quinta-feira, 31 de março de 2022

Mascarados sem máscaras

Mascarados sem máscaras

As máscaras começam a cair, como se em efeito dominó: Moro abandona Álvaro Dias e seu Podemos; ‘terceira via’ constata a inconsistência de sua proposta; BolsoDória derrete depois de polarizar com o tucanato-raiz; ACM Neto se mostra por inteiro e revela o mistério da família Magalhães, e Bolsonaro muda tudo para tentar manter-se como está.

Ainda não vivemos o reinado de Momo deste ano e, mal finda o mês de março, o Brasil acorda de um pesadelo inusitado. Máscaras caem feito chuva de papel e serpentina, ou melhor, como em efeito dominó.

O leitor, que não é bobo, já percebeu que não nos referimos às abandonadas e ainda necessárias máscaras anticovid-19 e muito menos às máscaras de carnaval. As máscaras que caem são das raposas políticas que até pouco tempo se declaravam imaculadas, ou no mínimo diferentes dos políticos convencionais.

Pior: embora a crônica política atribua ao mês de agosto a temporada de azaração partidária no Brasil, sobretudo para o situacionismo desde os tempos de Getúlio Vargas, Jânio Quadros e João Goulart, cujo futuro político foi rifado pelas raposas de seu tempo, neste ano março ficou com a sina de agosto.

Mal se filiou ao Podemos de Álvaro Dias, o ex-juiz da Leva Jeito, Sérgio Moro, abandona seu mais ardente fã, defensor e conterrâneo para surfar na onda da ‘terceira via’. Por sua vez, esta constata a inconsistência de sua proposta ao ver quadros emblemáticos se desligando da legenda que ainda insiste em sua viabilidade. E João Dória, o da alegórica BolsoDória de 2018, vê derreter sua candidatura depois de travar aguerrida queda de braço com o tucanato-raiz e perceber que não é tão consensual nem em seu estado. Isso o falecido ex-governador tucano de primeira hora (e ex-comunista) Alberto Goldman já antevira, em 2018, ao mais narciso da nova geração de tucanos predadores.

Mas para ACM Neto a coisa está mais feia, pois a longeva rede de conluios com que o avô se impôs perante as oligarquias baianas no tempo da ditadura começa a minar, justo no momento em que mais precisa de força política para fazer acordos que lhe assegurem um futuro diferente que o de seu pai e tios, a geração perdida da família Magalhães. Eis que março, o mês das abundâncias (e como nunca das tragédias sob as águas), começa a lembrar o temido agosto para os situacionistas, sobretudo os mais próximos do ‘messias’ e sua família, que deverão ter contra si ao longo da campanha, além de Lula, ex-aliados como Moro, Dória, Álvaro Dias e Simone Tebet, entre muitos outros.

Ainda que Bolsonaro insista ser a expressão política dos militares e ponha, em seu afã de se reeleger, outro general como vice (aquele que como ministro da Defesa fez apologia ao golpe de 1964 antes de se desincompatibilizar do cargo), ele e seu mandato são cada vez mais identificados como do centrão, responsável pela sobrevivência política de seu governo. Mais que crise de identidade, enfrenta internamente o risco de abandono de seu fiel e tresloucado tripé BBB (bala-bíblia-boi). As últimas defecções, como a do ex-ministro da Educação e do ex-presidente da Petrobras, são reveladoras.

Refém da sanha do centrão, o ‘mito’ vive seu ocaso extemporâneo, a nove meses do fim deste mandato. Essa desconfortável realidade ficou exposta quando o novo partido ao qual está filiado comprou as dores do ex-capitão, conseguiu uma censura via decisão judicial e provocou uma contundente rejeição junto à juventude e ao meio artístico. Ainda que possa dar alento à campanha para sua reeleição, a intensificação da ação predadora do centrão sobre o erário brasileiro para reverter a tendência claudicante do candidato à reeleição, segundo as diferentes pesquisas de intenção de votos, tudo leva a um difícil êxito em segundo turno, nos mais diferentes cenários.

Diferente de 2018, quando o discurso agressivo de candidato oposicionista e a ausência em quase todos os debates entre os presidenciáveis foram determinantes, em 2022 ele deverá se reencontrar com a temida realidade. Sem fakeada e disparadas de mensagens de fakenews, este ano sua campanha pela reeleição está no fio da navalha. O fato de ter deixado todos os processos judiciais ‘para depois’, as sentenças na véspera da campanha devem dificultar ainda mais o futuro imediato. Até porque, como o texto bíblico diz, quem semeia vento colhe tempestade.

Ahmad Schabib Hany

sábado, 19 de março de 2022

Cadê Mikhail Gorbatchev, o último líder da URSS?

Cadê Mikhail Gorbatchev, o último líder da URSS?

Há pelo menos 30 anos a Rússia vem sendo cercada pela OTAN, sob a batuta da Casa Branca e a conivência de Bruxelas (‘capital’ da União Europeia), a despeito dos esforços diplomáticos para não precipitar o tabuleiro de xadrez na região e quebrar o tênue equilíbrio entre as forças ocidentais e orientais nas ricas terras que integraram a União Soviética. Onde, afinal, está Mikhail Gorbatchev, seu último líder supremo, que não se manifesta?

Muitos creem inocentemente que o derradeiro secretário-geral do PCURSS teria morrido. Está vivo, até demais. Foi Raissa Gorbatchev, a esposa intelectual, que se eternizou em 1999. Ele, em quase tudo, é parecido a Fernando Henrique Cardoso (inclusive na viuvez, longevidade e entreguismo pró-ocidental), cuja esposa, a antropóloga Ruth Cardoso, era a cabeça pensante do casal. De forma discreta, o antropólogo Darcy Ribeiro revelou nas entrelinhas em uma de suas entrevistas derradeiras.

Refugiado em Londres desde que, levando a grana do Prêmio Nobel da Paz, Gorbatchev abandonou covardemente Moscou, em 1991. O ex-líder da União Soviética só aparece em palestras para seleto grupo de oligarcas ocidentais, na Europa ou nos Estados Unidos. A alegação é de que a fundação que leva seu nome lhe consome o tempo e acaba não podendo ampliar sua, digamos, ‘concorrida’ agenda. Diferente de seu antigo discurso, nada de ‘transparência’ e muito menos ‘reestruturação’ (seus vocábulos marqueteiros).

Alguma vez Gorbatchev veio à América Latina? E ao Brasil? Nunca. Porque seu negócio é fazer média com os ziliardários do Fórum Econômico Mundial e as restritas reuniões anuais de Davos, Suíça. Raissa era a pensadora, não ele. Essa cantilena de ‘glasnost’ e de ‘perestroika’ nunca passou de lero-lero, ‘pra inglês ver’, aliás, com os quais convive desde 1991. Tanto é que, com o maior cuidado, ‘deixou de existir’, saiu de cena, como por encanto, com varinha de condão...

Ocorre que esse banana embolorado que se dizia ‘socialista’ -- mas ficou evidente que não passava de reles sionista, serviçal do império (nada diferente de Volodimir Zelenski, o ‘gentili’ ucraniano que virou presidente) -- tem assistido insensível ao conflito que pode levar o mundo à Terceira Guerra Mundial. Como que ele nada tivesse com a invasão ocidental da OTAN e, mais recentemente, da União Europeia em toda a região que constituiu a superpotência que fazia frente aos Estados Unidos durante a ‘guerra fria’.

É verdade que muitos ex-comunistas vivem a justificar Gorbatchev e seus similares pelo mundo (como o brasileiro Roberto Freire, que nada tem a ver com o grande educador Paulo Freire) -- argumentando que ele fora ‘vítima’ de um golpe da linha-dura soviética. Mas que absolutamente nada fez quando o fantoche Boris Yeltsin, alcoólatra assumido, brincou de ser ‘sucessor’ de líder supremo na Rússia e, sem qualquer gesto digno, o Judas da União Soviética sequer tentou impedir que a até então superpotência atômica viesse a se desintegrar como um suspiro de açúcar sob um jato de água.

Em português claro e direto: Gorbatchev, sim, tem tudo a ver com a instabilidade que ameaça não só o leste europeu, mas todo o Planeta. Ele não foi ‘vítima’, como o ardil do ocidente o conceituou nos anais de sua ‘história’. Ele é um dos pivôs não só da ruína da antiga União Soviética, como da criminosa entrega claudicante de toda a infraestrutura e a tecnologia dos países que compunham o Pacto de Varsóvia para o ocidente, inclusive o da Rússia, que por mais de uma década ficaram na mão de títeres viciados como Boris Yeltsin e seus sequazes.

Sem dúvida, a tragédia humana existe e deve ser assumida por todos os ‘líderes’ atuais, do ocidente e do oriente. Porque desde 2014 era uma bomba-relógio já alertada pelos mais atentos estudiosos, sobretudo de geopolítica, mas, para agradar os interesses do capital financeiro, dos Estados Unidos, da OTAN e das potências da União Europeia, não foram adotadas as medidas preventivas. E com o maior cinismo, Biden (que em 2014 era vice de Barak Obama) e seus coadjuvantes (Boris Johnson, Emmanuel Macron e Olaf Scholz) querem passar uma imagem de pacifistas solidários. Não passam de reles sabujos das poderosíssimas corporações transnacionais, que não param de contabilizar lucros enquanto as bombas caem nas cabeças de pessoas indefesas, inofensivas e inocentes não só na Ucrânia, mas na Síria, Palestina, Iêmen, Sudão, Congo, Guiné, Haiti e outros países da África, Ásia e América Latina.

Independentemente da posição política ou ideológica de cada um, é hora de cobrar uma postura sincera dos políticos. Afinal, esse jogo hipócrita de não assumir seus vínculos e suas preferências com as grandes corporações transnacionais é a principal causa das tragédias humanitárias, inclusive dentro do Brasil. Ou há quem duvide que, em nosso caso, são as instituições financeiras, os poderosíssimos bancos, os que têm auferido os maiores lucros desde a década de 1960? É hora de eles pararem de bancar os tolinhos e assumirem a qual ‘senhor’ estão a servir...

Ahmad Schabib Hany

segunda-feira, 14 de março de 2022

Doutora Carime, uma estrela a brilhar

Doutora Carime, uma estrela a brilhar

Aos 28 anos, Doutora Carime Mustafá Moussa, jovem médica corumbaense, se eternizou em desastre rodoviário, e a interrupção de sua jornada benfazeja comoveu até quem não a conhecia.

Perplexidade e muita dor. É o que causou o fatídico desastre que interrompeu a Vida e a jornada benfazeja da Doutora Carime Mustafá Moussa, jovem médica de 28 anos, que semeava conforto e amor em seu cotidiano e detinha brilhante projeção profissional. Durante o período mais duro da pandemia de covid-19, a Doutora Carime esteve na linha de frente da Santa Casa de Corumbá, onde também deixou saudade entre colegas e pacientes.

Se pessoas com as quais a Dra. Carime trabalhou (e até pessoas que não tiveram a sorte de conhecê-la) se comoveram com sua trágica partida, não dá para imaginar a dor da Família. Embora não haja palavras capazes de trazer qualquer conforto nesta hora de intensa dor e saudade, somamos nossa solidariedade e os sinceros sentimentos ao Pai, o engenheiro eletricista Mohamed Moussa, à Mãe, Dona Fátima Mustafá Moussa, Irmãos, Tios e Primos da jovem médica que estampava em seu semblante a realização pela escolha de um ofício sagrado, pois cuidar da Vida das pessoas, sobretudo em tempos de pandemia, é próprio de quem tem muito amor pelo próximo.

É comum vermos todo jovem profissional à procura de novos horizontes, sobretudo na ânsia de atingir a excelência, uma atualização na área de sua especialização. Longe de qualquer relação de causa e efeito, mas até por essa tragédia me permito observar que as instituições patronais deveriam ter uma política de atualização profissional permanente para que a população de cidades como Corumbá não perdessem profissionais com um futuro promissor. Não me parece plausível que um jovem profissional deva deixar seu trabalho para fazer um curso e submeter-se a plantões extenuantes em pequenas cidades do interior em que o deslocamento após o plantão é inevitável e oferece riscos iminentes à própria existência do profissional.

Meu saudoso Pai era Amigo do Senhor Hussein Moussa e de Dona Himdi, progenitores do engenheiro eletricista Mohamed Moussa, Pai da Dra. Carime, imigrantes libaneses contemporâneos dele. Foi na década de 1980 que conheci os então jovens cônjuges e durante anos os via em companhia de seus Pais. A dedicação aos estudos e o amor ao Povo hospitaleiro que acolheu sua Família são marcas indeléveis desses imigrantes, que são gratos e reconhecem o valor das oportunidades proporcionadas pelo Brasil.

Em 1987, quando participamos da organização da 1ª Mostra da Cultura Árabe-Palestina de Corumbá (realizada pela biblioeconomista e Professora Elenir Machado de Mello, gestora da Biblioteca Pública Estadual Dr. Gabriel Vandoni de Barros, nas dependências da Casa de Cultura Luiz de Albuquerque), o Senhor Hussein e Dona Himdi fizeram questão de emprestar alguns instrumentos musicais e peças artísticas trazidas por eles do Líbano para expô-las durante os quase três meses de mostra. Foi quando pude conhecer melhor o casal de idosos, com quem, quando possível, conversávamos sobre o mundo árabe e as suas imensuráveis riquezas, sobretudo sua cultura milenar.

Hoje, quando lamentamos a trágica partida precoce de uma jovem Filha/Neta dedicada a salvar vidas e levar conforto a seus semelhantes, queremos louvar a saudosa memória desses imigrantes que souberam transmitir o amor ao conhecimento e ao Povo generoso que os acolheu décadas atrás. Agora transformada em estrela, a Doutora Carime se eterniza ao lado dos Avós que sabiamente escolheram o coração do Pantanal e da América do Sul para louvar a Vida e a esperança por dias melhores para a humanidade.

Obrigado, Doutora Carime, por nos ensinar tanto em tão pouco tempo de existência! Que a luz que acompanhou sua trajetória entre nós continue a iluminar sua eterna existência, inclusive nos corações e almas de sua querida e honrada Família!

Ahmad Schabib Hany

domingo, 13 de março de 2022

NOVE ANOS SEM O PADRE ERNESTO SASSIDA

Nove anos sem o Padre Ernesto Sassida

Ícone da educação integradora, um misto de sistema preventivo de Dom Bosco e inclusão social com amor, o sacerdote salesiano que adotou Corumbá e lhe proporcionou um pioneiro projeto social reconhecidamente eficiente é um divisor de águas nas políticas públicas sociais no coração do Pantanal e da América do Sul.

Parece que foi ontem, mas neste domingo, 13 de março, está fazendo nove anos da eternização do saudoso Padre Ernesto Sassida, o sacerdote salesiano que chegou na década de 1930 ao coração do Pantanal e da América do Sul como missionário vindo da Eslovênia, então sob o jugo italiano do fascista Benito Mussolini. Depois de enfrentar por mais de duas semanas uma pneumonia no CTI do Hospital de Caridade, o Padre Ernesto, aos 97 anos, encerrou sua pródiga jornada na terra que escolhera ainda jovem.

Modesto e sábio, o Padre Ernesto costumava atribuir aos seus parceiros as iniciativas que todos sabíamos serem suas. Nisso, aliás, ele era muito parecido a outro salesiano que se apaixonara pela Corumbá de todos os povos e encantos, o igualmente saudoso Padre Pascoal Forin, que há um ano se eternizou, vitimado pela covid-19. Amigo de ambos, o Senhor Jorge José Katurchi, do alto de seus 95 anos, sempre observou as semelhanças de cada um dos sacerdotes salesianos, inclusive o Padre Miguel Alagna (mais tarde Bispo de Manaus), com quem conviveu desde tenra infância -- afinal, sua querida Mãe, a saudosa Dona Amélia Abraham Katurchi, era uma das benfeitoras da Paróquia Nossa Senhora de Maria Auxiliadora desde que ela e o Senhor José Katurchi se fixaram no então próspero entreposto comercial platino, ainda na década de 1930.

Não por acaso Seu Jorge Katurchi, em 2001, foi anfitrião e um dos articuladores de todo o processo de construção do Centro Padre Ernesto de Promoção Humana e Ambiental (CENPER), em cuja residência foi concebido. Porque, como ex-aluno e integrante da pioneira União dos Ex-alunos de Dom Bosco (com sede à rua Cuiabá, ao lado do Colégio Salesiano de Santa Teresa), compartilhava da opinião de outros ex-alunos, entre eles os saudosos Senhor João Gonçalves Miguéis e o Doutor Salomão Baruki, de que a Cidade Dom Bosco poderia correr risco de sobrevivência depois da eternização de seu fundador. Não que a sua Congregação deixasse esse compromisso, mas em razão de toda a rede de voluntários e doadores que ele conseguiu sensibilizar na Europa, sobretudo Eslovênia, Itália e Espanha, responsáveis por uma boa parte do financiamento dos diversos projetos desenvolvidos nessa pioneira obra social de caráter interdisciplinar.

A despeito da falta de apoio dentro do Brasil, a Cidade Dom Bosco se tornou realidade graças ao efetivo apoio de voluntários, como a pioneira Operação Mato Grosso (que trouxe da Itália os primeiros apoiadores não só para a construção do prédio em meados da década de 1960, mas também os operadores pioneiros das ações sociais: educadores, assistentes sociais, sanitaristas, dentistas, nutricionistas, enfermeiros etc). A antiga Escola Rural Alexandre de Castro, vinculada ao estado de Mato Grosso, contribuiu com a urbanização dos então periféricos Cidade Jardim (hoje Dom Bosco) e Cristo Redentor (onde a Operação Mato Grosso instalou um centro de aprendizagem profissional voltado para a carpintaria e marcenaria, em cujo terreno foi construída posteriormente a Casa de Recuperação Infantil Padre Antônio Müller, CRIPAM).

Tive a honra e o privilégio de acompanhar os hoje saudosos Padre Ernesto e Padre Pascoal desde 1993, quando da criação em Corumbá e Ladário do Comitê da Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida (também conhecida como Campanha contra a Fome, inspirada pelo saudoso sociólogo Herbert de Souza, Betinho). Os dois sacerdotes salesianos, com o decisivo apoio do igualmente querido e saudoso Dom José Alves da Costa, então Bispo Diocesano de Corumbá (até 1999), nos permitiram sugerir e propor algumas inovações, entre as quais a criação, no âmbito da Cidade Dom Bosco, do CENPER, da União dos Ex-Alunos da Cidade Dom Bosco (UECDB) e do Clube dos Amigos do Padre Ernesto (uma tríade com três finalidades diferentes para apoiar a manutenção das obras sociais salesianas), e que por conta da insensibilidade social ficaram só nas siglas.

Enquanto o Padre Ernesto (tanto quanto o Padre Pascoal) estava entre nós, não faltavam políticos para “sair bonitos na foto”. Alguns chegaram a fazer carreira política à sua sombra -- a consciência de cada um deles que se encarregue de identificar-se --, agora, pois, é hora de fazer jus à memória honrada desses grandes seres humanos, cristãos humildes e justos com seus semelhantes. Sobretudo, nestes momentos sombrios, em que a falta de políticas públicas de enfrentamento à fome e à miséria tornam ainda mais necessárias as iniciativas sinceras de fortalecimento da rede de proteção social em nossa região, que já foi modelo dentro e fora do Brasil.

À guisa de reflexão provocadora, por ocasião do transcurso dos nove anos de eternização do Padre Ernesto e do primeiro ano de eternização do Padre Pascoal -- dois salesianos que fizeram toda a diferença nas terras do destratado Frei Mariano de Bagnaia, o frade franciscano que foi difamado depois de morto --, gostaria de propor aos que de algum modo conviveram com os saudosos sacerdotes salesianos um gesto sincero de retomada das atividades dessas respectivas entidades (que, a bem da verdade, foram a razão de ser do Padre Ernesto em seus derradeiros dias). Porque não vou esquecer uma fala profética desse saudoso Amigo, de que a generosidade da natureza parece ter tornado as pessoas de recursos de nossa região pouco sensíveis e solidárias diante da exclusão ostensiva de amplas camadas, para as quais ele e o Padre Pascoal dedicaram não só os seus melhores anos, como toda a sua existência.

Ahmad Schabib Hany

terça-feira, 8 de março de 2022

Controle social na perspectiva de gênero e da igualdade racial

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO "PRAVDA" EM PORTUGUÊS, EM 9 DE MARÇO DE 2014, POR INICIATIVA GENEROSA DA QUERIDA AMIGA AMYRA EL KHALILI ("MULHERES PELA PAZ")

 

Controle social na perspectiva de gênero e da igualdade racial

 

Por Ahmad Schabib Hany

09.03.2014

 

Em nome do Observatório da Cidadania Dom José Alves da Costa (espaço público em que se transformou nosso histórico FORUMCORLAD, na assembleia de homenagem póstuma ao Padre Ernesto Sassida, em abril de 2013), queremos agradecer à Professora Cristiane Sant'Anna de Oliveira, titular da Gerência de Políticas de Políticas da Mulher de Corumbá, pelo honroso convite de participarmos da Mesa de Diálogo desta atividade de atualização dos membros do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher.

 

Contexto histórico, conquistas sociais e políticas públicas

 

 

"Trata-se de lutar por uma sociedade em que liberdade não seja uma palavra vã." (Ricardo Brandão)

 

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Longe de pretendermos trazer verdades prontas e acabadas, nosso propósito maior é provocar (no sentido dialético) as militantes da luta pela igualdade de gênero e racial - isto é, trazer para a reflexão coletiva alguns mitos e, obviamente, alguns fatos, muitas vezes camuflados por interesses inconfessáveis, para a manutenção do status quo (ou seja, manter tudo como está). E acreditamos fundamental esclarecer que nossa proposta de análise se fundamenta no processo econômico da sociedade, causa histórica da exclusão, ou exploração, nas relações sociais a partir do momento em que os modos de produção que se sucederam propiciaram a existência de um excedente, de um acúmulo, que foi, digamos, "privatizado" pelos que então detinham o poder, o controle da sociedade.

 

Por razões didáticas, dividimos esta intervenção em três partes: a) estigmas de uma sociedade excludente; b) conquistas sociais, e c) políticas públicas.

 

Ao final desta apresentação exporemos alguns autores e obras que embasaram esta modesta contribuição, para que, até por meio da Internet, os interessados possam checar as fontes.

 

Antes, porém, pedimos licença para dedicar este momento à memória de nosso patrono, o humilde sacerdote que conhecemos como Bispo Diocesano de Corumbá, o saudoso Dom José Alves da Costa, em cujo breve, mas memorável, episcopado (1991-1999), o cidadão anônimo ganhou voz e vez a partir da realização da etapa local da Segunda Semana Social Brasileira (1993), tendo como desdobramento a criação do Comitê de Corumbá e Ladário da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida (Campanha do Betinho), do Pacto pela Cidadania Dom José Alves da Costa (Movimento Viva Corumbá) e do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário Padre Ernesto Sassida (FORUMCORLAD), responsáveis pela emancipação da cidadania desta região nestas duas décadas. Bispo Emérito de Corumbá, Dom José dedicou-se humildemente à sua vocação sacerdotal em São Paulo e no Vaticano, tendo retornado para sua cidade-natal, Catanduva (SP), onde se eternizou na manhã de terça-feira, 4 de dezembro de 2012.

 

"Narciso acha feio o que não é espelho." (Caetano Veloso, "Sampa")

 

a) Estigmas de uma sociedade excludente

 

Desde os mais remotos tempos da história da humanidade, é recorrente a exclusão do "outro", do "alheio", do "estrangeiro", do "diferente", do "fraco", do "fracassado", do "sexo frágil", do "aleijado", do "doente", do "louco", do "retardado" etc. Heródoto, o chamado "Pai da História", é uma das melhores fontes para exemplos como esses. Há vários registros de escravidão de súditos de outros reinos, ou Estados, vencidos em guerras de conquista, inclusive.

 

Até mesmo na Bíblia cristã, na Torá judaica e no Alcorão muçulmano há várias passagens que bem expressam a exclusão racial, social, cultural, econômica e de gênero vigente nas sociedades estamentais em diferentes épocas, narradas por diversos personagens bíblicos. E é emblemática a mensagem de Jesus quando se refere ao estrangeiro e ao compromisso cristão de acolhê-lo - até porque a prática reinante então (e quem sabe ainda hoje) era simplesmente a da segregação, tal qual o (sic) "leproso".

 

Mas, no caso particular da América Latina - sobretudo do processo colonial desenvolvido no Brasil e dos povos irmãos de nosso entorno -, a questão racial se inicia com a exploração das riquezas naturais dos povos originários e da mão-de-obra escrava de pessoas nativas e das oriundas da África, além do etnocídio e da truculenta extinção a ferro e fogo das avançadas civilizações pré-colombianas, ocorridas em nome do progresso (dos invasores e saqueadores, certamente).

 

Como o que vigora é a versão dos vencedores, a História está repleta de episódios como o de Anhanguera, que dominou os índios sob a ameaça de pôr fogo nas águas dos rios usando um pouco de álcool. Ou que o tráfico de seres humanos oriundos da África (o comércio negreiro) era provido pelos próprios africanos ou árabes daquela região.

 

No entanto, teremos verdadeiros absurdos ao recorrermos a autores independentes, como Abdias Nascimento, Adam Schaff, Amyra El Khalili, Antonio Gramsci, Bernardino De Nino, Caio Prado Jr., Carlos Nelson Coutinho, Celso Furtado, Claude Lévi-Strauss, Cristóvão Buarque, Darcy Ribeiro, Domingo Laino, Edgar Carone, Eduardo Galeano, Edward Said, Emir Sader, Enrique Dussel, Eric Wolf, Fatmato Ezzahrá Schabib Hany, Florestan Fernandes, Georg Luckás, Gilberto Luiz Alves, Herbert S. Klein, Hugo Allan Matos, Ignacy Sachs, Isabel Lúcia Loureiro, John Murra, José Paulo Netto, Josué de Castro, Júlio José Chiavenato, León Pomer, Leslie Bethel, Louis Althusser, Louis Boudin, Luiz Werneck Vianna, Marco Aurélio Nogueira, Mariluce Bittar, Michel Chossudovsky, Milton Santos, Moema Viezzer, Natan Wachtel, Nelson Werneck Sodré, Paulo Freire, Paul Singer, Raúl Prada Alcoreza, René Bascopé Aspiazu, René Zavaleta Mercado, Sergio Almaraz Paz, Sérgio Buarque de Holanda, Tariq Ali, Theotônio dos Santos, Valmir Batista Corrêa e Wadia Schabib Hanny (uma de suas obras se encontra ao final do texto).

 

Não é demais colocarmos em destaque o chamado "eurocentrismo". Trata-se do ângulo pelo qual a quase totalidade dos autores e cientistas mais divulgados estuda o nosso planeta e as diferentes etnias ao longo da história da humanidade. É por conta dessa compreensão de mundo, vesga e desfocada, que absorvemos uma série de preconceitos relacionados com nossos povos originários e os demais povos explorados, seja na América, África, Ásia, Oceania e na própria Europa.

 

Por seu turno, a segregação (apartheid) construída ao longo de séculos de colonização incutiu no cidadão comum preconceitos impregnados no senso comum, até para justificar o injustificável, o tratamento desumano e degradante de nossos semelhantes: "negros e índios não têm alma"; "índio preguiçoso"; "preto, quando não suja na entrada, suja na saída"; "taí um negro de alma branca", "nada como uma pretinha virgem para curar a virilidade", "cabelos longos, ideias curtas", "mulher no volante, perigo constante", "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher" etc.

 

Ou ainda: "ah, se tivéssemos sido colonizados pelos ingleses!..."; "português burro"; "amigo paraguaio"; "mulher paraguaia", "boliviano, chiquitano, come pano"; "boliviano traficante"; "japonês garantido, garantido: come repolho e ... fedido"; "alemão batata"; "italiano cosa nostra"; "turco não compra banana para não jogar a casca"; "árabe traficante"; "palestino terrorista"; "judeu vende a mãe mas não a entrega", "cigano ladrão", "presente de grego", "amante argentina", "mulher brasileira", "brasileiro vigarista", "carioca malandro", "amigo peruano", "indústria paraguaia", "matuto otário" etc.

 

Como vemos, é um grande desafio superar este abismo aparentemente intransponível, ainda mais nestes tempos mesquinhos de globalização ou, no dizer de Chossudovsky, de pensamento globalitário (de totalitarismo global), em que o diferente, na ótica dos "senhores" do mundo, é condenável.

 

"Nada do que foi será, de novo, do jeito que já foi um dia. Tudo passa. Tudo sempre passará." (Lulu Santos, "Como uma onda")

 

b) Conquistas sociais

 

Pois o governo e a sociedade brasileira tiveram a coragem de fazê-lo, ao ousar transformar as velhas bandeiras de luta em políticas públicas, de modo propositivo, proativo, negociado. Enquanto a União Europeia - de Nicolas Sarkozy, Silvio Berlusconi e José María Aznar - se fechava em si mesma, criando leis nazifascistas para perseguir imigrantes oriundos do Leste europeu, da África, da América Latina e da Ásia, o generoso povo brasileiro escrevia um novo capítulo da História (com letra maiúscula) da humanidade.

 

Aliás, é a mesma nação que escreveu a Constituição Cidadã (sobre cujo teor alguns desinformados ainda teimam em falar besteiras) e inseriu nela a prerrogativa do Controle Social em seu título da Ordem Social - que torna nossa democracia efetivamente participativa -, abrindo alas para o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Orgânica da Assistência Social, a Lei Orgânica da Saúde, a Lei do SUS, a Lei da Vida (sobre meio ambiente), o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Cidade, o Estatuto do Idoso, a Lei Maria da Penha, a Lei da Acessibilidade, a Lei de Cotas, a Lei da Igualdade Racial e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, entre outras não menos importantes.

 

Mas nada foi obra do acaso. Para que cada uma dessas conquistas sociais tivesse vingado, ou melhor, tivesse virado lei, durante décadas (senão séculos) foram empreendidas lutas, muitas vezes com derramamento de sangue, perda de vidas humanas e prisões arbitrárias, com tortura e execução sumária. Até porque, até bem recentemente, movimento social era "coisa de comunista", "de subversivo", "de agitador", "de criminoso" - assunto de polícia, que resolvia ao sabor dos interesses dos coronéis de cada região ou do ditador de plantão.

 

Foi o caso do líder imortal Zumbi dos Palmares; de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (da Inconfidência Mineira); Manuel Faustino dos Santos Lira, João de Deus do Nascimento, Luiz Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas (da Conjuração Baiana / Revolta dos Alfaiates); Frei Caneca (da Revolução Pernambucana), e o Sargento Aquino Pompeu de Barros (da Revolta de Corumbá, década de 1920). Não nos esqueçamos de Túpac Katari, Túpac Amaru, Juana Azurduy de Padilla e "Las Heroínas de La Coronilla", na luta de nossos irmãos alto-peruanos e platinos contra o jugo espanhol, tão sanguinário quanto a tirania da coroa lusitana. E nos lembremos sempre das Mártires de Nova Iorque de 8 de Março de 1857, dos Mártires de Chicago de 1º de Maio de 1886, de Rosa Luxemburgo, de Olga Benario Prestes, Leocádia Prestes, de Chiquinha Gonzaga, de Bertha Lutz, de Wega Nery, de Domitila Barrios de Chungara, de Josefina Ferreira Guató, de Jamila Bouhired, de Lina Palestina, de Hassiba Ben Bouali, de Warwa Sherbini, de Mahatma Gandhi, de Malcolm X, de Martin Luther King, de Nelson Mandela, de Ernesto Che Guevara, de Rubens Paiva, de Carlos Marighela, de Apolônio de Carvalho, de Luiz Carlos Prestes, de Néstor Paz Zamora, de Victor Jara, de Jorge Cafrune, de Pablo Neruda, de Salvador Allende, de Juscelino Kubitschek, de João Goulart, de Marcelo Quiroga Santa Cruz, de Luis Espinal, de Juan José Tórrez, de Ahmad Ben Bela, de Gamal Abdel Nasser, de Yasser Arafat, de George Habashe, de Chico Mendes, de Marçal de Souza, etc.

 

Ao longo da História, graças a pensadores que ousaram até com a vida quebrar velhos preconceitos, ainda que aos poucos, a partir do Renascimento (movimento cultural posterior à Idade Média das fogueiras inquisitoriais), começou a ser difundida nova concepção de sociedade, com base na solidariedade, igualdade, liberdade e cidadania. Primeiro foi a separação da igreja do Estado, instituindo o poder laico. Depois, a divisão do poder central em três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Em seguida, a estruturação da democracia como valor universal, quando caíram quase todos os reinos da Europa e uma nova classe social (a burguesia) chegou ao poder. Mais tarde, as concepções sociais e a instauração dos valores socialistas, com a ascensão da classe trabalhadora ao poder, por processo eleitoral ou por revolução. E tempos depois, já no final do século XX, os novos conceitos de sociedade sustentável, econômica, ambiental, social, cultural e politicamente. Nesse contexto é que a diversidade ganhou o seu espaço e deu legitimidade à democracia nos países do Terceiro Mundo.

 

"Mudar é difícil, mas possível." (Paulo Freire)

 

c) Políticas públicas

 

Em todas as áreas (saúde, educação, assistência social, meio ambiente, inclusão social, direitos individuais, sociais, coletivos e difusos), tudo foi fruto dos movimentos sociais: o Movimento da Reforma Sanitária lutou pela implantação do Sistema Único de Saúde (SUS); o Movimento Criança Constituinte Prioridade Absoluta, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente; o Movimento do Serviço Social, pela Lei Orgânica da Assistência Social (que com o presidente Lula avançou para o Sistema Único de Assistência Social), pela Lei da Acessibilidade, pelo Estatuto do Idoso; o Movimento Ambiental, pela Lei da Vida, pela Lei dos Recursos Hídricos; o Movimento Estudantil, pelo passe-livre dos transportes coletivos, pela meia-entrada em eventos culturais e esportivos, pelo ensino público e gratuito em todos os níveis; o Movimento Sindical, pelos direitos laborais, sindicais e coletivos, etc.

 

Obviamente, para as conquistas cidadãs de gênero, o Movimento das Mulheres foi decisivo, e para a promoção da igualdade racial o Movimento Negro e o Movimento Indígena, particularmente, foram estratégicos. Mas, sem dúvida, a vontade política de um governo de perfil popular e progressista como o de Lula, que teve a coragem de romper tabus e ir contra interesses gigantescos, foi determinante para que essas conquistas saíssem do papel e fossem sendo construídas, democraticamente, como políticas públicas, políticas de Estado, sobretudo em nível local.

 

Parece, para muitos, que a Lei Maria da Penha e a Lei das Cotas são "pura demagogia" - tal qual, no início da década de 1990, o Sistema Único de Saúde (SUS) ou o Estatuto da Criança e do Adolescente, que, aliás, até hoje têm poderosos inimigos declarados, por conta de interesses inconfessáveis contrariados. Pois, tanto os avanços consignados na punição da violência contra a mulher quanto a adoção das cotas para garantir o acesso à universidade, por exemplo, representam um salto qualitativo que muitos membros do Movimento das Mulheres bem como do Movimento Negro e do Movimento Indígena não conseguiram compreender. Não se trata de demagogia e muito menos de esmola: é política pública - deixou de ser um "ato magnânimo do político X" para virar política de Estado, independentemente de quem estiver nos cargos executivos nas três esferas administrativas da Federação: na União, nos estados ou no Distrito Federal e nos municípios brasileiros, onde toda a população brasileira mora, onde a efetividade das políticas acontece ou não, dependendo do nível de organização e resolutividade da cidadania e de seus gestores públicos.

 

É indispensável que se deixe claro por que há muitos setores contrariados com políticas públicas voltadas para a afirmação dos direitos da mulher e da promoção da igualdade racial, tal como as cotas raciais e os programas de distribuição de renda corajosamente implantados nos últimos dez anos: além dos políticos atrasados que sempre tiraram alguma vantagem em cima das disparidades sociais e raciais (com posturas quixotescas, muitas vezes barganhando vantagens para os seus grupelhos), há muitas organizações sociais que não se ativeram à evolução dos tempos e, de forma equivocada (ou até por má-fé, muitas vezes), temem que a existência de programas e políticas governamentais possam tirar-lhes a hegemonia em seu contexto social. É o tipo de pensamento mesquinho que de nada serve para a emancipação da mulher e das camadas populares quanto para o devido reparo da dívida social feita ao longo de mais de três séculos de exploração e segregação racial, promovidas em nome do alardeado "desenvolvimento" - de alguns em detrimento de toda a humanidade.

 

Pois, em nível local, temos desafios inadiáveis, como: a) consolidarmos a afirmação da mulher como timoneira dos destinos da cultura fronteiriça e pantaneira, cuja tradição avoenga fez da generosidade matriarcal a sobrevivência dos usos e costumes tradicionais e originários; b) efetivarmos a adoção do espanhol como segundo idioma nesta fronteira com a Bolívia e o Paraguai; c) construirmos um calendário multicultural de festejos, cultos e datas emblemáticas (não apenas as cívicas, mas a de forte sentimento sociocultural) capaz de contemplar todas as culturas das comunidades existentes em Corumbá; d) incluirmos, no âmbito da educação, temas pertinentes ao cosmopolitismo local (a diversidade cultural guató, kadiwéu, chiquitana, africana, boliviana, paraguaia, árabe-palestina, árabe-síria, árabe-libanesa, italiana, espanhola etc); e) instalarmos, no âmbito do município, um centro de referência das línguas faladas na região (português, espanhol, guarani, guató, kadiwéu, chiquitano, quéchua, aymara, árabe, italiano etc), e f) implantarmos, em pareceria com o Governo Federal, um centro de defesa de Direitos Humanos, na perspectiva da(o) cidadã(o) comum, anônima(o), de modo a não permitir que o tradicional burocratismo tome conta da instituição.

 

Portanto, diante desta oportunidade histórica, queremos saudar a todas as participantes desta Mesa de Diálogo promovida corajosamente pela Gerência de Políticas da Mulher de Corumbá, bem como do Fórum de Promoção da Igualdade Racial de Corumbá, convocando-os a construir plenárias permanentes como fruto deste conclave - fóruns permanentes para a implementação das propostas locais e a articulação de todos os segmentos envolvidos neste desafio histórico.

 

Avante na luta, sempre!

 

"Um mais um é sempre mais que dois." (Beto Guedes, "O sal da Terra")

 

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