CORUMBÁ
DE TODOS OS CREDOS E TODAS AS CULTURAS
“O paraíso é aqui!” Essa
expressão de reconhecimento e gratidão foi dita inúmeras vezes ao longo dos séculos
XIX, XX e XXI por diversos imigrantes encantados com tamanha exuberância e,
sobretudo, pela hospitalidade singular deste Povo generoso e incansavelmente laborioso.
Corumbá não combina com a violência generalizada que ameaça de morte o Estado
Democrático de Direito.
Desde que me entendo por gente, ainda em tenra
idade, não canso de testemunhar inúmeras declarações de amor pelo Povo
Corumbaense (com letras maiúsculas). Depois de ter ouvido de meu saudoso Pai a
justificativa de sua opção por Corumbá aos 50 anos de idade, ouvi de diversas
pessoas, de diferentes profissões, culturas, origens étnicas e até
circunstâncias em que imigraram a mesma manifestação de amor e gratidão.
Em mais de uma centena de artigos publicados em
jornais e revistas em português, espanhol, inglês e árabe, Mahoma Hossen Schabib
deixou com todas as letras sua eterna gratidão pelo Povo Corumbaense e por
Corumbá, a quem comparava com Turim pelas similaridades históricas e
geográficas. Além do velho Diário de
Corumbá, seus artigos estão nas hemerotecas do Diário da Manhã, de Corumbá; do Jornal
da Cidade, de Campo Grande; do Al-Anbá
(o original, dirigido por Júlio G. Atlas, em São Paulo), e do La Razón, de Trinidad (Beni, Bolívia).
Não bastasse esse testemunho, ninguém menos que o
saudoso Padre Ernesto Saksida, em diversas declarações sobre a origem da Cidade
Dom Bosco, também deixou claro o seu deslumbramento por Corumbá e o Pantanal.
Igualmente, o saudoso Padre Pasquale Forin deixava nítida como a luz do dia a
razão pela qual decidiu permanecer em Corumbá até mesmo depois de aposentado. O
saudoso Dom José Alves da Costa, já como Bispo Emérito de Corumbá, quando veio
inaugurar a sede da Casa de Recuperação Infantil Padre Antônio Müller, em 2004,
também assim se manifestou, recordando que sua saúde precária o levara de
Corumbá.
Se parecesse exagero, a permanência do saudoso Dom
Segismundo Martínez Álvarez, Bispo Emérito de Corumbá, é a prova cabal sobre o
fascínio que o coração do Pantanal causa entre as pessoas generosas e
abnegadas. Isso também ocorreu com o saudoso Pastor Cosmo Gomes de Souza e o
saudoso Pastor Antônio Ribeiro -
o primeiro veio a Corumbá como Pastor da Primeira Igreja Batista de Corumbá, em
fins da década de 1960, e ficou mesmo depois de ter aposentado; o segundo, como
Pastor da Igreja Batista do Centenário, durante a década de 1980, também se
decidiu por ficar até o último dia de sua Vida.
Não são poucos os imigrantes, pelas mais diferentes
razões, que se dizem encantados por Corumbá, Ladário e o Pantanal. Por ser hoje
uma verdadeira instituição, vou citar mais uma vez o querido e lúcido Senhor
Jorge José Katurchi, cujo amor pelo coração do Pantanal e da América do Sul
está acima de qualquer dúvida. Ele desafia a todo interlocutor: “Duvido que
exista alguém que ame mais Corumbá do que eu! Pode haver que ame tanto quanto
eu, mas não mais que eu...” E é precisamente dele a declaração de que “o
paraíso é aqui!”, ainda que tenha experimentado alguns dissabores em certos
momentos de sua Vida.
Elencados tais testemunhos, da mais alta dignidade,
e que referendam a convicção de que estamos na melhor região do Planeta, ainda
que estes sombrios tempos insistam em causar alguns inconvenientes
injustificáveis. Um deles, aliás, é o recente episódio em que a desnecessária,
inoportuna e extemporânea manifestação de intolerância religiosa por policiais
militares no último final de semana no interior de uma moradia umbandista, e
logo no bairro Padre Ernesto Sassida, construído em memória do querido e
abnegado sacerdote salesiano que dedicou sua Vida pelas crianças e famílias
vítimas da exclusão social.
As imagens falam por si. O direito ao sagrado, à
devoção religiosa, é inalienável. Como justificar cassetetes e agressões dentro
de um espaço religioso? Na Roma dos césares que perseguiram os cristãos até a
conversão do imperador Constantino ao cristianismo a intolerância já era objeto
de repulsa e condenação. Diversos são os documentos que registram a truculência
dos agentes do Estado, já em franca decadência, rumo ao fim que eles mesmos
causaram. Erros do passado não podem ser repetidos, sob quaisquer justificativas.
E cabe aos agentes do Estado, nas instâncias superiores, a punir com rigor
tamanha desfaçatez.
Num passado remoto, cenas como essas eram
recorrentes na Corumbá cosmopolita dos anos 1960, até por conta da vigência de
um regime de exceção. No entanto, depois da promulgação da Constituição de
1988, episódios lastimáveis como esse não eram tão comuns neste pedaço do
paraíso. Numa região em que a diversidade religiosa e cultural é tão grande, é
preciso capacitar os agentes do Estado para que a convivência fraternal aqui
existente não se perca, não se dilua e nem sirva de pretexto para mais
violência. Até porque a Constituição Federal de 1988 é muito clara quando
declara que o Estado Democrático de Direito é laico e tem como razão de ser o
bem-estar de todos os seus cidadãos.
Tive a honra e o privilégio de privar da Amizade
de grandes defensores do Direito, entre eles os saudosos Doutor Joilce Viegas
de Araújo, Doutor Lício Benzi Paiva Garcia, Doutor Walter Mendes Garcia e
Doutor Márcio Toufick Baruki, de gratas memórias. Fosse na Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) ou mesmo na sua Comissão de Direitos Humanos, eles eram
rigorosamente duros quando se tratava de denúncia de violação de direitos. Mais
que reparar um dano coletivo, trata-se de reiterar o compromisso inequívoco das
instituições com os cânones da cidadania, aliás, cláusulas pétreas consignadas
solenemente na Carta Constitucional brasileira de 1988.
Vivemos tempos sombrios, não há qualquer dúvida.
Mas não podemos transigir de valores civilizatórios construídos ao longo de
milênios, sob pena de pormos a perder conquistas de diversas gerações (ou
dimensões) dos Direitos Humanos. Como nunca, fundamentais para assegurar a
transição para as gerações vindouras, dignas de uma sociedade melhor, mais
digna, justa e fraterna. Ainda ecoam as sábias e contundentes palavras do
Doutor Ulysses Guimarães naquele 5 de outubro de 1988, quando a Cidadania
celebrou seu reencontro com a História, da qual não nos afastaremos.
Ahmad
Schabib Hany
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