Dolores e a dignidade das Marias
Dolores é a protagonista do mais recente livro de
Luiz Taques, que aborda com pioneirismo em nossa literatura a Guerra do Chaco,
em que a Bolívia e o Paraguai se envolveram em uma verdadeira carnificina para
saciar a cobiça de grandes petroleiras (e por trás o Brasil e a Argentina)
pouco antes da Segunda Guerra Mundial.
Premiado Jornalista e reconhecido escritor, Luiz
Taques lança em Corumbá, dia 6 de agosto, seu mais recente livro -- “Aposto que
você nem sabia do namoro dela com um ex-combatente da Guerra do Chaco” --, com
o apoio cultural do ativista Arturo Castedo Ardaya. A escolha do Dia da Independência
boliviana (e do local, a emblemática Feira BrasBol) não é mero acaso: o último
conflito bélico na região platina da América do Sul foi uma verdadeira
carnificina entre a Bolívia e o Paraguai, para saciar a cobiça das petroleiras Standard
Oil e Shell (e por trás Brasil e Argentina), pouco antes da eclosão da Segunda
Guerra Mundial.
A protagonista da obra literária é Dolores, cuja
dignidade de mulher proletária é narrada ao longo da novela, num estilo instigante,
de um sugestivo diálogo (ou monólogo?) com o filho dela, nada atento às
qualidades de mãe solo, vítima da misoginia que atenta contra os valores
civilizatórios nestes nada generosos tempos de intolerância e negacionismo. O
autor, no percurso de sua trajetória literária marcada pela originalidade,
pioneirismo e refinado estilo, não só produziu uma obra de ficção consistente,
mas, sobretudo, um sensível resgate humanístico de preceitos inestimáveis que
nos blindam da barbárie -- esta que teima em afrontar nosso porvir.
Embora não se trate de uma obra historiográfica,
Taques faz aportes relevantes ao resgatar depoimentos de contemporâneos do
conflito, como o do jornalista, escritor e intelectual boliviano Augusto
Céspedes (“Sangre de mestizos”, “Metal del diablo”, “El presidente colgado” e “Crónicas
heroicas de una guerra estúpida”, como correspondente de guerra do diário “El Universal”)
e faça uma referência não casual ao emblemático escritor, intelectual e político
paraguaio Domingo Laino, perseguido durante décadas pela ditadura sanguinária
de Alfredo Stroessner.
O livro é uma edição bilíngue (português-espanhol) da
Editora Maria Petrona, .que abre perspectivas para a integração literária na
América Latina. E traz uma temática pioneira: pela primeira vez a literatura
brasileira aborda um tema muito caro para as populações boliviana e paraguaia,
pois, mais que disputa territorial, se tratou de um genocídio de elevado
impacto para dois dos países mais saqueados da América do Sul. No campo da
história, aliás, Júlio José Chiavenatto, injustamente invisibilizado nas
últimas décadas, já havia o tratado em fins da década de 1970, em “A Guerra do
Chaco (Leia-se petróleo)”, da Editora Brasiliense -- em que completou a trilogia
com “Genocídio Americano (A Guerra do Paraguai)” e “Bolívia: Com a pólvora na
boca”.
Luiz Taques, além de renomado Jornalista (duas
vezes premiado por reportagens em que denunciou a exploração do trabalho
infantil nas carvoarias de Mato Grosso do Sul, tanto pela Federação Nacional
dos Jornalistas, como pelo Instituto Vladimir Herzog de Direitos Humanos), é um
escritor com bibliografia sólida: “Zé Vida de Barraca”, “O casamento vai acabar
com o poeta”, Bebinho, “Mamadinho e o Velório de Bafo de Alho”, “Crônica de uma
grande farsa” (em coautoria com o Jornalista José Maschio), “Madá”, “Pedro”, “Um
rio, uma guerra”, “Mulas”, “Tereza é meu nome” e “Boa hora para lembrar de Vivi
Bandoleiro”.
É, pois, com Dolores que o leitor se reencontrará
com o instigante universo literário de Luiz Taques, cujos livros -- embora não
lhe agrade o comentário -- estão predestinados a atravessar séculos, por conta
da qualidade literária, do estilo peculiar e da capacidade de descrever com
fidelidade o tempo e a sociedade presente, ou melhor, em que foram escritos,
criados, lapidados, com afinco, candura e originalidade. E que viva Dolores,
que, igual a “Maria Maria” de Milton Nascimento e Fernando Brant, “É um dom,
uma certa magia / Uma força que nos alerta / Uma mulher que merece viver e amar
/ Como outra qualquer do Planeta”.
Ahmad Schabib Hany
2 comentários:
Esse livro é nosso, Schabib Hany. Afinal, a tradução para o espanhol é sua. Obrigado pelo belo trabalho, meu amigo.
Obrigado, Taques, por ter-me dado a honra de fazer a tradução para o espanhol fronteiriço, este que se fala no Coração do Pantanal e da América do Sul....
Obrigado, também, por ter-me dado a liberdade -- aliás, como sempre -- de cometer excessos (e atrevimentos), pelo que publicamente quero me desculpar. É que somente quem cria, como Você, tem a sensibilidade, a percepção, de (e)levar o tom no momento certo.
O tempo, este velho Companheiro, haverá de brindar seu talento, sempre rodeado de leitores ávidos de luz, criatividade, esperança e originalidade.
Parabéns, parabéns, parabéns, parabéns!!!!
PS - Agradecimentos afetuosos para a sua sempre Companheira Regina Utsumi, que com candura e racionalidade imprime a genialidade da Editora Maria Petrona (bem como para a inimitável Titular/Progenitora, fonte inesgotável de inspiração).
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