quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

VIRGÍLIO ALEIXO É TEMA DE PESQUISA DE DOUTORADO NA UFRJ


VIRGÍLIO ALEIXO É TEMA DE PESQUISA DE DOUTORADO NA UFRJ

Projeto de pesquisa de Layanna Freitas do Carmo sobre Virgílio Aleixo, devoção corumbaense com quase 100 anos, é aprovado pelo Programa de Doutorado em História Comparada da UFRJ.

Na década de 1960, ainda criança, chamavam-me a atenção anúncios discretos nas páginas internas e na última dos diários da época com as iniciais de devotos que agradeciam por uma graça alcançada a diversos santos e a um nome desconhecido, Virgílio Aleixo: “Agradeço a Virgílio Aleixo por uma graça alcançada.”

De família de imigrantes árabes, embora chegados pela Bolívia, esse nome não me era comum, inclusive na escola católica em que aprendi as primeiras letras, a saudosa Escola Paroquial Nossa Senhora de Caacupê, cuja sede era exatamente na atual Casa dos Conselhos, à rua Antônio Maria, ao lado da capela datada de 1936.

Já adolescente, ao lado de meus Amigos das primeiras experiências cidadãs -- João de Souza Álvarez, Juvenal Ávila de Oliveira e Benedito Jesus Silva da Cruz (este cacerense evangélico, da Congregação Cristã no Brasil) --, quando ousamos criar o “Clarim Estudantil”, um jornal interescolar, em 1975, um/a de nossos/as colaboradores/as (lamentavelmente não me lembro do nome do/a colega) nos procurou para saber se era possível escrever algo sobre Virgílio Aleixo (que para mim ainda era uma incógnita), pois alguém em sua família era devoto/a e queria também manifestar essa gratidão. Como o jornal estudantil teve uma vida efêmera, a edição que publicaria essa matéria não foi impressa e todas as colaborações foram devolvidas aos/às respectivos/as autores/as.

Depois de algum tempo, ao saber que o Amigo Juvenal Ávila de Oliveira é de família espírita, fui saber quem era Virgílio Aleixo e como a devoção começou a ser popularizada em Corumbá. Como a família do saudoso e querido Amigo Márcio Nunes Pereira, o Jornalista que dirigiu o “Diário de Corumbá” entre 1984 e 1997 (ano em que precocemente faleceu), também é kardecista, e num daqueles momentos em que entregava aos colegas da gráfica do jornal o anúncio com o agradecimento, quis saber mais detalhes sobre essa devoção, o que ele fez com a naturalidade de todo corumbaense.

Foi na década de 1990 que uma família de devotos de Virgílio Aleixo abriu um drogaria na rua Delamare e mais tarde uma filial na rua Quinze de Novembro, defronte ao Hospital de Caridade, que deve ter permanecido por uns cinco anos, até encerrar suas atividades entre 1998 e 1999, quando se mudou para Bauru, interior de São Paulo. O casal de proprietários fazia questão de explicar a razão do nome, até por conta da devoção que tinham pelo jovem tragicamente morto no início do século XX em Corumbá, nas imediações do Hospital de Caridade, cuja sede pioneira já estava construída.

Nessa mesma época o Pacto Pela Cidadania, coordenado pelo querido e saudoso Dom José Alves da Costa, então Bispo Diocesano de Corumbá, estava em plenas atividades, junto com o Comitê de Corumbá e Ladário da Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida (a campanha do Betinho, apoiada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB). Nossos encontros eram semanais, e algumas vezes quase diários. Numa dessas oportunidades, enquanto aguardávamos a chegada de integrantes de alguma das inúmeras equipes temáticas, ousei perguntar-lhe sobre Virgílio Aleixo, e ele sabiamente me respondeu ter-lhe chamado a atenção essa devoção, inclusive citando o “Diário de Corumbá”, que ele assinava, e sugerindo que fosse feita uma reportagem sobre ela (a devoção), que ele considerava bastante singular.

Cheguei a comentar com o Jornalista Márcio Nunes Pereira sobre a sugestão de Dom José Alves da Costa, e me lembro que ficou de pensar sobre o tema: o problema é que o “Diário de Corumbá”, composto e impresso pelo sistema tipográfico, só contava com duas páginas para notícias e reportagens (as outras quatro eram destinadas a anúncios e editais de proclama e de protesto) e, por ser combativo, não estava na lista dos aquinhoados com as verbas públicas tanto da administração federal, como da estadual e das municipais, de Corumbá e Ladário. Desde 1994, quando a Urucum Mineração S/A, por meio de um polêmico leilão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (em que o famigerado Banco Vetor era o responsável por aquilo que chamavam de privatização) foi encampada pela Companhia Vale do Rio Doce S/A, então estatal (por isso não foi “privatização”, conforme denúncia de uma ação popular encabeçada pelo falecido senador José Fragelli e amplamente repercutida pelo jornal). Esse sempre foi o preço da independência e da combatividade.

No tempo em que tive a honrosa experiência de ser professor substituto no curso de História no Campus do Pantanal (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), conheci quatro brilhantes alunos/as que de algum modo lidaram com essa temática. O hoje meu colega, trabalhando em Presidente Prudente (SP), Professor Miguel Lúcio Rocha, chegou a esboçar um projeto de pesquisa para a graduação em História, que acabou abandonando por causa da exiguidade de tempo de que então dispunha (apenas um semestre). Por meio do querido Amigo Jornalista Nelson Urt, hoje Professor e mestrando em Estudos Fronteiriços, conheci a Professora Marilene Rodrigues (Mestre em Educação em 2017 pelo CPAN/UFMS), que fez extraordinárias reportagens para o “Correio de Corumbá” durante os anos em que morou em Corumbá, uma das quais sobre Virgílio Aleixo e a devoção existente em Corumbá.

Em julho de 2019, quando saía da Unidade 3 do CPAN/UFMS, antiga sede da Alfândega, e, rumo ao centro de Corumbá, subia a íngreme ladeira José Bonifácio (aquela do imponente prédio da Casa Vásquez & Cia, no Casario do Porto), e por puro acaso me deparei com um jovem casal exausto pela subida em tarde ensolarada e quente, a quem cumprimentei e recomendei que se sentassem no meio-fio até recuperar o fôlego. Mais tarde, já no centro, volto a cruzar com eles, quando me indagam se conhecia um cidadão de nome estrangeiro, que, para minha surpresa, era eu mesmo. Vinham de Goiânia e estavam à procura de documentos e depoimentos de pessoas que tivessem informações sobre Virgílio Aleixo e a devoção existente em Corumbá desde a primeira metade do século XX.

Tratava-se da Professora Layanna do Carmo e de seu Companheiro, o Professor universitário Erisvaldo de Souza, da Universidade Estadual de Goiás (UEG). De férias, vieram a Corumbá para reunir dados sobre Virgílio Aleixo para o projeto de pesquisa para o doutorado em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Como já estavam com a passagem marcada para retornar em dois dias, naquela mesma tarde os/as coloquei em contato com algumas pessoas com mais idade e que conheciam outras que, por serem espíritas poderiam fazer depoimentos, mas tudo bastante precário, diante da premência do tempo. Coube ao talento, capacidade e, sobretudo, perseverança da Professora Layanna e do apoio do Professor Erisvaldo a elaboração do projeto de pesquisa e o rigor científico exigido pela academia. Decorridos praticamente cinco meses, chega-nos a notícia da aprovação de seu projeto de pesquisa sobre o conhecido -- como se diz popularmente, “de ouvir dizer” -- Virgílio Aleixo e da devoção corumbaense que agora vira tese de Doutorado numa renomada universidade brasileira.

Parabéns à jovem pesquisadora Layanna do Carmo, que veio desde Goiás para dar visibilidade ao popularmente devotado Virgílio Aleixo, a ser analisado e reconhecido em uma célebre universidade localizada no Rio de Janeiro, capital federal no tempo em que viveu e precocemente se eternizou.

Ahmad Schabib Hany

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