Nove
anos sem o Padre Ernesto Sassida
Ícone da educação integradora, um
misto de sistema preventivo de Dom Bosco e inclusão social com amor, o
sacerdote salesiano que adotou Corumbá e lhe proporcionou um pioneiro projeto
social reconhecidamente eficiente é um divisor de águas nas políticas públicas
sociais no coração do Pantanal e da América do Sul.
Parece que foi ontem, mas neste domingo, 13 de
março, está fazendo nove anos da eternização do saudoso Padre Ernesto Sassida,
o sacerdote salesiano que chegou na década de 1930 ao coração do Pantanal e da
América do Sul como missionário vindo da Eslovênia, então sob o jugo italiano
do fascista Benito Mussolini. Depois de enfrentar por mais de duas semanas uma
pneumonia no CTI do Hospital de Caridade, o Padre Ernesto, aos 97 anos, encerrou
sua pródiga jornada na terra que escolhera ainda jovem.
Modesto e sábio, o Padre Ernesto costumava
atribuir aos seus parceiros as iniciativas que todos sabíamos serem suas.
Nisso, aliás, ele era muito parecido a outro salesiano que se apaixonara pela
Corumbá de todos os povos e encantos, o igualmente saudoso Padre Pascoal Forin,
que há um ano se eternizou, vitimado pela covid-19. Amigo de ambos, o Senhor
Jorge José Katurchi, do alto de seus 95 anos, sempre observou as semelhanças de
cada um dos sacerdotes salesianos, inclusive o Padre Miguel Alagna (mais tarde
Bispo de Manaus), com quem conviveu desde tenra infância -- afinal, sua querida
Mãe, a saudosa Dona Amélia Abraham Katurchi, era uma das benfeitoras da
Paróquia Nossa Senhora de Maria Auxiliadora desde que ela e o Senhor José Katurchi
se fixaram no então próspero entreposto comercial platino, ainda na década de
1930.
Não por acaso Seu Jorge Katurchi, em 2001, foi
anfitrião e um dos articuladores de todo o processo de construção do Centro
Padre Ernesto de Promoção Humana e Ambiental (CENPER), em cuja residência foi
concebido. Porque, como ex-aluno e integrante da pioneira União dos Ex-alunos
de Dom Bosco (com sede à rua Cuiabá, ao lado do Colégio Salesiano de Santa
Teresa), compartilhava da opinião de outros ex-alunos, entre eles os saudosos
Senhor João Gonçalves Miguéis e o Doutor Salomão Baruki, de que a Cidade Dom
Bosco poderia correr risco de sobrevivência depois da eternização de seu
fundador. Não que a sua Congregação deixasse esse compromisso, mas em razão de
toda a rede de voluntários e doadores que ele conseguiu sensibilizar na Europa,
sobretudo Eslovênia, Itália e Espanha, responsáveis por uma boa parte do
financiamento dos diversos projetos desenvolvidos nessa pioneira obra social de
caráter interdisciplinar.
A despeito da falta de apoio dentro do Brasil, a
Cidade Dom Bosco se tornou realidade graças ao efetivo apoio de voluntários,
como a pioneira Operação Mato Grosso (que trouxe da Itália os primeiros
apoiadores não só para a construção do prédio em meados da década de 1960, mas
também os operadores pioneiros das ações sociais: educadores, assistentes
sociais, sanitaristas, dentistas, nutricionistas, enfermeiros etc). A antiga
Escola Rural Alexandre de Castro, vinculada ao estado de Mato Grosso, contribuiu
com a urbanização dos então periféricos Cidade Jardim (hoje Dom Bosco) e Cristo
Redentor (onde a Operação Mato Grosso instalou um centro de aprendizagem profissional
voltado para a carpintaria e marcenaria, em cujo terreno foi construída
posteriormente a Casa de Recuperação Infantil Padre Antônio Müller, CRIPAM).
Tive a honra e o privilégio de acompanhar os hoje
saudosos Padre Ernesto e Padre Pascoal desde 1993, quando da criação em Corumbá
e Ladário do Comitê da Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida
(também conhecida como Campanha contra a Fome, inspirada pelo saudoso sociólogo
Herbert de Souza, Betinho). Os dois sacerdotes salesianos, com o decisivo apoio
do igualmente querido e saudoso Dom José Alves da Costa, então Bispo Diocesano
de Corumbá (até 1999), nos permitiram sugerir e propor algumas inovações, entre
as quais a criação, no âmbito da Cidade Dom Bosco, do CENPER, da União dos
Ex-Alunos da Cidade Dom Bosco (UECDB) e do Clube dos Amigos do Padre Ernesto
(uma tríade com três finalidades diferentes para apoiar a manutenção das obras
sociais salesianas), e que por conta da insensibilidade social ficaram só nas
siglas.
Enquanto o Padre Ernesto (tanto quanto o Padre
Pascoal) estava entre nós, não faltavam políticos para “sair bonitos na foto”.
Alguns chegaram a fazer carreira política à sua sombra -- a consciência de cada
um deles que se encarregue de identificar-se --, agora, pois, é hora de fazer
jus à memória honrada desses grandes seres humanos, cristãos humildes e justos
com seus semelhantes. Sobretudo, nestes momentos sombrios, em que a falta de
políticas públicas de enfrentamento à fome e à miséria tornam ainda mais necessárias
as iniciativas sinceras de fortalecimento da rede de proteção social em nossa
região, que já foi modelo dentro e fora do Brasil.
À guisa de reflexão provocadora, por ocasião do
transcurso dos nove anos de eternização do Padre Ernesto e do primeiro ano de eternização
do Padre Pascoal -- dois salesianos que fizeram toda a diferença nas terras do
destratado Frei Mariano de Bagnaia, o frade franciscano que foi difamado depois
de morto --, gostaria de propor aos que de algum modo conviveram com os
saudosos sacerdotes salesianos um gesto sincero de retomada das atividades
dessas respectivas entidades (que, a bem da verdade, foram a razão de ser do
Padre Ernesto em seus derradeiros dias). Porque não vou esquecer uma fala
profética desse saudoso Amigo, de que a generosidade da natureza parece ter
tornado as pessoas de recursos de nossa região pouco sensíveis e solidárias
diante da exclusão ostensiva de amplas camadas, para as quais ele e o Padre
Pascoal dedicaram não só os seus melhores anos, como toda a sua existência.
Ahmad
Schabib Hany
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