Padre
Ernesto Saksida, 107 anos
A memória seletiva das elites
políticas ignora as obras sociais deixadas pelo sacerdote esloveno que escolheu
Corumbá para realizar seu projeto de Vida.
Neste dia 15 de outubro, também Dia do Professor e
da Professora, o saudoso e querido Padre Ernesto Saksida estaria completando 107 de nascimento. Em 13 de março de 2013, quando se eternizou depois de
perder a luta contra a pneumonia que o levou à internação no CTI do Hospital de
Caridade, seu projeto de Vida estava vicejante e alvissareiro porque ele,
presente, à frente e vigilante, não deixava de contatar os benfeitores europeus
que, desde a sua gênese, foram os responsáveis pelo financiamento das obras
sociais criadas e mantidas por mais de cinco décadas sob a sua direção.
Preocupado desde fins da década de 1990 com o porvir do complexo educacional inspirado no legado de Dom Bosco,
ele contatou um pequeno grupo de apoiadores discretos com os quais tinha a
liberdade de fazer algumas revelações. As
primeiras reuniões foram feitas na residência do Senhor Jorge Katurchi e foram
poucos os convidados, pois se preocupava por eventuais inconfidências, cujas
repercussões poderiam desanimar os benfeitores que até então eram informados de
tudo por meio de cartas. Milhares de cartas, respondidas por uma equipe de
colaboradores, sempre sob sua supervisão meticulosa. Essa era a fonte de
financiamento de uma iniciativa pioneira que mudou a Vida de milhares de
famílias de Corumbá, Ladário e Puerto Suárez (Quijarro, na época era uma
estação ferroviária que viria a ser emancipada como município em 1977).
Ele revelara que, quando começou sua obra social no
início da década de 1960, não foram poucas as famílias amigas que tentaram demovê-lo
de seu projeto, usando os mais insólitos argumentos. Isso o levou a viajar a
São Paulo e Rio de Janeiro para participar de programas de auditório e com isso
sensibilizar a alta sociedade brasileira situada nas duas maiores cidades do
País. Depois de algumas longas viagens pelo Brasil, também não deu certo. Foi
então que lhe ocorreu viajar à Europa e disputar com outros destinatários da
ajuda cristã a diversas nações, sobretudo na África, e assim criar as
organizações de apoio à sua obra.
Mas houve os que o haviam apoiado, entre eles o
saudoso Senhor João Gonçalves Miguéis (que com ele fundara anteriormente a
LEMAC, Legião Mato-grossense dos Amigos da Criança), o Doutor Salomão Baruki
(com quem fundara um jornal, a Folha da Tarde), o Senhor Jorge Katurchi
e o Senhor Walmir Provenzano (com quem fundara a União dos Ex-alunos de Dom
Bosco, UEDB), além do Professor José Ferreira de Freitas (primeiro diretor da
então Escola Estadual Rural Alexandre de Castro e autor de mais de dez livros
sobre a obra social do Padre Ernesto, quem mais tarde o elegeu e reelegeu
deputado estadual, o que o levou a se mudar para Cuiabá, onde acabou fazendo
sua carreira, tanto na política como no magistério universitário). Também os
saudosos Senhor Ale Hamie, comerciante e relevante doador, o Protético e Pastor
Hernán Guerrero e o pecuarista Lino Viegas.
Participaram também, sobretudo na primeira fase, o
advogado Antônio Vitor Lima Baptista (Filho do Amigo de décadas, o advogado
José Feliciano Baptista Neto, que, além de ajudar junto com o Doutor Salomão na
escolha do nome, assinou a petição de registro da entidade junto ao cartório) e
o senhor José Batista de Pontes (esposo da Professora Camila de Pontes, que ao
lado da Professora Norma de Souza foi uma das duas primeiras professoras da Escola
Alexandre de Castro, no tempo em que funcionou na casa de Dona Catarina). As
articulações políticas que acompanharam a segunda fase da fundação do CENPER
(Centro Padre Ernesto de Promoção Humana e Ambiental) foi fator de afastamento
de muitos dos apoiadores da primeira fase, que se sentiram alijados do
processo.
Muito me surpreendeu a capacidade de articulação
política do Padre Ernesto. Embora ele tivesse me pedido que, como facilitador
desse processo, coordenasse esse trabalho muito desgastante, revelou-se extremamente
hábil quando as coisas foram caminhando para um lado, digamos, inusitado. Ele
já estava acostumado com isso, até porque ocorrera o mesmo na fundação da
Cidade Dom Bosco, no início da década de 1960. A mesma elite política que
aconselhou o sacerdote salesiano a não se envolver com a inclusão social era a
mesma que disputava sua parceria, até porque se aproximavam as eleições de 2004.
Como o até então presidente da Comissão
Pró-fundação do CENPER, Seu Jorge Katurchi, declinara-se da presidência da
entidade, o mesmo tendo feito o Doutor Salomão Baruki, habilmente os dois
Amigos de décadas do Padre Ernesto foram, aos poucos, convencendo o sacerdote
salesiano a aceitar a proposta de que o então desconhecido, para o Padre
Ernesto, Ruiter Cunha de Oliveira fosse o primeiro presidente do CENPER. Não
foi fácil, pois Ruiter sequer tinha sido aluno da Cidade Dom Bosco, e sobretudo
o experiente Padre Ernesto não o conhecia e dera um jeito de se informar junto
a velhos Amigos.
Antes mesmo de que as pessoas cujos nomes
integraram a primeira diretoria executiva do CENPER imaginassem ser chamadas
para compor a chapa a ser proclamada na assembleia-geral de fundação, o
trabalho de convencimento do Padre Ernesto foi um ritual rigoroso. Ele nos
dissera que estava dando uma chance às famílias amigas de outrora que mudassem
seu olhar sobre os excluídos de sua própria cidade. E foi assim. Metódico,
resiliente e determinado, o criador da Cidade Dom Bosco não só se empenhou na
criação dessa como de mais duas entidades, como a constituir um tripé de
sustentação do conjunto de sua obra social pioneira e de caráter
interdisciplinar.
Somente quando as associações de benfeitores da
Europa começaram a enviar respostas com a aquiescência da estratégia em
construção -- uma entidade nos moldes da nova legislação brasileira de 1999
relativa às OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) -- é
que ele passou a realizar as reuniões nas dependências da Cidade Dom Bosco. Nesse
meio tempo o Padre Carlos Estremera, diretor da Cidade Dom Bosco, foi
transferido e em seu lugar veio o agora saudoso Padre Oswaldo Scotti, grande
entusiasta da iniciativa dos apoiadores do Padre Ernesto. Esse entusiasmo,
reiterado pelo também saudoso Padre Pasquale Forin, titular da Paróquia de São
João Bosco e seu Irmão de Congregação Salesiana, permitiu que mais duas entidades
fossem constituídas nesse ínterim: o Clube dos Amigos do Padre Ernesto,
presidido pelo também saudoso Doutor Lamartine Costa, e a União dos Ex-Alunos
da Cidade Dom Bosco (UEACDB), cuja primeira diretoria foi escolhida a dedo pelo
Padre Ernesto entre ex-alunos mais próximos dele.
Conhecedor de seu prestígio perante a população
corumbaense, o Padre Ernesto não só afiançou seu apoio ao novo integrante da
Família Salesiana em Corumbá, como o levou a fazer um compromisso de honra, de
que os primeiros presidentes do CENPER, pelo valor, pelo significado desse
prestigiado cargo (encargo social), seriam
apoiados pelo antecessor à sua sucessão também no âmbito
político-administrativo. A primeira a sucedê-lo seria (no CENPER foi) uma
professora, filha de um grande Amigo seu que por ironia da Vida, se eternizara
no dia em que era realizada a primeira festa de promoção da entidade. Embora
todos os integrantes da direção da entidade tivessem votado pelo adiamento da
festa, os preparativos, já bastante adiantados, fizeram com que tivessem que
mudar de decisão, em meio ao constrangimento e à consternação.
Lembro-me como hoje, horas antes da realização da
festa, o recém-empossado presidente do CENPER teve que assumir o compromisso de
apoiar a Filha do Amigo como candidata à sua sucessão, não só da entidade, mas
na prefeitura, caso ele viesse a ser eleito. Aliás, o Padre Ernesto nunca teve
dúvida: ele era convicto de tudo o que o levava a fazer. Contudo, o lado
político não correspondeu, e muito menos no tocante ao reconhecimento do
ex-presidente da Comissão Pró-fundação do CENPER, mesmo contra a vontade de Seu
Jorge, como assessor especial junto ao gabinete do prefeito. Convencido pelo
próprio sacerdote salesiano, como Amigo de décadas, ele teve que aceitar, mas o
ato de nomeação nunca chegou, nem no primeiro mandato, muito menos no
segundo...
Ao contrário do Padre Ernesto, que honrara todos os
compromissos assumidos pública ou reservadamente, as elites políticas locais
simplesmente ignoraram esses compromissos, tanto que quando o célebre GENIC
[CENIC para as novas gerações] pediu socorro, ninguém se habilitou a apoiar uma
iniciativa que o fizesse permanecer em suas atividades centenárias. Todos os
atuais atores do mais recente processo eleitoral estavam ocupando cargos, senão
eletivos, de grande influência política, que teriam salvo o quase centenário
colégio salesiano da Frei Mariano. Ficam os registros. É a tal ‘vontade
política’...
Como o Padre Ernesto sempre destinou a festa de seu aniversário para todos, emblemático dia que é, dedicaremos o parágrafo derradeiro à categoria profissional com a qual mais trabalhou ao longo de sua Vida, pois ele mesmo era Professor.
Feliz
Dia do Professor e da Professora! Mais que comemoração, merecida ainda que
imotivada, é dia de reflexão e luta, porque só com muito empenho, estudo,
coerência e organização é que a categoria tão importante para a conquista da
soberania científica e tecnológica do Brasil haverá de ser reconhecida e
respeitada pelos feitores, digo, gestores de plantão. E não adianta esperar que
o Governo Federal, na pessoa do grande estadista Lula, faça milagres, porque
até ele está refém do nefasto centrão, verdadeiro câncer da democracia ao lado
do fascismo -- travestido de parasitismo rentista, neoliberalismo entreguista,
fanatismo religioso sionista --, que tomou conta de grande parcela da população
do Planeta. Menos oficialismo, burocratismo, servilismo, individualismo,
identitarismo, soberba e autossuficiência: precisamos de empatia, solidariedade
e coletivismo. Alvíssaras, alvíssaras, temos cérebro e consciência de classe!
Ahmad
Schabib Hany
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