UFPantanal:
mais que sonho, necessidade premente
Adesão da sociedade civil e
científica vem crescendo a passos largos, enquanto hesitação, em vez de
entusiasmo, divide docentes e discentes do CPAN/UFMS.
Eis que titubeio, hesitação, é o que tem demarcado
os espaços imaginários entre alunos/as e docentes-pesquisadores/as do CPAN/UFMS,
mas fico lisonjeado ao ver que há expressivo número de professoras e
professores entusiastas, mais engajados. Por quê? Elas e eles, docentes, sabem
-- porque conhecem -- a importância desta região, independentemente da área de
estudo a que se dedicam, para a soberania tecnocientífica brasileira e para o
desenvolvimento estratégico regional, nacional e continental. Mais: a
instalação de um centro de pesquisas de referência é bom para a população
regional e de interesse geopolítico em tempos de afirmação do protagonismo do
Brasil, seja como potência regional ou como membro do concerto das nações como
agente da paz, do desenvolvimento soberano e do combate à fome.
Porque é alvissareiro o novo paradigma de
universidade, inclusiva e inovadora, liberta do burocratismo imposto pelo
famigerado Acordo MEC-USAID, de 1968, que vem atravancando o desenvolvimento
tecnocientífico há diversas décadas -- na verdade, desde o início da
redemocratização do Brasil, em 1985, pois, à exceção dos governos dos
presidentes Lula e Dilma, nenhum ministro da Educação pós-Nova República teve
sucesso nas diferentes tentativas de resgatar o papel de vanguarda na pesquisa
pelas universidades tradicionais --, uma das razões da letargia e do
individualismo reinantes na academia brasileira. Até porque a adoção de ranking
na produção e no desempenho acadêmicos leva a um perigoso ‘pragmatismo’ que se
reflete em quase todas as universidades brasileiras.
Não há exagero ao afirmar que as pesquisas
pioneiras em diversas áreas do conhecimento não só em Mato Grosso e Mato Grosso
do Sul começaram com pesquisadores instalados no então Centro Pedagógico de
Corumbá (da Universidade Estadual de Mato Grosso) e depois no Centro Universitário de Corumbá (da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul). Há duas semanas, resgatamos o pioneirismo dos docentes
pesquisadores Cláudio de Almeida Conceição, Wilson Uieda e Masao Uetanabaro.
Todos eles das ciências biológicas. Agora iremos citar o pioneirismo na
História, com os docentes pesquisadores Valmir Batista Corrêa e Lúcia Salsa
Corrêa, desde início da década de 1970.
Casal que veio bem jovem
a Corumbá, ambos dedicados à História, não só estruturaram o curso de
licenciatura, mas sistematizaram a História Regional e, sobretudo, iniciaram um
importante processo de pesquisa ousado e metódico em todo o sul de Mato Grosso.
Tive a honra e o prazer de conhecer o Professor Valmir Corrêa em 1975, quando
eu ainda estava no segundo ano do ensino médio, no antigo Centro Educacional
Julia Gonçalves Passarinho, e o saudoso Professor Octaviano Gonçalves da
Silveira Junior, titular de Língua Portuguesa e de Literatura, nos orientou
para que fizéssemos uma enquete com os alunos da escola sobre a divisão de Mato
Grosso, ainda em cogitação. Por recomendação dele, fomos até o CPC/UEMT para
saber fazer a enquete e a pessoa indicada era o Professor Valmir Corrêa.
Em 1978, quando iniciei o
curso de licenciatura em Letras, no período vespertino, tive um contato maior
com ele: o Centro de Estudos Históricos Ricardo Franco, embora restrito ao
alunado de História, me cativava muito, tendo participado de algumas de suas
atividades. Mesmo deslumbrado com o nível do ensino no CPC, eu já estava com
planos de, ao final daquele ano, antes da instalação do governo de Mato Grosso
do Sul, ir trabalhar em algum jornal, mesmo porque o Amigo Edson Moraes,
referência de nossa geração, trabalhava no Tribuna, do Jornalista e Deputado Sérgio Cruz. Antes de me mudar para Campo Grande,
doei ao Professor Valmir uma hemeroteca modesta, com jornais de Corumbá,
Ladário, Cuiabá, Campo Grande, São Paulo, Rio de Janeiro, La Paz, Cochabamba,
Trinidad, Santa Cruz de la Sierra, Assunção, Buenos Aires, Madri, Cairo e
Beirute, em português, espanhol, inglês e francês.
A revista acadêmica Dimensão, editada por
uma equipe de docentes do CPC, traz síntese das primeiras pesquisas dos
Professores Valmir e Lúcia, além de outros pesquisadores, obviamente, em que
consta de catalogação de jornais corumbaenses do final do século XIX e início
do século XX, bem como a descrição do movimento do entreposto comercial de
importância continental. Com a participação do Professor Gilberto Luiz Alves,
do curso de Pedagogia e igualmente pioneiro em História da Educação, Valmir e
Lúcia realizaram a justificativa para o tombamento do Casario do Porto em 1986,
uma luta iniciada em 1978 por causa da demolição de três prédios históricos do
centro de Corumbá: Cine Santa Cruz (onde hoje está a agência local do Bradesco), Intendência Municipal (onde estava situada
a sede do Café Néctar) e a Rádio Difusora Mato-grossense S/A (em frente à
agência local do Banco do Brasil).
A artista plástica
Marlene Terezinha Mourão, a querida Peninha, convidada pela Irmã Sofia para
trabalhar como professora no saudoso Ginásio e Escola Normal Imaculada
Conceição (GENIC), trocou Coxim e Campo Grande por Corumbá e deu uma guinada em
sua Vida. Em tom bastante descontraído, Peninha conta que, anos depois, foi
convidada pelo Doutor Salomão Baruki para dar aula no Instituto Superior de
Pedagogia, no prédio do então Grupo Escolar Luiz de Albuquerque (mais tarde,
transformado no ILA, no governo derradeiro de Mato Grosso uno, em que o
corumbaense Cássio Leite de Barros era governador e Salomão Baruki deixara a
vice-reitoria para ser secretário de estado de Educação e Cultura).
Professora de Introdução
à Metodologia Científica até 1974, a criadora de Maria Dadô foi colega dos
professores Gilberto, Valmir, Lúcia e Masao, com quem tinha uma relação bem
descontraída (em 1977, todos eles estavam nas diferentes edições da Grifo, revista mato-grossense editada em Campo
Grande pela Edimat. Mesmo sem saber, Peninha era uma seguidora do método de
Paulo Freire com a sua pedagogia libertária e descomplicada, em um tempo de
censura e muita tortura. Ela justificava não ler jornais, porque havia muita
mentira, não mostravam a verdade, porque a censura prévia não deixava que
saísse nada que não fosse do interesse dos governantes. Foi assim que vim saber
que meu Irmão Mohamed, eternizado 50 anos atrás, fora seu aluno e, curiosamente,
ela ainda se lembrava dele, de seu jeito irreverente -- provocador, até -- para
a época.
Amiga da Professora Lígia, Filha do Professor
Salomão Baruki, Peninha retorna para o CPC, desta vez como técnica do ‘Seção de
Multimeios’ (hoje, multimídia), depois de ter sido secretária do vice-reitor da UEMT, Doutor
Salomão, que assinara a sua carteira de trabalho numa das substituições ao Professor
João Pereira da Rosa, primeiro reitor da UEMT e, com a federalização, de sua
sucedânea, UFMS. Para ela, não se trata apenas da assinatura do empregador,
senão de autógrafo de um homem público muito querido, com quem conviveu apesar
da diferença de pontos de vista, tanto que até hoje mantém uma Amizade
fraternal com a Professora Lígia Baruki e Melo, sua correligionária e
confidente.
Mar, Marlene Mourão ou
simplesmente Peninha é prima do igualmente talentoso poeta e compositor
coxinense Zacarias Mourão, o célebre autor de “Pé de Cedro” eternizado há
algumas décadas com pouca idade. Humilde, não gosta dessas associações a
celebridades, pois ama o anonimato. Mas a autora de “Pacu era um peixe feliz
que nadava nas águas do Rio Paraguai” foi prefaciado pelo Poeta Manoel de
Barros sem tê-lo pedido: ele ficara encantado com o conto-poema que ela enviara
por correio em 1987, mas que só publicou em 2002, graças
ao Fundo de Investimento Cultural criado no governo do correligionário José
Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT.
Além de docente
universitária e técnica de ‘multimeios’, a querida e talentosa Peninha é
artista plástica, caricaturista, cartunista, poeta, escritora, ativista
cultural e Mãe-Avó de Luiz Eduardo, Felipe, Leonardo e Helô, a Netinha. Ama o
óleo, a aquarela e, sobretudo, o bico de pena. Não por acaso, suas ilustrações
são presença obrigatória em livros do ex-colega Gilberto, em edições da década
de 1980 e em sua
coleção para a Associação dos Bibliófilos do Instituto Cultural Gilberto Luiz
Alves (ICGLA), em 2023,
inaugurada com “Pantanal da Nhecolândia: pecuária e modernização tecnológica”,
Volume 1 da coleção. Há poucos dias, o ICGLA promoveu o lançamento do Volume 2,
coautoria de Valmir Batista Corrêa e Lúcia Salsa Corrêa, “A produção de charque
e de tanino no sul de Mato Grosso: cenários e dilemas”, coedição do ICGLA com a
Editora Maria Petrona, de Londrina.
As universidades são feitas por humanos e para
humanos. Uma sociedade que se pretende moderna e desenvolvida não pode abrir
mão de criar uma universidade inovadora, ousada e inclusiva. O progresso não
vem por acaso: é fruto do esforço realizado por seres humanos esclarecidos e
libertos. Assim, em plena fronteira, o coração do Pantanal e da América do Sul,
do Sol e do Sal -- como solenemente agasalhou o legítimo Festival da América do
Sul a partir de 2004 -- manterá
o cosmopolitismo / vanguardismo com que marcou na história, na memória e,
sobretudo, na Vida. UFPantanal não é sonho, é necessidade urgente.
Ahmad
Schabib Hany
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