Um
ano sem Seu Jorge Katurchi
A ausência de um dos mais
atuantes defensores de Corumbá, ao lado dos incansáveis Padre Pasquale Forin,
Padre Ernesto Saksida e Dom José Alves da Costa, empobrece o coração do
Pantanal e suas legítimas lutas.
No dia 31 de janeiro de 2023, primeiro mês do
reencontro do Brasil com o Estado de Direito e a plenitude democrática, Seu
Jorge José Katurchi se eternizava depois de sofrer um martírio de alguns dias
no CTI do Hospital de Caridade, de cuja entidade mantenedora, a Sociedade de
Beneficência Corumbaense, fora vice-presidente algumas décadas atrás.
Um homem verdadeiramente apaixonado pelo amor
maior de sua Vida: Dona Anna Thereza de Copacabana Rondon Maldonado Katurchi,
em cujas veias circulava o sangue de Cândido Mariano da Silva Rondon, seu
Tio-avô materno, e do bravo cidadão Don Reyes Maldonado, seu Pai, Cônsul da
Bolívia em Cáceres e igualmente apaixonado pelo povo pantaneiro, tanto que um
de seus Netos, o saudoso Professor Carlos Alberto Reyes Maldonado, é o fundador
e patrono da Universidade Estadual de Mato Grosso (UNEMAT), com sede em Cáceres.
Pai presente e dedicado: amou seus três Filhos da
mesma maneira, deixando que cada um seguisse seu horizonte. Da mesma forma seus
Netos. Quando se referia à sua Família, os olhos brilhavam de felicidade e
também de saudades. Como poucos, as canções de ninar de Dona Amélia Abraham
Katurchi estavam incólumes em sua memória privilegiada e seu coração gigante,
como ele.
Nos 30 anos em que tive a honra de conhecê-lo
melhor e privar de sua Amizade (com letra maiúscula), posso afirmar sem
qualquer risco de que seu sincero amor por Corumbá e pelo povo hospitaleiro que
o acolheu, a sua Família e a todos os imigrantes dos mais diversos países da
Terra foi o segredo de sua longevidade, além, obviamente, pelo trabalho, com o
qual ele se identificara desde tenra idade, vendendo agulhas importadas a
partir dos 8 anos de Vida.
Pude testemunhar sua dedicação, seu incansável
trabalho, sempre discreto, só não anônimo porque ele é conhecido dentro e fora
do Brasil. Sem qualquer arrefecimento ante inevitáveis frustrações, pois
bandeiras como a luta pela implantação da Área de Livre-Comércio de Corumbá e
Ladário ou pela conclusão da Transpantaneira (Cáceres-Corumbá) não chegou a ver
concretizada.
Às vezes me pego querendo trocar algumas ideias
com ele. É que, respeitando o ponto de vista dele, anos-luz à frente de seu
tempo, debatíamos como se tivéssemos a mesma idade os mais variados temas. Sua
conexão com o mundo real era admirável: acompanhava os mais diferentes fatos,
fossem eles ocorridos em Corumbá, em Brasília ou pelo mundo afora (e não foram
poucos os recortes de jornal ou revista que me enviou para conversarmos ou que
pudéssemos aproveitar em alguma reivindicação para Corumbá, Pantanal e Bolívia).
Quase um ano depois de sua eternização, como
reconhecimento de seu amor pelo povo pantaneiro (ele sempre se referia a
Cáceres como sua segunda cidade, pois a Companheira de Vida era nascida lá),
começam a pulsar as primeiras manifestações pela reintegração do Pantanal, um
sonho que acalentava discretamente: não gostava da palavra divisão, ele
entendia que união, ou reunificação, coadunava melhor em sua maneira de ver a
Vida.
A eternização de seu Jorge Katurchi, junto das do
Padre Pasquale Forin, Padre Ernesto Saksida e Dom José Alves da Costa,
empobreceu sobremaneira a tênue resiliência das poucas mas incansáveis cidadãs
e cidadãos membros do Pacto Pela Cidadania durante os doze meses que se
seguiram à sua sentida ausência.
Fico a imaginar o tamanho do desassossego de Seu
Jorge Katurchi ante a aventura da RILA desviando de Corumbá e da Bolívia para
chegar ao Chile. Ou o estrago da ponte rodoviária de Morrinho e o abandono da
ponte ferroviária de Porto Esperança. Ou o distanciamento de nossos parceiros
de fronteira de Porto Quijarro e Porto Suárez, a quem Seu Jorge não deixava de
visitar pelo menos uma vez por semana quando sua saúde ainda permitia.
Entre as iniciativas sociais ligadas ao Pacto Pela
Cidadania e Observatório da Cidadania ao longo deste ano haverá momentos de
reconhecimento público e merecida homenagem a Seu Jorge Katurchi que, sem ter
sido detentor de cargo público, dedicou-se com penhor à defesa de Corumbá e
Ladário, de sua laboriosa população e à integração com a Bolívia, que o homenageou
em Vida.
Depois do confinamento pela pandemia de covid-19,
nossas conversas, sem tempo para acabar, foram por telefone, à exceção de uma
visita com a Família a propósito de seu aniversário de 96 anos, quando meus
Filhos, já adolescentes, puderam contemplar sua dimensão física e, sobretudo,
moral e intelectual. Não esqueço do beijo espontâneo árabe que nos deu a todos,
como faço questão de me lembrar dele em Vida.
Ainda não vi no Legislativo ou Executivo municipal
algum logradouro público ser nomeado em sua homenagem. Sequer consta de seu
honrado nome a placa de registro da entrega pela Prefeitura de Corumbá da
memorável criação da saudosa Dona Izulina Gomes Xavier (Amiga dele e de Dona
Anna Thereza), cujo financiamento pelo Governo Zeca, em seu primeiro mandato,
foi obtido por meio de sua articulação via Pacto Pela Cidadania e repassado ao
Lions Clube quando o saudoso Carlos Alberto Machado era presidente da entidade.
Seu Jorge Katurchi estará sempre presente entre os
membros do Pacto Pela Cidadania e o Observatório da Cidadania em todas as suas
atividades e nos discretos recessos, frutos da impossibilidade de Cidadãos como
ele serem substituídos. Nossa caminhada continua tendo a memória de nossos
precursores e inspiradores sempre ao nosso lado. Seu Jorge José Katurchi,
presente na memória e no coração!
Ahmad
Schabib Hany