“La Vida no vale nada”
“La Vida no vale nada / Sino es para perecer / Porque otros puedan tener /
Lo que uno disfruta y ama / La Vida no vale nada / Si yo me quedo sentado /
Después que he visto y soñado / Que en todas partes me llaman…” (Pablo Milanés)
Em 1976, o então jovem compositor da Nova Trova Cubana
Pablo Milanés presenteava o mundo com “La Vida no vale nada”. Um grito de
alerta da juventude desassossegada que clama por um mundo fraterno, solidário e
justo. Em certo momento
da composição ele nos provoca com esta pérola: “La Vida no vale nada / Cuando
otros se están matando / Y yo sigo aquí cantando / Cuál no pasara nada / La
Vida no vale nada / Si escucho un grito mortal / Y no es capaz de tocar / Mi
corazón que se apaga…”
A geração de Pablo Milanés é a mesma que, em plena
luta pela emancipação dos países africanos e asiáticos do jugo colonial, não
mediu esforços e se alistou para empreender a histórica derrota aos exércitos
do tirano português Antônio Salazar e do sanguinário espanhol Francisco Franco.
Claro que esses ex-aliados de Adolf Hitler e Benito Mussolini não estavam
sozinhos: os hoje ‘defensores da democracia, da integridade territorial, da
autodeterminação dos povos e da paz’ (dos cemitérios, é claro) prestavam ‘ajuda
humanitária’ contra os ‘terroristas’ que queriam libertar seus povos do jugo
colonial.
Em nome da ‘democracia’, planejaram e mataram de
tocaia o líder e pensador Amílcar Cabral, um verdadeiro revolucionário,
visionário, humanista. Paulo Freire, o grande ser humano que a maioria dos
brasileiros não conhece, e igualmente pensador, católico convicto e tão
revolucionário quando Amílcar Cabral, estava a caminho da África para trabalhar
juntos num profundo processo de descolonização de almas e corpos. A tocaia
levou antes Amílcar, e com ele uma rara oportunidade de a humanidade conhecer
uma experiência revolucionária marxista e cristã, pois embora Cabral fosse
marxista não era sectário e igualmente Freire, embora cristão militante, sabia
trabalhar com marxistas e demais pensadores desassossegados pelo mundo afora.
Decorridos 46 anos, esse verdadeiro hino à
solidariedade nos conclama a não ficarmos impassíveis quando vemos nossos
semelhantes, nossos Companheiros de sina e labuta, mundo afora, sob a ameaça
das hordas insanas, ensandecidas, tirânicas. Com todos os instrumentos de
manipulação e dominação, essas hordas se travestem de mensageiras da paz, de
libertadoras e, pior, de pacifistas (de araque!), roubando, literalmente a cena
e a iniciativa que nos corresponde, mas nos omitem, nos silenciam, nos
invisibilizam, porque a farsa tem que continuar (e seus privilégios, idem)…
Não bastassem as imagens e os depoimentos das inúmeras
vítimas da recém deflagrada guerra russo-ucraniana -- o que por si só já nos
abala profundamente --, mexe ainda mais com nosso âmago o fato de se tratar de
duas ex-repúblicas soviéticas que durante mais de seis décadas estiveram
irmanadas no projeto de construção de uma alternativa socialista para esta ordem
exploradora, opressora e caduca, que só não caiu de podre porque os ‘donos’ do
mundo relutam a ‘entregar a rapadura’. Aliás, mais que mera ‘solidariedade’, o
ocidente está é cobiçando as enormes reservas de gás e petróleo que a Rússia e
a Ucrânia compartilham em seus extensos territórios. Ou há quem acredite que a
OTAN se expandiu para o leste europeu para fazer caridade?
Dá um aperto no coração ver posando de humanista
ninguém menos que o ex-jornalista do The
Times (do qual foi demitido por ter falseado uma citação) e atual premiê
britânico Boris Johnson, o banqueiro e presidente francês Emmanuel Macron e o
advogado (que em 1987 renunciou à candidatura a presidente ao ser flagrado
plagiando o discurso de um correligionário), ex-vice-presidente preparador de
intervenções e golpes de estado e atual presidente estadunidense Joe Biden. Quanto
ao ator que virou presidente da Ucrânia, um militante sionista, colaborador
ativo do projeto usurpador do ocidente, dispensa comentários.
E mais triste é assistir à parcialidade de
repórteres que, para agradar os patrões, se prestam ao papel de reles
porta-vozes informais das potências ocidentais -- que mantêm mais de trinta
guerras em países da África, Ásia e América Latina em plena vigência, cujo
derramamento de sangue parece não merecer a empatia e a compaixão dos donos do
mundo, como vem ocorrendo desde o século XVI. Não é problema de formação, nem
de oportunidade. É falta de caráter. É o cinismo fazendo escola em todas as
atividades humanas. É a perversidade revestida de etiqueta.
Com toda a farsa montada para deslegitimar as
razões históricas que levaram Vladimir Putin a essa precipitação ensandecida
(até os mais conservadores analistas reconhecem que o ocidente desmereceu a
Rússia e seus inúmeros apelos quando expandiu as bases da OTAN à maioria dos
países que integravam o Pacto de Varsóvia e a própria União Soviética), temos agora
inúmeras denúncias de maus tratos a refugiados ucranianos de origem africana,
quando não árabes ou orientais, acintosamente discriminados pelos cada vez mais
numerosos fascistas e nazistas que se alastram pelo território que um dia foi
da União Soviética, ou aliados do Pacto de Varsóvia.
Que ‘pacifismo’ é esse, de mãos dadas com o
nazifascismo, com o sionismo e com o neocolonialismo? A comoção ‘solidária’ só
vale para os europeus? As vítimas de guerras insufladas e mantidas há décadas
pelos mesmos que hoje alardeiam empatia às, com todo o direito e respeito,
vítimas da perversidade imperial (afinal, desde que a Europa é ‘centro do
mundo’, há quase um milênio, a humanidade não mais conheceu a paz justa e
duradoura): nos livramos do império britânico, caímos no império estadunidense,
e por aí seguimos rumo ao ‘suicídio’ da espécie humana…
Nas sábias
palavras do genial Pablo Milanés: “La Vida no vale nada / Si ignoro que el
asesino / Cogió por otro camino / Y prepara otra celada / La Vida no vale nada
/ Si se sorprende otro hermano / Cuando supe de antemano / Lo que se le
preparaba…”
Ahmad
Schabib Hany
Um comentário:
Caraca!, você agora ajudou grande ao nosso programa de rádio! A guerra é nosso próximo assunto
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