domingo, 9 de fevereiro de 2025

DONA CERISE, PROTAGONISTA À FRENTE DE SEU TEMPO

Dona Cerise, protagonista à frente de seu tempo

A eternização da Senhora Cerise de Campos Barros, semana passada, nos abalou profundamente. Mais que incansável Cidadã, a querida Dona Cerise inspirou as melhores atitudes a muitos de seus contemporâneos.

A Senhora Cerise Delfina de Campos Barros, do alto de sua humildade solidária, foi mais que incansável Cidadã à frente de seu tempo: foi Mestra modesta e discreta da magnitude de sua integridade. E é dessa dimensão o vazio que causa a sua eternização, depois de enfrentar com estoicismo a doença que a consumiu física, mas não animicamente.

Embora tivesse ouvido do Amigo Armando Lacerda, por diversas vezes, sobre o caráter e a generosidade de sua querida Sogra, que para ele era como Mãe, fui conhecê-la pessoalmente por meio da querida Irmã Antônia Brioschi, diretora do saudoso GENIC, quando estávamos no processo de construção e legitimação do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário, entre 1993 e 1994. Sua transferência ocorreria em meados de 1995.

Quando a Irmã Antônia, coordenadora provisória do primeiro Espaço Público Não Estatal do interior do Brasil, me revelou com certa anterioridade sobre a sua transferência para Água Clara (Mato Grosso do Sul), me apresentou a então vice-presidente da Liga das Senhoras Católicas da Diocese de Corumbá (entidade mantenedora do Asilo São José da Velhice Desamparada, a primeira denominação da entidade), início de 1994.

Discreta, humilde e detentora de uma sabedoria gigante, Dona Cerise me disse que preferia ser chamada apenas pelo nome. Pedi desculpas, mas disse que não conseguiria, pois ela era a verdadeira Mestra para todos nós. Com emblemático sorriso, me consentiu, então, manter a minha reverência por ela. Era marcante a sua discrição, com a qual chegava a todos os meios, não só de Corumbá e de Ladário, mas no estado e em Mato Grosso, seu estado natal.

Sua humildade era espontânea. Não se permitia soslaios, e em seu proceder a sinceridade era o alicerce de sua caminhada. Passos firmes, seguros, mas com a leveza de uma alma generosa e liberta de protocolos. Uma verdadeira Cristã, com letra maiúscula. Sua solidariedade era incondicional, como sua Amizade: feliz os que ao longo de sua iluminada existência tiveram a sorte e o privilégio de partilhar com ela um sentimento espontâneo, forte como o seu caráter.

Quando a conheci, entre 1993 e 1994, as reuniões eram áridas e extremamente meticulosas no âmbito do que viria a ser o Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais, até porque a então Promotora de Justiça (depois Procuradora) Doutora Sara Francisco da Silva, solicitara muita objetividade e transparência na formação daquele coletivo de entidades regionais. A Doutora Sara, à medida da disponibilidade de tempo permitido, costumava aparecer de surpresa, afinal o Ministério Público era o responsável pela fiscalização do processo de escolha dos membros dos futuros conselhos de políticas públicas, ainda em construção.

Dona Cerise era a vice-presidente da saudosa e igualmente querida Dona Julieta Nemir Marinho, gigantes à frente do Asilo São José. Incansável, era a primeira a chegar às reuniões e última a sair. Nunca reclamou do tempo ou de eventuais divagações de colegas de entidades coirmãs, receosas de mudanças decorrentes da Constituição Federal de 1988. Porque a extinção da Legião Brasileira de Assistência (LBA) e de fundos a ela vinculados causou certa preocupação aos dirigentes de entidades assistenciais em todo o país.

À frente de seu tempo, Dona Cerise não se abalava. Ela dizia que todas as suas iniciativas tinham sustentabilidade porque não estavam condicionadas às fontes oficiais, muito disputadas pelas entidades. Sempre recorrera ao livro-de-ouro e ao bazar para alavancar ações, em que pessoas de seu círculo familiar e de amizade davam suporte quando necessário. Mas sempre pensou coletivamente: solidária e entusiasticamente estava, lado a lado, com todas as pessoas que atuavam naquele segmento. Nada de competição, mas cooperação, sempre.

Credibilidade e reputação são marcas indeléveis de todo o seu proceder, tanto à frente da entidade que dirigiu por décadas como de tantas outras iniciativas, sobretudo dentro da Igreja Católica, da qual foi protagonista de emblemáticas iniciativas existentes até a atualidade. Diversas iniciativas, como no Cenáculo da Rosa Mística, era a mentora pioneira e querida. Muito querida.

É luz. Inspiração. Ainda que sua discrição tipicamente pantaneira estivesse indissociável de seu comportamento, o devir dos dias, a convivência afetiva e sincera, fez com que sua presença fosse crescendo naturalmente. O amor que irradiava a tornava imprescindível. Sua espontaneidade, única. Dias depois de ter perdido nosso saudoso Pai, ela nos fez uma visita, memorável, que muito nos ajudou a reparar aquela dor da ausência. Como quando celebrávamos meu casamento, lá estava ela, discreta e luminosamente, desta vez ao lado de Dona Marli, a Companheira de Vida do Amigo Armando Lacerda. Sempre irradiando energias positivas para a Vida. Isso fiz questão de lhe dizer quando a encontrei numa das edições do Festival América do Sul, com Omar e Sofia já nascidos.

Dona Cerise é das Amigas que levo para a Vida. Um presente que a Vida me deu e, obviamente, do convívio do querido Amigo Armando Lacerda, discreto como ela, e de Dona Marli, por quem tenho também um grato e sincero afeto, pois ela tem a felicidade de ter em seu DNA essa marca generosa e sincera da Matriarca que foi protagonista à frente de seu tempo.

E neste momento de profunda dor pela ausência de uma Gigante como é Dona Cerise, nossa modesta e sincera fé-irradiação de muito Amor, Luz e, sobretudo, Sabedoria, com os quais Dona Cerise contribuiu copiosa e incansavelmente para mitigar as contradições de uma sociedade insensível e um mundo tacanho.

Obrigado, Dona Cerise, por ter existido e insistido por uma humanidade utópica em que sejamos Irmãos e construtores de nosso porvir a despeito de tamanha injustiça, indiferença e ganância a campearem soltas. Até sempre, Dona Cerise, Mestra da Solidariedade, Generosidade e Sinceridade!

Ahmad Schabib Hany

Nenhum comentário: