sexta-feira, 29 de julho de 2022

DOLORES E A DIGNIDADE DAS MARIAS

Dolores e a dignidade das Marias

Dolores é a protagonista do mais recente livro de Luiz Taques, que aborda com pioneirismo em nossa literatura a Guerra do Chaco, em que a Bolívia e o Paraguai se envolveram em uma verdadeira carnificina para saciar a cobiça de grandes petroleiras (e por trás o Brasil e a Argentina) pouco antes da Segunda Guerra Mundial.

Premiado Jornalista e reconhecido escritor, Luiz Taques lança em Corumbá, dia 6 de agosto, seu mais recente livro -- “Aposto que você nem sabia do namoro dela com um ex-combatente da Guerra do Chaco” --, com o apoio cultural do ativista Arturo Castedo Ardaya. A escolha do Dia da Independência boliviana (e do local, a emblemática Feira BrasBol) não é mero acaso: o último conflito bélico na região platina da América do Sul foi uma verdadeira carnificina entre a Bolívia e o Paraguai, para saciar a cobiça das petroleiras Standard Oil e Shell (e por trás Brasil e Argentina), pouco antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial.

A protagonista da obra literária é Dolores, cuja dignidade de mulher proletária é narrada ao longo da novela, num estilo instigante, de um sugestivo diálogo (ou monólogo?) com o filho dela, nada atento às qualidades de mãe solo, vítima da misoginia que atenta contra os valores civilizatórios nestes nada generosos tempos de intolerância e negacionismo. O autor, no percurso de sua trajetória literária marcada pela originalidade, pioneirismo e refinado estilo, não só produziu uma obra de ficção consistente, mas, sobretudo, um sensível resgate humanístico de preceitos inestimáveis que nos blindam da barbárie -- esta que teima em afrontar nosso porvir.

Embora não se trate de uma obra historiográfica, Taques faz aportes relevantes ao resgatar depoimentos de contemporâneos do conflito, como o do jornalista, escritor e intelectual boliviano Augusto Céspedes (“Sangre de mestizos”, “Metal del diablo”, “El presidente colgado” e “Crónicas heroicas de una guerra estúpida”, como correspondente de guerra do diário “El Universal”) e faça uma referência não casual ao emblemático escritor, intelectual e político paraguaio Domingo Laino, perseguido durante décadas pela ditadura sanguinária de Alfredo Stroessner.

O livro é uma edição bilíngue (português-espanhol) da Editora Maria Petrona, .que abre perspectivas para a integração literária na América Latina. E traz uma temática pioneira: pela primeira vez a literatura brasileira aborda um tema muito caro para as populações boliviana e paraguaia, pois, mais que disputa territorial, se tratou de um genocídio de elevado impacto para dois dos países mais saqueados da América do Sul. No campo da história, aliás, Júlio José Chiavenatto, injustamente invisibilizado nas últimas décadas, já havia o tratado em fins da década de 1970, em “A Guerra do Chaco (Leia-se petróleo)”, da Editora Brasiliense -- em que completou a trilogia com “Genocídio Americano (A Guerra do Paraguai)” e “Bolívia: Com a pólvora na boca”.

Luiz Taques, além de renomado Jornalista (duas vezes premiado por reportagens em que denunciou a exploração do trabalho infantil nas carvoarias de Mato Grosso do Sul, tanto pela Federação Nacional dos Jornalistas, como pelo Instituto Vladimir Herzog de Direitos Humanos), é um escritor com bibliografia sólida: “Zé Vida de Barraca”, “O casamento vai acabar com o poeta”, Bebinho, “Mamadinho e o Velório de Bafo de Alho”, “Crônica de uma grande farsa” (em coautoria com o Jornalista José Maschio), “Madá”, “Pedro”, “Um rio, uma guerra”, “Mulas”, “Tereza é meu nome” e “Boa hora para lembrar de Vivi Bandoleiro”.

É, pois, com Dolores que o leitor se reencontrará com o instigante universo literário de Luiz Taques, cujos livros -- embora não lhe agrade o comentário -- estão predestinados a atravessar séculos, por conta da qualidade literária, do estilo peculiar e da capacidade de descrever com fidelidade o tempo e a sociedade presente, ou melhor, em que foram escritos, criados, lapidados, com afinco, candura e originalidade. E que viva Dolores, que, igual a “Maria Maria” de Milton Nascimento e Fernando Brant, “É um dom, uma certa magia / Uma força que nos alerta / Uma mulher que merece viver e amar / Como outra qualquer do Planeta”.

Ahmad Schabib Hany

2 comentários:

LUIZ TAQUES disse...

Esse livro é nosso, Schabib Hany. Afinal, a tradução para o espanhol é sua. Obrigado pelo belo trabalho, meu amigo.

O caminho se faz ao caminhar disse...

Obrigado, Taques, por ter-me dado a honra de fazer a tradução para o espanhol fronteiriço, este que se fala no Coração do Pantanal e da América do Sul....
Obrigado, também, por ter-me dado a liberdade -- aliás, como sempre -- de cometer excessos (e atrevimentos), pelo que publicamente quero me desculpar. É que somente quem cria, como Você, tem a sensibilidade, a percepção, de (e)levar o tom no momento certo.
O tempo, este velho Companheiro, haverá de brindar seu talento, sempre rodeado de leitores ávidos de luz, criatividade, esperança e originalidade.
Parabéns, parabéns, parabéns, parabéns!!!!
PS - Agradecimentos afetuosos para a sua sempre Companheira Regina Utsumi, que com candura e racionalidade imprime a genialidade da Editora Maria Petrona (bem como para a inimitável Titular/Progenitora, fonte inesgotável de inspiração).