51 ANOS DE UMA NOITE
INTERMINÁVEL
Cinquenta e um
anos atrás, numa sexta-feira, 13 de dezembro de 1968, em meio a uma sucessão de
atos trôpegos e evidente falta de sintonia entre as forças que dividiam as
responsabilidades pelos destinos de uma nação tomada pelo medo, de joelhos e
sem qualquer esperança, um porta-voz em tom grave, com evidente expressão de apreensão
pelos rumos que a partir de então o País tomaria, torna público o teor do
famigerado Ato Institucional nº 5 (o temido AI-5). Sombrio, o pesaroso final de
ano prometia se transformar numa noite interminável, como bem o Jornalista
Zuenir Ventura intitula sua obra que trata desse período, 1968, o ano que não
terminou (editada há 31 anos e que lamentavelmente a maioria da juventude
letrada brasileira nunca o leu e sequer pretende ler).
Chega a ser
redundância -- aliás, desperdício --, tentar compartilhar a preocupação sobre as
razões de um País com as dimensões do Brasil aparente padecer de um
inexplicável sentimento de indigência humana quando tem um povo tão generoso,
alegre, laborioso e, sobretudo, determinado. O equacionamento dessa conta que historicamente
não fecha, na verdade, é o “abre-te, Sésamo” do enigma que devora todo e
qualquer projeto de soberania e emancipação de uma Nação destinada a pacificar a
Terra e a abastecer de iniciativas inovadoras os seus problemas maiores: a
fome, a desigualdade, a falta de oportunidades para todos/as e o nivelamento
por cima das balizas da dignidade humana no solo pátrio. E é imprescindível
reiterar que sempre há uma intervenção golpista quando a educação é o foco da
prioridade: as elites caducas e serviçais dos interesses antinacionais não
suportam qualquer iniciativa que dê poder ao povo, ao cidadão anônimo,
sobretudo por meio da educação.
Getúlio Vargas, em
1954, estava promovendo uma verdadeira revolução cultural (além da implantação
da indústria de base, seu governo estava equacionando a questão da educação por
meio do projeto de lei que somente em 1961 se transforma na primeira Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº 4.024/1961), quando as
elites emboloradas, em conluio com a embaixada dos Estados Unidos, promovem a
campanha “anticorrupção” e transformam o então presidente eleito e maior líder
popular da história em candidato a presidiário em pleno exercício do maior
cargo da República. Mais tarde, em 1964, esses mesmos canalhas vendilhões da
pátria conspiram contra o Estado de Direito e, em 1º de abril daquele ano
nefasto, implantam um regime ditatorial que só é desarticulado em 15 de março
de 1985, e mesmo assim sem o vencedor do processo, presidente eleito Tancredo
Neves.
Implantado o
Estado Democrático de Direito, por meio da Constituição Federal de 1988, não
demorou muito para que um vice-presidente golpista e comprovadamente corrupto
(como as inúmeras gravações comprovam mas, segundo os/as doutos/as, não reúnem
provas para instaurar um processo judicial que o encarcere, até porque ele sabe
demais) dirigisse um arremedo de “impeachment” contra a Presidenta Dilma
Rousseff, a destituísse, acabasse com conquistas sociais e programas de excelência
para reduzir a desigualdade social e levasse para o presídio, antes de ter
transitado em julgado, o então líder das pesquisas de intenção de voto para a
Presidência da República, que permaneceu quase dois anos nas masmorras da “republiqueta
de Curitiba”.
Como, em sã
consciência, um povo que, há menos de 15 anos, chegou a ser unanimemente
considerado modelo para as políticas sociais de enfrentamento de uma das mazelas
sociais mais gritantes da história da humanidade -- a fome, a miséria, sem ter
ocorrido um flagelo que justificasse tamanha tragédia humana --, tendo sido
chamado para todos os grupos de articulação do concerto das nações na
perspectiva da superação do velho paradigma herdado da guerra fria e de sua
lógica da dominação a qualquer custo?
É simplesmente uma
vergonha que pessoas sobejamente instruídas, detentoras de diplomas
universitários e currículos avantajados tenham o cinismo, a insolência, de
minimizar o sentido histórico desta experiência real e vívida, que abriu horizontes
nos mais diferentes quadrantes do Planeta. Não há inteligência humana,
argumento razoável, suficientemente consistente para justificar as desrazões de
tanta sordidez disseminada com o único afã de tornar sem sentido as conquistas
decorrentes de um conjunto de medidas aparentemente óbvias nunca antes adotadas
pela até então sétima economia do mundo.
Pior: ao permitir
que uma quadrilha políticos corruptos e depois outra de milicianos/as venha
destruir conquistas consignadas no arcabouço jurídico pátrio há 31 anos (e
outras com mais de 80 anos de muita pugna em todas as frentes, políticas,
sociais, econômicas e culturais), celebradas no ato solene de promulgação da
Carta Constitucional de 1988, a célebre Constituição Cidadã, em que
brasileiros/as que contribuíram para a sua concretização, com a estatura e a
conduta ilibada de Ulysses Guimarães, Wilson Barbosa Martins, Eduardo Suplicy,
Benedita da Silva, André Franco Montoro, Teotônio Vilella, Severo Gomes, Sepúlveda
Pertence, Ibsen Pinheiro, Dante de Oliveira, Plínio Barbosa Martins, Audálio
Dantas, Fernando Morais, Freitas Nobre, Cristina Tavares, Florestan Fernandes,
Eloneida Stuart, Luíza Erundina, Jandira Feghali, Sérgio Arouca, Marcos Freire,
Fernando Santana, Chico Pinto, Fernando Lyra, Alencar Furtado, Flávio Bierrenbach,
Nelson Jobim, Luiz Inácio Lula da Silva, Mário Covas, Vivaldo Barbosa, Plínio
Arruda Sampaio, Haroldo Lima, Ademir Andrade, Brandão Monteiro e Jamil Haddad.
Obviamente, pessoas
que não leem e se recusam a querer conhecer a história recente ou pretérita do
País, de complexidade tão enorme quanto suas dimensões territoriais e
diversidades regionais, não podem nem devem ser ouvidas, lidas ou levadas a
sério. Ignorantes sem dissimulo, convertidos repentinamente em paladinos da
verdade por hordas de fanáticos/as religiosos/as e milicianos/as e assemelhados/as
vêm levando o Brasil a verdadeiro caos institucional e ao descrédito internacional,
não apenas pelos impropérios excretados levianamente, mas pelas atitudes
irresponsáveis perante a mídia internacional, na qual figuras sem qualquer
pudor ou zelo pelo cargo que exercem querem ganhar os holofotes à custa da ridicularização
do povo brasileiro e de sua história dignificante.
Fica a lição que a
história nos deixou com marcas indeléveis de dor, sangue e lágrimas: a insanidade
da barbárie que ensanguentou a Nação não pode, nem por leviandade ou por
ignorância, tentar voltar ao nosso cotidiano, pesaroso e desencantador, é
verdade, mas digno de respeito, proteção e vigilância cidadã. Não são poucas as
iniciativas populares de pôr fim ao arbítrio que ameaça voltar a se impor sobre
a cidadania brasileira, com a mesma coragem que guiou as emblemáticas e
corajosas atitudes então compartilhadas por seres generosos como Dom Hélder
Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Luciano Mendes de
Almeida, Dom Aloísio Lorscheider, Dom Ivo Lorscheiter, Dom Tomás Balduíno, Dom José
Maria Pires, Dom Sérgio da Rocha, Dom Angélico Sândalo Bernardino, Dom Demétrio
Valentini, Dom Moacir Grecchi, Dom Mauro Morelli, além do Reverendo Jaime Wright
(presbiteriano) e de outros religiosos não cristãos, entre eles o rabino Henry
Sobel (que depois enveredou por outras vertentes e retornou para os Estados
Unidos).
É o que tem nos
ensinado o generoso povo brasileiro, em cujo seio senhoras de condições
modestas mas dignidade inquestionável e seus companheiros de sobrevivência e
labuta, a propósito da celebração do Dia Internacional dos Direitos Humanos em
Corumbá e Ladário, por meio de entidades populares, reiteraram com bravura, determinação
e altivez sua convicção de assegurar um novo raiar no horizonte do País em que as
futuras gerações se regozijem pelas conquistas protagonizadas nestes difíceis e
adversos dias, mas passíveis de superação. Quem venceu 1964 vence e vencerá os/as
bizarros/as marionetes dos interesses inconfessáveis.
Quanto aos/às
vassalos/as, eles/as simplesmente irão para o lixo da História, de onde, aliás, jamais
deveriam ter saído.
Ahmad Schabib Hany
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