domingo, 13 de março de 2022

NOVE ANOS SEM O PADRE ERNESTO SASSIDA

Nove anos sem o Padre Ernesto Sassida

Ícone da educação integradora, um misto de sistema preventivo de Dom Bosco e inclusão social com amor, o sacerdote salesiano que adotou Corumbá e lhe proporcionou um pioneiro projeto social reconhecidamente eficiente é um divisor de águas nas políticas públicas sociais no coração do Pantanal e da América do Sul.

Parece que foi ontem, mas neste domingo, 13 de março, está fazendo nove anos da eternização do saudoso Padre Ernesto Sassida, o sacerdote salesiano que chegou na década de 1930 ao coração do Pantanal e da América do Sul como missionário vindo da Eslovênia, então sob o jugo italiano do fascista Benito Mussolini. Depois de enfrentar por mais de duas semanas uma pneumonia no CTI do Hospital de Caridade, o Padre Ernesto, aos 97 anos, encerrou sua pródiga jornada na terra que escolhera ainda jovem.

Modesto e sábio, o Padre Ernesto costumava atribuir aos seus parceiros as iniciativas que todos sabíamos serem suas. Nisso, aliás, ele era muito parecido a outro salesiano que se apaixonara pela Corumbá de todos os povos e encantos, o igualmente saudoso Padre Pascoal Forin, que há um ano se eternizou, vitimado pela covid-19. Amigo de ambos, o Senhor Jorge José Katurchi, do alto de seus 95 anos, sempre observou as semelhanças de cada um dos sacerdotes salesianos, inclusive o Padre Miguel Alagna (mais tarde Bispo de Manaus), com quem conviveu desde tenra infância -- afinal, sua querida Mãe, a saudosa Dona Amélia Abraham Katurchi, era uma das benfeitoras da Paróquia Nossa Senhora de Maria Auxiliadora desde que ela e o Senhor José Katurchi se fixaram no então próspero entreposto comercial platino, ainda na década de 1930.

Não por acaso Seu Jorge Katurchi, em 2001, foi anfitrião e um dos articuladores de todo o processo de construção do Centro Padre Ernesto de Promoção Humana e Ambiental (CENPER), em cuja residência foi concebido. Porque, como ex-aluno e integrante da pioneira União dos Ex-alunos de Dom Bosco (com sede à rua Cuiabá, ao lado do Colégio Salesiano de Santa Teresa), compartilhava da opinião de outros ex-alunos, entre eles os saudosos Senhor João Gonçalves Miguéis e o Doutor Salomão Baruki, de que a Cidade Dom Bosco poderia correr risco de sobrevivência depois da eternização de seu fundador. Não que a sua Congregação deixasse esse compromisso, mas em razão de toda a rede de voluntários e doadores que ele conseguiu sensibilizar na Europa, sobretudo Eslovênia, Itália e Espanha, responsáveis por uma boa parte do financiamento dos diversos projetos desenvolvidos nessa pioneira obra social de caráter interdisciplinar.

A despeito da falta de apoio dentro do Brasil, a Cidade Dom Bosco se tornou realidade graças ao efetivo apoio de voluntários, como a pioneira Operação Mato Grosso (que trouxe da Itália os primeiros apoiadores não só para a construção do prédio em meados da década de 1960, mas também os operadores pioneiros das ações sociais: educadores, assistentes sociais, sanitaristas, dentistas, nutricionistas, enfermeiros etc). A antiga Escola Rural Alexandre de Castro, vinculada ao estado de Mato Grosso, contribuiu com a urbanização dos então periféricos Cidade Jardim (hoje Dom Bosco) e Cristo Redentor (onde a Operação Mato Grosso instalou um centro de aprendizagem profissional voltado para a carpintaria e marcenaria, em cujo terreno foi construída posteriormente a Casa de Recuperação Infantil Padre Antônio Müller, CRIPAM).

Tive a honra e o privilégio de acompanhar os hoje saudosos Padre Ernesto e Padre Pascoal desde 1993, quando da criação em Corumbá e Ladário do Comitê da Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida (também conhecida como Campanha contra a Fome, inspirada pelo saudoso sociólogo Herbert de Souza, Betinho). Os dois sacerdotes salesianos, com o decisivo apoio do igualmente querido e saudoso Dom José Alves da Costa, então Bispo Diocesano de Corumbá (até 1999), nos permitiram sugerir e propor algumas inovações, entre as quais a criação, no âmbito da Cidade Dom Bosco, do CENPER, da União dos Ex-Alunos da Cidade Dom Bosco (UECDB) e do Clube dos Amigos do Padre Ernesto (uma tríade com três finalidades diferentes para apoiar a manutenção das obras sociais salesianas), e que por conta da insensibilidade social ficaram só nas siglas.

Enquanto o Padre Ernesto (tanto quanto o Padre Pascoal) estava entre nós, não faltavam políticos para “sair bonitos na foto”. Alguns chegaram a fazer carreira política à sua sombra -- a consciência de cada um deles que se encarregue de identificar-se --, agora, pois, é hora de fazer jus à memória honrada desses grandes seres humanos, cristãos humildes e justos com seus semelhantes. Sobretudo, nestes momentos sombrios, em que a falta de políticas públicas de enfrentamento à fome e à miséria tornam ainda mais necessárias as iniciativas sinceras de fortalecimento da rede de proteção social em nossa região, que já foi modelo dentro e fora do Brasil.

À guisa de reflexão provocadora, por ocasião do transcurso dos nove anos de eternização do Padre Ernesto e do primeiro ano de eternização do Padre Pascoal -- dois salesianos que fizeram toda a diferença nas terras do destratado Frei Mariano de Bagnaia, o frade franciscano que foi difamado depois de morto --, gostaria de propor aos que de algum modo conviveram com os saudosos sacerdotes salesianos um gesto sincero de retomada das atividades dessas respectivas entidades (que, a bem da verdade, foram a razão de ser do Padre Ernesto em seus derradeiros dias). Porque não vou esquecer uma fala profética desse saudoso Amigo, de que a generosidade da natureza parece ter tornado as pessoas de recursos de nossa região pouco sensíveis e solidárias diante da exclusão ostensiva de amplas camadas, para as quais ele e o Padre Pascoal dedicaram não só os seus melhores anos, como toda a sua existência.

Ahmad Schabib Hany

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