Professor
Amarílio Ferreira Jr., Presente!
A eternização precoce do
Historiador e Professor Amarílio Ferreira Junior, um combatente incansável
desde os tempos de chumbo nos deixa mais pobres, muito mais pobres, no exato
momento em que fazemos uma necessária reflexão sobre o golpe de 1964 e os
malefícios irreversíveis à sociedade brasileira.
Por meio de uma nota de pesar da ADUFMS (Associação
dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul),
compartilhada por minha Irmã, é que soube da eternização do querido e
incansável (maiúsculas)
Cidadão, Pesquisador, Historiador e Professor Amarílio Ferreira Junior, docente do Departamento
de Educação da UFSCar, ex-docente e pesquisador da UFMS, doutor em História
Social pela USP e pós-doutor em História da Educação pela Universidade de
Londres, como bolsista da FAPESP. Mais
ainda: autor de diversos livros sobre História da Educação, alguns em parceria
com sua Companheira de Vida, a Professora Doutora Marisa Bittar, com quem
conviveu por mais de 50 anos.
No exato momento em que a sociedade civil
brasileira discute e faz uma oportuna reflexão sobre o regime de 1964 e os
malefícios irreversíveis causados à nação, a eternização do Professor Amarílio
Ferreira Junior, além de nos causar profunda consternação, empobrece e apequena
o horizonte acadêmico, historiográfico e, sobretudo, de cidadania. Brilhante
intelectual, o Professor Amarílio é um competente historiador e docente que
contribuiu incansavelmente para a consolidação das Ciências Humanas num país em
que não havia qualquer respeito por esse campo da Ciência. Sua ausência será
profundamente sentida, mas o seu generoso legado de trabalhador da História
orientará as futuras gerações para o avanço destes estudos.
Mais que intelectual profundamente engajado nas
necessárias transformações requeridas pela sociedade brasileira, trata-se de um
Cidadão incansável que se destacou por sua determinação e entrega às causas
maiores do Brasil, da América Latina e do Mundo, embasado em sua histórica
militância em organizações de esquerda, em especial o PCB e mais recentemente o
PT. Em plena ditadura militar, Amarílio Ferreira Junior enfrentou, com
prudência e responsabilidade, as hordas fascistas por meio da formação de
diversas gerações de jovens dos mais variados extratos de classe social,
despertando a consciência crítica de inúmeros estudantes e trabalhadores da
cidade e do campo.
Irrequieto e determinado, o então estudante de
História da à época FUCMT concluiu sua graduação em 1978 (portanto, antes da
instalação do governo de Mato Grosso do Sul), e, presidente do Diretório
Acadêmico Félix Zavattaro, da FADAFI (Faculdade Dom Aquino de Filosofia, Ciências
e Letras),
matriculou-se no curso de licenciatura em Geografia. Isso permitiu aos calouros
de 1979, como José Carlos Ziliani e eu, conhecer o incansável e até ousado
dirigente estudantil, que no primeiro dia do semestre letivo adentrou à nossa
sala do Básico (naquela época os dois primeiros semestres de História,
Geografia, Pedagogia e Letras eram oferecidos em uma mesma sala, com
disciplinas iguais) para nos informar sobre nossos direitos como universitários
e o convite para participar da Recepção Cultural ao Calouro, com uma série de
shows, peças teatrais e palestras-debates com verdadeiros ícones de nossa
geração.
Amarílio, Mário
César Ferreira (Cecéu, Irmão), Paulo Cimó, Paulo César Pereira, Domingos Sávio
(do GTX, grupo de teatro amador, constituído por alunos da FUCMT), Mariluce
Bittar (do Diretório Acadêmico José Scampini, de Serviço Social, de saudosa
memória) e Ana Maria (do Curso de Ciências, que era matutino) eram os que
formavam a comitiva do DAFEZ a convidar as e os calouros de 1979 a participar
de mais de uma semana de atividades de grande relevância, como shows com
Sivuca, Papete e Tetê e o Lírio Selvagem, peças teatrais como ‘Mãos sujas de
terra’ com Elba Ramalho, Diana Pequeno e outros artistas de expressão, e,
obviamente, palestras e debates sobre a realidade brasileira, com pessoas de
referência nacional, como Sérgio Ricardo (aquele que quebrou seu violão num dos
festivais da década de 1960) e outros não menos importantes, que
lamentavelmente neste momento de consternação não me ocorrem.
Imagine alguém
como eu, havia uns meses chegado à nova capital, e receber de cara uma recepção
cultural diferente que os despolitizados e até agressivos ‘trotes’, em que o
novo universitário era tratado literalmente como bicho (hoje se escreve ‘bixo’,
com X, não sei por quê). Foi, aliás, essa janela para o mundo que deu um
horizonte cosmopolita ao nosso curso de graduação numa época de censura,
repressão, ‘arapongagem’ e de medo, muito medo de tudo e, muitas vezes, de
todos. Mas graças à generosidade e empatia de Amarílio e das e dos demais
integrantes da vanguarda estudantil sul-mato-grossense, lideradas com muita
lucidez e prudência pelos membros do DAFEZ, que supriram muitas deficiências de
estudo mais profundo, como delicadamente faziam esses Companheiro que se
tornaram mais que Amigos durante a realização do curso.
Meu
reencontro com Amarílio (acompanhado do Paulo Cimó e do Mário Sérgio
Lorenzetto, também formado na FADAFI/FUCMT no ano anterior ao nosso ingresso na
FUCMT) se deu após minha experiência num projeto do igualmente querido e
saudoso Seu Mário Corrêa Albernaz, chefe de gabinete do então Deputado Sérgio
Cruz (líder da bancada do PMDB). Posso dizer que pude conhecer muito melhor
Amarílio (e todos os Companheiros citados) no projeto decorrente desse
reencontro. Foram dois anos de intensos trabalhos sociais e de formação
política que marcaram nossa juventude: aprendemos com os trabalhadores do campo
e da cidade o que, então, o ensino universitário não podia proporcionar (e que
lamentavelmente hoje muitos docentes, por puro preconceito e falta de
consciência social, se recusa a praticar).
Foi nesse
período que conheci o inesquecível e querido Amigo José Rodrigues dos Santos e
seu inseparável Camarada Saturnino (sem sobrenome, pois ‘os tempos eram assim’),
fundador do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campo Grande e idealizador da
Casa Sindical, que abrigou, além de seu sindicato, os sindicatos, ainda
embrionários, dos Trabalhadores Metalúrgicos, dos Trabalhadores da Indústria da
Alimentação, dos Enfermeiros e dos Jornalistas Profissionais de Mato Grosso do
Sul, entre 1981 e 1983.
Graças à amplitude
intelectual e política do agora saudoso Professor Amarílio, foi possível
realizar uma série de debates de dirigentes sindicais e comunitários com
cidadãos de Campo Grande, sobretudo da região do emblemático Bairro Guanandi,
durante a ditadura um verdadeiro bastião de resistência oposicionista. A
esquina das ruas Piriá e Simplício Mascarenhas foi transformada em uma sede
distrital de formação cidadã, em que temas que viriam a nortear as políticas
públicas, como Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia, Cultura e Lazer,
Assistência Social, Trabalho e Emprego, Meio Ambiente, Agricultura Familiar,
Reforma Agrária, Reforma Urbana etc, estavam na ordem do dia, no início da
década de 1980, sete anos antes da Assembleia Nacional Constituinte, tema ali também tratado,
mas com cuidado, pois havia gente que temia essa discussão.
Quando as
atividades aumentaram e causaram uma ciumeira entre membros da cúpula de
determinado grupo partidário, a ordem foi esvaziar as gavetas e encerrar, ainda
que a toque de caixa, todo o processo construído milimetricamente por cidadãos
comuns, em sua maioria anônimos, mas de grande visão e prática. Aliás, o
Professor Paulo Freire fez de seu legado a valorização dessa práxis, coisa que
doutos destes recônditos provincianos se recusam a enxergar ou compreender.
Particularmente o querido Amarílio, tanto quanto Cimó e Mário Sérgio, foi de
uma dignidade estonteante, fato testemunhado pelo querido Amigo Raul Valle
Herrera, que, mais que conterrâneo, foi um corajoso Companheiro de aventura,
tanto que depois acompanhou, já ao lado do querido Camarada Edson Moraes, em
outra jornada memorável, no antigo Jornal da Cidade, sob a direção de redação deste nosso inspirador
conterrâneo e que nada deve à atual versão.
Com meu
retorno a Corumbá, em 1984, ficamos alguns longos anos sem contato, mas que os
retomamos por causa da querida e saudosa Mariluce Bittar, a querida Irmã da
Companheira de Vida do Amarílio, Marisa Bittar. No ano passado, durante uma
memorável entrevista no programa radiofônico ‘Conversê’, do Jornalista Sérgio
Souza Jr., transmitido pelas redes sociais, tive a felicidade de assistir e
trocar mensagens com Amarílio, que disse estar em tratamento médico. Foi nosso
encontro derradeiro, lamentavelmente. Mais que lembranças, ficam os inúmeros
exemplos eloquentes de incansável combatente, pesquisador, historiador e
professor para a posteridade, de cuja civilidade é responsável direto, por
ação, reflexão e transformação.
Há pouco
menos de um mês, por causa de nosso querido e agora saudoso Professor Paulo
Cabral, a querida Professora Marisa Bittar me enviou emocionante mensagem, em
que me dizia que Amarílio também estava lutando pela Vida. Nosso Companheiro
Amarílio sempre lutou e haverá desde a eternidade continuar a lutar pela Vida.
Vida com dignidade, Vida com Justiça Social, Vida com civilidade e respeito aos
valores civilizatórios. À querida Marisa, ao Cecéu e a toda a querida Família,
Amigos, Companheiros e Colegas, nossos sentimentos mais profundos e o
reconhecimento perene do valor humano do querido Camarada que a Vida nos
presenteou. Professor Amarílio Ferreira Junior, Presente! Na memória e no
coração!
Ahmad
Schabib Hany
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