Cosmopolitismo
secular
100 anos atrás, o cosmopolitismo
corumbaense atingia seu ápice.
Dois anos depois da Semana de Arte Moderna, de São Paulo, o entreposto
comercial das águas interiores que ganhara projeção no pós-guerra da Tríplice
Aliança contra o Paraguai vivia os momentos de glória que precedem à finitude
trágica dos ciclos econômicos capitalistas. Mas um século depois, a despeito do
provincianismo acentuado com a divisão de Mato Grosso, o cosmopolitismo
permanece incólume, imponente, para desespero da capitalzinha de meia pataca,
antro do neofascismo do abominável...
Em minha primeira reflexão escrita (e
pretensamente compartilhada com Você, paciente leitor/leitora que me honra com
sua leitura crítica e inteligente) de 2024, não poderia deixar de homenagear
Amigo(a)s cujas pegadas deixaram marcas indeléveis na memória daqueles -- como
os Amigo(a)s presentes e incansáveis Adnan Hamad Haymour, Adolfo Rondon
Gamarra, Aguinaldo Rodrigues, Aidê Arruda Varela, Aleixo Paraguassú Netto, Alle
Yunes Solominy Neto, Alexandre Gonçalves dos Santos, Amarílio Ferreira Junior,
Ana Claudia Salomão da Silva, Aníbal Carlos Monzón, Anísio Guilherme da
Fonseca, Armando Carlos Arruda de Lacerda, Arturo Castedo Ardaya, Bassem
Hussein, Carmelino de Arruda Rezende, Carmen Chamoun Calazans, Celso Cordeiro,
Cláudia de Araújo Lima, Cleonice de Souza Bueno, Cristiane Sant’Anna de
Oliveira, Dary Esteves Jr., Denise Campos Diniz, Edenir de Paulo, Edson Henrique
Figueiredo de Moraes, Edy Assis de Barros, Elaine Gomes Ferro, Elenir Machado
de Mello, Eliseu Campos, Estela Márcia Rondina Scandola, Eva Granha de
Carvalho, Fábio Issa Ahmad, Geraldo Alves Damasceno Jr., Gilberto Luiz Alves,
Gisela Angelina Levatti Alexandre, Hélia Costa, Herman Herrera Valle, Iara
Valentina Torres de Souza, Irlene Maria dos Santos Bareiro, Jalila Safa, João
Bortolanza, João de Souza Alvarez, Joana da Costa Lima, Joel de Carvalho
Moreira, Joel de Souza, Johny Henry Vaca Arza, Johonie Midon de Mello, Jonas
Luna de Lima, José Carlos Françolin, José Carlos Ziliani, José Eduardo Maldonado
Katurchi, José Luís Finocchio, José Luiz Peixoto, Júlio Xavier Galharte,
Juvenal Ávila de Oliveira, Kati Eliana Caetano, Lejeune Mirhan Xavier de
Carvalho, Lígia Maria Baruki e Mello, Lindivalda Gonçalves dos Santos, Loide
Bueno de Souza, Lúcia da Silva Santos, Lúcia Salsa Corrêa, Luiz Antônio Torres
Taques, Luiz Carlos Katurchi, Luz Marina Cavalcante da Silva, Mara Leslie do
Amaral, Marcelo Moura, Márcia Ivana do Amaral, Margareth Cabral Parabá,
Margareth Matas Pereira, Maria Angélica de Oliveira Bezerra, Maria Augusta dos
Santos Rahe Pereira, Maria Cristina Atayde, Maria de Fátima Garcia da Silva,
Mariliz Romero de Aquino, Marisa Bittar, Marlene Terezinha Mourão, Masao
Uetanabaro, Munther Suleiman Safa, Najeh Abdel Hamid Mohd Mustafa, Nasser Safa
Ahmad, Nelson Abnur Urt, Nely Safa, Paulo da Costa Lima, Paulo Marcos Esselin,
Paulo Matas Pereira, Paulo Roberto Cimó Queiroz, Raul Nunes Delgado, Raul Valle
Herrera, Regina Marchesini Alves, Roque Bareiro, Rosa das Graças Nunes Delgado,
Rosângela das Graças Ruas, Rosely Rios Midon, Semy Alves Ferraz, Sílvia Maria
da Costa Nicola, Simone Yara Benites da Silva, Soely Ivacquia de Oliveira,
Solange Gomes Galeano, Suzana Maia, Tânia Nozieres de Santana, Tereza Cristina
Katurchi Exner, Tito Carlos Machado de Oliveira, Valmir Batista Corrêa, Yahya
Mohamad Omar, Zacaria Yahya Omar, e, óbvio, todas as minhas Irmãs e meu Irmão,
Sobrinhas e Sobrinhos e Filha e Filho -- que teimam resistir a tempos tão
adversos e que me levam a não desistir dessa luta inesgotável.
Quem conhece a história (sobretudo recente) de uma
região ou de um povo dificilmente pode perder-se em firulas de narrativas
estonteantes, geralmente paridas em agências de propaganda contratadas por
governantes autoproclamados ‘visionários’. Mato Grosso do Sul é vítima disso
desde antes de sua criação, herança que é de uma ditadura militar impune que,
para prorrogar seus dias de sobrevida, não só fechou (em abril de 1977) o
Congresso Nacional, cassou os líderes oposicionistas e pôs ‘em recesso’ o
Supremo Tribunal Federal (STF), na maior cara-de-pau. A alegação era de que interesses
da Segurança Nacional (sic) impunham
tais medidas, nitidamente casuísticas e autoritárias. É o tal ‘Pacote de Abril’,
às vésperas da Semana Santa daquele ano. Entre as mais importantes alterações
feitas ao arcabouço jurídico brasileiro, constam o nefasto instituto do senador
‘indireto’ (ou biônico, porque sem votos) e a adoção da sublegenda para permitir
que os candidatos a senador da Arena, que estava dividida, juntassem os votos
para derrotar os candidatos do MDB (oposição à ditadura). Por essa razão,
aliás, o estado do Rio de Janeiro e a Guanabara (antigo Distrito Federal) foram
fundidos no atual Rio de Janeiro (em 1975), uma das causas do caos
administrativo existente hoje, bem como Mato Grosso foi dividido (em 1977): enquanto
o Rio de Janeiro perdia três senadores da oposição, Mato Grosso do Sul ganhava
três senadores para a Arena).
Amigos queridos, algumas décadas mais velhos que
eu -- como os saudosos Seu Jorge José Katurchi, Seu Augusto César Proença,
Padre Ernesto Saksida e Dilermando Luiz Ferra, para nomear alguns --, me
ajudaram muito para compreender melhor a peculiaridade da sociedade
corumbaense, ou melhor, o cosmopolitismo vicejante, a despeito do século
decorrido quando de seu ápice. Como uma cidade do interior, empobrecida pela
ausência de políticas consistentes de desenvolvimento sustentável e sustentado
(quadro que se agravou desde que Campo Grande passou a ser a capital da nova
unidade da federação). E nesse particular, não há como dizer que isso seja algo
deliberado. Não é. A questão central baseia-se no provincianismo predominante
na ‘Nova Cap’, Campo Grande: como uma sociedade endógena, ensimesmada, sem rios
navegáveis internacionais, poderia ter os horizontes amplos, uma cosmovisão de
vanguarda. É uma questão histórica, portanto, decorrente do próprio processo
histórico. Enquanto isso, Corumbá e Ladário amargam a sua condição de
caudatárias de projetos descolados da realidade pantaneira.
Em artigo recente, publicado no Correio de Corumbá, o Amigo Armando
Carlos Arruda de Lacerda faz uma oportuna reflexão alusiva ao (palavras minhas)
projeto megalomaníaco agora batizado de ‘RILA’ (antes era ‘Rota Bioceânica’).
Um desperdício de dinheiro público quando existem ferrovia, rodovia e rio
navegável em pleno funcionamento, precisando, isto sim, de obras de
recuperação, até por causa do excesso de peso dos diferentes veículos usados
para o transporte de commodities extraídas
do coração do Pantanal e da América do Sul. A ponte de Morrinho, no Rio
Paraguai, em Corumbá, construída durante o Governo de José Orcírio Miranda dos
Santos, pede socorro, mas as autoridades estaduais, as mesmas que vêm fazendo
das tripas coração para concluir um projeto caríssimo e, se não houver a adoção
de um conjunto de medidas para dinamizar essa futura via, será mais um elefante
branco para ser visto pela população de Porto Murtinho, lá debaixo...
Ora, qual a menor distância entre dois pontos? A
linha reta, óbvio! Empresários e políticos de horizontes estreitos não se dão
conta do aumento da distância ao dar a volta para não passar pela Bolívia.
Gostem ou não, a Bolívia não só é uma velha parceira (desde antes da construção
da ferrovia Corumbá -- Santa Cruz de la Sierra), basta estudar um pouco de
História, Economia e Geopolítica latino-americana. O problema é que os
autoproclamados paladinos da ‘RILA’ estão ávidos de mostrar serviço, ou melhor,
obras às suas paróquias, que não se dão conta dos absurdos que estão fazendo.
Morei, estudei, trabalhei e pesquisei entre
dezembro de 1978 e outubro de 1984 em Campo Grande e -- à exceção de cidadãos brilhantes
como Plínio Barbosa Martins, Wilson Barbosa Martins, Wilson Fadul, Ricardo
Brandão, Alberto Neder, Fausto Matto Grosso, Celso Costa, Eudes Costa,
Carmelino Rezende, Aleixo Paraguassú Netto, Leonardo Nunes da Cunha, José
Otávio Guizzo, Roberto Moaccar Orro, Sérgio Manoel da Cruz, Mário Corrêa
Albernaz, Augusto Assis Filho, Onofre da Costa Lima Filho, Manoel Sebastião da
Costa Lima, Maria Augusta Rahe Pereira, Paulo Corrêa da Costa, José Rodrigues
dos Santos, Marcelo Barbosa Martins, José Márcio Licerre, Mário Ramires, Yone
Ribeiro Orro, Yara Maria Blum Penteado, Paulo Eduardo Cabral, Berto Curvo,
Marília Leite, Margarida Gomes Marques, Luiz Eduardo de Resende Vale, Paulo
Roberto Cimó Queiroz, Marisa Bittar, Amarílio Ferreira Jr., José Carlos
Ziliani, Tito Carlos Machado de Oliveira, Mário Sérgio Maciel Lorenzetto,
Flávio Teixeira, Lúcia da Silva Santos, Caio Sobral e Paulo Marcos Esselin, entre
outro(a)s -- constatei um elevado número de pessoas profundamente provincianas
(sem qualquer preconceito: uma cosmovisão bem aquém do horizonte que poderia se
abrir para a nova unidade da federação).
Quando decidi retornar a Corumbá, em fins de 1984,
como primeiro correspondente com carteira assinada, devidamente assalariado, do
jornalão que alega ter a maior tiragem do estado (outra coisa é ter, de fato,
essa circulação, sobretudo em tempos de plataformas multimídia), muito(a)s
Amigo(a)s ficaram, no mínimo, perplexos. Alguns questionaram a minha decisão,
mas não entenderam, pois achavam retrocesso. Passadas quatro décadas,
praticamente, tomo a liberdade de justificar com este modesto texto, cuja
síntese tenta justificar, senão explicar, aquela decisão: o cosmopolitismo,
ainda presente, de Corumbá, a despeito do abandono ostensivo do novo estado,
fez com que não titubeasse. Não por acaso, o entreposto comercial que propiciou
uma miscigenação intensa e um desabrochar cosmopolita no âmbito das culturas e
das artes sofreu duras perdas durante os primeiros quatro anos de Mato Grosso
do Sul.
Somente durante o primeiro mandato do Governador
Wilson Barbosa Martins e dos dois mandatos do Governador José Orcírio Miranda
dos Santos é que todo o ‘interior’ do estado conseguiu uma tênue reconquista de
seu potencial cultural. Corumbá (e Ladário) pôde (puderam) irradiar sua
exuberância cosmopolita por meio de diferentes eixos de progresso e reafirmação
de seu protagonismo cidadão. O lamentável é que esse processo teve apenas dez
anos de esplendor, o que, para efeitos históricos, não quer dizer muito. Mas é
o que foi possível. E fica o recado: se a ‘intelligentsia’ de Campo Grande não
permitir que as diversas regiões do estado possam resgatar seu tempo histórico,
o Pantanal vai retomar o seu vínculo cultural com a parte que permaneceu no
território de Mato Grosso. Aliás, um direito inalienável e histórico. Só
depende da postura excludente e gananciosa da capital, que esqueceu rapidamente
a dureza de ser ‘interior’ e passou a se comportar ainda mais ávida que a
Cuiabá de outrora.
Ahmad
Schabib Hany
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