quarta-feira, 18 de setembro de 2024

UFPantanal: mais que sonho, necessidade premente

UFPantanal: mais que sonho, necessidade premente

Adesão da sociedade civil e científica vem crescendo a passos largos, enquanto hesitação, em vez de entusiasmo, divide docentes e discentes do CPAN/UFMS.

Eis que titubeio, hesitação, é o que tem demarcado os espaços imaginários entre alunos/as e docentes-pesquisadores/as do CPAN/UFMS, mas fico lisonjeado ao ver que há expressivo número de professoras e professores entusiastas, mais engajados. Por quê? Elas e eles, docentes, sabem -- porque conhecem -- a importância desta região, independentemente da área de estudo a que se dedicam, para a soberania tecnocientífica brasileira e para o desenvolvimento estratégico regional, nacional e continental. Mais: a instalação de um centro de pesquisas de referência é bom para a população regional e de interesse geopolítico em tempos de afirmação do protagonismo do Brasil, seja como potência regional ou como membro do concerto das nações como agente da paz, do desenvolvimento soberano e do combate à fome.

Porque é alvissareiro o novo paradigma de universidade, inclusiva e inovadora, liberta do burocratismo imposto pelo famigerado Acordo MEC-USAID, de 1968, que vem atravancando o desenvolvimento tecnocientífico há diversas décadas -- na verdade, desde o início da redemocratização do Brasil, em 1985, pois, à exceção dos governos dos presidentes Lula e Dilma, nenhum ministro da Educação pós-Nova República teve sucesso nas diferentes tentativas de resgatar o papel de vanguarda na pesquisa pelas universidades tradicionais --, uma das razões da letargia e do individualismo reinantes na academia brasileira. Até porque a adoção de ranking na produção e no desempenho acadêmicos leva a um perigoso ‘pragmatismo’ que se reflete em quase todas as universidades brasileiras.

Não há exagero ao afirmar que as pesquisas pioneiras em diversas áreas do conhecimento não só em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul começaram com pesquisadores instalados no então Centro Pedagógico de Corumbá (da Universidade Estadual de Mato Grosso) e depois no Centro Universitário de Corumbá (da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). Há duas semanas, resgatamos o pioneirismo dos docentes pesquisadores Cláudio de Almeida Conceição, Wilson Uieda e Masao Uetanabaro. Todos eles das ciências biológicas. Agora iremos citar o pioneirismo na História, com os docentes pesquisadores Valmir Batista Corrêa e Lúcia Salsa Corrêa, desde início da década de 1970.

Casal que veio bem jovem a Corumbá, ambos dedicados à História, não só estruturaram o curso de licenciatura, mas sistematizaram a História Regional e, sobretudo, iniciaram um importante processo de pesquisa ousado e metódico em todo o sul de Mato Grosso. Tive a honra e o prazer de conhecer o Professor Valmir Corrêa em 1975, quando eu ainda estava no segundo ano do ensino médio, no antigo Centro Educacional Julia Gonçalves Passarinho, e o saudoso Professor Octaviano Gonçalves da Silveira Junior, titular de Língua Portuguesa e de Literatura, nos orientou para que fizéssemos uma enquete com os alunos da escola sobre a divisão de Mato Grosso, ainda em cogitação. Por recomendação dele, fomos até o CPC/UEMT para saber fazer a enquete e a pessoa indicada era o Professor Valmir Corrêa.

Em 1978, quando iniciei o curso de licenciatura em Letras, no período vespertino, tive um contato maior com ele: o Centro de Estudos Históricos Ricardo Franco, embora restrito ao alunado de História, me cativava muito, tendo participado de algumas de suas atividades. Mesmo deslumbrado com o nível do ensino no CPC, eu já estava com planos de, ao final daquele ano, antes da instalação do governo de Mato Grosso do Sul, ir trabalhar em algum jornal, mesmo porque o Amigo Edson Moraes, referência de nossa geração, trabalhava no Tribuna, do Jornalista e Deputado Sérgio Cruz. Antes de me mudar para Campo Grande, doei ao Professor Valmir uma hemeroteca modesta, com jornais de Corumbá, Ladário, Cuiabá, Campo Grande, São Paulo, Rio de Janeiro, La Paz, Cochabamba, Trinidad, Santa Cruz de la Sierra, Assunção, Buenos Aires, Madri, Cairo e Beirute, em português, espanhol, inglês e francês.

A revista acadêmica Dimensão, editada por uma equipe de docentes do CPC, traz síntese das primeiras pesquisas dos Professores Valmir e Lúcia, além de outros pesquisadores, obviamente, em que consta de catalogação de jornais corumbaenses do final do século XIX e início do século XX, bem como a descrição do movimento do entreposto comercial de importância continental. Com a participação do Professor Gilberto Luiz Alves, do curso de Pedagogia e igualmente pioneiro em História da Educação, Valmir e Lúcia realizaram a justificativa para o tombamento do Casario do Porto em 1986, uma luta iniciada em 1978 por causa da demolição de três prédios históricos do centro de Corumbá: Cine Santa Cruz (onde hoje está a agência local do Bradesco), Intendência Municipal (onde estava situada a sede do Café Néctar) e a Rádio Difusora Mato-grossense S/A (em frente à agência local do Banco do Brasil).

A artista plástica Marlene Terezinha Mourão, a querida Peninha, convidada pela Irmã Sofia para trabalhar como professora no saudoso Ginásio e Escola Normal Imaculada Conceição (GENIC), trocou Coxim e Campo Grande por Corumbá e deu uma guinada em sua Vida. Em tom bastante descontraído, Peninha conta que, anos depois, foi convidada pelo Doutor Salomão Baruki para dar aula no Instituto Superior de Pedagogia, no prédio do então Grupo Escolar Luiz de Albuquerque (mais tarde, transformado no ILA, no governo derradeiro de Mato Grosso uno, em que o corumbaense Cássio Leite de Barros era governador e Salomão Baruki deixara a vice-reitoria para ser secretário de estado de Educação e Cultura).

Professora de Introdução à Metodologia Científica até 1974, a criadora de Maria Dadô foi colega dos professores Gilberto, Valmir, Lúcia e Masao, com quem tinha uma relação bem descontraída (em 1977, todos eles estavam nas diferentes edições da Grifo, revista mato-grossense editada em Campo Grande pela Edimat. Mesmo sem saber, Peninha era uma seguidora do método de Paulo Freire com a sua pedagogia libertária e descomplicada, em um tempo de censura e muita tortura. Ela justificava não ler jornais, porque havia muita mentira, não mostravam a verdade, porque a censura prévia não deixava que saísse nada que não fosse do interesse dos governantes. Foi assim que vim saber que meu Irmão Mohamed, eternizado 50 anos atrás, fora seu aluno e, curiosamente, ela ainda se lembrava dele, de seu jeito irreverente -- provocador, até -- para a época.

Amiga da Professora Lígia, Filha do Professor Salomão Baruki, Peninha retorna para o CPC, desta vez como técnica do ‘Seção de Multimeios’ (hoje, multimídia), depois de ter sido secretária do vice-reitor da UEMT, Doutor Salomão, que assinara a sua carteira de trabalho numa das substituições ao Professor João Pereira da Rosa, primeiro reitor da UEMT e, com a federalização, de sua sucedânea, UFMS. Para ela, não se trata apenas da assinatura do empregador, senão de autógrafo de um homem público muito querido, com quem conviveu apesar da diferença de pontos de vista, tanto que até hoje mantém uma Amizade fraternal com a Professora Lígia Baruki e Melo, sua correligionária e confidente.

Mar, Marlene Mourão ou simplesmente Peninha é prima do igualmente talentoso poeta e compositor coxinense Zacarias Mourão, o célebre autor de “Pé de Cedro” eternizado há algumas décadas com pouca idade. Humilde, não gosta dessas associações a celebridades, pois ama o anonimato. Mas a autora de “Pacu era um peixe feliz que nadava nas águas do Rio Paraguai” foi prefaciado pelo Poeta Manoel de Barros sem tê-lo pedido: ele ficara encantado com o conto-poema que ela enviara por correio em 1987, mas que só publicou em 2002, graças ao Fundo de Investimento Cultural criado no governo do correligionário José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT.

Além de docente universitária e técnica de ‘multimeios’, a querida e talentosa Peninha é artista plástica, caricaturista, cartunista, poeta, escritora, ativista cultural e Mãe-Avó de Luiz Eduardo, Felipe, Leonardo e Helô, a Netinha. Ama o óleo, a aquarela e, sobretudo, o bico de pena. Não por acaso, suas ilustrações são presença obrigatória em livros do ex-colega Gilberto, em edições da década de 1980 e em sua coleção para a Associação dos Bibliófilos do Instituto Cultural Gilberto Luiz Alves (ICGLA), em 2023, inaugurada com “Pantanal da Nhecolândia: pecuária e modernização tecnológica”, Volume 1 da coleção. Há poucos dias, o ICGLA promoveu o lançamento do Volume 2, coautoria de Valmir Batista Corrêa e Lúcia Salsa Corrêa, “A produção de charque e de tanino no sul de Mato Grosso: cenários e dilemas”, coedição do ICGLA com a Editora Maria Petrona, de Londrina.

As universidades são feitas por humanos e para humanos. Uma sociedade que se pretende moderna e desenvolvida não pode abrir mão de criar uma universidade inovadora, ousada e inclusiva. O progresso não vem por acaso: é fruto do esforço realizado por seres humanos esclarecidos e libertos. Assim, em plena fronteira, o coração do Pantanal e da América do Sul, do Sol e do Sal -- como solenemente agasalhou o legítimo Festival da América do Sul a partir de 2004 -- manterá o cosmopolitismo / vanguardismo com que marcou na história, na memória e, sobretudo, na Vida. UFPantanal não é sonho, é necessidade urgente.

Ahmad Schabib Hany

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

VIVENCIANDO - Igor Alexandre

VIVENCIANDO

Vivenciando aqui em mais ou menos 15 anos... contribuições para um choque de realidade.

O Agro virtual fetichizado e pelo capitalismo é a expressão da morte mais que real no Pantanal:

1) De bioma mais conservado do Brasil (85%) para projeção de ser o primeiro bioma brasileiro a ser extinto.

2) De maior planície alagável do mundo para bioma com estiagem histórica, solos secos e mudança para clima sub-úmido seco com sinais de desertificação.

3) De região rica em abundância de vida selvagem para carbonização e ecocídio de fauna e flora (estimativas de quase 100 milhões de vertebrados mortos, quase 5 bilhões de invertebrados mortos e destruição, substituição e invasão de florestas nativas).

4) De região cosmopolita e historicamente atendida por logística de transporte menos depredatória para dragagem e afundamento dos leitos dos rios para atender ao capital, esgotamento da privatização e sucateamento total da malha ferroviária após anos de monopólio privado antissoberano, sobrecarga de carretas, aumentando custos de produção, destruindo estrada pública, aumentando riscos e matando pessoas viajantes e animais na BR para concentrar renda para os magnatas donos e vulgos "investidores" (parasitas) da riqueza natural e pública nacional.

5) De falsa região de sistemas produtivos integrados com o meio ambiente para a verdade eviscerada de desmatamento, introdução de pastagens exóticas, uso de veneno (agrotóxicos), introdução de sistemas pecuários intensivos, bombeamento dos lençóis freáticos cada vez mais comuns para atender a produção, ameaça permanente e/ou avanços concretos das fronteiras agrícolas da soja, eucalipto e cana de açúcar.

6) De ícone da natureza brasileira para terra arrasada onde talvez a fuligem e a carbonização do ar, a estufa e a elevação da sensação térmica a parâmetros infernais talvez façam (ou já tenham feito) muito mais vítimas que a outra Pandemia viral respiratória que contornamos há pouco tempo.

7) De mais um Polo do capitalismo verde e de "ações mitigadoras", paliativas, terminais, inexpressivas ou alienantes diante do cataclisma ambiental para a necessidade emergencial por ações estruturais que intervenham aqui, no Cerrado e na Amazônia, biomas interligados e indispensáveis para a existência do Pantanal, intervindo fundamentalmente no agrocapital privado espoliante da natureza, sequestrante de água, escravizador, colonizador, fascista, etnocida e concentrador das riquezas produzidas pelos trabalhadores e trabalhadoras que são dioturnamente envenenados, assassinados, adoecidos, alienados subconsciente e materialmente de sua existencialidade terrena.

Por hora...

Barbárie crônica sobrepondo o alternativo socialismo.

Mas...

Venceremos!

Firme nas Lutas! 👊

Igor Alexandre 

La Vida No Vale Nada (En Vivo)


LA VIDA NO VALE NADA

(Pablo Milanés)

La vida no vale nada, si no es para perecer

Porque otros puedan tener lo que uno disfruta y ama

La vida no vale nada, si yo me quedo sentado

Después que he visto y soñado que en todas partes me llaman

La vida no vale nada, cuando otros se están matando

Y yo sigo aquí cantando cual si no pasara nada

La vida no vale nada, si escucho un grito mortal

Y no es capaz de tocar mi corazón que se apaga

La vida no vale nada, si ignoro que el asesino

Cogió por otro camino y prepara otra celada

La vida no vale nada, si se sorprende a otro hermano

Cuando supe de antemano lo que se le preparaba

La vida no vale nada, si cuatro caen por minuto

Y al final por el abuso se decide la jornada

La vida no vale nada, si tengo que posponer

Otro minuto de ser y morirme en una cama

La vida no vale nada, si en fin lo que me rodea

No puedo cambiar cual fuera lo que tengo y que me ampara

Y por eso para mí

La vida no vale nada, si ignoro que el asesino

Cogió por otro camino y prepara otra celada

La vida no vale nada, si se sorprende a otro hermano

Cuando supe de antemano lo que se le preparaba

La vida no vale nada, si cuatro caen por minuto

Y al final por el abuso se decide la jornada

La vida no vale nada, si tengo que posponer

Otro minuto de ser y morirme en una cama

La vida no vale nada, si en fin lo que me rodea

No puedo cambiar cual fuera lo que tengo y que me ampara

Y por eso para mí, la vida no vale nada

sábado, 7 de setembro de 2024

UFPantanal: mais que sonho, necessidade urgente

UFPantanal: mais que sonho, necessidade urgente

Adesão da sociedade civil e científica vem crescendo a passos largos, enquanto hesitação, em vez de entusiasmo, divide docentes e discentes do CPAN/UFMS.

Eis que titubeio, hesitação, é o que tem demarcado os espaços imaginários entre alunos/as e docentes-pesquisadores/as do CPAN/UFMS, e fico lisonjeado ao ver que professoras e professores são os mais entusiastas, mais engajados. Por quê? Elas e eles, docentes, sabem -- porque conhecem -- a importância desta região, independentemente da área de estudo a que se dedicam, para a soberania tecnocientífica brasileira e para o desenvolvimento estratégico regional, nacional e continental. Mais: a instalação de um centro de pesquisas de referência é bom para a população regional e de interesse geopolítico em tempos de afirmação do protagonismo do Brasil, seja como potência regional ou como membro do concerto das nações como agente da paz, do desenvolvimento soberano e do combate à fome.

Porque é alvissareiro o novo paradigma de universidade, inclusiva e inovadora, liberta do burocratismo imposto pelo famigerado Acordo MEC-USAID, de 1968, que vem atravancando o desenvolvimento tecnocientífico há diversas décadas -- na verdade, desde o início da redemocratização do Brasil, em 1985, pois, à exceção dos governos dos presidentes Lula e Dilma, nenhum ministro da Educação pós-Nova República teve sucesso nas diferentes tentativas de resgatar o papel de vanguarda na pesquisa pelas universidades tradicionais --, uma das razões da letargia e do individualismo reinantes na academia brasileira. Até porque a adoção de ranking na produção e no desempenho acadêmicos leva a um perigoso ‘pragmatismo’ que se reflete em quase todas as universidades brasileiras.

Não há exagero ao afirmar que as pesquisas pioneiras em diversas áreas do conhecimento não só em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul começaram com pesquisadores instalados no então Centro Pedagógico de Corumbá (da Universidade Estadual de Mato Grosso) e depois no Centro Universitário de Corumbá (da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). Há duas semanas, resgatamos o pioneirismo dos docentes pesquisadores Cláudio de Almeida Conceição, Wilson Uieda e Masao Uetanabaro. Todos eles das ciências biológicas. Agora iremos citar o pioneirismo na História, com os docentes pesquisadores Valmir Batista Corrêa e Lúcia Salsa Corrêa, desde início da década de 1970.

Casal que veio bem jovem a Corumbá, ambos dedicados à História, não só estruturaram o curso de licenciatura, mas sistematizaram a História Regional e, sobretudo, iniciaram um importante processo de pesquisa ousado e metódico em todo o sul de Mato Grosso. Tive a honra e o prazer de conhecer o Professor Valmir Corrêa em 1975, quando eu ainda estava no segundo ano do ensino médio, no antigo Centro Educacional Julia Gonçalves Passarinho, e o saudoso Professor Octaviano Gonçalves da Silveira Junior, titular de Língua Portuguesa e de Literatura, nos orientou para que fizéssemos uma enquete com os alunos da escola sobre a divisão de Mato Grosso, ainda em cogitação. Por recomendação dele, fomos até o CPC/UEMT para saber fazer a enquete e a pessoa indicada era o Professor Valmir Corrêa.

Em 1978, quando iniciei o curso de licenciatura em Letras, no período vespertino, tive um contato maior com ele: o Centro de Estudos Históricos Ricardo Franco, embora restrito ao alunado de História, me cativava muito, tendo participado de algumas de suas atividades. Mesmo deslumbrado com o nível do ensino no CPC, eu já estava com planos de, ao final daquele ano, antes da instalação do governo de Mato Grosso do Sul, ir trabalhar em algum jornal, mesmo porque o Amigo Edson Moraes, referência de nossa geração, trabalhava no Tribuna, do Jornalista e Deputado Sérgio Cruz. Antes de me mudar para Campo Grande, doei ao Professor Valmir uma hemeroteca modesta, com jornais de Corumbá, Ladário, Cuiabá, Campo Grande, São Paulo, Rio de Janeiro, La Paz, Cochabamba, Trinidad, Santa Cruz de la Sierra, Assunção, Buenos Aires, Madri, Cairo e Beirute, em português, espanhol, inglês e francês.

A revista acadêmica Dimensão, editada por uma equipe de docentes do CPC, traz síntese das primeiras pesquisas dos Professores Valmir e Lúcia, além de outros pesquisadores, obviamente, em que consta de catalogação de jornais corumbaenses do final do século XIX e início do século XX, bem como a descrição do movimento do entreposto comercial de importância continental. Com a participação do Professor Gilberto Luiz Alves, do curso de Pedagogia e igualmente pioneiro em História da Educação, Valmir e Lúcia realizaram a justificativa para o tombamento do Casario do Porto em 1986, uma luta iniciada em 1978 por causa da demolição de três prédios históricos do centro de Corumbá: Cine Santa Cruz (onde hoje está a agência local do Bradesco), Intendência Municipal (onde estava situada a sede do Café Néctar) e a Rádio Difusora Mato-grossense S/A (em frente à agência local do Banco do Brasil).

A artista plástica Marlene Terezinha Mourão, a querida Peninha, convidada pela Irmã Sofia para trabalhar como professora no saudoso Ginásio e Escola Normal Imaculada Conceição (GENIC), trocou Coxim e Campo Grande por Corumbá e deu uma guinada em sua Vida. Em tom bastante descontraído, Peninha conta que, anos depois, foi convidada pelo Doutor Salomão Baruki para dar aula no Instituto Superior de Pedagogia, no prédio do então Grupo Escolar Luiz de Albuquerque (mais tarde, transformado no ILA, no governo derradeiro de Mato Grosso uno, em que o corumbaense Cássio Leite de Barros era governador e Salomão Baruki deixara a vice-reitoria para ser secretário de estado de Educação e Cultura).

Professora de Introdução à Metodologia Científica até 1974, a criadora de Maria Dadô foi colega dos professores Gilberto, Valmir, Lúcia e Masao, com quem tinha uma relação bem descontraída (em 1977, todos eles estavam nas diferentes edições da Grifo, revista mato-grossense editada em Campo Grande pela Edimat. Mesmo sem saber, Peninha era uma seguidora do método de Paulo Freire com a sua pedagogia libertária e descomplicada, em um tempo de censura e muita tortura. Ela justificava não ler jornais, porque havia muita mentira, não mostravam a verdade, porque a censura prévia não deixava que saísse nada que não fosse do interesse dos governantes. Foi assim que vim saber que meu Irmão Mohamed, eternizado 50 anos atrás, fora seu aluno e, curiosamente, ela ainda se lembrava dele, de seu jeito irreverente -- provocador, até -- para a época.

Amiga da Professora Lígia, Filha do Professor Salomão Baruki, Peninha retorna para o CPC, desta vez como técnica do ‘Seção de Multimeios’ (hoje, multimídia), depois de ter sido secretária do vice-reitor da UEMT, Doutor Salomão, que assinara a sua carteira de trabalho numa das substituições ao Professor João Pereira da Rosa, primeiro reitor da UEMT e, com a federalização, de sua sucedânea, UFMS. Para ela, não se trata apenas da assinatura do empregador, senão de autógrafo de um homem público muito querido, com quem conviveu apesar da diferença de pontos de vista, tanto que até hoje mantém uma Amizade fraternal com a Professora Lígia Baruki e Melo, sua correligionária e confidente.

Mar, Marlene Mourão ou simplesmente Peninha é prima do igualmente talentoso poeta e compositor coxinense Zacarias Mourão, o célebre autor de “Pé de Cedro” eternizado há algumas décadas com pouca idade. Humilde, não gosta dessas associações a celebridades, pois ama o anonimato. Mas a autora de “Pacu era um peixe feliz que nadava nas águas do Rio Paraguai” foi prefaciado pelo Poeta Manoel de Barros sem tê-lo pedido: ele ficara encantado com o conto-poema que ela enviara por correio em 1987, mas que só publicou em 2002, graças ao Fundo de Investimento Cultural criado no governo do correligionário Zeca do PT.

Além de docente universitária e técnica de ‘multimeios’, a querida e talentosa Peninha é artista plástica, caricaturista, cartunista, poeta, escritora, ativista cultural e Mãe-Avó de Luiz Eduardo, Felipe, Leonardo e Helô, a Netinha. Ama o óleo, a aquarela e, sobretudo, o bico de pena. Não por acaso, suas ilustrações são presença obrigatória em livros do ex-colega Gilberto, em edições da década de 1980 e em sua coleção para a Associação dos Bibliófilos do Instituto Cultural Gilberto Luiz Alves (ICGLA), em 2023, inaugurada com “Pantanal da Nhecolândia: pecuária e modernização tecnológica”, Volume 1 da coleção. Há poucos dias, o ICGLA promoveu o lançamento do Volume 2, coautoria de Valmir Batista Corrêa e Lúcia Salsa Corrêa, “A produção de charque e de tanino no sul de Mato Grosso: cenários e dilemas”, coedição do ICGLA com a Editora Maria Petrona, de Londrina.

As universidades são feitas por humanos e para humanos. Uma sociedade que se pretende moderna e desenvolvida não pode abrir mão de criar uma universidade inovadora, ousada e inclusiva. O progresso não vem por acaso: é fruto do esforço realizado por seres humanos esclarecidos e libertos. Assim, em plena fronteira, o coração do Pantanal e da América do Sul, do Sol e do Sal -- como solenemente agasalhou o legítimo Festival da América do Sul a partir de 2004 -- manterá o cosmopolitismo / vanguardismo com que marcou na história, na memória e, sobretudo, na Vida. UFPantanal não é sonho, é necessidade urgente.

Ahmad Schabib Hany

Mohamed, 50 anos de seu silêncio

Mohamed, 50 anos de seu silêncio

Neste 21 de setembro transcorrem 50 anos da eternização de Mohamed Schabib Hany, jovem que teve a sua Vida interrompida aos 25 anos. Eram tempos sombrios e as perspectivas para desassossegados como ele tinham gosto de chumbo, censura e repressão.

Se o mês de setembro de 1973 representara para a América Latina uma tragédia sem fim (por causa do cruento golpe protagonizado pelo sanguinário general Augusto Pinochet no Chile), o de 1974, sobretudo para nossa Família, tinha gosto de chumbo e sangue. No dia em que transcorriam os 196 anos de fundação de Corumbá (sem festa, pois na semana anterior um avião se acidentara levando a óbito o comandante da 9ª Região Militar, de Campo Grande), meu Irmão Mohamed, o mais velho e ‘guru’ de todos os Irmãos e Irmãs, se eternizava, ao cair da tarde, em circunstâncias nunca esclarecidas.

Tempo de censura e repressão, a imprensa não pôde apresentar outra versão que a da polícia, que sequer investigara ou, ao menos, realizara um exame de balística. Minutos depois do traslado do corpo ao necrotério local, o caso foi encerrado como ‘suicídio’ com base em uma declaração atribuída ao ‘menor’ de apenas 15 anos, levado na mesma viatura (uma Veraneio da Polícia Civil), desacompanhado e sem qualquer orientação, logo depois do desenlace. Detalhe: o ‘menor’ era precisamente eu, em estado de choque, pois até então não tinha visto um corpo inerte, logo de alguém querido como o Irmão mais velho.

O delegado regional era um ex-professor de Matemática meu e de Educação Moral e Cívica de três Irmãs. Uma década depois fui saber que ele, bacharel em Direito, fora nomeado, dois anos antes do fatídico dia em que meu Irmão se eternizou, com o aval do poderoso e temido senador Filinto Strubing Müller, que até sua trágica morte, nas imediações do Aeroporto de Paris, fora presidente nacional da Arena, partido de sustentação do regime, do Senado Federal e do Congresso Nacional, homem forte do general Emílio Médici.

Nem o apelo de minha saudosa Mãe sensibilizara o delegado para ao menos cumprir o protocolo de um mero inquérito policial. O que dizer do ofício do general da então Segunda Brigada Mista, pessoalmente levado por minha Mãe por orientação do advogado contratado para a elucidação do caso e devolução de pertences da vítima, levados com o corpo e que teoricamente teriam sido juntados aos autos? Nem devolução de pertences, que não era o que interessava aos nossos Pais, e, pior, nem o esclarecimento das circunstâncias em que ocorrera a tragédia.

Meses antes, precisamente no aniversário de 48 anos de nossa Mãe, esse mesmo delegado agira com ardil quando uma equipe da patrulha da polícia (à época Corumbá só contava com Polícia Civil) tentara invadir, durante a madrugada, o quintal da casa de nossos Pais, como que estivesse no encalço de algum criminoso, sem mandado judicial ou contato prévio com os responsáveis pela moradia, no caso nossos Pais. Armado de um revólver Smith & Wesson 1948 calibre 32, com registro e autorização de posse, Seu Mahoma não hesitou em dar cinco disparos no rumo das lanternas, para assustar o que, no entender dele, eram assaltantes ou algo parecido. Jamais imaginou que policiais pudessem agir em arrepio da lei, sobretudo naqueles tempos em que civis deviam obediência à Polícia do Exército, que mensalmente realizava blitze noturna em toda a região em que morávamos, a Feira Boliviana, um conjunto de seis quarteirões situados nos arredores da Estação Ferroviária da Red Oriental, da Bolívia.

De março a setembro de 1974 meu Irmão confidenciara a nossos Pais que esporadicamente a viatura da ‘rádio patrulha’, como então eram chamados o Fusca e a Veraneio da Polícia Civil em Corumbá, o cercava quando, ao final da tarde, estava a caminho da faculdade ou ao retorno, à noite. Para evitar eventual arbitrariedade dos policiais, Mohamed passou a usar carona de Amigos para ir e para retornar das aulas. Bastante prudente, ele sabia dos abusos cometidos pelas autoridades durante as ditaduras na América Latina. Antes de estudar em Corumbá, ele fazia Sociologia na Universidad Mayor de San Andrés, em La Paz, interrompido com o recesso universitário decretado pelo coronel Hugo Banzer Suárez assim que consumou o sangrento golpe contra o seu superior, general Juan José Torres, em agosto de 1971.

A despeito de se dizer admirador de nossos Pais (a esposa, de ascendência síria, era de uma Família amiga), o delegado não só agira arbitrariamente no episódio dos agentes da Polícia Civil que invadiram sem autorização o quintal de nossa casa durante a madrugada, insinuando que nosso Irmão Mohamed era alvo de investigação nunca dada a público, como depois de sua eternização fez questão de liberar para a imprensa uma ocorrência cuja investigação não havia sido instaurada, que propiciou manchetes sensacionalistas do nível do jornal Notícias Populares, editado pelo grupo ‘Folhas’, de São Paulo.

Graças à solidariedade dos Amigos Juvenal Ávila de Oliveira, radialista na época, e João de Souza Alvarez, então repórter fotográfico, fui em sua companhia a todas as redações de jornais e rádios para deixar a versão de nossa Família, observando que o inquérito sequer tinha sido instaurado pela polícia. Por razões que desconheço (mas, obviamente, deduzo, afinal, estávamos nos anos de chumbo), somente o Diário de Corumbá, dirigido na ocasião por Carlos Paulo Pereira Junior, Filho do fundador, Amigo de meu Pai, assegurou o direito de resposta, em tom de retratação.

Um alivio em meio a esse sofrimento representou a solidariedade dos colegas de turma do curso de Psicologia do à época Centro Pedagógico de Corumbá da Universidade Estadual de Mato Grosso (CPC/UEMT), manifestada pelo saudoso Senhor Lincoln Gomes de Souza, também funcionário da agência local do Banco do Brasil. Seu Lincoln, tenor do coral da Igreja Matriz, conseguira autorização de Dom Ladislau Paz, Bispo Diocesano de Corumbá, para que fosse celebrada Missa de Sétimo Dia em memória de meu Irmão (na época suicida não podia ter celebração religiosa), bastante concorrida e na qual ele, com sua memorável voz de tenor, fizera questão de entoar cantos religiosos e temas líricos.

Outro gesto solidário foi de Dona Elza, esposa do popular Seu Brotinho, proprietário da quitanda próxima à pensão de nossa Família. Ela era seguidora da doutrina de Allan Kardec e, depois de consultar nossos Pais se aceitavam participar de sessão reservada na sede da União Espírita Corumbaense, foram informados de que, em mensagem recebida por um médium da entidade, meu Irmão dissera que não era suicida e que tivessem certeza de que, apesar da saudade que sentia por eles, a Família e os Amigos, ele estava bem em seu novo estágio de Vida. Além de inúmeras demonstrações de carinho e Amizade de pessoas dos mais diferentes segmentos sociais e denominações religiosas, esses gestos solidários proporcionaram um consolo para nossos Pais, que ficaram gratos com Seu Lincoln Gomes e demais colegas de curso; com Dona Elza, sua Família e seus Irmãos espíritas; com Juvenal Ávila e João Alvarez, e com a Família Nunes Pereira, proprietária do Diário de Corumbá, em que nosso Pai publicava seus artigos desde 1969, ano em que voltara a circular, depois de mais de 50 anos de interrupção.

Em La Paz e Cochabamba, onde Mohamed passou a maior parte de sua Vida, os Amigos e Companheiros do movimento estudantil e sindical também manifestaram a solidariedade altiva e ativa dos que não se curvaram ante o facínora Banzer e sua prepotência ilimitada. Em La Paz, onde ele cursara alguns anos de Engenharia Civil e depois Sociologia, o Frei Javier Luna Pizarro, ex-colega de movimento estudantil, se incumbiu de celebrar a missa em sua memória, destacando que em circunstância alguma seu Amigo e Companheiro de lutas inesgotáveis jamais seria um ‘suicida’, e desafiou as autoproclamadas ‘autoridades’ golpistas a provarem, até porque sabia que os policiais em Corumbá sequer tinham feito exame de balística. Por quê?

Cochabamba, que o acolheu ainda criança e o reencontrou jovem desassossegado nos anos 1960, foi a localidade em que em diversos setores da então cidade universitária da Bolívia homenagens e manifestações de pesar foram entoadas. O líder sindical Virgilio Céspedes, cruzenho de nascimento, foi uma das dezenas de vozes que não se constrangeram para chorar com intensidade. Fez questão de enviar um testemunho escrito ao nosso Pai em que assegurava que, em meio a inúmeras confidências, o caráter firme de Mohamed jamais permitiria um gesto suicida. Anos depois, pessoalmente, revelou a nossos Pais o rigor e a convicção com que conduzia a sua práxis transformadora.

No Líbano, igualmente, familiares, Amigos e ex-colegas do ensino médio fizeram uma noite de vigília em que poemas, crônicas e canções foram dedicadas à sua memória. Foram enviadas cinco fitas k-7 (‘cassete’) do áudio das manifestações de pesar, de solidariedade e, sobretudo, de retratação à memória daquele jovem exemplar que, nos quatro anos em que viveu no Líbano, foi líder emblemático por sua generosidade, abnegação e coragem. O professor de Filosofia, que se tornou seu Amigo, disse com todas as letras que em sã consciência Mohamed era mais um mártir do porvir libertador que não demoraria a chegar.

Havia 10 anos que nosso Pai emigrara pela segunda vez do Líbano, via Bolívia, para o Brasil, à procura de perspectivas promissoras para a nova geração de sua Família. Bastante atento às adversidades políticas no Oriente Médio, ele vislumbrara com uma década de antecedência a convulsão social que se gestava em seu país natal, em que em agosto de 1974 eclodira um conflito transformado em guerra civil que se arrastaria por mais de 25 anos, destruíra toda a infraestrutura da até então ‘Suíça do Oriente Médio’ e empobrecera a quase totalidade da população libanesa.

Nos quatro anos em que nossos Pais residiram no Líbano, de 1960 a 1963, em Ra’ssen-hache, cidade natal (departamento de Batroun, norte do Líbano) de Seu Mahoma, os oito filhos e filhas acabaram ganhando mais uma, a caçula, conterrânea do Pai. O bucólico povoado em que moramos foi cenário de uma tomada de consciência para toda a prole do casal de peregrinos em que, fosse da Amazônia ou dos Andes bolivianos, até o coração das montanhas libanesas, palpitara a consciência libertária cuja razão de ser é a Palestina milenar e seu incansável povo heroico.

“La vida no vale nada / sino es por perecer / por que otros puedan tener / lo que uno disfruta y ama.” (Pablo Milanés, ‘La Vida no Vale Nada’)

Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

UFPantanal na Câmara Federal

UFPantanal na Câmara Federal

Indicação da Deputada Camila Jara, o projeto de criação da UFPantanal já se encontra na Câmara Federal. Pesquisadores de todo o Brasil e do exterior continuam a se somar na construção de um novo paradigma de universidade, inclusiva e inovadora.

Uma discreta notícia numa das mídias da capital dá conta da indicação na Câmara Federal do projeto de criação da Universidade Federal do Pantanal (UFPantanal) pela Deputada Camila Jara (PT-MS), semana retrasada. Fazendo jus à sua gênese protagonista, o decano da imprensa corumbaense, semanário Correio de Corumbá, desde o início vem dando a público os passos parcimoniosos mas determinados na construção cidadã da UFPantanal.

Com a mesma discrição, a mobilização da sociedade civil e científica segue, sem alardes nem atropelos, as pegadas prudentes e firmes dos paladinos do saudoso Instituto Superior de Pedagogia de Corumbá (ISPC), em 1967, anterior à criação da Universidade Estadual de Mato Grosso (UEMT), que com desenvoltura e altivez marcou o pioneirismo da oferta de cursos universitários no coração do Pantanal e da América do Sul. O legado é inspirador, mas a concepção inovadora e inclusiva da UFPantanal requer protagonismo.

Como toda causa nobre, é a cidadania a construtora deste projeto de universidade feita para todas e todos, sem exclusão e sem privilégios. Fruto do legado pioneiro desta e outras universidades que trilharam, com anterioridade, caminhos da transformação e da inovação não só tecnológica e científica, mas humanista e cidadã. Porque a história, diferente das lendas e mitos, é fruto da prática, da experiência, da entrega. É assim como vem sendo construída a UFPantanal, coletiva e generosamente.

Por estarmos em pleno processo eleitoral na esfera municipal e no âmbito do Campus do Pantanal da UFMS, têm sido evitadas pirotecnias panfletárias e, sobretudo, o desgastante debate de obviedades, pretexto para a procrastinação da autonomia e gestão local. Tudo ao seu tempo será devidamente dialogado, pactuado e construído, de modo transparente e democrático. Diferentemente de experiências que não prosperaram pelo caráter excludente, burocrático e autoritário, hoje a cidadania, irmanada à sociedade científica, chama para si a responsabilidade de construir novos paradigmas de formação profissional de nível universitário, aliás, já em pleno desenvolvimento Brasil adentro.

Contexto local e regional

De um lado, o compasso de espera em que Corumbá se encontra nos últimos anos, em decorrência de tentativas frustradas de modelos de desenvolvimento já esgotados pelo, digamos, mercado. Na verdade, pelo próprio sistema capitalista, que há décadas recorre ao setor financeiro como principal agente propulsor da economia, em detrimento do setor produtivo rural e urbano, cujo processo de industrialização sofreu interrupção por um conjunto de fatores que não cabem discuti-los neste texto. O fato é que o indiscutível e extraordinário entreposto comercial continental representado por Corumbá e todo o seu potencial econômico têm sido relegados a enésimo plano na ordem econômica regional.

Por outro lado, as mudanças climáticas têm sacrificado não só a rica e diversa fauna e flora, em sua grande maioria ainda sem a devida catalogação e estudo pela ciência, como a população humana, seja originária, tradicional e temporária. Apesar da modernização, por conta dos recursos tecnológicos, da produção agropecuária e, ainda que tímida, da agricultura familiar, os efeitos devastadores das tragédias ambientais -- como os incêndios avassaladores em extensas áreas do Pantanal e os flagelos como secas prolongadas e, em outras vezes, assoreamentos perversos -- requerem estudos contínuos e arrojados, óbvia e logicamente, dentro do tempo requerido pela ciência moderna.

Mas estas pesquisas têm que ser, também, realizadas pelos pesquisadores dentro da região do Pantanal, sob pena de as instituições situadas na região perderem a razão de ser. Que a ciência não tem fronteiras, é óbvio, mas também é uma urgência que as instituições existentes no coração do Pantanal desenvolvam pesquisas contínuas, em parceria com as suas congêneres que já vêm desenvolvendo, isso é uma necessidade real e inadiável, até para a formação de pesquisadores locais. É uma das razões da criação da Universidade Federal do Pantanal, no legado das instituições antecessoras, como a UFMS e a UEMT, mas no contexto do século XXI, inovadora e inclusiva.

Investir na ciência, tecnologia e inovação no coração do Pantanal e da América do Sul é preparar, com excelência e qualificação, as próximas gerações. Quanto talento, quanto cérebro vem sendo ‘exportado’ pela falta de condições materiais para que se desenvolvam aqui, com igual nível, e possam retribuir à sua própria região todo o conhecimento desenvolvido. A evasão da juventude, das novas gerações, é prova eloquente desse triste e criminoso processo de ‘cegueira’ institucional que perdura há anos. Mais que aventuras em megaprojetos que representam desperdício sem qualquer retorno para a sociedade local, o investimento na formação qualificada de nossos cérebros, de nossa juventude, é uma urgência, uma questão de resgate e reparação humana.

Reconhecimento histórico

Consta do livro de memórias do ex-reitor João Pereira da Rosa, da UEMT e da UFMS, que em plena comemoração do centenário da Retomada de Corumbá, em 13 de junho de 1967, o à época governador Pedro Pedrossian, eleito pela oposição ao regime de 1964, saudou solenemente com o anúncio da criação da Faculdade de Pedagogia em agradecimento à população do bastião do trabalhismo, cujo eleitorado votara em 1965 massivamente nele e derrotara o candidato da situação, Lúdio Coelho.

Além do mais tarde -- na verdade, cinco meses depois -- denominado Instituto Superior de Pedagogia de Corumbá, mediante decreto, como explicou o então deputado José Ferreira de Freitas, primeiro diretor da Escola Estadual Rural Alexandre de Castro (depois Cidade Dom Bosco), amigo pessoal do Padre Ernesto Saksida, Pedrossian anunciara outras obras para Corumbá: construção de nova adutora e nova estação de tratamento de água para a cidade; aquisição de nova termelétrica a diesel para o fornecimento de eletricidade, que até então somente funcionava até as 22 horas, e o início das obras da futura estrada de rodagem Transpantaneira, que atravessaria o Pantanal rumo à capital, Cuiabá.

O Professor José de Freitas, eleito para a Assembleia Legislativa pela situacionista Aliança Renovadora Nacional (Arena) com o decisivo apoio do criador da Cidade Dom Bosco em 1966, era o líder do governo Pedrossian e como representante governista da população (o outro deputado era o oposicionista Rômulo do Amaral, do MDB), principal beneficiada com a implantação do ensino universitário em Corumbá, coube a ele articular e viabilizar a faculdade reivindicada pelo médico e Professor Salomão Baruki, que antes de 1964 tinha sido vereador do PSD e presidente da Câmara Municipal.

A toque de caixa, mas observadas todas as exigências legais, a tramitação do projeto de criação dos cursos universitários em Corumbá foi possível graças à colaboração de pessoas generosas que emprestaram seus conhecimentos e sua reputação para a conformação de uma comissão organizadora, depois transformada em colegiado diretor do ISPC (Instituto Superior de Pedagogia de Corumbá), tendo sido escolhido como primeiro diretor o médico e Professor Salomão Baruki, mais tarde vice-reitor, reitor interino e secretário de Estado de Educação no governo derradeiro de Mato Grosso uno.

Entraram para a história os nomes dos médicos Lécio Gomes de Souza (também general e historiador), Cleto Leite de Barros (responsável pela implantação do SAMDU -- Serviço de Assistência Médica de Urgência -- em Corumbá quando era ministro da Saúde Wilson Fadul, do presidente deposto João Goulart) e Salomão Baruki (médico radiologista, professor e fundador de uma série de entidades e órgãos de imprensa -- entre eles o Museu Regional do Pantanal, ao lado do advogado e benfeitor Gabriel Vandoni de Barros, e o jornal vespertino Folha da Tarde, ao lado do Padre Ernesto Saksida e do advogado e pecuarista José Feliciano Baptista Neto), da Professora Edy Assis de Barros (licenciada e mestra em História, primeira diretora do Centro Educacional Julia Gonçalves Passarinho, inaugurado em 1971) e do engenheiro civil Pedro Luiz Ametlla (formado dez anos antes, em 1957, e empresário da construção civil e executor de projetos para a prefeitura e governo do estado), além dos suplentes, igualmente generosos e relevantes.

Em síntese, precisamos sair de nossa ‘zona de conforto’ e arregaçar as mangas em favor de um projeto generoso, próspero e perene, como é o de investir no ser humano, na formação humanista e ética, até para não correr o risco de entregar as próximas gerações aos espertalhões que se vangloriam por auferir milhões por vias tortuosas e nada éticas. Como os educadores que nos antecederam já o disseram inúmeras vezes, basta de deixar para depois, de procrastinar, o porvir de nossos jovens e o progresso pleno de nossa gente se tudo que temos a fazer é nos darmos as mãos e lutarmos por algo que, no mínimo, dá oportunidades, gera empregos qualificados e, sobretudo, fortalece os valores civilizatórios num tempo em que a ignorância e a desfaçatez são atributos preconizados pelos tiranos.

Ahmad Schabib Hany