quinta-feira, 3 de março de 2022

"LA VIDA NO VALE NADA"

“La Vida no vale nada”

“La Vida no vale nada / Sino es para perecer / Porque otros puedan tener / Lo que uno disfruta y ama / La Vida no vale nada / Si yo me quedo sentado / Después que he visto y soñado / Que en todas partes me llaman…” (Pablo Milanés)

Em 1976, o então jovem compositor da Nova Trova Cubana Pablo Milanés presenteava o mundo com “La Vida no vale nada”. Um grito de alerta da juventude desassossegada que clama por um mundo fraterno, solidário e justo. Em certo momento da composição ele nos provoca com esta pérola: “La Vida no vale nada / Cuando otros se están matando / Y yo sigo aquí cantando / Cuál no pasara nada / La Vida no vale nada / Si escucho un grito mortal / Y no es capaz de tocar / Mi corazón que se apaga…”

A geração de Pablo Milanés é a mesma que, em plena luta pela emancipação dos países africanos e asiáticos do jugo colonial, não mediu esforços e se alistou para empreender a histórica derrota aos exércitos do tirano português Antônio Salazar e do sanguinário espanhol Francisco Franco. Claro que esses ex-aliados de Adolf Hitler e Benito Mussolini não estavam sozinhos: os hoje ‘defensores da democracia, da integridade territorial, da autodeterminação dos povos e da paz’ (dos cemitérios, é claro) prestavam ‘ajuda humanitária’ contra os ‘terroristas’ que queriam libertar seus povos do jugo colonial.

Em nome da ‘democracia’, planejaram e mataram de tocaia o líder e pensador Amílcar Cabral, um verdadeiro revolucionário, visionário, humanista. Paulo Freire, o grande ser humano que a maioria dos brasileiros não conhece, e igualmente pensador, católico convicto e tão revolucionário quando Amílcar Cabral, estava a caminho da África para trabalhar juntos num profundo processo de descolonização de almas e corpos. A tocaia levou antes Amílcar, e com ele uma rara oportunidade de a humanidade conhecer uma experiência revolucionária marxista e cristã, pois embora Cabral fosse marxista não era sectário e igualmente Freire, embora cristão militante, sabia trabalhar com marxistas e demais pensadores desassossegados pelo mundo afora.

Decorridos 46 anos, esse verdadeiro hino à solidariedade nos conclama a não ficarmos impassíveis quando vemos nossos semelhantes, nossos Companheiros de sina e labuta, mundo afora, sob a ameaça das hordas insanas, ensandecidas, tirânicas. Com todos os instrumentos de manipulação e dominação, essas hordas se travestem de mensageiras da paz, de libertadoras e, pior, de pacifistas (de araque!), roubando, literalmente a cena e a iniciativa que nos corresponde, mas nos omitem, nos silenciam, nos invisibilizam, porque a farsa tem que continuar (e seus privilégios, idem)…

Não bastassem as imagens e os depoimentos das inúmeras vítimas da recém deflagrada guerra russo-ucraniana -- o que por si só já nos abala profundamente --, mexe ainda mais com nosso âmago o fato de se tratar de duas ex-repúblicas soviéticas que durante mais de seis décadas estiveram irmanadas no projeto de construção de uma alternativa socialista para esta ordem exploradora, opressora e caduca, que só não caiu de podre porque os ‘donos’ do mundo relutam a ‘entregar a rapadura’. Aliás, mais que mera ‘solidariedade’, o ocidente está é cobiçando as enormes reservas de gás e petróleo que a Rússia e a Ucrânia compartilham em seus extensos territórios. Ou há quem acredite que a OTAN se expandiu para o leste europeu para fazer caridade?

Dá um aperto no coração ver posando de humanista ninguém menos que o ex-jornalista do The Times (do qual foi demitido por ter falseado uma citação) e atual premiê britânico Boris Johnson, o banqueiro e presidente francês Emmanuel Macron e o advogado (que em 1987 renunciou à candidatura a presidente ao ser flagrado plagiando o discurso de um correligionário), ex-vice-presidente preparador de intervenções e golpes de estado e atual presidente estadunidense Joe Biden. Quanto ao ator que virou presidente da Ucrânia, um militante sionista, colaborador ativo do projeto usurpador do ocidente, dispensa comentários.

E mais triste é assistir à parcialidade de repórteres que, para agradar os patrões, se prestam ao papel de reles porta-vozes informais das potências ocidentais -- que mantêm mais de trinta guerras em países da África, Ásia e América Latina em plena vigência, cujo derramamento de sangue parece não merecer a empatia e a compaixão dos donos do mundo, como vem ocorrendo desde o século XVI. Não é problema de formação, nem de oportunidade. É falta de caráter. É o cinismo fazendo escola em todas as atividades humanas. É a perversidade revestida de etiqueta.

Com toda a farsa montada para deslegitimar as razões históricas que levaram Vladimir Putin a essa precipitação ensandecida (até os mais conservadores analistas reconhecem que o ocidente desmereceu a Rússia e seus inúmeros apelos quando expandiu as bases da OTAN à maioria dos países que integravam o Pacto de Varsóvia e a própria União Soviética), temos agora inúmeras denúncias de maus tratos a refugiados ucranianos de origem africana, quando não árabes ou orientais, acintosamente discriminados pelos cada vez mais numerosos fascistas e nazistas que se alastram pelo território que um dia foi da União Soviética, ou aliados do Pacto de Varsóvia.

Que ‘pacifismo’ é esse, de mãos dadas com o nazifascismo, com o sionismo e com o neocolonialismo? A comoção ‘solidária’ só vale para os europeus? As vítimas de guerras insufladas e mantidas há décadas pelos mesmos que hoje alardeiam empatia às, com todo o direito e respeito, vítimas da perversidade imperial (afinal, desde que a Europa é ‘centro do mundo’, há quase um milênio, a humanidade não mais conheceu a paz justa e duradoura): nos livramos do império britânico, caímos no império estadunidense, e por aí seguimos rumo ao ‘suicídio’ da espécie humana…

Nas sábias palavras do genial Pablo Milanés: “La Vida no vale nada / Si ignoro que el asesino / Cogió por otro camino / Y prepara otra celada / La Vida no vale nada / Si se sorprende otro hermano / Cuando supe de antemano / Lo que se le preparaba…”

Ahmad Schabib Hany

Um comentário:

Estela Márcia disse...

Caraca!, você agora ajudou grande ao nosso programa de rádio! A guerra é nosso próximo assunto