em Campo Grande por décadas a fio. Antes de assumir a direção do Diário de Corumbá, em 1984, Márcio foi sócio de Roberto Hernandes no A Gazeta, sediado num prédio solene (e centenário) situado à rua Sete de Setembro, quase esquina com a Treze de Junho, em frente do escritório de advocacia do saudoso Advogado Joilce Viegas de Araújo, grande Amigo e defensor incansável do querido e saudoso Márcio Nunes Pereira.

Nestes 25 anos de saudades, muitas transformações tecnológicas foram processadas no meio jornalístico da região, estado, país e Planeta, mas a alma, a essência do Ofício, é o ser humano, o Jornalista, cujo caráter e formação são fundamentais e fazem a diferença -- é nesse sentido este tributo a um profissional de rara sensibilidade e faro jornalístico que faz falta, sobretudo como Amigo, Humano, Cidadão e Profissional. Como ele fez estampar como consigna abaixo da logomarca (título) do Diário de Corumbá, “Um jornal se mede pelas verdades que diz”.

Ahmad Schabib Hany