sexta-feira, 5 de abril de 2024

DEMOCRACIA PERDE UM DE SEUS MAIORES ATIVISTAS: AMARÍLIO FERREIRA JR. (Por Edson Moraes)

O professor Amarílio Ferreira Jr: rico legado de defesa da democracia


Amarílio (no centro da foto) e camaradas em ato do PCB em 1984, Dia do Trabalhador, no Horto Florestal

Democracia perde um de seus maiores ativistas: Amarílio Ferreira Jr.

Ele foi liderança do PCB em Mato Grosso do Sul, lecionava na UFSCar e é autor de vários livros, enfrentava um câncer havia dois anos.

(Por Edson Moraes)

A história política do País será incompleta e deturpada se não contar, com o devido destaque, a trajetória de lideranças que foram essenciais para a resistência à opressão, a reconquista e a reconstrução da democracia. Houve forças políticas e houve homens e mulheres de todas as idades neste que foi um dos terrenos mais hostis a quem sonhava com liberdade e ia muito além, quando corajosamente ousava defendê-la publicamente e às vezes no cruel anonimato imposto pelas baionetas e paus-de-arara.

Uma destas forças foi o Partido Comunista Brasileiro (PCB), assim como sua dissidência, o PCdoB. E um destes homens foi Amarílio Ferreira Jr. Na quinta-feira passada, 4 de abril, ele deu seu último suspiro. Tinha 73 anos e encerrava ali dois anos de luta desigual contra um câncer. Contudo, há legados imperecíveis que não sucumbem com a morte física. São, em princípio, heranças de vidas exemplares -- mas servem, sobretudo, como exemplos do que se pode fazer, no possível e no impossível, para que cada pessoa, em qualquer canto do mundo, respire liberdade e igualdade.

VERMELHINHOS -- A história de Amarílio é este legado. Quando morou em Campo Grande, o casal Amarílio e Marisa Bittar, ambos professores e vermelhinhos -- como eram chamados os militantes do partidão --, dedicou-se intensamente à organização do PCB e às lutas de resistência democrática e popular. O mais difícil era organizar, fazer funcionar e ainda recrutar militantes para um partido clandestino.

Ele foi um de meus recrutadores. O primeiro passo foi em 1978. Não houve convite, mas um aceno. Estreitamos a amizade. E em 1979 ele e outros dois amigos, Flávio e Mário Sérgio, bateram o martelo. Interessante é que, quando resolvi ser do PCB, o Amarílio me levou pra ter a minha primeira conversa com o advogado Onofre da Costa Lima Filho. Era o “gerentão” dos nossos bastidores.

Fui receoso. E quando ele perguntou se estava mesmo querendo ser militante clandestino do PCB, eu respondi: “Sim. Só tem um problema: sou cristão, católico, e não abro mão.” O Onofre disse então pro Amarílio, o inevitável cigarro entre os dedos: “Este é dos nossos.” E completou, olho no olho: “Edson, o que queremos de você é compromisso com a democracia, com a honradez e com a construção do dia seguinte. Ser cristão é virtude, o defeito é ser mentiroso.”

SÓ UM FUSCA -- A confraria marxista-leninista na cidade não era tão pequena -- cabiam em mais de um Fusca, geralmente vermelhinho. Um deles chegou a ser “disfarçado” de branco ou amarelo para despistar os mal-humorados botinudos da repressão. Amarílio cumpriu, com sabedoria, simultâneos papéis, desde as tarefas de agiprop (agitação e propaganda) ao ensinamento ideológico. Um intelectual de elevado naipe, a bordo de seus óculos de fundo de garrafa e nos brilhantes lampejos de suas abordagens.

Óbvio: não tinha unanimidade em tudo. Vez por outra digladiava-se com os camaradas que, no seu entender, resvalavam na interpretação do materialismo dialético ou errava -- também a seu ver -- na direção da sigla. O “partidão” rachou na forma e no modelo, mas o conteúdo do ideal não se modificou. Até que um dia veio o PPS... Bem, esta é outra triste história a ser contada pela própria História.

Amarílio agora descansa e tem boas companhias. Cito alguns e por meio deles todos sejam saudados: Fausto Matto Grosso, Acelino Granja, Euclides de Oliveira, Aristides Maldonado, Onofre da Costa Lima Filho, Mariluce Bittar, Luiz Salvador de Sá... É, agora descobri que, além de não “comer criancinha” e nem “incendiar igrejas”, os comunistas também cabiam em mais de um Fusca.

DADOS DO CAMARADA -- Amarílio Ferreira Junior foi Professor Titular do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Tem doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado em História da Educação no Institute of Education da University of London.

Também foi titular no Departamento de Educação, presidiu a ADUFSCar (Associação dos Docentes da UFSCar) entre 2017 e 2021. Amarílio também tem vários livros publicados, entre eles: “A Educação Soviética” e “A Escola da Revolução Russa”, em coautoria com Marisa Bittar; “Húmus da Terra” e “Metrópole”.

(foto 1) O professor Amarílio Ferreira Jr: rico legado de defesa da democracia

(foto 2) Amarílio (no centro da foto) e camaradas em ato do PCB em 1984, Dia do Trabalhador, no Horto Florestal

Edson Moraes

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