DEZ
ANOS SEM HELÔ
Parece que foi ontem. Ela se
tornou eterna, e sempre terna. Sua gargalhada contagiante, seu olhar crítico e
cúmplice (no melhor sentido), seus critérios sábios, suas ideias geniais. A
humanidade passará mais dois mil anos para encontrar alguém como Helô, a
incansável revolucionária do amor, da genialidade e do respeito pelo ser
humano, do âmago da humildade... Helô Urt, sempre na memória e no coração!
Heloísa Helena da Costa Urt. Eternamente jovem,
irreverente, incansável e trabalhadora como poucos. Passados dez anos (que
parece ontem!) de sua súbita eternização, Helô é unanimidade: cultura,
solidariedade, abnegação, atitude, sinceridade e companheirismo - tudo
isso e muito mais, sem ser piegas, coisa que ela mais detestava...
Desde tenra idade, Helô rompeu paradigmas: nascida
e criada em uma família de valores sólidos e tradicionais, um lar tipicamente
árabe, em que o rigor e os costumes têm um valor imensurável, a eterna e terna
lutadora de grandes causas veio para causar,
na fala dos jovens de hoje. Sem papas na língua, desarmava o mais eloquente
argumentador por meio de perguntas simples, e por isso sábias.
Espontânea, lógica e profundamente irreverente;
ora sensível, ora rigorosa; generosa e abnegada o tempo todo. Trocou a
estabilidade de uma vida confortável e previsível pela incessante procura de
novos tempos para os sem voz e sem vez. Corajosa, não temia a cara feia de
nenhum ‘grandão’. Ao contrário, desafiava os mais arrogantes e prepotentes de
seu tempo.
A fala afiada e imprevisível tinha sim causa e
propósito: de raciocínio rápido e ideias próprias, Helô dava a mão e todo o
apoio possível e impossível a quem de fato precisasse - e
nunca errou quando dizia que não confiava em determinadas pessoas. Como pessoa
de alma boa, seu critério era justo e sábio, azar daquele que não inspirasse
confiança para ela.
Palestina pantaneira, nasceu no início da segunda
metade do século XX. Num tempo em que mulher nascia com destino marcado desde o
dia do nascimento. Com ela, isso jamais funcionou: sem se desgastar em
discussões estéreis, cada passo, calculado, que ela dava tinha razão, tinha causa.
Sem muito esforço, mas com muita tenacidade, Helô soube conquistar, um a um,
todos aqueles com os quais conviveu.so
Personalidade forte, ideias claras, propósitos
generosos. Os sessenta anos vividos com intensidade pareceram voar diante do
horizonte largo e intrincado que encontrou diante de si. Mas como uma lutadora
de grandes causas nunca lutou sozinha: sempre em grande e sincera companhia,
fez-se cercar de mulheres e homens dignos e valorosos.
Se pensarmos bem, tudo a que ela se dedicou com
pioneirismo (cultura popular, meio ambiente, ciência, artes, letras, educação,
política transformadora etc) até hoje vive colhendo o que ela semeou, trinta,
vinte anos atrás. Viola de cocho, cururu, siriri, São João, carnaval popular,
defesa do Rio Paraguai, Assentamentos, Codrasa, direitos das trabalhadoras e
trabalhadores humildes (não só garis como os da coleta de lixo e do lixão),
organização dos artistas em seus respectivos segmentos, promoção de eventos em
todas as áreas, inovação e criatividade. Tudo isso sem vaidade ou egoísmo.
Com todo o respeito pelos que a sucederam na
gestão da Cultura, mas depois que ela se eternizou nunca houve inovação, apenas
continuidade daquilo que ela, com pioneirismo e muita determinação, já havia ousado
tentar. É uma mulher à frente do seu tempo, e verdadeira cidadã do mundo (como
provou nas diversas viagens que fez como mochileira à América Latina e à
Europa). Mas nunca revelou isso, porque não gostava de ostentação nem ‘viralatice’
-
detestava o sabujismo das elites pelo esnobismo ocidental, como que fossem os
donos da civilização (descendente do milenar Povo Palestino e nascida no
coração do Pantanal e da América do Sul, ela sabia que a cultura, como a história,
não têm amos nem lacaios, apenas passageiros efêmeros).
Desafiara
os burocratas, vencera os serviçais, destituíra os trava-portas, promovera os
humildes, projetara os sinceros, reconhecera os leais, valorizara os
guerreiros, ajudara os transformadores, fortalecera os trabalhadores. Atuou
como se fosse imortal (e é, como prova a história), mas com a urgência de quem
tinha que partir precocemente...
Querida Helô, seguimos com Você, como guia travessa e desconcertante que desafia os medíocres e ensimesmados inebriados com seu próprio narcisismo, de sua insignificância atrevida, que Você tanto combateu. Sábia, Você saiu de cena para não ter que ver ineptos e mentecaptos atentando contra a grandeza e a soberania do Povo Brasileiro, que Você tanto amou e por quem Você dedicou seus melhores dias e toda a generosa e inatacável inteligência. Sempre na memória e no coração!
Ahmad
Schabib Hany
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