sexta-feira, 26 de abril de 2024
A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS E NOSSO PRIMEIRO DE MAIO
A
Revolução dos Cravos e nosso Primeiro de Maio
O que tem a ver conosco a Revolução
dos Cravos, que acabou com mais de quatro décadas da ditadura salazarista em
Portugal há 50 anos: dez anos depois, em 25 de abril de 1984, a
Emenda Dante de Oliveira, das Diretas-já, abalava as estruturas do regime de
1964, que em menos de um ano já acabara.
Nos versos de nosso grande Chico Buarque, em
‘Tanto Mar’, temos uma crônica sonora e eloquente do que foi para nós a
Revolução dos Cravos, que mandou os fascistas lusitanos para aquele lugar, do
qual jamais deveriam ter saído. Abaixo, a letra da segunda versão, de 1978,
escrita em parceria com o pai do compositor, o Historiador Sérgio Buarque de
Holanda, em tom mais melancólico, por conta da virada de mesa pós-revolução:
“Foi bonita festa, pá / Fiquei contente / Inda
guardo renitente / Um velho cravo para mim / Já murcharam tua festa, pá / Mas
certamente / Esqueceram uma semente / Em algum canto de jardim / Sei que há
léguas a nos separar / Tanto mar, tanto mar / Sei também quanto é preciso, pá /
Navegar, navegar / Canta a primavera, pá / Cá estou carente / Manda novamente /
Algum cheirinho de alecrim...”
Em 25 de abril de 1974 -- portanto, 50 anos atrás --, o povo
português dava um basta rotundo aos facínoras encastelados havia mais de quatro
décadas, desde o obscuro período entre guerras (1917-1939). Aliado dos
fascistas e nazistas, de triste memória, António Salazar e sequazes
transformaram em uma currutela oligárquica a emblemática República de Portugal,
duramente conquistada em 1910,
mas sempre sob o assédio da cobiça da realeza, que sonhava com a volta às
benesses do poder, até o tiro de misericórdia dado por Salazar, em 1932. O
martírio vivido pelo povo português não se limitara ao território lusitano, mas
a todas as populações dos países sob domínio colonial (Angola, Moçambique, Cabo
Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Guiné Equatorial, na África, e Goa,
Macau e Timor Leste, na Ásia).
Em 1964, o
então principal líder civil do golpe militar de 1º de abril no Brasil, governador
Carlos Lacerda (UDN), da Guanabara, estivera em Portugal, tendo sido recebido
com honras de chefe de Estado. Em discurso na sede do Conselho de Governo,
Lacerda manifestara apoio incondicional à ditadura obscurantista em seu
tirânico combate à luta anticolonial em Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e
Moçambique. Ironicamente, um dos principais fatores do sucesso da Revolução dos
Cravos, além do desgaste de uma ditadura longeva e cujo líder morrera quatro
anos antes, foi o sentimento popular português contra as ações repressivas da
ditadura portuguesa em sua desesperada perseguição aos patriotas angolanos,
moçambicanos, cabo-verdianos e guinéus que lutavam por sua independência.
O fim da
ditadura salazarista se deu com a deposição do todo-poderoso Marcello Caetano,
um ‘civil’ que era um misto de Emílio Garrastazu Médici e Luiz Antônio da Gama
e Silva (aquele ‘civil’ que consolidou o poder dos militares em 1968, quando a Junta
Militar impediu que o vice-presidente Pedro Aleixo assumisse diante do
impedimento de Arthur da Costa e Silva, por problemas de saúde). Estimado(a)
leitor(a), imagine para qual país ele partiu em seu exílio? O Brasil, recebido
com honras de chefe de Estado, dadas as semelhanças dos regimes tirânicos e totalitários,
com facínoras como o nefasto coronel Ustra, ídolo do inominável (e agora
inelegível). Uma das tantas vergonhas históricas que temos em registro, para
que ninguém venha com... “mi-mi-mi”!
E que
fique claro: a Revolução dos Cravos foi liderada por um general -- sim, um
general anticolonialista --, o General António Spínola, que preparou o país
para a democracia plena sem qualquer mordaça, e em seis meses entregou aos
civis, em meio a controvérsias, é verdade. Como em toda transição, houve muita
discórdia e exacerbação em seu breve governo, mas o saldo indiscutível foi o
fim de uma ditadura de características perversas. Diferente de Castelo Branco,
Costa e Silva e Médici, Spínola não só tinha convicções democráticas como
também tinha compreensão de geopolítica, em plena guerra fria, sendo contrário
à continuidade do colonialismo de Portugal em quatro dos cinco continentes do
Planeta.
Um país
como Portugal, cuja história foi marcada por reinos déspotas tirânicos e em seu
breve período republicano o golpe militar seguido de uma ditadura parlamentar
imposta pela ultradireita representada por António Salazar, era de se esperar
um hiato de insubordinação geral das massas depois de décadas de repressão
tirânica. Salazar, diga-se aos mais jovens, é comparável a ninguém menos que
seus contemporâneos Benito Mussolini, Adolf Hitler e Francisco Franco. Alguém
que conhece famílias portuguesas que migraram durante o salazarismo para o
Brasil tem histórias tétricas para contar, como o Senhor Manuel Avelino,
querido Amigo que migrou primeiro para a Argentina e pela Bacia do Prata chegou
a Corumbá.
Lamentavelmente
ele se eternizou dez anos depois de sua Companheira de Vida, a querida Dona
Lídia, uma gigante cuiabana que com lealdade e muita luz acompanhou e partilhou
da luta pela sobrevivência em solo brasileiro. Ele era dono da horta-verduraria
localizada na Frei Mariano, bem em frente do ginásio e da sede social do
Riachuelo F.C. Por mais de cinquenta anos, Seu Manuel honrou seu sustento
produzindo verduras e hortifrútis a preços competitivos e bastante saudáveis.
Mais de trinta anos que se retiraram do terreno que pertence a outra família de
origem portuguesa, há plantas cultivadas por ele ainda em pé e dando frutos
generosamente.
Mas o que
interessa é que Seu Manuel, um senhor de vestes humildes e voz grave, não era
qualquer um, como muitos pensavam. Em Portugal, em plena juventude, ele fora
membro da resistência socialista à ditadura salazarista, razão pela qual a Família
decidira mandá-lo para o ‘exílio’, a fim de preservar a sua Vida. Isso ele só
contava às pessoas com as quais tinha plena confiança. Fui um dos
privilegiados, sobretudo, após as humilhações sofridas por minha Família
depois do que foi feito com a memória meu Irmão cuja Vida foi interrompida aos
25 anos. Entre 1975 e 1978 (ano que me mudei para a ‘Novacap’ para estudar e
trabalhar em redações de jornal mais estruturadas), conversávamos longamente
nos fins de tarde, depois de sua dura jornada de lavrador e antes de sair para
suas noitadas de jogo de truco com seus Amigos.
Como
poucos em Corumbá, conhecia os ‘subversivos’ e os ‘olheiros’ do regime.
Ensinou-me muito ao me alertar para certos indivíduos solícitos que vivem a
capturar informações voluntaristas soltas ao vento. Aliás, Seu Manuel Avelino
conhecia e de vez em quando fazia compras no comércio de Seu Mohamed Bazzi,
conhecido por Abu Kamel (Pai do Kamel, o Filho mais velho), libanês socialista
também Amigo de meu saudoso Pai e proprietário da Casa das Flores, na Frei
Mariano, em frente à Praça Independência. Os cachorros do regime podiam tudo,
menos impedir o raiar do sol, e assim socialistas e democratas de todo o mundo
se reencontravam em Corumbá, ainda que cercados de cuidados.
PRIMEIRO
DE MAIO PALESTINO
O Primeiro
de Maio deste ano é dedicado ao Povo Palestino, vítima de guerra de extermínio
em Gaza (como já foi em todo o território da Palestina Ocupada, inclusive
Cisjordânia e a parte oriental de Jerusalém). Por isso, Dia do Trabalhador
Palestino. A bem da verdade, pela primeira vez não sou convidado para a
construção coletiva de organização deste Dia Internacional dos Trabalhadores.
Deve ser porque depois do 65 anos, nesta sociedade de consumo e de ostentação,
nos tornamos ‘in’ -- invisíveis, insatisfatórios e indesejáveis --, mas, o que
importa mesmo é que o acúmulo de décadas (e não são poucas) seja levado em conta,
como, por exemplo, a celebração conjunta com as organizações operárias da
fronteira boliviana, como fizemos em 2018, e que sofreu
descontinuidade não sei por quê.
Que a Revolução dos Cravos e a trajetória de
homens do povo com consciência de classe, como os saudosos Manuel Avelino,
Mohamed Bazzi, Kaplan Hamdan [saudoso comerciante palestino, socialista
convicto], Jadallah Safa [saudoso ativista palestino], Victorio José Menéndez
[saudoso comerciante espanhol pioneiro em material de reciclagem, década de 1960),
Rubén Darío Román Vaca [saudoso administrador ferroviário boliviano,
ex-sindicalista, Pai dos queridos Amigos Rubén, Roma, Ruberth, Romeo e Rocío] e
tantos outros que habitaram Corumbá no tempo de seu cosmopolitismo, façam com
que seja realidade nosso Primeiro de Maio Palestino, como foi aprovado nas diferentes centrais
e uniões sindicais pelo mundo afora.
Em que consiste a celebração do Dia do Trabalhador
Palestino? Nada de impossível de ser organizado e realizado como as tantas
celebrações de anos anteriores. Apenas a diferença de ser voltada para a
solidariedade dos trabalhadores e trabalhadoras palestinas, de seus Filhos e
Filhas vítimas da guerra de extermínio há meses, senão anos [noticiada de
forma sórdida, cínica e mentirosa pelas agências de notícias e empresas de
comunicação de todo o mundo], e da necessidade de mobilizar pessoas livres e
solidárias para manter vívida e ativa a manifestação por cessar-fogo imediato,
condenação do estado terrorista sionista e, sobretudo, fortalecer a rede
humanitária em todo o País em defesa da Palestina e de sua população
depauperada e destituída de direitos humanos e até animais.
É certo que vivemos tempos adversos, de imprevisibilidade
absurda. Ao extremo de sermos surpreendidos por atitudes as mais inusitadas de
pessoas com quem convivemos ao longo de décadas. Mas nada justifica a omissão,
a indiferença com o que está acontecendo neste momento no Planeta: um genocídio
só comparável ao cometido pelo inominável nazista alemão [na verdade, austríaco;
e de mãe judia, sim senhor]. Viva a Revolução dos Cravos! Glória aos heróis que
tombaram na luta contra a opressão e o massacre na Palestina e em todo o
Planeta, inclusive o Brasil e a Bolívia, numa ainda que utópica celebração
conjunta!
Ahmad
Schabib Hany
sexta-feira, 19 de abril de 2024
SOBRE COMBATENTES DO BOM COMBATE E SUAS ETERNIZAÇÕES
Sobre
combatentes do bom combate e suas eternizações
Faissal, Caxingue, Padilha,
Heitor, Seu Pires, Antelo, Padre Pasquale e Dom José, sempre na memória. Mas antes,
sobre as últimas provocações de Israel e Estados Unidos para continuar o saque,
o genocídio e o lucro da cobiça.
A quinta-feira, 18 de abril, entra para a História
como dia da vergonha para o concerto das nações, por dois episódios. O
primeiro, mais um veto dos Estados Unidos no Conselho de Segurança para garantir
impunidade ao Estado terrorista criado pela ONU criou sobre o território da
Palestina sem consultar seus habitantes. O mote cínico era ‘uma terra sem povo
para um povo sem terra’. Depois de 78 anos de injustiça e tragédia sem fim, o
bravo Povo Palestino continua a ‘não existir’ para os senhores da guerra, da
cobiça e do lucro sobre milhares de cadáveres da infância e de inocentes
indefesos. Eles insistem em negar o direito de milhões de palestinos à própria
terra, à cidadania e à Vida.
Mais vergonhoso ainda: nesse fatídico dia, ao negar
o direito da Palestina ser reconhecida como Estado-membro da ONU 78 anos depois
de ter feito a ‘partilha’ de seu território [na verdade, entrega total aos
sionistas, que de hóspedes se transformaram em invasores ao se valer da
hospitalidade palestina como refugiados da perseguição europeia cometida por
nazistas e similares durante a Segunda Guerra Mundial], os Estados Unidos autorizam
Israel a bombardear Irã, Iraque e Síria, sob alegação de retaliar o
contra-ataque iraniano de 13 de abril que abalou o mito da inviolabilidade do
ente sionista, conhecido por Domo de Ferro. O facínora Netanyahu, que está
revelando ser pior que Hitler no afã de exterminar a população palestina para
depois se apossar de todos os territórios árabes do rio Jordão (Palestina)
ao Eufrates (Iraque),
não respeita direitos internacionais, convenções de guerra e muito menos a Vida
de inocentes.
A balela do Pentágono e Casa Branca, nos anos 1990-2010,
das ‘armas de destruição em massa do Iraque’ e do ‘apoio a terroristas pelo
governo da Líbia’, teve o único objetivo de destruir potências regionais árabes
que não se dobravam aos desmandos imperiais nesse território cobiçado pela
Europa desde os tempos em que o império turco dominava a região [só não
conseguiram depor o líder da Síria Bashar Al-Assad pela aguerrida resistência
árabe-russa, que derrotou fragorosamente as forças invasoras dos Estados Unidos
e o cínico apoio sionista, mas não saíram de seu território soberano]. Com a
deposição dos líderes árabes Saddam Hussein e Muammar Gaddafi (Iraque e Líbia, respectivamente),
nas décadas de 2000 e 2010, toda a infraestrutura regional foi destruída,
propositalmente, pelas potências neocoloniais (Estados Unidos, Reino Unido, União
Europeia e aliados da ONTAN), para
saquear, dilapidar e surrupiar todas as riquezas de seu subsolo, em especial
petróleo e gás natural, o que causou a crise humanitária de refugiados da
África e parte da Ásia à procura de novas oportunidades, pois os excelentes
empregos oferecidos pelas antigas estatais iraquianas e líbias foram extintos e
a soberania nacional violada.
FAISSAL ROBBIN, SEMPRE NA MEMÓRIA
Corumbá perde uma referência na crônica esportiva.
O ex-desportista, cronista esportivo e empresário Faissal Robbin se eternizou,
aos 70 anos, na
tarde de sexta-feira, 12 de abril, na capital. A fatídica notícia foi dada em
primeira mão pelo Amigo Adnan Haymour, seu parceiro havia mais de três décadas,
em muitas jornadas esportivas e de cidadania.
Atencioso, educado, gentil. É unânime essa
descrição sobre a personalidade do cronista esportivo que não só brilhou na
radiofonia e na mídia impressa, como na televisão, sempre na companhia de Adnan
Haymour, mais que Amigo, um verdadeiro Companheiro de todas as horas. Ao
noticiar no Correio de Corumbá, o Radialista e Jornalista Reginaldo
Coutinho, também colega e Amigo de Faissal, destaca seu legado e o chama de gentleman
pelo comportamento recatado com que em toda a sua existência se caracterizou.
Membro de Família de imigrantes sírios vindos a
Corumbá na década de 1960, Faissal Robbin e seus Irmãos se
destacaram pela desenvoltura em todas as atividades a que se dedicaram, fosse
como ofício ou mesmo hobby, como eram diferentes modalidades desportivas.
Sempre conciliando com a atividade comercial, conforme a tradição árabe.
Ele e seus Irmãos foram proprietários
bem sucedidos no saudoso Supermercado Eldorado, sito à rua América em frente da
sede da Liga Árabe. Depois, cada um, com o seu núcleo familiar formado, partiu
para atividades comerciais diferentes. Durante décadas ele se destacou na venda
de doces a preços econômicos, na rua Cabral, cujo encerramento ocorreu há
poucos meses, depois de ter perdido a sua Companheira de Vida para o câncer.
Além de inteligente, Faissal era
generoso e gentil. Lembro-me que, como correspondente de um jornalão, décadas
atrás, precisava de um olhar crítico num certame desportivo. Na pressa de
enviar o material (com horário e a longa fila de funcionários de exportadoras
na velha cabine pública de telex, na agência local dos Correios), fiz uma entrevista com ele, que
prontamente atendeu, analisando em profundidade e de modo didático o jogo, bem
como a chave e perspectivas do Corumbaense F.C. no campeonato estadual daquele
ano.
Sempre que
o encontrava, lembrava o agora saudoso cronista esportivo de seu gesto gentil e
solidário. Eram tempos em que fax e internet nem em ficção estavam à disposição
dos focas da Vida... O mais grave era que o editor, naquela de “critérios são
critérios”, cortava um tantão da fala dos entrevistados. Minha sorte foi que
com Faissal isso não só não ocorreu, como pediu depois contato do entrevistado,
pela qualidade da análise. Resumo da história: Faissal fez gol de placa e
entrou para a história (e me salvou o emprego, pelo menos naquele momento, pois
houve muitas idas e vindas imemoráveis, que me levaram a enviar um texto por
telex ao editor de Geral, meu chefe imediato como correspondente, bem como
agradecer aos Amigos das editorias com as quais havia trabalhado com maior
assiduidade durante a correspondência em Corumbá).
Encontramo-nos
pela última vez durante a manifestação em solidariedade ao povo palestino de
outubro de 2023. Nesse breve encontro, me dera
notícias de sua Família, com cujos membros minhas Irmãs haviam estudado no
ensino médio. A saudosa Psicóloga Sabah Robbin foi uma delas, brilhante e
dedicada aluna cujo desempenho escolar ficou marcado para a história do ensino
em Corumbá.
Não posso me esquecer da linda e
emocionante mensagem de agradecimento que Faissal me enviou a propósito da
homenagem póstuma à Psicóloga Sabah. Constantemente me enviava mensagens curtas
sobre diferentes temas. Sua cultura, vasta e profunda, levava os seus
interlocutores a refletir profundamente sobre os mais variados temas, sempre
com seriedade e respeito.
Quando sua Companheira de Vida se
eternizou, ficou algum tempo em silêncio, como a fazer retiro sabático até
reencontrar o equilíbrio emocional. Mas quando retomou a Vida foi de causar
inveja, pois focou no convívio com o Filho e as suas responsabilidades
inerentes à paternidade. Foi exemplar em tudo a que se dedicou.
HEITOR FERNANDES LEITE
Por meio da querida Dona Alice da
Silva, Amiga dos tempos da saudosa Sorveteria São Luiz (décadas de 1960-70, ao
lado do GENIC), soubemos da
eternização no final do ano passado do querido Amigo, Heitor Fernandes Leite,
Irmão da querida Amiga Professora Regina Leite Crivellini, funcionário
aposentado da antiga Embratel. Brilhante intelectual, humilde por excelência, o
saudoso Heitor ilumina não apenas o firmamento como o porvir deste Povo
batalhador que tanto amou mas que ironicamente deixou quando estava em Rondonópolis.
À querida Professora Karina Crivellini nossos agradecimentos pela gentileza de
completar as informações e a toda a Família nossos sentimentos partilhados.
CAXINGUE, PADILHA, ANTELO E SEU
PIRES
Violonista de talento incomum, o
músico Antônio Manoel Pereira Guimarães, Caxingue, também virou saudade nestes
dias. Integrante da geração de ouro da música na década de 1970 em Corumbá, ao
lado de grandes músicos, como Nilson Pereira de Albuquerque e o agora saudoso
mestre Jackson, brilhantemente homenageado pelo Jornalista e Poeta Edson Moraes.
Com Juvenal Ávila conheci Caxingue, então auxiliar de farmácia no Hospital de
Caridade, meados dos anos 1970, ao lado da Amiga Maria da Graça Leão (a querida
Dadá, Companheira do cantor e compositor Sidney Rezende, mineiro inspirado no
Clube da Esquina do gigante Milton Nascimento, vizinhos quando moraram aqui). Mais uma estrela a iluminar e inspirar o
horizonte de nossa juventude.
Os saudosos Joaquim Duarte Padilha, membro
pioneiro do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e
Ladário e do Conselho Municipal de Assistência Social local entre 1994 e 1996; Augusto
Lawrentz Bruno Antelo, da Minimaratona Internacional San Martin, da qual foi
criador e organizador entre os anos 1986 e 1992, pessoa por quem tenho profundo
carinho e gratidão, cujos saudosos filhos Omar e Ângela o acompanham na
eternidade; Seu Pires [não tenho nome completo e nem prenome, de origem grega]
se eternizou súbita e discretamente ano passado, mas só agora deram notícia,
por meio de um dos integrantes do ‘conselho’, grupo de Amigos, a maioria da
doutrina de Allan Kardec, na esquina das ruas Cuiabá e Frei Mariano, à
noitinha. Todos eles sempre na memória e no coração, ao lado dos também queridos
Amigos Padre Pasquale Forin e Dom José Alves da Costa, cujos natalícios
transcorrem em 17 e 20 de abril,
respectivamente. Saudades.
Ahmad
Schabib Hany
domingo, 7 de abril de 2024
ATÉ SEMPRE, ZIRALDO!
Até sempre, Ziraldo!
Mais que cartunista,
ilustrador, cartazista, chargista, caricaturista, desenhista, humorista,
jornalista, escritor e dramaturgo alado e talentoso, Ziraldo é expressão maior
da inteligência brasileira e sua oposição ao regime de 1964 foi criativa e
irreverente, exemplar para a sociedade civil, que tinha uma referência familiar
no combate ao arbítrio, à censura e ao autoritarismo.
Atônitos ficamos todos pela eternização do gigante
brasileiro de todos os tempos, Ziraldo Alves Pinto, ‘Pai’ da Turma do Pererê,
Menino Maluquinho e, obviamente (aos de minha geração ou mais velhos), Jeremias, o Bom, um homem incapaz de fazer qualquer maldade, com o qual, em plena
ditadura, Ziraldo criticava a sociedade e o regime militar. Assim como todos os
meus Sobrinhos nascidos no Brasil, meus Filhos também apreciam esse genial
crítico da sociedade contemporânea e outrora símbolo da luta contra a ditadura
já não tão lido nas escolas, a despeito da diversidade de obras geniais infanto-juvenis.
Para as atuais gerações,
é o ABZ do
Ziraldo, da TV Brasil e
reproduzida nas redes públicas Educativa e Cultura por este Brasil afora, o que
vem rápido à lembrança, além da série de dezenas de episódios de Menino
Maluquinho, da TV Educativa do Rio
de Janeiro, décadas atrás. No entanto, com o ABZ se tornou conhecido do grande público, já idoso mas com cabeça
conectadíssima à nossa realidade, de fazer inveja a muitos jovens tidos como
formadores de opinião. Lamentavelmente, os golpistas em 2016, como era de se esperar, o
tiraram do ar com a maior desenvoltura. Qual o argumento? Corte de gastos...
Mas um detalhe, o ABZ do Ziraldo era uma produção independente que não
onerava os cofres da União nem dos estados. É a velha história: Ziraldo
incomoda a todo golpista, e ponto final.
Meu primeiro contato com o universo dos
quadrinhos, ainda criança, recém-chegado à Corumbá de todos os povos e culturas,
foi com o Ziraldo, que na época editava a sua revista Turma do Pererê na
Editora O Cruzeiro, a mesma que publicava a decana das revistas semanais, ao
estilo da Life, toda ilustrada. Alfabetizado em casa, as revistas em
quadrinhos foram a melhor forma de aprender o português, pois em casa se falava
árabe (tínhamos chegado do Líbano havia pouco tempo) e espanhol (afinal, de família boliviana,
meu saudoso Pai nunca nos deixou sem estudar espanhol e ler sobre a História da
Bolívia, além das aulas de árabe, que ele mesmo fazia questão de dar).
Essa revista, totalmente
em cores, competia com todas as demais, importadas dos Estados Unidos, pela beleza
dos traços e a temática toda baseada na realidade brasileira. A Mata do Fundão,
local em que eram ambientadas as histórias, equivaleria à imaginária Patópolis
de Walt Disney ou à africana ficcional Bangallia (não confundir com Bengali, na
Ásia) de Fantasma, ‘o espírito que anda’, de Lee Falk e Ray
Moore, mais tarde comprada pela poderosa DC Comics dos Estados Unidos. A
revista chamara tanto a atenção, que diversas editoras estadunidenses,
italianas e argentinas (onde até hoje há tradição de histórias em quadrinhos e
um grande número de criadores e desenhistas de renome internacional), no afã de
obter direitos autorais para editá-la em seus países, procuraram Ziraldo na
época.
Jamais esquecerei de
diversos anúncios de instituições bancárias -- privadas, porque os novos ‘donos
do poder’, tão canalhas quanto os atuais ditos ‘patriotas’, perseguiram tanto
Ziraldo, a ponto de proibir a continuidade da Turma do Pererê, campeã de tiragem por edição (em torno de 120 mil exemplares por edição em 1964, antes do cancelamento da
publicação, por determinação do regime),
em nome da defesa da ‘tradição, família e propriedade’ --, como o do Banco da
Lavoura de Minas Gerais, com os traços emblemáticos de Ziraldo e sua sutileza
genial, na época pouco perceptível para um garoto de, no máximo, seis anos. A
perversidade dos golpistas de 1964 atingiu de morte a publicação, que, na
década de 1970, creio que 1976,
quando a Editora Abril tentou reintroduzi-la ao mercado editorial
infanto-juvenil brasileiro, não conseguiu mais aquela procura que, nos anos 1950 e 1960, a revista tinha alcançado.
Mas veio o troco, em
conta-gotas. Primeiro, ao lado de Millôr Fernandes na emblemática Pif-paf, coluna transformada, depois de sua demissão
da O Cruzeiro em 1963, em revista quinzenal em maio de
1964 e que reuniu em seu elenco de artistas gráficos, desenhistas, ilustradores,
cartunistas e jornalistas nomes como Eugênio Hirsh, Claudius Ceccon, Sérgio
Porto [o imortal Stanislaw Ponte Preta], Rogério Fortuna, Jaguar e Emmanuel Vão
Gogo [heterônimo do próprio Millôr]. Por conta da ‘Operação Limpeza’,
desencadeada no pós-golpe de 1964, todas as publicações foram proibidas, e para
assegurar a continuidade os veículos impressos tiveram que se dirigir, um a um,
até o Ministério da Justiça para obter a licença do que viria a ser a Divisão
de Censura e Diversões Públicas do Departamento de Polícia Federal até o final
do regime de 1964 -- ou seja, março de 1985, vinte e um anos depois.
Em 1968, quando dez colegas fizeram uma homenagem
póstuma a Stanislaw Ponte Preta (o mesmo Sérgio Porto com quem Ziraldo já tinha
trabalhado na Pif Paf, em 1964, ao lado de Millôr, Fortuna, Claudius e
Jaguar), por meio da publicação em
capa dura intitulada Dez em Humor, nascera o embrião do que viria a ser a
maior publicação satírica da história do Brasil, tendo como foco o combate ao
regime militar: O Pasquim, semanário irreverente que revolucionou o
jornalismo brasileiro. Além dos jornalistas, ilustradores, desenhistas,
chargistas, cartunistas, caricaturistas, humoristas, poetas e compositores
citados anteriormente, vieram a se agregar ao carro-chefe da Editora Codecri (irreverente
sigla de Comitê de Defesa do Crioléu), instalada em Ipanema, os geniais Tarso
de Castro, Marta Alencar, Ciça (Companheira de Ziraldo), Henfil, Sérgio
Augusto, Sérgio Cabral, Fausto Wolf, Paulo Francis, Ivan Lessa, Chico Buarque,
Vinícius de Moraes, Zélio Alves Pinto (Irmão de Ziraldo), Nani, Luscar, Carlos
Leonam, Ruy Castro, Caulos, Luiz Roza, Luiz Carlos Maciel, Paulo Garcez, Prósperi,
Miguel Paiva e Manoel ‘Ciribeli’ Braga. Aos poucos, foram compondo uma verdadeira
plêiade de combatentes pela liberdade de expressão e democracia plena.
Contraditoriamente,
depois da edição do Ato Institucional nº 5 [o temido AI-5, que acabou com o
pouco de garantias constitucionais existentes até 13 de dezembro de 1968], pela
Junta Militar que praticamente depôs o marechal Costa e Silva sob pretexto de ‘não
mais ter condições de saúde para governar’ e impediu o vice-presidente Pedro
Aleixo, um civil, de assumir a Presidência da República, O Pasquim passou a ser referência de todas as pessoas
desejosas da volta da democracia. Em junho de 1969, quando finalmente a
primeira edição sai às bancas, a tiragem era de apenas 28 mil exemplares e, em
menos de seis meses, em dezembro do mesmo ano, a tiragem saltou aos 250 mil exemplares, pra ninguém
botar defeito. Minha Irmã que na época queria fazer Jornalismo [depois acabou
optando por Direito], passou a colecionar os exemplares que conseguiam chegar
às bancas, pois a Censura muitas vezes recolhia os exemplares nas
distribuidoras, antes de chegar às bancas. Quanto maior a perseguição, maior a
credibilidade e a procura dos exemplares.
Depois da prisão de
parte da turma, Tarso de Castro e Millôr Fernandes se engalfinham por detalhes
na produção de uma das edições, e O Pasquim sofre um desfalque
lamentável com a saída de Tarso, sua mulher Marta Alencar e mais alguns membros
fundadores do jornal. Muitos anos depois, vão criar, com o dramaturgo Plínio
Marcos, um alternativo paulistano chamado Já, que lamentavelmente sucumbe depois de algum tempo com as contas não
fechando. Essa mesma turma, em 1975, é convidada pelo Jornalista Claudio
Abramo, diretor de redação da Folha de S.Paulo e responsável pela transformação
daquele jornalão, a criar o caderno de cultura da Folha, mas sem o hermetismo embolorado do provincianismo do Estadão. E assim, Tarso de Castro e Fortuna,
fundadores de O Pasquim no Rio de Janeiro,
aterrissam na Alameda Barão de Limeira, 425, e fundam uma paródia chamada Folhetim, que circula sem problemas por quase dois
anos, até tropas da polícia do Coronel Antônio Erasmo Dias, secretário da
Segurança Pública de São Paulo, invadirem a redação do jornal e, pelo gesto de
intransigência do titular da Segurança, os Jornalistas Tarso de Castro e Marta
Alencar acabam por ser demitidos e contratado o emblemático Mylton Severiano da
Silva, o Miltainho, ex-editor-executivo da revista Realidade, que tenta driblar o assédio político de Boris Casoy (malufista que substituiu
Abramo na direção de redação da Folha) e faz de tudo para recontratar ao menos
Plínio Marcos e Fortuna no Folhetim, o que lhe custa o emprego ao afrontar
Casoy.
Ziraldo, sempre generoso, usava a sua tinta nanquim
para levantar bandeiras de causas justas do Brasil e do Planeta. Fosse em O
Pasquim ou na revista Bundas (esse nome foi feito para contrapor-se às
frivolidades de celebridades ligadas ao provincianismo das elites brasileiras
-- isso em meados da década de 1990, mais de 25 anos antes da volta dos que não
foram, como o inominável, agora inelegível), fosse editor ou coeditor, deu um jeito de trazer velhos e idôneos
companheiros de ofício, como Fausto Wolf, autor de “Palestinos -- ‘judeus’ da
Terceira Guerra Mundial”, para a cobertura de temas mais complexos, como o
conflito israelo-árabe, ou simplesmente a Questão Palestina, com mais de 80 anos de destaque no noticiário
internacional.
Emprestou também o seu talento para ilustrar
autores da literatura, inclusive infantil, na qual ele também atuava desde a
juventude. O Poeta Manoel de Barros, cuiabano em cuja infância viveu na Corumbá
cosmopolita de meados do século XX e na Campo Grande nova Capital, teve as
ilustrações de um de seus livros feitas por Ziraldo, em 2001: “O fazedor de amanhecer”, editada
pela Salamandra. Pascoal Soto, editor de Salamandra, revela na contracapa do
livro em sua primeira edição a resposta do Poeta, ainda em 2000, quando a
editora comunicou o Poeta que conseguiu que Ziraldo, morando fora do Brasil,
aceitasse o desafio: “Se o Ziraldo topou fazer a ilustração, eu também ficarei
ilustre.” [Luiz Taques, que privou da Amizade do Poeta, foi quem me deu essa
dica, ao saber da eternização do ‘Pai’ do ‘Menino Maluquinho’.]
A eternização de Ziraldo empobrece o País, já tão
depauperado de pessoas iluminadas, eis que hoje abundam as e os recalcados. Felizmente
ainda resistam pessoas de luz e de amor, como disse Manoel de Barros nessa
mesma obra, que “se a gente não der o amor, ele apodrece em nós”. Imaginem a
festa que deve estar sendo o reencontro de Ziraldo com Manoel de Barros e
tantos outros parceiros de Vida, como Henfil, Tarso, Plínio, Millôr, Francis, Fortuna,
Stanislaw, Nani... Até sempre, Ziraldo, e obrigado por ter existido!
Ahmad
Schabib Hany
sexta-feira, 5 de abril de 2024
DEMOCRACIA PERDE UM DE SEUS MAIORES ATIVISTAS: AMARÍLIO FERREIRA JR. (Por Edson Moraes)
O professor Amarílio Ferreira Jr: rico legado de defesa da democracia
Democracia
perde um de seus maiores ativistas: Amarílio Ferreira Jr.
Ele foi liderança do PCB em
Mato Grosso do Sul, lecionava na UFSCar e é autor de vários livros, enfrentava
um câncer havia dois anos.
(Por Edson Moraes)
A
história política do País será incompleta e deturpada se não contar, com o
devido destaque, a trajetória de lideranças que foram essenciais para a
resistência à opressão, a reconquista e a reconstrução da democracia. Houve
forças políticas e houve homens e mulheres de todas as idades neste que foi um
dos terrenos mais hostis a quem sonhava com liberdade e ia muito além, quando
corajosamente ousava defendê-la publicamente e às vezes no cruel anonimato
imposto pelas baionetas e paus-de-arara.
Uma
destas forças foi o Partido Comunista Brasileiro (PCB), assim como sua
dissidência, o PCdoB. E um destes homens foi Amarílio Ferreira Jr. Na
quinta-feira passada, 4 de abril, ele deu seu último suspiro. Tinha 73 anos e
encerrava ali dois anos de luta desigual contra um câncer. Contudo, há legados
imperecíveis que não sucumbem com a morte física. São, em princípio, heranças
de vidas exemplares -- mas servem, sobretudo, como exemplos do que se pode
fazer, no possível e no impossível, para que cada pessoa, em qualquer canto do
mundo, respire liberdade e igualdade.
VERMELHINHOS
-- A história de Amarílio é este legado. Quando morou em Campo Grande, o casal
Amarílio e Marisa Bittar, ambos professores e vermelhinhos -- como eram
chamados os militantes do partidão --, dedicou-se intensamente à organização do
PCB e às lutas de resistência democrática e popular. O mais difícil era
organizar, fazer funcionar e ainda recrutar militantes para um partido
clandestino.
Ele
foi um de meus recrutadores. O primeiro passo foi em 1978. Não houve convite,
mas um aceno. Estreitamos a amizade. E em 1979 ele e outros dois amigos, Flávio
e Mário Sérgio, bateram o martelo. Interessante é que, quando resolvi ser do
PCB, o Amarílio me levou pra ter a minha primeira conversa com o advogado Onofre
da Costa Lima Filho. Era o “gerentão” dos nossos bastidores.
Fui
receoso. E quando ele perguntou se estava mesmo querendo ser militante
clandestino do PCB, eu respondi: “Sim. Só tem um problema: sou cristão,
católico, e não abro mão.” O Onofre disse então pro Amarílio, o inevitável
cigarro entre os dedos: “Este é dos nossos.” E completou, olho no olho: “Edson,
o que queremos de você é compromisso com a democracia, com a honradez e com a
construção do dia seguinte. Ser cristão é virtude, o defeito é ser mentiroso.”
SÓ
UM FUSCA -- A confraria marxista-leninista na cidade não era tão pequena --
cabiam em mais de um Fusca, geralmente vermelhinho. Um deles chegou a ser “disfarçado”
de branco ou amarelo para despistar os mal-humorados botinudos da repressão.
Amarílio cumpriu, com sabedoria, simultâneos papéis, desde as tarefas de
agiprop (agitação e propaganda) ao ensinamento ideológico. Um intelectual de elevado
naipe, a bordo de seus óculos de fundo de garrafa e nos brilhantes lampejos de
suas abordagens.
Óbvio:
não tinha unanimidade em tudo. Vez por outra digladiava-se com os camaradas
que, no seu entender, resvalavam na interpretação do materialismo dialético ou
errava -- também a seu ver -- na direção da sigla. O “partidão” rachou na forma
e no modelo, mas o conteúdo do ideal não se modificou. Até que um dia veio o
PPS... Bem, esta é outra triste história a ser contada pela própria História.
Amarílio
agora descansa e tem boas companhias. Cito alguns e por meio deles todos sejam
saudados: Fausto Matto Grosso, Acelino Granja, Euclides de Oliveira, Aristides
Maldonado, Onofre da Costa Lima Filho, Mariluce Bittar, Luiz Salvador de Sá...
É, agora descobri que, além de não “comer criancinha” e nem “incendiar igrejas”,
os comunistas também cabiam em mais de um Fusca.
DADOS
DO CAMARADA -- Amarílio Ferreira Junior foi Professor Titular do Departamento
de Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Tem doutorado em
História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado em
História da Educação no Institute of Education da University of London.
Também
foi titular no Departamento de Educação, presidiu a ADUFSCar (Associação dos
Docentes da UFSCar) entre 2017 e 2021. Amarílio também tem vários livros
publicados, entre eles: “A Educação Soviética” e “A Escola da Revolução Russa”,
em coautoria com Marisa Bittar; “Húmus da Terra” e “Metrópole”.
(foto
1) O professor Amarílio Ferreira Jr: rico legado de defesa da democracia
(foto
2) Amarílio (no centro da foto) e camaradas em ato do PCB em 1984, Dia do
Trabalhador, no Horto Florestal
Edson
Moraes
quinta-feira, 4 de abril de 2024
PROFESSOR AMARÍLIO FERREIRA JR., PRESENTE!
Professor
Amarílio Ferreira Jr., Presente!
A eternização precoce do
Historiador e Professor Amarílio Ferreira Junior, um combatente incansável
desde os tempos de chumbo nos deixa mais pobres, muito mais pobres, no exato
momento em que fazemos uma necessária reflexão sobre o golpe de 1964 e os
malefícios irreversíveis à sociedade brasileira.
Por meio de uma nota de pesar da ADUFMS (Associação
dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul),
compartilhada por minha Irmã, é que soube da eternização do querido e
incansável (maiúsculas)
Cidadão, Pesquisador, Historiador e Professor Amarílio Ferreira Junior, docente do Departamento
de Educação da UFSCar, ex-docente e pesquisador da UFMS, doutor em História
Social pela USP e pós-doutor em História da Educação pela Universidade de
Londres, como bolsista da FAPESP. Mais
ainda: autor de diversos livros sobre História da Educação, alguns em parceria
com sua Companheira de Vida, a Professora Doutora Marisa Bittar, com quem
conviveu por mais de 50 anos.
No exato momento em que a sociedade civil
brasileira discute e faz uma oportuna reflexão sobre o regime de 1964 e os
malefícios irreversíveis causados à nação, a eternização do Professor Amarílio
Ferreira Junior, além de nos causar profunda consternação, empobrece e apequena
o horizonte acadêmico, historiográfico e, sobretudo, de cidadania. Brilhante
intelectual, o Professor Amarílio é um competente historiador e docente que
contribuiu incansavelmente para a consolidação das Ciências Humanas num país em
que não havia qualquer respeito por esse campo da Ciência. Sua ausência será
profundamente sentida, mas o seu generoso legado de trabalhador da História
orientará as futuras gerações para o avanço destes estudos.
Mais que intelectual profundamente engajado nas
necessárias transformações requeridas pela sociedade brasileira, trata-se de um
Cidadão incansável que se destacou por sua determinação e entrega às causas
maiores do Brasil, da América Latina e do Mundo, embasado em sua histórica
militância em organizações de esquerda, em especial o PCB e mais recentemente o
PT. Em plena ditadura militar, Amarílio Ferreira Junior enfrentou, com
prudência e responsabilidade, as hordas fascistas por meio da formação de
diversas gerações de jovens dos mais variados extratos de classe social,
despertando a consciência crítica de inúmeros estudantes e trabalhadores da
cidade e do campo.
Irrequieto e determinado, o então estudante de
História da à época FUCMT concluiu sua graduação em 1978 (portanto, antes da
instalação do governo de Mato Grosso do Sul), e, presidente do Diretório
Acadêmico Félix Zavattaro, da FADAFI (Faculdade Dom Aquino de Filosofia, Ciências
e Letras),
matriculou-se no curso de licenciatura em Geografia. Isso permitiu aos calouros
de 1979, como José Carlos Ziliani e eu, conhecer o incansável e até ousado
dirigente estudantil, que no primeiro dia do semestre letivo adentrou à nossa
sala do Básico (naquela época os dois primeiros semestres de História,
Geografia, Pedagogia e Letras eram oferecidos em uma mesma sala, com
disciplinas iguais) para nos informar sobre nossos direitos como universitários
e o convite para participar da Recepção Cultural ao Calouro, com uma série de
shows, peças teatrais e palestras-debates com verdadeiros ícones de nossa
geração.
Amarílio, Mário
César Ferreira (Cecéu, Irmão), Paulo Cimó, Paulo César Pereira, Domingos Sávio
(do GTX, grupo de teatro amador, constituído por alunos da FUCMT), Mariluce
Bittar (do Diretório Acadêmico José Scampini, de Serviço Social, de saudosa
memória) e Ana Maria (do Curso de Ciências, que era matutino) eram os que
formavam a comitiva do DAFEZ a convidar as e os calouros de 1979 a participar
de mais de uma semana de atividades de grande relevância, como shows com
Sivuca, Papete e Tetê e o Lírio Selvagem, peças teatrais como ‘Mãos sujas de
terra’ com Elba Ramalho, Diana Pequeno e outros artistas de expressão, e,
obviamente, palestras e debates sobre a realidade brasileira, com pessoas de
referência nacional, como Sérgio Ricardo (aquele que quebrou seu violão num dos
festivais da década de 1960) e outros não menos importantes, que
lamentavelmente neste momento de consternação não me ocorrem.
Imagine alguém
como eu, havia uns meses chegado à nova capital, e receber de cara uma recepção
cultural diferente que os despolitizados e até agressivos ‘trotes’, em que o
novo universitário era tratado literalmente como bicho (hoje se escreve ‘bixo’,
com X, não sei por quê). Foi, aliás, essa janela para o mundo que deu um
horizonte cosmopolita ao nosso curso de graduação numa época de censura,
repressão, ‘arapongagem’ e de medo, muito medo de tudo e, muitas vezes, de
todos. Mas graças à generosidade e empatia de Amarílio e das e dos demais
integrantes da vanguarda estudantil sul-mato-grossense, lideradas com muita
lucidez e prudência pelos membros do DAFEZ, que supriram muitas deficiências de
estudo mais profundo, como delicadamente faziam esses Companheiro que se
tornaram mais que Amigos durante a realização do curso.
Meu
reencontro com Amarílio (acompanhado do Paulo Cimó e do Mário Sérgio
Lorenzetto, também formado na FADAFI/FUCMT no ano anterior ao nosso ingresso na
FUCMT) se deu após minha experiência num projeto do igualmente querido e
saudoso Seu Mário Corrêa Albernaz, chefe de gabinete do então Deputado Sérgio
Cruz (líder da bancada do PMDB). Posso dizer que pude conhecer muito melhor
Amarílio (e todos os Companheiros citados) no projeto decorrente desse
reencontro. Foram dois anos de intensos trabalhos sociais e de formação
política que marcaram nossa juventude: aprendemos com os trabalhadores do campo
e da cidade o que, então, o ensino universitário não podia proporcionar (e que
lamentavelmente hoje muitos docentes, por puro preconceito e falta de
consciência social, se recusa a praticar).
Foi nesse
período que conheci o inesquecível e querido Amigo José Rodrigues dos Santos e
seu inseparável Camarada Saturnino (sem sobrenome, pois ‘os tempos eram assim’),
fundador do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campo Grande e idealizador da
Casa Sindical, que abrigou, além de seu sindicato, os sindicatos, ainda
embrionários, dos Trabalhadores Metalúrgicos, dos Trabalhadores da Indústria da
Alimentação, dos Enfermeiros e dos Jornalistas Profissionais de Mato Grosso do
Sul, entre 1981 e 1983.
Graças à amplitude
intelectual e política do agora saudoso Professor Amarílio, foi possível
realizar uma série de debates de dirigentes sindicais e comunitários com
cidadãos de Campo Grande, sobretudo da região do emblemático Bairro Guanandi,
durante a ditadura um verdadeiro bastião de resistência oposicionista. A
esquina das ruas Piriá e Simplício Mascarenhas foi transformada em uma sede
distrital de formação cidadã, em que temas que viriam a nortear as políticas
públicas, como Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia, Cultura e Lazer,
Assistência Social, Trabalho e Emprego, Meio Ambiente, Agricultura Familiar,
Reforma Agrária, Reforma Urbana etc, estavam na ordem do dia, no início da
década de 1980, sete anos antes da Assembleia Nacional Constituinte, tema ali também tratado,
mas com cuidado, pois havia gente que temia essa discussão.
Quando as
atividades aumentaram e causaram uma ciumeira entre membros da cúpula de
determinado grupo partidário, a ordem foi esvaziar as gavetas e encerrar, ainda
que a toque de caixa, todo o processo construído milimetricamente por cidadãos
comuns, em sua maioria anônimos, mas de grande visão e prática. Aliás, o
Professor Paulo Freire fez de seu legado a valorização dessa práxis, coisa que
doutos destes recônditos provincianos se recusam a enxergar ou compreender.
Particularmente o querido Amarílio, tanto quanto Cimó e Mário Sérgio, foi de
uma dignidade estonteante, fato testemunhado pelo querido Amigo Raul Valle
Herrera, que, mais que conterrâneo, foi um corajoso Companheiro de aventura,
tanto que depois acompanhou, já ao lado do querido Camarada Edson Moraes, em
outra jornada memorável, no antigo Jornal da Cidade, sob a direção de redação deste nosso inspirador
conterrâneo e que nada deve à atual versão.
Com meu
retorno a Corumbá, em 1984, ficamos alguns longos anos sem contato, mas que os
retomamos por causa da querida e saudosa Mariluce Bittar, a querida Irmã da
Companheira de Vida do Amarílio, Marisa Bittar. No ano passado, durante uma
memorável entrevista no programa radiofônico ‘Conversê’, do Jornalista Sérgio
Souza Jr., transmitido pelas redes sociais, tive a felicidade de assistir e
trocar mensagens com Amarílio, que disse estar em tratamento médico. Foi nosso
encontro derradeiro, lamentavelmente. Mais que lembranças, ficam os inúmeros
exemplos eloquentes de incansável combatente, pesquisador, historiador e
professor para a posteridade, de cuja civilidade é responsável direto, por
ação, reflexão e transformação.
Há pouco
menos de um mês, por causa de nosso querido e agora saudoso Professor Paulo
Cabral, a querida Professora Marisa Bittar me enviou emocionante mensagem, em
que me dizia que Amarílio também estava lutando pela Vida. Nosso Companheiro
Amarílio sempre lutou e haverá desde a eternidade continuar a lutar pela Vida.
Vida com dignidade, Vida com Justiça Social, Vida com civilidade e respeito aos
valores civilizatórios. À querida Marisa, ao Cecéu e a toda a querida Família,
Amigos, Companheiros e Colegas, nossos sentimentos mais profundos e o
reconhecimento perene do valor humano do querido Camarada que a Vida nos
presenteou. Professor Amarílio Ferreira Junior, Presente! Na memória e no
coração!
Ahmad
Schabib Hany