domingo, 29 de dezembro de 2019

PADRE PASCOAL, O MISSIONÁRIO DE DOIS SÉCULOS


PADRE PASCOAL, O MISSIONÁRIO DE DOIS SÉCULOS

Sacerdote salesiano de sólida formação humanista, o Padre Pasquale Forin é um incansável missionário que desde sua chegada a Corumbá transformou, com sua sensibilidade cristã inesgotável, a realidade social na área rural como em todos os espaços urbanos desta região de fronteira.

Quando conheci o hoje querido Amigo e Companheiro de incansáveis pugnas cidadãs Padre Pasquale Forin, ou Padre Pascoal, como é mais conhecido, tive a impressão -- quase certeza -- de que o conhecera em outros tempos, tal a Amizade que ele nos desperta. Ele fora convidado para participar de uma celebração ecumênica no antigo auditório do então Centro Universitário de Corumbá (CEUC, atual Campus do Pantanal, ou CPAN, da UFMS) que abria um evento promovido por alunos/as, professores/as e administrativos/as por meio das respectivas entidades representativas.

Estávamos em 1988, auge das mobilizações por avanços nos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte e o então CEUC, sob a direção da querida e incansável Professora Doutora Gisela Levatti Alexandre, realizava uma mesa-redonda sobre a geopolítica de Ronald Reagan e os impactos no processo de democratização da América Latina (vivíamos o dramático momento das intervenções militares estadunidenses mediante mercenários na Nicarágua com financiamento do ágio nas vendas de peças de reposição de material bélico e mísseis para o Irã, em guerra contra o Iraque desde 1980, o famoso caso “Irã-Contras”).

Muito simpático, o Padre Pascoal chegara meia hora antes do acordado para conhecer as pessoas, inteirar-se das discussões que em Corumbá eram travadas no ambiente universitário, até porque fazia menos de um ano que havia chegado ao Coração do Pantanal e da América do Sul como titular da Paróquia de São João Bosco. O saudoso Amigo Pastor Antônio Ribeiro de Souza, da Igreja Batista Missionária, oriundo da Bahia e casado com uma missionária boliviana, era o seu colega de celebração. Lotado o auditório (onde hoje é a Biblioteca Manoel de Barros, do CPAN), aquela memorável celebração teve um efeito iluminador para um evento daquela complexidade.

A partir de então, nossos encontros passaram a ser frequentes, pois o Padre Pascoal está sempre voltado para atividades de pastoral, de protagonismo cidadão, na perspectiva de uma sociedade mais justa e solidária. Nesse mesmo ano tive a honra de conhecer dois de seus colaboradores na Pastoral Social, Geralda e Dionísio, grandes Amigo(a)s com quem convivi no tempo em que estiveram trabalhando em Corumbá. Depois chegaram Ivaneide Minozzo, Milton Zanotto e Amélia Pereira Zanella, mais tarde acompanhados pelo igualmente querido Amigo Luiz Carlos Vargas, período em que a Comissão Pastoral da Terra desenvolveu um trabalho hercúleo junto aos assentamentos e comunidades ribeirinhas.

Ouso afirmar que os projetos de assentamento nesta região do Pantanal (e, de resto, em todo o Mato Grosso do Sul) foram exitosos graças ao incansável e resolutivo trabalho pastoral, que não só desonerou os órgãos dito competentes como deu viabilidade econômica e social aos assentamentos. Com recursos obtidos em instituições católicas da Europa e dos Estados Unidos (como a Cáritas Internacional e a Misereor, da Alemanha), os recursos se multiplicavam em ações efetivas, desde resgate de técnicas tradicionais da região, desenvolvimento de técnicas inovadoras, dinâmicas sociais (construídas por meio de místicas), de fortalecimento de iniciativas solidárias e de compartilhamento de ferramentas e insumos, assistência social, saúde e educação, no período 2003-2016 transformadas em políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar e de compras institucionais, além da formação profissional para os/as filhos/as e netos/as de famílias assentadas, na área de educação universitária, pelo Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária (PRONERA), instituído em 1998.

A Pastoral Social, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), é protagonista, ao lado dos movimentos de trabalhadores rurais e urbanos e demais segmentos populares, pelas conquistas pós-1988 (ano em que a Constituição Federal vigente foi promulgada), em conjunto com a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Movimento da Reforma Sanitária, Movimento Criança Constituinte Prioridade Absoluta, Movimento do Serviço Social etc. Além da Pastoral da Criança e da Pastoral da Terra, há uma dezena de serviços pastorais que fortalecem o tecido social brasileiro, atacado pelo crime organizado e hoje, lamentavelmente, manipulado pelo fundamentalismo neopentecostal ligado aos grupelhos milicianos que infestam a política brasileira, verdadeiramente autoritária e obscurantista.

Mas foi graças a um querido Amigo comum, o grande e incansável Armando Carlos Arruda de Lacerda, na época assessor do saudoso Doutor Fadah Scaff Gattass em seu segundo mandato de prefeito de Corumbá, que pude conhecer melhor o Padre Pascoal, quando fui apresentado à Comissão Organizadora da Segunda Semana Social Brasileira (coordenada pela querida Amiga Irmã Antônia Brioschi, então diretora do Colégio Imaculada Conceição). Armando Lacerda havia participado, um ano antes, das atividades pioneiras de defesa do patrimônio histórico e cultural de Corumbá (denominadas de Primeira Semana da Cultura, sob coordenação da Sociedade dos Amigos da Cultura, dirigida pelo saudoso e querido Lincoln Gomes de Souza, com a participação dos Amigos Augusto César Proença e Mário Sérgio Abreu, além das queridas e imprescindíveis doutora Sidneia Catarina Tobias, Marlene Terezinha Mourão, Nicole Chahine Kubrusly e a saudosa Heloísa Helena da Costa Urt), e dessas atividades nasceu uma Amizade com letra maiúscula, pela retidão de seu caráter.

Nessa oportunidade, pude rever o querido e saudoso Dom José Alves da Costa, então Bispo Diocesano de Corumbá, com quem conversávamos muito na frente do Instituto Luiz de Albuquerque (ILA), sede das atividades da Semana da Cultura, em 1991, quando ele chegara para seu generoso e profícuo episcopado de quase oito anos. Como o Padre Pascoal era o Vigário-geral da Diocese, durante uns seis meses (enquanto duraram as atividades preparatórias da fase regional) tive o privilégio de constatar seu fôlego e capacidade de realização, pois estivemos nos reunindo uma ou mais vezes na semana. Na sequência, com o lançamento do Comitê de Corumbá e Ladário da Ação da Cidadania contra a Fome e pela Vida (campanha do Betinho), sob a coordenação-geral de Dom José e tendo como adjunto o Padre Pascoal, já em 1993, pudemos testemunhar a inquietude e resistência de nosso Amigo que neste dia 27 de dezembro celebrou 60 anos de sacerdócio no Brasil, como bem relatou o Jornalista Thiago Godoy, no “Diário Online”.

Parece irreal, mas o Padre Pascoal consegue realizar uma dezena de atividades simultaneamente, com todo o afetuoso modo de ser de sempre. Não se desespera, não se irrita, não se estressa e, sobretudo, não atribui aos outros eventuais desacertos ou frustrações. Não foram dias, semanas ou meses. Tive a sorte de ver com os próprios olhos ao longo de décadas, afinal, o Pacto Pela Cidadania (um desdobramento do Comitê de Corumbá e Ladário da Ação da Cidadania contra a Fome e pela Vida) e o Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (atual Observatório da Cidadania e dos Direitos Humanos Dom José Alves da Costa) existem desde 1993/1994, e periodicamente  procuramos o Padre Pascoal para dirimir eventuais dissensos, inevitáveis ainda que esses espaços públicos sejam fruto de consensos. E a sabedoria inesgotável dele é o segredo da longevidade, tanto dele como das inúmeras iniciativas.

Como explicar o Projeto Criança/Adolescente Feliz, a FM Pantanal (87,9MHz), o CAIJ/CRIPAM e os projetos de protagonismo juvenil para as diferentes faixas etárias? Democrático por excelência, supera os conflitos mediante a razão. O papel de facilitador do Padre Pascoal no Pacto Pela Cidadania, proposto pelo saudoso e querido Dom José, permitiu que nada menos que treze segmentos sociais e econômicos de Corumbá e Ladário fossem articulados sem que houvesse choque de interesses, apesar da intrincada complexidade de nossa coletividade fronteiriça. É claro que a pressão sobre ele é diluída ao dar espaço para pessoas sábias como os/as queridos/as Amigos/as Senhor Jorge José Katurchi, Maçu Sabatel, Luz Marina Cavalcanti e a saudosa Doutora Angélica Anache (na questão da Área de Livre-Comércio de Corumbá e Ladário), Alexandre Gonçalves dos Santos e Francisco Ormond (na questão do Camelódromo e da Feira-Livre), Jocimar Campos, Ubirajara Júnior e Cássia Silva (na questão do Passe-Livre Estudantil), Senhor Antônio Corrêa e o saudoso Seu Japão (na questão do Livre-Trânsito Fronteiriço), os saudosos Seu Vicente Mosciaro, Seu Arthur Ferreira Moreira e Seu Matateu (na questão do Terminal Pesqueiro), Augusto César Proença, Marlene Terezinha Mourão e a saudosa Heloísa Urt (na questão da Revitalização do ILA e do Patrimônio Histórico e Cultural), e Manoel do Carmo Vitório, Anísio Guilherme da Fonseca e Vivaldo Salles (na questão da Reativação do Trem do Pantanal e Revitalização da Ferrovia Corumbá-Campo Grande), entre outras demandas não menos importantes. A secretaria-executiva foi exercida coletivamente por pessoas incansáveis, como a Professora Cristiane Sant’Anna de Oliveira, Edenir de Paulo, Arturo Castedo Ardaya, Delari Botega Ebelling e a saudosa e sempre presente Helô Urt.

Corumbá, aliás diferentemente da lenda ingrata contra a memória de Frei Mariano de Bagnaia, só tem a agradecer aos sacerdotes católicos que aportaram desde que o município existe. É inegável o legado do saudoso e querido Amigo Padre Ernesto Sassida, com sua obra imortal na Cidade Dom Bosco e adjacências; do igualmente saudoso e querido Amigo Dom José Alves da Costa, com sua dedicação à Pastoral da Criança, ao retorno dos/as remanescentes Guató à Ilha Ínsua, à revitalização do Instituto Luiz de Albuquerque (ILA) e à implantação do Programa Monumenta, uma de suas conquistas derradeiras antes de deixar a Diocese, em 1999; do igualmente querido Amigo Padre Antônio Müller, com seu Hospitalzinho, transformado pelo denodo de Dom José e do Padre Pascoal em CRIPAM; do igualmente querido Padre Emilio Zuza Mena e o apoio espontâneo, generoso e solidário na infraestrutura para o Pacto Pela Cidadania em seu Salão Paroquial, ao lado da Catedral.

Assim, ao ter tido a honra, o privilégio e a sorte de testemunhar durante longos anos a atuação do Padre Pasquale Forin, posso dizer que se trata de um Missionário (desses com letra maiúscula) de dois séculos (o século XX e o XXI), com toda a excelência e convicção. Mais que um simples sacerdote vocacionado, trata-se de um convicto Cidadão do Mundo e à frente de seu tempo que, com generosidade e abnegação, vem dando seus melhores dias, semanas, meses, anos e décadas ao serviço pastoral com muita sinceridade e devoção.

Obrigado, querido Amigo, por existir e nos inspirar atitudes dignas e solidárias!

Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Texto y contesto: Bolivia fundamentalismo religioso tras el golpe



ALIANÇA ENTRE NARCOTRAFICANTES, RENTISTAS E NEOPENTECOSTAIS SUSTENTA O GOLPE POLICIAL-MILITAR DE 10 DE NOVEMBRO DE 2019 -- Debate entre analistas internacionais latino-americanos ajuda a compreender por que, depois da deposição do Presidente Constitucional Evo Morales Ayma, já havia "assessores militares" estadunidenses e israelenses para "assegurar a ordem institucional". Sem dúvida, a multiplicação de organizações religiosas neopentecostais (aliás, com forte presença de pastores/as brasileiros/as) e seu livre trânsito com membros de governos fundamentalistas como o de Jair Bolsonaro permite depreender a articulação do Pentágono e da Casa Branca nesse novo desejo geopolítico do império decadente que recorre ao fascismo para prorrogar seus derradeiros dias de hegemonia e truculência.

Bolivia: denuncia intelectual que gobierno de facto impide su salida



INTELECTUAIS E ARTISTAS BOLIVIANOS CLAMAM POR SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL -- Refugiados/as em 10 ou 11 de novembro na Embaixada do México em La Paz, renomados/as atores sociais e ex-assessores/as do Governo Constitucional do Presidente Evo Morales Ayma fazem apelo, no Dia de Natal, para que os organismos internacionais instem o governo golpista da autoproclamada presidenta Jeanine Áñez a cumprir com a Convenção de Genebra e de Viena e conceda salvo-condutos aos/às cidadãos/ãs bolivianos/as refugiados/as na Embaixada do México para que ingressem em território mexicano como asilados políticos, como já foram reconhecidos/as pelo Governo Constitucional do México, liderado pelo Presidente López Obrador.

Programa Pensamento Crítico - O Estado Policial (E 89)





Professor universitário e Jornalista Cid Benjamin fala sobre as razões que o levaram a escrever um livro para advertir a juventude a reagir, pois, segundo ele, estamos vendo o ovo da serpente do fascismo ser chocado a olhos vistos e a sociedade civil nada fazendo.

Gobierno mexicano alista queja ante CIJ por acoso a embajada en La Paz





O Governo Constitucional do México anunciou estar denunciando a Bolívia na Corte Interamericana de Justiça, com sede em Haia (Holanda), por uma sucessão de violações a tratados e convenções internacionais, pois desde que o golpe policial-militar foi consumado, em 10 de novembro de 2019, iniciativas policiais irregulares têm sido recorrentes para intimidar, assediar e amedrontar funcionáros/as, asilados/as, diplomatas e o público em geral que acorre à Embaixada do México em La Paz. Mesmo assim, a Chancelaria do México enviou nota diplomática ao governo de exceção propondo um canal de negociação em território neutro para manter o diálogo possível e como forma de encontrar saídas diplomáticas para o caso.

Bolivia: sigue asedio en embajada y residencia de México en La Paz





O governo da autoproclamada presidenta Jeanine Áñez, formado por filhos e netos de ex-integrantes e paramilitares das ditaduras de Hugo Banzer Suárez (1971 - 1978), Juan Pereda Asbún (1978 - 1979) e Luis García Meza (1980 - 1981), foi denunciado pelo governo constitucional do México por tentar intimidar seus funcionários e amedrontar as dezenas de bolivianos asilados em suas instalações depois do golpe policial-militar de 10 de novembro, em que o Presidente Evo Morales Ayma foi deposto.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

MENSAGEM DE FELIZ NATAL E PRÓSPERO 2020


MENSAGEM DE FELIZ NATAL E PRÓSPERO 2020

Ao fazer votos, com sinceridade e esperança teimosa, de felizes festas de confraternização e renovação de fé na Vida e no povo trabalhador, verdadeira fonte de transformação da sociedade e do progresso da humanidade, compartilho com Vocês este sábio depoimento, feito em 2009, pelo Senhor Wilson Gomes, aluno, aos 80 anos, da Segunda Fase (Ensino Médio) da EJA da Escola Estadual Professor Otaviano Gonçalves da Silveira Júnior, que funcionou entre 1999 e 2019 no Conjunto Lar do Trabalhador, região do Imbirussu, em Campo Grande (MS).

Graças ao profissionalismo e ao compromisso cidadão de todo o corpo docente e administrativo e à excelência do estudantado, o educandário de vida efêmera se tornou referência em várias áreas e projetos, tendo obtido destaque em diversas oportunidades, como a mídia tem registrado, em que os/as estudantes foram protagonistas, como o sábio, então octogenário, que, nas palavras do Mestre Paulo Freire, esteve aprendendo e ensinando naquele espaço inspirador, tal qual a Vida de seu Patrono, o Professor Otaviano Gonçalves da Silveira Júnior, de saudosa memória.




“POR QUE ESCOLHI ESTA ESCOLA”

“Todo ser humano necessita evoluir enquanto estiver vivendo. Quem não evolui, passa todo tempo da sua vida na obscuridade, trabalha contra si próprio.

Existe uma lei de causa e efeito que resulta na realidade da vida. Ninguém pode ter razão de se lamuriar do destino ingrato que o castiga sadicamente, se outrora deixou que a vida passasse docemente.

O que me levou a escolher esta Escola para estudar não foi propriamente voluntária, porque eu tinha procurado matrícula em outras, mas logo que aqui cheguei, fui recebido com amabilidade e ainda me perguntaram se era para meu neto.

Ficaram admirados, mas me aceitaram como aluno. Estou contente, pois os professores são muito dedicados e educados. A escola que eu desejo terminar o ensino médio é esta mesmo. Aqui há respeito e educação.”

Depoimento do Senhor Wilson Gomes (80 anos em 2009) – Aluno da 2ª fase – Ensino Médio (Extraído das redes sociais de ex-integrantes do corpo docente do emblemático educandário.)

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

O SEGUNDO SEPULTAMENTO DO PROFESSOR OTAVIANO



O SEGUNDO SEPULTAMENTO DO PROFESSOR OTAVIANO

Um ano depois da inusitada decisão da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul de fechar a Escola Estadual Professor Otaviano Gonçalves da Silveira Junior, em Campo Grande, os/as ex-alunos/as do patrono do educandário consideram a medida um segundo sepultamento, desta vez de sua memória e razão de ser, a educação.

Condenável e descabida a decisão sorrateira da Secretaria de Estado de Educação (SED), de fechar a Escola Estadual Professor Otaviano Gonçalves da Silveira Junior, sem aviso prévio, depois de realizadas as rematrículas dos/as alunos/as para o ano letivo de 2019, e nada mencionar sobre o que vinha sendo cogitado durante o período eleitoral, em que o atual governador se elegera no segundo turno com pequena diferença. Essa medida, se discutida como a lei e a liturgia administrativa recomendam, teria dificultado a reeleição de Reinaldo Azambuja. Na Educação, o planejamento é imprescindível, no entanto, a medida veio no sentido contrário, de tocaia, por causa das eleições.

Criada no ano em que seu patrono faleceu, a referida escola existiu por exatos 19 anos, no Lar do Trabalhador, em Campo Grande. O ato de criação, pela então secretária de Estado de Educação no derradeiro governo do Doutor Wilson Barbosa Martins, Professora Maria Maciel, homenageou o saudoso docente universitário, ex-diretor escolar e competente professor de Língua Portuguesa e Literatura de escolas públicas e privadas. Em Campo Grande foi professor de diversos cursos preparatórios para o vestibular, como o extinto Galeno, o Objetivo-Dom Bosco e o Anglo-Mace (Moderna Associação Campo-grandense de Ensino), chefe de gabinete do reitor João Pereira da Rosa, da então Universidade Estadual de Mato Grosso (UEMT), e, já como Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), do reitor Edgard Zardo, além de diretor do Centro de Ciências Humanas e Sociais (CCHS) e do Centro Universitário de Dourados (CEUD, embrião da atual Universidade Federal da Grande Dourados, UFGD) e assessor de Comunicação Social do saudoso reitor Jair Madureira, responsável pela criação do curso de Comunicação Social da UFMS, em 1988.

A vida efêmera para uma escola que desde os primeiros anos se destacou pela inovação, bons resultados e, sobretudo, projeção de alunos/as de excelência se confunde com a trajetória do Professor (desses com letra maiúscula) Otaviano, que mesmo se destacando onde quer que estivesse a Vida acabou levando-o a lugares inimagináveis e situações inusitadas. Para os que tiveram a sorte e o privilégio de tê-lo como docente, décadas atrás, o súbito fechamento do educandário que meritoriamente levava o seu nome (a ponto de inspirar seu corpo docente, comprovadamente constituído de profissionais comprometidos com a Educação e de indiscutível visão cidadã) representa um segundo sepultamento desse ser humano singular que escolhera Campo Grande quando ainda sequer se imaginava que viesse a ser a capital de uma nova unidade da federação.

Oriundo da capital paulistana, onde nasceu, estudou, lecionou e viveu intensamente a metrópole cosmopolita das décadas de 1940, 1950 e 1960, o Professor Otaviano Gonçalves da Silveira Junior (1932 – 1998) chegou a Corumbá, então município do Mato Grosso uno, em fins de 1973. Além do profundo conhecimento em diversas áreas, sobretudo nas Ciências Humanas, o emblemático professor trazia consigo sua nova companheira de vida, muitas esperanças e inebriado de amor, que logo lhe proporcionou dois filhos homens: João Francisco, nascido em Corumbá, e Paulo Henrique, nascido em Campo Grande.

Foram dois anos e meio de permanência em Corumbá, tempo suficiente para despertar admiração e respeito entre seus contemporâneos. Além de ter trabalhado como professor em duas escolas públicas (as escolas estaduais Júlia Gonçalves Passarinho e Santa Teresa, esta última, da Missão Salesiana de Mato Grosso, conveniada à secretaria de Educação e Cultura do antigo Mato Grosso), foi docente universitário no então Centro Pedagógico de Corumbá, o CPC (um dos campi da à época UEMT, com sede em Campo Grande) e sócio-proprietário do “Esquema”, primeiro curso pré-vestibular da região, em sociedade com o igualmente saudoso Professor Habib Metran, responsável pela aprovação em diversas universidades federais, estaduais e privadas de futuros/as médicos/as, odontólogos/as, professores/as, psicólogos/as, engenheiros/as, assistentes sociais, advogados/as etc.

Admirado e respeitado, sim, mas também segregado, a despeito de sua inquestionável competência, generosidade e excelência. Embora comedido, o Professor Otaviano não passava despercebido por sua erudição, elegância e desenvoltura. Ao optar por morar em uma cidade do porte de Corumbá do início da década de 1970 (algo em torno de 69 mil habitantes, a terceira em população do estado e a primeira em arrecadação do Imposto de Circulação de Mercadorias, então ICM) depois de ter sido respeitado docente universitário e diretor de um influente colégio judaico na capital paulistana, para poder entregar-se a seu grande amor já em idade madura, determinara-se uma vida modesta e discreta a extremo. Ainda que dissessem que possuía laços com altas esferas do regime de 1964, por causa de seu progenitor e homônimo, coronel da Polícia Militar de São Paulo, ele era alvo de desconfianças e constrangimentos nos restritivos meios sociais, dominados então por serviçais da ditadura.

Como alunos/as do período vespertino da Escola Estadual Julia Gonçalves Passarinho, eu e os/as queridos/as Amigos/as João de Souza Alvarez, Juvenal Ávila de Oliveira, Benedito Jesus Silva da Cruz e a hoje saudosa Maria Bernadete da Cruz Benites, em 1974, surpreendemo-nos com ele, não apenas pela habilidade e competência no exercício da docência, mas pela receptividade, cordura e generosidade no relacionamento com os/as alunos/as. Declaradamente corintiano (sua Variant cor abóbora tinha no vidro traseiro um timão superlativo, contrastando com sua discrição profissional), recebia em casa os/as alunos/as que o procurassem por quais motivos fossem. Nas diversas vezes que “invadi” sua modesta moradia para levar-lhe textos para revisão, muitos dos quais com opinião diametralmente oposta às dele, jamais demonstrou qualquer contrariedade, pelo contrário, sempre cordial e receptivo, um verdadeiro “gentlemen”, não inglês, mas paulistano, como gostava de ser reconhecido desde que aportou às terras pantaneiras, já em discreta decadência, processo que se acentuou com a desastrosa divisão do Pantanal Mato-grossense, fato hoje irrefutável diante da sucessão de ações arbitrárias e destituídas do necessário bom-senso e da sinceridade democrática.

Além de ter incentivado atividades extracurriculares, como um jornal interescolar (o saudoso “O Clarim Estudantil”, de vida efêmera, por conta dos tempos difíceis em que vivíamos) e um ciclo de palestras-debate com profissionais universitários de diferentes perfis (para ajudar na escolha pelos/as alunos/as da gama de cursos universitários), o Professor Otaviano promovia debates por meio de dissertações (como são chamadas as redações em que o/a aluno/a emite opinião sobre o tema proposto) e interpretações com temas instigantes (“A corrida espacial versus a fome no mundo”, ou poesias censuradas como “Roda-viva”, de Chico Buarque de Holanda, “E agora, José”, de Carlos Drummond de Andrade, ou “Rosa de Hiroshima”, de Vinícius de Moraes).

Mais que mero Professor (insisto: com letra maiúscula), foi um incentivador de talentos e ampliador de horizontes num tempo em que cometer essa ousadia tinha um elevado custo -- a própria Vida --, como ocorreu com muitos/as contemporâneos/as dele pelo Brasil afora. Como uma luz a cintilar intensamente, ainda que de modo efêmero (afinal, o que são 19 anos para uma escola pública com o nível dessa que não conheci pessoalmente, mas testemunhei pelas redes sociais suas iniciativas e conquistas, dignas do patrono que o acaso lhe propiciou?), o Professor Otaviano Gonçalves da Silveira Junior é mais uma vez silenciado, mas, por certo, não demorará para, como uma fênix, teimosa e generosamente, nos dar o ar de sua graça por meio desses/as professores/as desassossegados/as e dos/as alunos/as dos 8 aos 80 (e uns) anos (como o Senhor Wilson Gomes, na verdade hoje com 90 anos, que entre 2008 e 2010 cursou o EJA do ensino médio, quando fez o bonito testemunho “Por que escolhi esta escola”, a seguir).

Ahmad Schabib Hany




POR QUE ESCOLHI ESTA ESCOLA

“Todo ser humano necessita evoluir enquanto estiver vivendo. Quem não evolui, passa todo tempo da sua vida na obscuridade, trabalha contra si próprio.

“Existe uma lei de causa e efeito que resulta na realidade da vida. Ninguém pode ter razão de se lamuriar do destino ingrato que o castiga sadicamente, se outrora deixou que a vida passasse docemente.

“O que me levou a escolher esta Escola para estudar não foi propriamente voluntária, porque eu tinha procurado matrícula em outras, mas logo que aqui cheguei, fui recebido com amabilidade e ainda me perguntaram se era para meu neto.

“Ficaram admirados, mas me aceitaram como aluno. Estou contente, pois os professores são muito dedicados e educados. A escola que eu desejo terminar o ensino médio é esta mesmo. Aqui há respeito e educação.”

Depoimento: Senhor Wilson Gomes (80 anos em 2009) – Aluno da 2ª fase – Ensino médio. (Extraído das redes sociais de ex-integrantes do inesquecível educandário.)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

"Si de tus estudios ése es el fruto..."


“SI DE TUS ESTUDIOS ÉSE ES EL FRUTO...”

É de causar, no mínimo, perplexidade a desfaçatez com que o atual titular da Presidência exerce o mandato e avilta as mais comezinhas regras impostas pela liturgia do mais alto cargo da República.

De origem grega, o termo energúmeno, segundo o mestre Houaiss, começou por se referir a pessoa possessa ou possuída pelo demônio, mas com o tempo passou a designar indivíduo que, exaltado, grita e gesticula excessivamente e, em sentido figurado, pode ser sinônimo de indivíduo desprezível, que não merece confiança, boçal, ignorante.

Eis que o até pouco tempo obscuro deputado federal que poderia ser descrito por tais atributos agora nos traz a (sic) contribuição vernacular ao insultar o falecido educador Paulo Freire, reconhecido mundialmente por seu legado em favor do processo civilizatório, tanto que hoje é institucionalmente Patrono da Educação do Brasil, por meio da Lei Federal nº 12.612/2012. Lei se cumpre ou se revoga, mas não se transgride, sob pena de se prevaricar, o que é crime.

O episódio ocorre mal terminou de repercutir, em escala global, o estapafúrdio epíteto conferido pelo atual inquilino do Palácio do Planalto à graciosa e admirável adolescente sueca Greta Thunberg, de “pirralha”, durante as atividades da Conferência sobre o Clima em Madri, Espanha (que, aliás, deveria ter sido sediada pelo Brasil, em Salvador, Bahia, mas acabou transferida para Santiago, Chile, por decisão do então presidente eleito, que desde sempre demonstrou ojeriza pelos temas de interesse da humanidade, como o ambiental).

Cada qual entra, ou não, para a História como decorrência de seus atos, ou, pior, pela ausência deles. Jamais se esperou que alguém entrasse, como Jair Bolsonaro, pela porta dos fundos, por causa das trapalhadas homéricas, dignas de compor uma antologia digna dos tempos de Jeca Tatu ou de Stanislaw Ponte Preta, ambos de saudosa memória. Não é demais lembrar o saudoso Dias Gomes e seu Odorico Paraguaçu, de O bem-amado, que se estivesse vivo faria com que finalmente o Brasil viesse  a aquinhoar um merecido Nobel de Literatura, baseado nas diatribes do morador de Vivendas da Barra que se mudou de bala, digo, mala e bolsa, perdão, cuia (será que ele usa?) para o Planalto.

Sabe-se que, com honrosas exceções, o distinto e os/as milhões de assemelhados/as não são lá muito afeitos/as à leitura -- de mais de cinco linhas, bem entendido --, de modo que os/as pouparei de fatos em que esse brasileiro que dignificou a humanidade e a cristandade (ele não era comunista, ele era profundamente católico, tanto é que deixou de trabalhar numa universidade dos Estados Unidos para atuar numa instituição inter-religiosa vinculada à Organização das Nações Unidas).

Vejo, contudo, necessário lembrar que a liturgia do cargo exige um comportamento à altura, além do que não é de bom alvitre ofender a memória, isto é, insultar um morto, sobretudo porque ele não pode se defender -- ou, como diria meu querido amigo religioso, “o Papai do Céu pode não gostar e aí Ele manda alguém puxar sua perna, ou alguma punição mais adequada à gravidade do insulto”... Do jeito que o Jair é fujão (basta nos lembrarmos dos poucos debates de que participou e que amarelava o tempo todo), vai ficar todo borrado...

O fato é que, gostando ou não, ele vai ter que agir de acordo com a legislação e o cerimonial para sair ileso e “bonito na foto” na embrulhada em que se meteu. Está provado que governar não é moleza, mas se usar um pouco de, digamos, malemolência, conseguirá ir até o último dia de seu mandato constitucional, ainda que sua popularidade não esteja lá muito “católica” -- por conta da agenda impopular e antinacional que escolheu sem ter sido sincero com o eleitorado.

Para concluir, vou me reportar às geniais lições que meu saudoso Pai vivia a nos dar, geralmente por meio de episódios que ele vivenciara ao longo de uma Vida repleta de epopeias e graças a um olhar crítico que não deixava escapar nada. Esta é do tempo em que, recém-chegado do Líbano, viveu na Amazônia boliviana, onde os mais aquinhoados enviavam seus filhos à Europa para voltarem, anos depois, “doutores”. Ao chegar de avião, diante da população, o bem alinhado recém-formado dirige-se aos pais e ao público com um verso um tanto extravagante que concluía mais ou menos assim: "Lá está a lua, cá estão as estrelas, e eu a admirar na rua, aiaiai que belas, aiaiai que belas...” No mesmo instante irrompe o pai visivelmente contrariado, que rouba a cena e entra para a história: “Se de teus estudos esse é o fruto, aiaiai que bruto, aiaiai que bruto...”

Será que os/as eleitores/as votaram no (sic) “mito” para vê-lo debochar de adolescentes, ofender líderes indígenas e profanar a memória de grandes personalidades? Isso pode explicar a queda vertiginosa de seus índices de popularidade, que nem “intervenção” reverte...

Ahmad Schabib Hany