terça-feira, 15 de outubro de 2024

PADRE ERNESTO SAKSIDA, 107 ANOS

Padre Ernesto Saksida, 107 anos

A memória seletiva das elites políticas ignora as obras sociais deixadas pelo sacerdote esloveno que escolheu Corumbá para realizar seu projeto de Vida.

Neste dia 15 de outubro, também Dia do Professor e da Professora, o saudoso e querido Padre Ernesto Saksida estaria completando 107 de nascimento. Em 13 de março de 2013, quando se eternizou depois de perder a luta contra a pneumonia que o levou à internação no CTI do Hospital de Caridade, seu projeto de Vida estava vicejante e alvissareiro porque ele, presente, à frente e vigilante, não deixava de contatar os benfeitores europeus que, desde a sua gênese, foram os responsáveis pelo financiamento das obras sociais criadas e mantidas por mais de cinco décadas sob a sua direção.

Preocupado desde fins da década de 1990 com o porvir do complexo educacional inspirado no legado de Dom Bosco, ele contatou um pequeno grupo de apoiadores discretos com os quais tinha a liberdade de fazer algumas revelações. As primeiras reuniões foram feitas na residência do Senhor Jorge Katurchi e foram poucos os convidados, pois se preocupava por eventuais inconfidências, cujas repercussões poderiam desanimar os benfeitores que até então eram informados de tudo por meio de cartas. Milhares de cartas, respondidas por uma equipe de colaboradores, sempre sob sua supervisão meticulosa. Essa era a fonte de financiamento de uma iniciativa pioneira que mudou a Vida de milhares de famílias de Corumbá, Ladário e Puerto Suárez (Quijarro, na época era uma estação ferroviária que viria a ser emancipada como município em 1977).

Ele revelara que, quando começou sua obra social no início da década de 1960, não foram poucas as famílias amigas que tentaram demovê-lo de seu projeto, usando os mais insólitos argumentos. Isso o levou a viajar a São Paulo e Rio de Janeiro para participar de programas de auditório e com isso sensibilizar a alta sociedade brasileira situada nas duas maiores cidades do País. Depois de algumas longas viagens pelo Brasil, também não deu certo. Foi então que lhe ocorreu viajar à Europa e disputar com outros destinatários da ajuda cristã a diversas nações, sobretudo na África, e assim criar as organizações de apoio à sua obra.

Mas houve os que o haviam apoiado, entre eles o saudoso Senhor João Gonçalves Miguéis (que com ele fundara anteriormente a LEMAC, Legião Mato-grossense dos Amigos da Criança), o Doutor Salomão Baruki (com quem fundara um jornal, a Folha da Tarde), o Senhor Jorge Katurchi e o Senhor Walmir Provenzano (com quem fundara a União dos Ex-alunos de Dom Bosco, UEDB), além do Professor José Ferreira de Freitas (primeiro diretor da então Escola Estadual Rural Alexandre de Castro e autor de mais de dez livros sobre a obra social do Padre Ernesto, quem mais tarde o elegeu e reelegeu deputado estadual, o que o levou a se mudar para Cuiabá, onde acabou fazendo sua carreira, tanto na política como no magistério universitário). Também os saudosos Senhor Ale Hamie, comerciante e relevante doador, o Protético e Pastor Hernán Guerrero e o pecuarista Lino Viegas.

Participaram também, sobretudo na primeira fase, o advogado Antônio Vitor Lima Baptista (Filho do Amigo de décadas, o advogado José Feliciano Baptista Neto, que, além de ajudar junto com o Doutor Salomão na escolha do nome, assinou a petição de registro da entidade junto ao cartório) e o senhor José Batista de Pontes (esposo da Professora Camila de Pontes, que ao lado da Professora Norma de Souza foi uma das duas primeiras professoras da Escola Alexandre de Castro, no tempo em que funcionou na casa de Dona Catarina). As articulações políticas que acompanharam a segunda fase da fundação do CENPER (Centro Padre Ernesto de Promoção Humana e Ambiental) foi fator de afastamento de muitos dos apoiadores da primeira fase, que se sentiram alijados do processo.

Muito me surpreendeu a capacidade de articulação política do Padre Ernesto. Embora ele tivesse me pedido que, como facilitador desse processo, coordenasse esse trabalho muito desgastante, revelou-se extremamente hábil quando as coisas foram caminhando para um lado, digamos, inusitado. Ele já estava acostumado com isso, até porque ocorrera o mesmo na fundação da Cidade Dom Bosco, no início da década de 1960. A mesma elite política que aconselhou o sacerdote salesiano a não se envolver com a inclusão social era a mesma que disputava sua parceria, até porque se aproximavam as eleições de 2004.

Como o até então presidente da Comissão Pró-fundação do CENPER, Seu Jorge Katurchi, declinara-se da presidência da entidade, o mesmo tendo feito o Doutor Salomão Baruki, habilmente os dois Amigos de décadas do Padre Ernesto foram, aos poucos, convencendo o sacerdote salesiano a aceitar a proposta de que o então desconhecido, para o Padre Ernesto, Ruiter Cunha de Oliveira fosse o primeiro presidente do CENPER. Não foi fácil, pois Ruiter sequer tinha sido aluno da Cidade Dom Bosco, e sobretudo o experiente Padre Ernesto não o conhecia e dera um jeito de se informar junto a velhos Amigos.

Antes mesmo de que as pessoas cujos nomes integraram a primeira diretoria executiva do CENPER imaginassem ser chamadas para compor a chapa a ser proclamada na assembleia-geral de fundação, o trabalho de convencimento do Padre Ernesto foi um ritual rigoroso. Ele nos dissera que estava dando uma chance às famílias amigas de outrora que mudassem seu olhar sobre os excluídos de sua própria cidade. E foi assim. Metódico, resiliente e determinado, o criador da Cidade Dom Bosco não só se empenhou na criação dessa como de mais duas entidades, como a constituir um tripé de sustentação do conjunto de sua obra social pioneira e de caráter interdisciplinar.

Somente quando as associações de benfeitores da Europa começaram a enviar respostas com a aquiescência da estratégia em construção -- uma entidade nos moldes da nova legislação brasileira de 1999 relativa às OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) -- é que ele passou a realizar as reuniões nas dependências da Cidade Dom Bosco. Nesse meio tempo o Padre Carlos Estremera, diretor da Cidade Dom Bosco, foi transferido e em seu lugar veio o agora saudoso Padre Oswaldo Scotti, grande entusiasta da iniciativa dos apoiadores do Padre Ernesto. Esse entusiasmo, reiterado pelo também saudoso Padre Pasquale Forin, titular da Paróquia de São João Bosco e seu Irmão de Congregação Salesiana, permitiu que mais duas entidades fossem constituídas nesse ínterim: o Clube dos Amigos do Padre Ernesto, presidido pelo também saudoso Doutor Lamartine Costa, e a União dos Ex-Alunos da Cidade Dom Bosco (UEACDB), cuja primeira diretoria foi escolhida a dedo pelo Padre Ernesto entre ex-alunos mais próximos dele.

Conhecedor de seu prestígio perante a população corumbaense, o Padre Ernesto não só afiançou seu apoio ao novo integrante da Família Salesiana em Corumbá, como o levou a fazer um compromisso de honra, de que os primeiros presidentes do CENPER, pelo valor, pelo significado desse prestigiado cargo (encargo social), seriam apoiados pelo antecessor à sua sucessão também no âmbito político-administrativo. A primeira a sucedê-lo seria (no CENPER foi) uma professora, filha de um grande Amigo seu que por ironia da Vida, se eternizara no dia em que era realizada a primeira festa de promoção da entidade. Embora todos os integrantes da direção da entidade tivessem votado pelo adiamento da festa, os preparativos, já bastante adiantados, fizeram com que tivessem que mudar de decisão, em meio ao constrangimento e à consternação.

Lembro-me como hoje, horas antes da realização da festa, o recém-empossado presidente do CENPER teve que assumir o compromisso de apoiar a Filha do Amigo como candidata à sua sucessão, não só da entidade, mas na prefeitura, caso ele viesse a ser eleito. Aliás, o Padre Ernesto nunca teve dúvida: ele era convicto de tudo o que o levava a fazer. Contudo, o lado político não correspondeu, e muito menos no tocante ao reconhecimento do ex-presidente da Comissão Pró-fundação do CENPER, mesmo contra a vontade de Seu Jorge, como assessor especial junto ao gabinete do prefeito. Convencido pelo próprio sacerdote salesiano, como Amigo de décadas, ele teve que aceitar, mas o ato de nomeação nunca chegou, nem no primeiro mandato, muito menos no segundo...

Ao contrário do Padre Ernesto, que honrara todos os compromissos assumidos pública ou reservadamente, as elites políticas locais simplesmente ignoraram esses compromissos, tanto que quando o célebre GENIC [CENIC para as novas gerações] pediu socorro, ninguém se habilitou a apoiar uma iniciativa que o fizesse permanecer em suas atividades centenárias. Todos os atuais atores do mais recente processo eleitoral estavam ocupando cargos, senão eletivos, de grande influência política, que teriam salvo o quase centenário colégio salesiano da Frei Mariano. Ficam os registros. É a tal ‘vontade política’...

Como o Padre Ernesto sempre destinou a festa de seu aniversário para todos, emblemático dia que é, dedicaremos o parágrafo derradeiro à categoria profissional com a qual mais trabalhou ao longo de sua Vida, pois ele mesmo era Professor.

Feliz Dia do Professor e da Professora! Mais que comemoração, merecida ainda que imotivada, é dia de reflexão e luta, porque só com muito empenho, estudo, coerência e organização é que a categoria tão importante para a conquista da soberania científica e tecnológica do Brasil haverá de ser reconhecida e respeitada pelos feitores, digo, gestores de plantão. E não adianta esperar que o Governo Federal, na pessoa do grande estadista Lula, faça milagres, porque até ele está refém do nefasto centrão, verdadeiro câncer da democracia ao lado do fascismo -- travestido de parasitismo rentista, neoliberalismo entreguista, fanatismo religioso sionista --, que tomou conta de grande parcela da população do Planeta. Menos oficialismo, burocratismo, servilismo, individualismo, identitarismo, soberba e autossuficiência: precisamos de empatia, solidariedade e coletivismo. Alvíssaras, alvíssaras, temos cérebro e consciência de classe!

Ahmad Schabib Hany

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