Mino Carta comenta sobre Geisel, ditadura, elite e desigualdade brasileira
terça-feira, 2 de setembro de 2025
Mino Carta: "Não há como maneirar. Devemos pensar o que pode ser do Bras...
Mino Carta: "Não há como maneirar. Devemos pensar o que pode ser do Brasil se Bolsonaro vencer"
Lula sobre Mino: 'O Brasil perde hoje o seu melhor jornalista'
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quarta-feira, 27 de agosto de 2025
Psicólogos realizam segunda confraternização Ladário - Corumbá
Psicólogos realizam segunda confraternização Ladário - Corumbá
Homenagem póstuma à Psicóloga Maria Aparecida Lopes Batista marca celebração do Dia do Psicólogo com muita emoção na segunda confraternização de profissionais de Ladário e Corumbá.
Em clima de emoção e reconhecimento, psicólogos de Ladário e Corumbá que atuam entre os dois municípios realizaram confraternização pelo segundo ano consecutivo. Ponto alto do encontro, a homenagem póstuma à Psicóloga Maria Aparecida Lopes Batista foi um ato de gratidão à profissional. Cidinha, como era carinhosamente chamada, em 30 anos de atuação em Ladário idealizou e executou um discreto projeto de empoderamento e protagonismo com várias gerações de mulheres que, com seu falecimento, decidiram manter sob a iniciativa delas.
A filha Laísa Lopes Batista, acompanhada de familiares vindos de outras cidades, recebeu do Psicólogo Juvenal Ávila de Oliveira a homenagem, que representa o reconhecimento de sua dedicação pelos colegas e, sobretudo, pela população ladarense, com quem ela conviveu desde sua chegada de São Paulo, quando fez o curso no CEUC/UFMS, tendo decidido com seu esposo, Márcio dos Santos Batista, permanecer em Ladário.
Tadeu Vicente Atagiba, célebre músico corumbaense dos tempos dos festivais, abriu o encontro interpretando duas canções dedicadas à amizade: "Amigo", de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, e "Canção da América", de Milton Nascimento e Fernando Brant. Para os idealizadores, mais que a imprescindível valorização do psicólogo, a iniciativa visa estreitar os laços das pessoas que fazem da profissão uma ponte para o resgate da dignidade humana, da cidadania e da qualidade de vida, sobretudo no momento em que a saúde mental precisa ser tratada como política pública.
Na entrada do espaço destinado ao encontro, os participantes foram acolhidos pela exposição dos trabalhos das senhoras do projeto de Cidinha no Lions Clube de Ladário, cujo presidente Carlos Henrique Rosa foi alvo de reconhecimento. As psicólogas Delari Maria Bottega e Rosa Marília Batista de Moraes também expuseram seus trabalhos artesanais. Durante o evento, a Psicóloga Mathilde Monaco, professora aposentada do curso de Psicologia, fez o lançamento de seu segundo livro autoral de poesias, "Viver e Sonhar", editado pela Life, de Campo Grande.
Homenageados da confraternização de 2024 fizeram entrega do reconhecimento aos colegas neste encontro. O Psicólogo Wilson Ferreira de Melo, professor aposentado do Curso de Psicologia desde os primeiros anos de sua implantação, entregou o certificado à Psicóloga Carolini Cássia Cunha, professora e atual coordenadora do Curso de Psicologia do CPAN/UFMS. As Psicólogas Elaine Alves Maciel da Silva, Delari Maria Bottega, Rosa Marília Batista de Moraes, Lila Dara de Barros Pereira, Rosa Balbina Dias, Genise Assad de Paula e Mathilde Monaco, e os Psicólogos Aguinaldo Rodrigues e Juvenal Ávila de Oliveira receberam também o reconhecimento de seus colegas de profissão.
Fruto de muita dedicação e trabalho, a iniciativa do Psicólogo Juvenal Ávila de Oliveira contou com o apoio dos colegas Aguinaldo Rodrigues, Genise Assad de Paula e Deyse Mendes Braga, e teve lugar no restaurante do Hotel Gold Fish, sábado à noite, em concorrida celebração do Dia do Psicólogo, com a presença de aproximadamente 80 convidados. Emoção e gratidão foi a tônica do segundo encontro dos profissionais, em sua expressiva maioria formados no mais antigo curso do Centro-Oeste, há 58 anos oferecido em Corumbá, desde o tempo do Instituto Superior de Pedagogia, anterior à criação da extinta Universidade Estadual de Mato Grosso (UEMT), da qual o saudoso médico e Professor Salomão Baruki foi um dos aguerridos idealizadores.
Na 63ª celebração do Dia do Psicólogo, a categoria protagoniza importantes conquistas no processo de implantação / implementação do Estado Democrático de Direito e respectivas políticas públicas sociais, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Sistema Único de Assistência Social (SUAS), Sistema de Garantia de Direitos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa com deficiência etc. O Conselho Federal de Psicologia e os conselhos regionais têm sido a vanguarda na implementação do novo paradigma de atendimento com dignidade à população, sobretudo no contexto da incidência em larga escala de casos de saúde mental.
Ahmad Schabib Hany
sexta-feira, 22 de agosto de 2025
CIDINHA, MISSÃO E ENCANTAMENTO
Cidinha, missão e encantamento
Psicóloga Maria Aparecida, profissional que fez de seu ofício instrumento de formação humana e social, missão que a tornou referência existencial.
Maria Aparecida Lopes Batista. Simplesmente Cidinha. Humilde, solidária e, sobretudo, referência humana, Psicóloga compromissada com seu juramento profissional. Uma paulistana que encontrou acolhida e acolheu em Ladário de todos os povos, credos, culturas e, principalmente, dos sonhos e lutas.
Ao lado de Márcio dos Santos Batista, seu Companheiro de Vida, constituíram uma Família sólida, em que os valores humanos primaram por excelência, a despeito de sua dedicação ao próximo, como missionária, abnegada que foi em tempo integral.
Formou-se no pioneiro Curso de Psicologia de Corumbá, no então CEUC/UFMS, em dezembro de 1992. A mesma conduta humilde com que procedia no dia-a-dia era o fio condutor de uma profissional incansável, que não se desconectava de seu ofício. Porque Psicóloga é o tempo todo Psicóloga, não apenas na hora em que está em seu local de trabalho.
Quando a conheci, início de 1994, no processo de construção do controle social e da intensa participação das ladarenses no FORUMCORLAD (tinha que ter se chamado FORUMLADCOR, pois nasceu em Ladário, no salão paroquial de Nossa Senhora dos Remédios), assessorava a Secretária de Ação Social, Dona Adelaide Maria Dias da Cruz, administração do Prefeito Sílvio Maciel da Cruz. Verdadeira parceira, leal aos cânones profissionais e cidadãos. Com desenvoltura e atenção dedicou-se à adequação da estrutura do órgão gestor ao modelo de política pública preconizado pela Constituição Federal de 1988 e, especialmente, à Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).
Conquistou corações e mentes das pessoas humildes de Ladário porque não tinha conduta dúbia, era autêntica. Se precisasse dizer algo, dizia na hora, sem ofensa ou arrogância. Delicadamente sincera, e sinceridade conecta as pessoas quando a humildade é o sentido comum dessa interação.
Felizes os que privaram de seu convívio. Até os mais reticentes convenciam-se de que não custava tentar. E tentando se tornavam protagonistas inovadores, ao seu lado, de um novo caminhar. Sim, porque com ela todos caminhavam lado a lado, passo a passo. Sem pressa, sem aquela preocupação de cumprir tarefas, bater metas ou se destacar no ranking, como se estivéssemos em um certame em que o objetivo é fazer currículo.
Ser humano de grande qualidade, de um gigantismo extraordinário, por todas as instituições por que passou deixou marcas indeléveis que estão na memória coletiva, não só das e dos colegas, mas das pessoas com quem trabalhou nos diversos projetos pioneiros que criou e consolidou. Secretaria de Ação Social, depois Secretaria de Assistência Social, APAE, Lions Clube de Ladário...
O Lions Clube é referência em um projeto que hoje leva o nome da Cidinha por seu legado, pioneirismo, competência e generosidade. Ela não "inventou a roda e o giro", nem tinha tal pretensão. O segredo está nisto: as mesmas pessoas que inicialmente eram as atendidas, com aquele jeito que só Cidinha fazia, são as que se desenvolveram tanto que se envolveram na teia social que foi criada no dia a dia. No estilo "um passo de cada vez", método e prática da Cidinha.
Esse método não foi um achado, mas fruto de muito esforço, pela dedicação e compromisso com seu ofício, pois, para ela, ser profissional não era estar, mas o tempo todo ser, viver e evoluir. A Vida não foi fácil, como para todos os viventes, mas ela soube transformar esses desafios em método, por sinal, que foi eficaz, eficiente e autônomo. Hoje ele segue seu caminho com outras e outros caminhantes, como a Vida, como a História.
O Amor com que foi acolhida em sua Ladário de esperanças mil ela o replicou em cada gesto, em cada iniciativa, em cada projeto que desenvolveu e aplicou com a maior dignidade, total convicção e da maneira mais desapegada, como todo ser desassossegado que sabe que nada lhe pertence, nem o próprio corpo. Hoje é Luz, é referência, é exemplo, é inspiração.
Como uma gaivota Cidinha se encantou e hoje está ao lado de seu Companheiro de Vida e luta, Márcio Batista. Estão, sim, aqui entre nós, e ao lado de queridos Colegas e Companheiros de sonhos e lutas, como a igualmente eterna e terna Tânia Nozieres de Sant'Anna e tantas e tantos Amigos-Irmãos que encerraram a sua jornada antes de nós.
Cidinha, missão e encantamento. Obrigado por ter, humilde e discretamente, existido e ensinado a caminhar o caminho da caridade, da verdade e da Vida! Cidinha, ou melhor, Psicóloga Maria Aparecida Lopes Batista, presente, hoje e sempre!
Parabéns aos queridos Amigos-Irmãos Juvenal Ávila de Oliveira, Genise Assad de Paula, Suzete dos Santos Bezerra e Aguinaldo Rodrigues, pela iniciativa que se transforma agora em compromisso anual de acolhimento, reconhecimento e homenagem àqueles que fazem da Psicologia a Ciência da contemporaneidade, pois nestes tempos insólitos em que a saúde mental é a maior vítima, mais que profissionais, a Psicóloga e o Psicólogo são o caminho, a senda da lucidez e da autonomia cidadã! Corpo e mente sãos, sociedade saudável para a evolução da humanidade.
Ahmad Schabib Hany
domingo, 17 de agosto de 2025
O QUE CORUMBÁ E A BOLÍVIA TÊM EM COMUM?
O que Corumbá e a Bolívia têm em comum?
Suas elites dirigentes, que só olham o próprio umbigo, fizeram com que, em 2013, um projeto feito para durar décadas caísse por terra: Paulo Duarte, então prefeito de Corumbá e presidente regional do PT, fez de tudo para ofuscar o brilho de seu compadre e responsável por suas eleições. É o que Luis Arce Catacora fez, na Bolívia, com o líder que o elegeu. Emulação primitiva e irracional, muito atraso.
Corumbá e a Bolívia, que compartilham território contíguo, povos originários e culturas miscigenadas com um processo histórico muito parecido, têm a mesma sina: a miopia, o narcisismo, de suas elites dirigentes, para dizer pouco, é a responsável pelo descalabro político que desaba sobre um povo generoso, leal e cansado de tanta emulação.
Um Amigo, desses que a gente só vê de décadas em décadas, inquiria-me por que Corumbá, com riqueza natural, histórica, humana e socioeconômica ímpar ("um dos três maiores municípios em dimensões territoriais do País; duas jazidas de ferro e manganês de extraordinário valor econômico; grande diversidade biológica, étnica e cultural; o mais antigo centro urbano e mercantil do estado; território com a maior porção de Pantanal; lindante com a Bolívia e o Paraguai; tronco rodoferroviário com os mais antigos porto fluvial e aeroporto; berço da cultura e do patrimônio histórico-artístico-arquitetônico; território ancestral de Guató, Guaná, Kadiweu e Guaicuru com marcas históricas; centro cosmopolita em que os povos originários partilharam seu legado, como no filme 'Missão', de Robert Bolt e direção de Ronald Joffé, entre outros atributos"), está relegado à condição de "agregado indesejável" de um estado baitola, fedorento e corrupto?
Como em sua indagação ele acrescentara três adjetivos, "bfc", com os quais não posso concordar, apesar de considerar as elites sul-mato-grossenses tacanhas e provincianas, comecei minha resposta com uma antológica anedota que ouvi da conversa do Pastor Rudolph Kaltzheis, húngaro de nascimento e boliviano desde tenra idade, com meu saudoso e querido Pai, há exatos 50 anos, em agosto de 1975. Enfermeiro e biomédico, esse Amigo de meu Pai o visitava sempre no fim da tarde para aplicar-lhe insulina subcutânea, segundo prescrição médica.
Dizia o Pastor Rudolph: "Assim que o Mestre terminou de criar a Terra, sobrara a matéria mais nobre e cara, em pequena quantidade e não dava para distribuí-la irmãmente entre todos os povos do mundo. Por isso decidira girar o planeta para atirar aleatoriamente o precioso material em qualquer lugar. Ao cair no território que hoje corresponde à Bolívia, São Pedro O questiona: 'não Lhe parece injusto que um só povo detenha tamanha riqueza?' Sábio, o Mestre lhe responde: 'Não se preocupe, que esse povo -- generoso e justo, é verdade -- jamais submeterá outros povos ao seu jugo, pois terá uma elite incompetente, mesquinha e com complexo de inferioridade, incapaz de conduzir seu povo com soberania e altivez.' Sina que, desde o início da colonização hispânica, perdura na Bolívia."
Ao cabo de 200 anos de vida independente, a Bolívia se depara ante situação no mínimo inusitada: o beneficiário do prestígio e da confiança popular do líder indígena que tirou a Bolívia do mapa da desigualdade e da miséria, Luis Arce -- ex-ministro da Economia de Evo Morales e indicado à sua sucessão --, o traiu e acintosamente faz de tudo para impedi-lo de tornar-se de novo presidente de seu país. Mesmo sabendo que Evo é líder das pesquisas nos mais diferentes cenários, que Arce não tem mais que 1% de aprovação como presidente e que seu candidato não passa dos 3% na preferência do eleitorado. Pior: que os candidatos que lideram as pesquisas são da oposição, portanto, na iminência de se perderem as conquistas do chamado Processo de Mudança Democrático e Cultural, responsável pela criação do Estado Plurinacional da Bolívia, pela Constituição Política do Estado e pelas conquistas sociais e econômicas efetivadas ao longo de quase 20 anos.
Assim como as elites dirigentes de Corumbá entre 2013-2016 não se apercebiam da gravidade do que viria a desabar no contexto político nacional, o "grupo do Ruiter" e o "grupo do Paulo" se engalfinhavam, para felicidade dos derrotados em 2004, 2008 e 2012, hoje, neste desalentador 17 de agosto de 2025, as elites dirigentes da Bolívia, entre o expressivo "voto nulo" e o abstencionismo suicida, parecem não se importar com as reservas de lítio, de gás e terras raras, objeto da cobiça do império decadente e do ocidente em caos. Tanto que os tidos por 'favoritos' das pesquisas, Samuel Doria Medina (milionário dono de uma rede de fastfood e testa-de-ferro de transnacionais), Jorge 'Tuto' Quiroga (presidente que como vice-presidente do ex-ditador Hugo Banzer Suárez concluiu a gestão mais entreguista de todos os tempos, em 2002), Manfred Reyes Villa (prefeito e ex-governador de Cochabamba, igualmente entreguista) prometem revogar a atual Constituição Política do Estado, resgatar a denominação "República" em lugar de "Estado Plurinacional" e, pior, "vender" todas as riquezas, a começar pelo lítio, para estabilizar a economia boliviana. Detalhe: todos eles, aliados há duas décadas, deixaram a Bolívia quebrada e com os índices de miséria mais altos da história.
Mais que a extrema-direita, o inimigo das forças populares e democráticas é o narcisismo, a vaidade, essa maneira de só olhar para o próprio umbigo. É o que se chama "emulação". Na Bolívia como em Corumbá é recorrente esse fenômeno. Um misto de inveja e competição desleal, doentia. Por quê?
Em 2013, tive a oportunidade de conversar por pelo menos duas horas e meia com o prefeito Paulo Duarte, tendo apenas o então assessor de gabinete Márcio Cavasana como testemunha. Atendera eu a uma ligação de Cavasana em que era convidado ao gabinete do prefeito para falar de viva voz com o então dirigente petista e segundo prefeito eleito pelo PT no século XXI.
Dias antes havia escrito um texto em que alertava os que me acompanhavam em um blog sobre o iminente desastre político que representava a perseguição sórdida empreendida por servidores do município a humildes camelôs e micro vendedores ambulantes espalhados pela cidade, de nacionalidade boliviana. Eu fizera questão de intitular o referido texto de "Somos todos bolivianos". Além da importante parcela de eleitores corumbaenses de ascendência boliviana, os petistas tiveram a constatação de que contribuíram em diferentes momentos, como fiéis da balança, para a vitória de Ruiter Cunha de Oliveira, Zeca do PT (inclusive em 1998) e de Delcídio do Amaral para senador.
O mais importante: não é necessário ser cientista político ou economista para saber que o comércio corumbaense desde 1956 tem vínculos com o mercado boliviano. A história das relações migratórias e econômicas com a Bolívia prova que o então centro comercial cosmopolita voltado para a Europa e os países platinos teve a sobrevida que pudemos testemunhar até 1996 (ano em que o presidente FHC privatizou a RFFSA e o Noel Group, estadunidense, ficou com a concessão da antiga Noroeste) graças à ferrovia Bauru - Corumbá - Santa Cruz de la Sierra, cuja conexão foi concluída em 1956, depois da inauguração, em 1953, da ponte de Porto Esperança sobre o Rio Paraguai e, em seguida, os trens da Empresa Nacional de Ferrocarriles, de sua Red Oriental, chegando até aqui.
Além do chamado comércio formiga -- a dinamizar a economia local com empregos e prosperidade para muitas famílias, inclusive árabes (caso da minha, oriunda do Líbano com laços na Bolívia, inserida no processo migratório por conta dessas relações comerciais, aliás, bastante intensas) --, dados da CACEX (Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil) constatam que nos últimos dez anos da ferrovia o fluxo comercial exportador em Corumbá girava na ordem de 1,5 milhão de dólares por dia. Até o único canal televisivo local na década de 1980 tinha um programa econômico em que apresentava o movimento diário de segunda a sexta-feira com base na CACEX.
Qual teria sido a motivação dessa ruptura injustificável? Porque insensata, pois a ser mantido sem a emulação atávica aos onze ou doze anos da pactuação, o projeto perduraria por décadas. Mas isso fica como desafio para pesquisadores da área da Antropologia, Sociologia e da Ciência Política. Indiscutível o fato de que amplas camadas da população local, no tempo em que a saudosa Helô, a querida Heloísa Urt, do alto de sua sensibilidade social, conseguiu influenciar a administração petista local a focar para as questões históricas da desigualdade, da exclusão, social. Pena que ela tenha se eternizado súbita e precocemente.
PROJETO VITORIOSO
O saudoso Padre Ernesto Saksida, ao conhecer o economista e agente tributário Ruiter Cunha de Oliveira, em 2000, por meio do igualmente saudoso Seu Jorge José Katurchi, importante membro do Pacto pela Cidadania desde sua gênese, em 1994, relutou em fazê-lo seu porta-voz. Afinal, Ruiter, ao ser o primeiro a presidir o Centro Padre Ernesto de Promoção Humana e Ambiental (CENPER), passava à indiscutível condição de afilhado do grande benfeitor da Cidade Dom Bosco.
Generoso, sim. Ingênuo, jamais. Assim era o Padre Ernesto. Costumava ouvir, ouvir, ouvir, sem evidenciar qualquer exaustão, ainda que certas figuras fossem nada palatáveis para ele -- coisa que jamais revelou a qualquer interlocutor de sua mais inteira confiança --, o que não vem ao caso. Seu Jorge, cujo filho mais velho fora sondado para ser candidato a prefeito de Corumbá, mas não só não aceitara peremptoriamente como se empenhara em garimpar candidato viável e à altura do povo corumbaense, que amava mais que o seu tricolor no futebol.
Sábio, Seu Jorge Katurchi, em sua própria residência, relutou em aceitar ser o primeiro presidente da OSCIP que estávamos fundando para apoiar os projetos sociais da Cidade Dom Bosco, a pedido do Padre Ernesto, já preocupado com a posteridade. O saudoso Professor Salomão Baruki também declinou do convite, justificando a necessidade de dedicar-se ao Instituto de Ensino Superior do Pantanal (IESPAN). O ex-vereador e advogado Antônio Victor de Lima Baptista, filho do ex-aluno salesiano Advogado José Feliciano Baptista Neto, chegou a ser sondado para o cargo, mas habilidosamente Seu Jorge apresentou Ruiter como "tertius" para o CENPER: jovem, corumbaense, conhecido e, sobretudo, bem relacionado. O Padre titubeou, mas prometeu pensar. Discretamente não só indagou sobre o nome sugerido por Seu Jorge como, sobretudo, sua formação religiosa.
Conhecendo as articulações políticas existentes, todos os que estavam com o Padre Ernesto, inclusive o próprio Antônio Victor, assessor jurídico do processo de registro do CENPER, além das intermináveis reuniões de fundação, não ocultaram os vínculos políticos de Ruiter, lotado na Secretaria de Estado de Finanças como titular de uma de suas superintendências. Em outras palavras, o primeiro presidente do CENPER seria um possível candidato do PT a prefeito de Corumbá? Apesar de bastante aberto, o Padre Ernesto era conservador, oriundo da Eslovênia, um país que quando veio para o Brasil estava sob o jugo da Itália fascista e ao final da Segunda Guerra Mundial acabara anexado à Iugoslávia, Estado socialista liderado por Broz Tito, comunista declarado.
Depois de muitas semanas de consultas e reuniões em separado, Seu Jorge e eu estivemos novamente com o Padre Ernesto, que, depois de conversar com seus Irmãos de Congregação Salesiana em Corumbá, acabou por aceitar o nome de Ruiter para a presidência do CENPER, mas não sem antes fazer longa pauta de ações. Um mês depois, em julho de 2002, o CENPER juridicamente constituído, as reuniões públicas com o Ruiter se intensificam. Com a súbita eternização do saudoso Professor Salomão Baruki, Presidente de Honra do CENPER, por ironia ocorrida no dia da primeira promoção da entidade, a Noite Italiana, no Clube Corumbaense, o Padre Ernesto chama o Ruiter para uma conversa da qual sou a única testemunha viva: Como homenagem póstuma ao membro fundador do CENPER, ficava pactuada a sucessão na entidade para a Professora Lígia Baruki e Melo, Filha do Professor Salomão, o que valeria para o processo sucessório em caso de uma possível vitória eleitoral para a Prefeitura de Corumbá.
Desconheço as razões que levaram Ruiter a descumprir acintosamente o acordo celebrado com o Padre em seu escritório sobre sua sucessão na Prefeitura. O fato é que o projeto, feito para perdurar décadas para servir ao povo corumbaense, acabou tendo inexplicavelmente sua existência interrompida. É claro que o componente de extrato de classe que Paulo Duarte representa é bem distinto que o de Ruiter, bastante popular. Ruiter foi aprendiz do Padre Ernesto que rapidamente aprendeu a lidar com as pessoas mais vulneráveis, do ponto de vista econômico e social.
Na Vida, como na História, não existe o "se" como categoria de análise. Contudo, a "invertida" feita à Professora Lígia e às bases partidárias é inquestionável. Com passado ligado a Londres Machado, Paulo Duarte sempre foi o preferido de Zeca do PT, que só não o lançou seu sucessor para o governo depois de um coma que ele sofreu em Porto Murtinho e sobreviveu graças à competência médica do então secretário de Saúde, Professor Izaías Pereira da Costa (a contragosto, lançou, pressionado pela direção nacional do PT, o igualmente corumbaense Delcídio Amaral, com quem não demorou a rivalizar).
Líderes regionais relevam esse fato, determinante no processo de consolidação do projeto pactuado. Aliás, só para os crédulos que participaram da construção desse generoso projeto é que doeu muito ver a cisão ocorrida entre dois iguais, tanto no Coração do Pantanal e da América do Sul como no Coração da América [como é chamada a Bolívia]. Não se trata apenas de mudança de nomes, mas de ruptura de um processo inédito de protagonismo popular ceifado logo no momento em que novas gerações podem ser guindadas a essa experiência.
No caso de Corumbá, destaco a atitude louvável de duas petistas históricas: a Professora Lígia Baruki e Melo e a Escritora e Artista Plástica Marlene Terezinha Mourão, que com peculiar discrição preferiram abster-se do processo fratricida. No caso da Bolívia, as diversas tentativas de mediação e dissuasão ao longo dos últimos três anos pelo ex-vice presidente Álvaro García Linera, que retornou à docência e pesquisa na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) em Buenos Aires, Argentina. Tentativas frustradas ante a soberba do traidor e a teimosia do líder que preferiu pôr abaixo todas as conquistas protagonizadas pelo povo explorado e oprimido da Bolívia.
Nós, que vivemos um exílio voluntário desde a mais tenra infância, sabemos que cada vida importa. Seja na Bolívia, Líbano, Palestina ou Corumbá [que é o que vem ao caso, mas, se quisermos, Brasil].
Vamos a estes casos concretos: o povo corumbaense (originário, ribeirinho ou temporário) que mora nos recônditos do Pantanal merece ser privado de uma UBS fluvial, uma ambulancha do SAMU, hospital universitário regional, centro farmacológico fitoterápico do Pantanal? Merece o monopólio de uma empresa de transportes de passageiros que, para angariar os lucros mais insólitos, descumpre a legislação e impõe aos passageiros aviltantes preços de suas passagens? Merece, diante da perplexidade, ter fechado o primeiro centro do SENAI do interior do estado (criado ainda no tempo de Mato Grosso, quando do bicentenário de fundação de Corumbá, em 1978) por decisão de um burocrata que se diz empresário e que algumas luas atrás tentou mas não conseguiu ser presidente da FIEMS por conta dos votos de Corumbá? Onde estão o governador, os ex-governadores e deputados federais que afiançaram a aliança milagreira de um prefeito que diz não ter sido consultado antes do anúncio?
Da mesma forma, acerca do outro lado da fronteira: o povo boliviano merece o abandono, por disputas egocêntricas, que colocaram em segundo lugar o projeto de transformação histórico e, sobretudo, as riquezas naturais (como a maior reserva mundial de lítio e uma das maiores de gás) cobiçadas por abutres e similares do império decadente e de seus aliados da Europa nanica e fascista? Por conta disso tudo, este dia 17 de agosto não é nada alvissareiro, mas ainda resta a esperança de que o povo, soberano que é, saiba corrigir a falta de visão e de empatia de suas elites dirigentes, tão distantes de Deus e tão próximas de Washington. Quem viver verá.
Ahmad Schabib Hany
quinta-feira, 14 de agosto de 2025
4ª CORDHPANTANAL, CONQUISTA DA CIDADANIA
4ª CORDHPANTANAL, CONQUISTA DA CIDADANIA
A 4ª Conferência Regional de Direitos Humanos Pantanal, realizada no dia 12 de agosto em Corumbá, foi uma emblemática conquista da cidadania. Nossa gratidão à Doutora Neyla Mendes, presidenta do CEDHU/MS, ao Assistente Social Alexandre Ohara, ao Professor Thiago Godoy e ao Defensor Público Pedro Nogueira, cujo esforço propiciou a realização deste conclave memorável.
"Por um Sistema Nacional de Direitos Humanos: consolidar a democracia, resistir aos retrocessos e avançar na garantia de direitos para todas as pessoas" foi o tema da 4ª Conferência Regional de Direitos Humanos Pantanal (4ª CORDHPANTANAL), que desta vez abrangeu os municípios de Corumbá, Ladário, Miranda, Aquidauana e Anastácio, tendo sido sediada no Centro de Convenções Miguel Gómez, Porto Geral, no coração do Pantanal e da América do Sul.
A abertura da 4ª CORDHPANTANAL (como nas anteriores, sem a presença do prefeito ou da vice-prefeita, que foram representados pelo secretário Marcos de Souza Martins, titular da Secretaria de Governo, e pela primeira vez com a participação de vereadores como anfitriões) foi breve e objetiva. Em seguida, o Professor Ricardo Matos de Souza, coordenador do curso de Direito da UFMS, fez a fala magna da Conferência, mas não o vi participar depois dos trabalhos.
Em votação simbólica foi aprovado o regimento interno para iniciar os trabalhos com a distribuição do público em seis grupos de trabalho a fim de refletir, debater e, com base na realidade regional, fazer propostas sobre os eixos com os subtemas definidos pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos. A despeito da pequena participação popular, os trabalhos foram profícuos.
Sob a coordenação da Câmara Municipal de Corumbá, por meio dos vereadores Hesley Sant'Anna e Hannah Santana, e o apoio da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul, por meio do Doutor Pedro Leno Nogueira, e o esforço pessoal do Assistente Social Alexandre Ohara, da Secretaria de Governo, e do Professor Thiago Godoy, da Secretaria de Assistência Social e membro da Comissão de Justiça e Paz, a 4ª CORDHPANTANAL é marco de conquista da cidadania, em especial de Corumbá, Ladário e Aquidauana, que enviou altiva delegação da sociedade civil para o conclave.
Como participante, desde a 1ª CORDHPANTANAL (realizada em 10 de maio de 2004, na Escola Estadual Julia Gonçalves Passarinho, com 78 participantes da sociedade civil como resultado da mobilização), antes de mais nada registro e louvo o empenho dos assessores Alexandre Ohara e Thiago Godoy; do Defensor Público Pedro Leno Nogueira, e dos vereadores Hannah Santana e Hesley Sant'Anna. Alvissareiro o engajamento dos dois novos vereadores, cuja atuação oficializou a Comissão de Direitos Humanos na Câmara Municipal.
Embora ainda consultiva e propositiva (espero estar vivo quando esse conclave tiver caráter deliberativo), a 4ª CORDHPANTANAL deu relevante contribuição para as bases fundantes do iminente Sistema Nacional de Garantia de Direitos, uma espécie de SUS ou SUAS no processo de efetivação de direitos individuais, sociais, coletivos e difusos no país, que desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 ainda não está de todo construído. Na verdade, no período pós 2016, isto é, posterior à deposição da ex-presidenta Dilma Rousseff, houve um retrocesso meticuloso de desmonte, com as políticas sociais e ambientais.
Com a defenestração, entre 2011 e 2016, do FORUMCORLAD -- generosamente lembrado na abertura pelo Assistente Social Alexandre Ohara, testemunha, ao lado da querida e saudosa Psicóloga Tânia Nozieres de Sant'Anna, da gênese do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (espaço público não estatal de controle social das políticas públicas, primeiro em todo o Brasil) --, a mobilização em Corumbá e Ladário ficou limitada, tanto que, como indicador, membros não governamentais dos mais de 15 conselhos de políticas públicas de Corumbá e de Ladário não estiveram presentes, como ocorrera em edições anteriores.
Um destaque à presidenta do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDHU/MS), Doutora Neyla Ferreira Mendes. Graças a ela e ao querido Amigo-Irmão Anísio Guilherme da Fonseca, incansável (para muitos "chato", "chatíssimo", como também eu devo ser) Anísio Guató, foi resgatada a fórmula de Conferência Regional para, ainda que no prazo-limite, pudesse ser realizada. Não nos causa surpresa, aliás, que Anísio tenha pagado pela teimosia cidadã, ao ficar como "lanterninha" como delegado à Conferência Estadual de Direitos Humanos (todo bom combatente sabe que a defesa de uma boa causa não é indolor). Mas nem essas "invertidas" da Vida o fazem desistir da luta...
Nem é preciso dizer, mas a grande protagonista da 4ª CORDHPANTANAL foi a querida Dona Dalva Maria Ferreira, a Cacica emérita da Aldeia Uberaba, grande Companheira de Vida e de lutas do Cacique Severo Ferreira Guató. Oportuna e precisa, fez uso da fala que causou uma raríssima ovação, espontânea e vívida. Não por acaso, Dona Dalva é até hoje a grande conselheira da população Guató em perímetro urbano. Pena que o grupo de trabalho do eixo em que ela esteve não tivesse apresentado moção de apoio referente à demanda que manifestou na Plenária Final.
Embora subjetiva, mas devidamente relevante, uma saudação justa e merecida também para o Amigo-Irmão Arturo Castedo Ardaya, membro fundador do Pacto pela Cidadania, de 1994, e da Sociedade dos Amigos da Cultura, de 1991, e incansável militante das causas maiores de nossa população. Só não passou despercebido durante a realização da Conferência porque é uma entidade, no sentido literal. Foi, aliás, quando ele era o titular da Subsecretaria de Ações de Cidadania, no primeiro mandato petista do saudoso Ruiter Cunha de Oliveira, que fizemos parceria para a realização de seu memorável projeto alusivo aos 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos da ONU, em 2008. Ele, sim, sabe o valor e a fidalguia dos cidadãos anônimos que construíram o FORUMCORLAD, bem como a seriedade de propósitos que conduziram a OCCA Pantanal, cujo programa radiofônico semanal de 10 anos, "Cidadania em Ação", ele revigorou e o tornou diário por mais uma década na querida FM Pantanal, do saudoso e querido Padre Pasquale Forin.
Ah, sim: foram, como de hábito, aprovadas pelo menos quatro moções de apoio, que me lembre: adoção do espanhol como segunda língua, com aulas de graça para os interessados; que seja retomada a campanha pela localização de Lívia e de Larissa, desaparecidas em 2011, e de desaparecidos mais recentes, como o motorista de aplicativo que há poucos meses teve roubado o seu carro em território boliviano, mas ele não foi encontrado; a campanha pela liberdade das presas políticas no Paraguai Laura e Carmen Villalba e Francisca Andino, justiça pelo infanticídio de duas filhas gêmeas e localização de Lichita, hoje adolescente; solidariedade à população palestina de Gaza, vítima de genocídio. Creio que a memória me traiu, e não me lembro de pelo menos mais uma.
Lulu Santos, compositor e músico brasileiro, foi quem melhor soube definir o que é a dialética da Vida e da História, quando compôs, em 1983 (na ditadura), "Como uma onda": "Nada do que foi será / De novo do jeito que já algum dia / Tudo passa, tudo sempre passará // A vida vem em ondas / Como um mar / Num indo e vindo infinito // Tudo que se vê não é / Igual ao que a gente viu há um segundo / Tudo muda o tempo todo no mundo."
Confesso ser feliz por viver no tempo em que vivo, a despeito de tanta sordidez e ganância. Por isso me atrevo a dizer aos jovens desassossegados que a canção de Lulu não nos leva ao desalento ou à passividade; é convite ao desassossego, à resiliência. Porque nunca fomos poucos, somos apenas suficientes, como sal (até porque em excesso, quiçá, possamos fazer mal, mesmo sem querer). Com todo o respeito pelos amantes das massas alvoroçadas, até porque deliciosas mesmo são as massas italianas, oriundas da China, com sutil tempero árabe do Mediterrâneo e universais por conta da mobilidade humana. Mas, cá pra nós, que perdem para o tempero pantaneiro, único como o Bioma, sua diversidade e sua gente hospitaleira, generosa e cosmopolita.
Ahmad Schabib Hany
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