domingo, 24 de setembro de 2023

REPARAÇÃO HISTÓRICA

Reparação histórica

A emblemática decisão do STF de rejeitar a tese do ‘marco temporal’ é uma reparação histórica aos povos originários (e, por extensão, aos quilombolas). Desde o golpe de 2016 contra Dilma (e a farsa da ‘Leva Jeito’, da republiqueta de Curitiba, mediante ‘festa da cueca’ para tirar Lula do páreo em 2018, com o inominável de fantoche), as elites retrógradas deste país-continente sentem-se como nos tempos da casa grande e da senzala, acima da lei. Só que não.

Este país-continente tem leis e, sobretudo, tem História. Depois da farra cometida entre 2016 e 2022, quando o Povo Brasileiro deu o seu veredicto soberano e optou pelo Estadista e enviou o inominável para o lugar de onde jamais deveria ter saído, os pontos estão sendo colocados sobre os is. Parabéns, parabéns, parabéns!

Um a um, os ardis da casa grande vêm desmoronando, como castelo de areia. Se tivessem um pingo de sensatez, esses senhores que alardeiam pedigree nobiliário (muitas vezes comprados de sangues azuis embolorados em franca decadência) pediriam desculpas ao Povo Brasileiro pelos flagrantes erros (para não dizer crimes) cometidos por pura soberba, arrogância explícita.

Trata-se de histórica reparação aos povos originários (e, por extensão, aos quilombolas, resguardadas as especificidades legais) a mais recente decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), de rejeitar a tese do ‘marco temporal’ (invencionice de advogados chegadinhos às chicanas jurídicas), por 9 a 2 (curiosa e sugestivamente dos dois ministros nomeados pelo inominável).

Considerada inconstitucional pelo STF, a tese do ‘marco temporal’ pretendia mudar a interpretação do Artigo 231 da Constituição Federal de 1988. Para os advogados do estado de Santa Catarina, que originaram esse recurso à mais alta Corte do País, o artigo 231 está sendo descumprido pelo fato de os indígenas não mais estarem vivendo dentro de suas tradições. Sem procedência, porque não há como ‘congelar’ os costumes e dissociá-los da sociedade hegemônica, que acaba impondo suas culturas sobre as dos povos originários. E já aparecem ruralistas em tom de chantagem falando em perdas bilionárias e ameaçadores a dizer que eles bancarão a ‘aprovação’ de emenda constitucional para, como de hábito, impor a sua vontade, como se estivéssemos no tempo da política café com leite.

Não satisfeitos, deputados da frente do agro apresentaram projetos de lei enxertando parágrafos ao artigo 231 da Constituição Cidadã para impor seus interesses, bem como ao Estatuto do Índio, promulgado durante o regime de 1964 (precisamente em 1973), em que o direito originário à terra é reconhecido aos povos originários, isto é, os indígenas. Essas aberrações jurídicas foram aprovadas a toque de caixa na Câmara Federal e agora estão no Senado da República, mas a esta altura dos acontecimentos não há mais ‘clima’ para o estupro à Constituição Federal de 1988, até porque não é atribuição do Poder Legislativo a homologação de terras, caso a caso, e muito menos das unidades da federação, como também foi tentado no apagar das luzes da ditadura.

Só não enxerga quem não quer: em 1988, a Assembleia Nacional Constituinte promoveu a grande transição para o Estado Democrático de Direito, sob o sábio comando do saudoso Doutor Ulysses Guimarães (odiado pelas mesmas elites que, feito répteis, apoiaram os golpes de 1964 contra João Goulart, por meio de Carlos Lacerda e Castelo Branco, e de 2016 contra Dilma Rousseff, por meio de Eduardo Cunha, Vilas-Boas e o centrão que insiste em se manter no poder, e Lula, por meio da ‘Leva Jeito’ e sua bizarra ‘festa da cueca’).

Enquanto o centrão (criado por Roberto Cardoso Alves na Constituinte para defender os interesses do regime de 1964, em conluio com outros reacionários) focava sua obsessiva tropa nas questões de reforma agrária e direitos sindicais, de modo a brecar ao máximo avanços significativos no desenvolvimento da agricultura familiar e distribuição de renda, o movimento indígena, com o apoio de antropólogos, educadores e religiosos progressistas de diversas denominações, deram sua importante contribuição para assegurar dignidade aos povos indígenas, afrodescendentes e pessoas com deficiência.

O Deputado José Carlos Saboia (então PMDB-MA), da Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Deficientes e Minorias, como um dos sub-relatores dessa subcomissão temática, foi um dos membros que ouviram os clamores indígenas, acampados no Auditório Nereu Ramos para reivindicar por seus direitos. Embora enfrentando pressões de garimpeiros e mineradoras, a subcomissão conseguiu resgatar a proteção às terras indígenas constante do Alvará Régio de 1680 e a recepção do princípio do indigenato no limiar do século XX pelo Ministro João Mendes Júnior, da Suprema Corte brasileira. Tida como uma questão menor, o centrão só dera atenção à temática depois da emblemática sessão plenária de votação da totalidade da Constituição Cidadã, às vésperas de sua promulgação.

Pouco antes da Constituinte, precisamente em 1984 (ano da emblemática campanha pelas Diretas-Já, por causa da emenda Dante de Oliveira, saudoso deputado mato-grossense que conviveu na Câmara dos Deputados com os deputados Plínio Barbosa Martins e Sérgio Cruz, à época todos PMDB), o jurista José Affonso da Silva explica o vocábulo jurídico indigenato didaticamente: “... o indigenato não se confunde com a ocupação, com a mera posse. O indigenato é a fonte primária e congênita da posse territorial; é um direito congênito, enquanto a ocupação é título adquirido. O indigenato é legítimo por si.” Citado pela Professora Manuela Carneiro da Cunha, que apresentou a reedição fac-similar do livro do Ministro João Mendes Júnior em agosto de 1988, o jurista José Affonso da Silva analisa em profundidade o entendimento do membro da mais alta corte que há um século encerrou seu serviço ao Brasil com contribuições em diferentes setores do Estado de Direito.

Quem, como minha geração, acompanhou os exaustivos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte lembra e tem consciência de que essa temática havia sido pacificada, como muitas outras, tanto na Comissão de Sistematização como, sobretudo, no Plenário da Constituinte, de saudosa memória. Sob a batuta do grande Ulysses Guimarães, Mário Covas e Fernando Gasparian, de um lado, e Roberto Cardoso Alves e Carlos Sant’Anna, de outro, foi aprovada a íntegra da Constituição Federal de 1988, não havendo pretexto para criar jabutis, como é de costume de uma elite que se acha acima da lei, acostumada a impor a sua vontade a qualquer preço.

Essa ladainha de ‘segurança jurídica’ não passa de conto do vigário. Os abutres do mercado nos anos 1980 e 1990, usando esse pretexto como mantra para as ‘privatizações’ (que não passaram de ‘privataria’, como as que vimos acontecer bem perto de nós, vide Enersul e UMSA/CVRD), lesaram o erário, contribuintes, trabalhadores e, sobretudo, consumidores, como até a presente data vemos de modo recorrente. A ‘segurança jurídica’ só beneficia especuladores, como Benjamin Steinbruch, Eike Batista, donos dos bancos Vetor, Factual et caterva. Isso acontece desde os tempos das famigeradas ‘simonetas’ ou ‘polonetas’ de Mário Henrique Simonsen, e do Banco Halles, Delfin, Comind, BNH et caterva do poderoso Maurício Rangel Reis, engolido pelo não menos poderoso Simonsen.

A propósito, o covarde atentado contra a líder quilombola e Ialaorixá Mãe Bernadete, do Quilombo Pitanga de Palmares, em Simões Filho, área metropolitana de Salvador, Bahia, e a criminosa imolação do casal de líderes espirituais indígenas Guarani-Kaiowá na aldeia Guassuty, em Aral Moreira, Mato Grosso do Sul, é manifestação expressa da impunidade que ronda as atividades ‘justiceiras’ das elites endinheiradas brasileiras desde os tempos coloniais, de triste memória. Não é novidade, em MS, a polícia concluir celeremente que as motivações do crime contra líderes indígenas são ‘passionais’ (sic). Foi dado desfecho igual à (não) elucidação do cinicamente covarde atentado contra o líder Guarani Marçal de Souza, há exatos 40 anos, quando eram evidentes os vínculos dos criminosos com donos de áreas rurais em flagrante invasão de terras indígenas à espera de demarcação.

Em 1985 e 2022, a sociedade civil derrotou a ditadura e seus ‘cães’ (com todo respeito pela espécie canina -- em particular ao cão de resgate Thayron, atropelado no Rio Grande do Sul, onde ajudava nas buscas por vítimas dos temporais que assolaram o Sul --, que a natureza fez leais companheiros), e na intentona de 8 de janeiro de 2023 desbaratou seus Tonton Macoutes e congêneres. Não há por que temê-los: os cidadãos não amarelam, ao contrário do inominável (agora inelegível) que vive a surtar e a defecar pelo cérebro, tamanha a ‘bravura’ do ‘patridiota’ genocida. Não se esqueça, leitor, todo fascista é covarde, e age feito hiena -- êta espécie traiçoeira! --, em matilha, de tocaia.

O verdadeiramente imortal Poeta Manoel de Barros, que tive a honra e o prazer de conhecer pessoalmente graças à generosidade do Amigo-Irmão Jornalista Luiz Taques, já o disse com profundo conhecimento de causa, em 1961 (‘Compêndio para o uso dos pássaros’, parte 11): “A maior riqueza dos homens é a sua incompletude.” É verdade que muitos não entenderão, mas a maioria, constituída por pessoas simples, que leem a alma (e por isso amam Manoel de Barros e se identificam com ele), entendem. E isso basta. Mas para aqueles que a natureza não dotou de sensibilidade, a tradução é que só consegue aprender (e evoluir) aquele que tem noção de seus limites, tem humildade para crescer e conviver com os outros e, sobretudo, sabe que “um mais um é sempre mais que dois” (Beto Guedes e Ronaldo Bastos, ‘Sal da Terra’, 1981).

Ahmad Schabib Hany

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

CIDADE-PRIMAVERA

Cidade-Primavera

Em 245 anos, Corumbá conheceu o apogeu e o ostracismo, e nem por isso perdeu essa sua graça, de sempre ser Cidade-Primavera. Única no Planeta, tem em seu Povo lindo e generoso a sua riqueza maior, além de estar no coração do Pantanal e da América do Sul.

O ambiente primaveril faz Corumbá de todos os povos e de todas as graças (apropriando-me de um epíteto atribuído pelo saudoso e querido Amigo, Seu Augusto César Proença) única e encantadora. Desde antes de sua fundação, por ordem do capitão-general Luiz de Albuquerque Mello Pereira e Cáceres (tanto Corumbá quanto Cáceres foram fundadas com ata devida e oficialmente lavrada), esta região sempre foi de intercâmbio e trocas entre as diferentes populações que habitavam o coração do Pantanal e da América do Sul.

A exuberância, registrada em bico de pena pelo artista plástico Hércules Florence, da Expedição Langsdorff, corrobora a diversidade biológica e étnica desde sempre existente na região, além da vocação histórica de território de encontros entre os povos Guató, Guarani e os do império Incaico. A generosidade dos povos originários soube acolher com hospitalidade os europeus que, por diferentes razões, migraram para a região -- no entanto, a reciprocidade nem sempre existiu da parte dos forasteiros e sua índole colonizadora (não nos esqueçamos dos bandeirantes e das incursões castelhanas desde a chegada dos ‘brancos’) foi fator de temores pelas populações nativas.

A cobiça dos colonizadores trouxe cizânia, opressão e saque, muito saque. Uma das rotas de incursão à lendária Eldorado (‘El Dorado’), a região que abriga Corumbá e Cáceres foi uma das estratégias para impedir a presença castelhana, com a construção de fortes, entre eles o de Coimbra e Príncipe da Beira, além da fundação das duas cidades irmãs, hoje vinculadas a diferentes estados, com a divisão de Mato Grosso, em 1977. E antes de ganhar projeção intercontinental como entreposto comercial, Corumbá foi palco da guerra contra o Paraguai, tendo sido incendiada e tomada entre 1865 e 1867. Entre 1873 e 1929, Corumbá conheceu o esplendor econômico e o reconhecimento cultural, o que a tornou cosmopolita a despeito de ser uma cidade do interior e recorrentemente eclipsada pelo provincianismo prevalente nas elites políticas sul-mato-grossenses.

Tenho o privilégio de ser corumbaense por opção, porque consciente do valor histórico e cultural desta cidade que causa muita inveja aos provincianos que se viram transformados em citadinos, desconhecedores de sua história e, sobretudo, sem identidade cultural. Não que sejam destituídos de lastro cultural, mas porque renegam suas origens étnicas Guarani e afrodescendentes. É o chamado complexo de vira-latas: procuram pela internet brasões de imaginárias raízes ‘nobiliárias’ emboloradas e depauperadas, em vez de valorizar a real riqueza cultural dos povos originários e dos afrodescendentes trazidos à força pela cobiça colonial, que endinheirou grotões incultos transformados em néscios déspotas.

Pode até parecer piegas, mas é autêntico: Corumbá é um verdadeiro Porto Seguro, um Paraíso na Terra, para os que aqui aportaram. E nós, que permanecemos aqui, temos o dever de fazer com que os beneficiários e beneficiárias desta terra de encantos sejam os e as corumbaenses das camadas populares, trabalhadores e trabalhadoras humildes, que com generosa hospitalidade acolheram, colaboraram sem recalque e permitiram o êxito, o sucesso dos empreendimentos realizados. Ou alguém tem dúvida de que o trabalhador e a trabalhadora corumbaense, além de laboriosos, são os que mais torcem pelo êxito de seus patrões, ainda que muitos deles muitas vezes não lhes assegurem direitos básicos e, sobretudo, reconhecimento e valor humano?

Como descendente de imigrantes árabes (da região a partir de 1942 chamada de República do Líbano) e com ascendência boliviana, tenho gratidão, reconhecimento e profunda identificação com o Povo Corumbaense. E sei que, de fato, são árabes de diferentes etnias e nacionalidades os que deixaram marcas bem evidentes na Corumbá da segunda metade do século XX. Como o Sociólogo e Professor Lejeune Mirhan pesquisou, sobretudo a etnia surianes, é protagonista dos maiores empreendimentos. Salim Kassar com o Edifício IOSA, Farjalla Anache com o Edifício Anache e o ‘Anache Velho’ (ao lado da antiga sede da Rádio Clube de Corumbá Ltda.) e Karim Mali com o Edifício Sírio-Libanês, Edifício Pantanal e a Galeria Luiz de Albuquerque (inaugurada nas festividades do Bicentenário de Corumbá). Além disso, indústrias pioneiras como o Moinho Mato-grossense e a Fiação Mato-grossense de Domingos Sahib e Salim Kassar, além da primeira empresa siderúrgica dos irmãos Nelson e Roberto Chamma.

Mas, em pleno século XXI, cabe aos descendentes dos imigrantes de todos os quadrantes do Planeta (inclusive nós, de ascendência árabe: palestinos, sírios, surianes, libaneses, jordanianos, marroquinos, líbios, egípcios etc) contribuir para fazer com que a generosa população corumbaense e ladarense compartilhe dos benefícios decorrentes do progresso da apoteótica Corumbá, desde os tempos do entreposto comercial fluvial. Até pelas razões comerciais, quanto maior o poder aquisitivo da população, maior seu potencial consumidor -- é o que os ancestrais ensinaram ao longo de sua permanência na generosa América.

A exemplo dos pioneiros citados, o querido e saudoso Amigo, Seu Jorge José Katurchi, que aportou no início da década de 1930 à cidade e ao Povo pelos quais se apaixonou, revelava com total sinceridade seu fascínio por Corumbá e pelo Pantanal. Desde o tempo em que era solteiro e lutava pela eletrificação total da cidade (antes da chegada da energia de Urubupungá), sua pugna pela Zona Franca, depois pela Área de Livre Comércio, a inclusão de Corumbá no Programa Monumenta, a valorização do patrimônio histórico e cultural e a volta dos trens de passageiros entre Bauru, Corumbá e Santa Cruz de la Sierra, ao lado do Amigo-Irmão Anísio Guilherme da Fonseca.

Nossa Amizade (dessas com letra maiúscula) se fortaleceu nas sucessivas lutas em que nos envolvemos por Corumbá, por seu Povo e pelo Bioma Pantanal. Porque Seu Jorge É dos incansáveis lutadores que não admitem hipocrisia nem cinismo, e o que tivesse que ser feito era o que tinha que fazer, com o maior empenho. Por conta disso rompeu com muita gente, mas não abriu mão de seu amor por Corumbá e seu Povo. Na pandemia, durante uma de nossas longas conversas por telefone, chegamos a cogitar fazer campanha pela criação de um fórum de moradores das cidades pantaneiras, desde Cáceres até Porto Murtinho, sem qualquer viés divisionista, mas de reunificação cultural e social (porque o Pantanal é indivisível, embora a herança da ditadura tenha prejudicado a porção centro-sul).

Finalmente, ainda criança, testemunhei o encanto de meu querido e saudoso Pai com a Corumbá de lutas e sonhos (nas palavras do querido Professor Valmir Corrêa), chamada de Turim latino-americana por ele. Ao desembarcarmos do pequeno avião comercial que nos trouxe de Santa Cruz de la Sierra, entusiasta como sempre, nos provocou (à minha querida e saudosa Mãe, à minha Irmã Caçula e a mim), fazendo um profético brinde com o genuíno Guaraná Maués, da Cervejaria Corumbaense: “Tentamos na Bolívia e no Líbano. Ficaremos em Corumbá!” E ficamos: lá se vão 56 anos de intensa luta, sem arrependimento.

Nestas décadas de amadurecimento cidadão, testemunhei momentos ímpares do palpitar de Corumbá, como entre 1974 e 1978, e entre 1984 e 2014 (do ponto de vista da cidadania, não de campanhas publicitárias que propalam panaceias lendárias totalmente descoladas da realidade do Bioma Pantanal). Lamentavelmente, por razões não suficientemente elucidadas, há um conjunto de fatores que acabam levando Corumbá a um contrafluxo (mais que refluxo), e obviamente isso tem um componente atávico, avoengo, algo que precisa ser superado. A questão será equacionada no dia que descobrirmos quem é que ganha com o retrocesso, porque, como em toda correlação de forças sociais, há sempre alguém que sai no lucro enquanto a maioria fica no prejuízo.

Embora sem maiores celebrações, em respeito à dor da Família, Amiguinhos e vizinhos do Menino Matheus, dos Alunos, Professores e Funcionários da Escola Cássio Leite de Barros e de todas as Famílias que sofreram com as consequências do temporal de 12 de setembro, que o transcurso dos 245 anos de fundação da Cidade-Primavera, tal qual fênix a renascer das cinzas, nos permita o necessário despertar cidadão, depois dos descalabros ocorridos em escala federal, cujo rescaldo ainda estamos por ver.

Mais que resiliência, trata-se de uma razão de ser, de viver: Corumbá, compromisso com a Vida!

Ahmad Schabib Hany

domingo, 17 de setembro de 2023

ORA, PINÓ-NHAS...

Ora, ‘Pinó-nhas’...

Os desdobramentos da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid não só tiram o sono dos mais graduados da caserna como fazem com que o inominável multifacetado apresente agora sua versão ‘Pinó-nhas’, isto é, enxerto de Pinóquio em Patinhas.

Foi só ser noticiada a homologação da delação premiada do ex-ajudante de ordens do inominável, ele precisou fazer um remake de sua dramatização de ter que ser operado às pressas no ‘Hospital Albert Einstein’, em São Paulo.

Mas, qual urgência? Antes nós, reles mortais, pensávamos que o problema dos intestinos fossem uma questão anatômica. Antes fosse, parece que é psicótica...

As imagens do que deveria ter sido uma cirurgia de urgência no aparelho digestivo (mais precisamente nas imediações do intestino, em que o inominável teria sofrido ferimento quando do atentado em Juiz de Fora em 2018) dão conta de que não há indícios de ter sido realizada uma cirurgia sobre a região hipoteticamente traumatizada no ano eleitoral.

Como toda farsa, essa não tinha como durar muito: as cirurgias não trataram do intestino, mas do nariz e de uma hérnia de hiato, segundo a nova equipe médica que o assistiu desta vez, diferente da fala do médico que socorreu o então candidato vitimado pelo atentado providencial (toda vez que participava de um debate entre candidatos, em 2018, perdia acintosamente adesão junto aos políticos e o ‘ibope’ perante o eleitorado).

Mas, como se isso fosse pouco, o leitor não imagina como se sentiram as hordas golpistas depois que a descendência do general Lauro Cid aceitou fazer a delação nos termos da lei e nada mais que isso (não à moda e ao gosto da ‘Leva Jeito’, de triste memória). Enquanto as forças de vanguarda dividiam seu tempo para fazer o tempo acontecer, as redações ligadas ao, no dizer do saudoso Jornalista Paulo Henrique Amorim, ‘partido da imprensa golpista’ (Globo, Abril, Folha e Estado), faziam de tudo para deixar como está -- porque as famílias Marinho, Civita, Frias e Mesquita devem um pedido de desculpas à nação, eis que o golpe contra a Dilma e Lula (em aliança com a peçonha do ‘MBL’, ‘Vem pra rua’ et caterva e a republiqueta de Curitiba) produziu este monstro e o genocídio que causou.

Esperar que uma personalidade bisonha se torne acolhedora, solidária e cheia de empatia, seria muita ingenuidade. E, insisto, é de família. Ou melhor, de casta: além da prole com mesmo DNA, há agregados, recalcados, renegados, foragidos, indisciplinados, milicianos e similares. E pelo andar da carruagem, há também um sem número de pastores formados, não em seminários, mas em cumprimento de penas, em cadeias, que, como o inominável, muito chegados ao comportamento de ‘Pinó-nhas’, mentir e acumular, por que será?

Não há problema ser conservador. Não é crime ser ‘de direita’. O erro dos que foram atrás de um mentiroso contumaz e acumulador psicótico foi a opção por um ser totalmente pervertido, perverso e, sobretudo, malversador. É o conjunto da obra a que literalmente levou este país-continente a retroceder no tempo, no espaço e na civilidade. Que fique a lição, para que este mal não se repita, sobretudo em nome do patriotismo e da fé.

Não esqueçamos de que é fundamental ler e refletir. É a melhor vacina para evitarmos o contágio desse comportamento pernicioso, muito comum em personalidades arrogantes, os detestáveis ‘donos do mundo’, ‘donos da verdade’, ‘donos da moral’, ‘donos da pátria’, ou melhor, os tais ‘messias’ (minúscula, por favor!), porque não é um, mas uma horda.

O letramento, ou o domínio pelo ser humano da capacidade de decodificação e abstração de símbolos (na verdade, ideogramas, letras e palavras), transformou a humanidade, de tal sorte que hoje, ainda que com os recalques recorrentes, é inquestionável seu processo evolutivo.

Em outras palavras, o poder da leitura e a faculdade de abstração fizeram com que a espécie humana chegasse a uma dimensão inegável em sua evolução, tamanho o condão de transformação constatado neste intrincado processo civilizatório.

É verdade que a proporção dos que têm prazer ou, pelo menos, disciplina -- e por isso se dedicam, ainda com certo sofrimento -- é ínfima, sobretudo diante da restrição material e social a que a imensa maioria da humanidade, por causa da cobiça, cizânia e ambição de uma minoria tacanha, foi submetida, sem dó nem piedade.

Também é verdade a milenar constatação de Tucídides, um dos precursores do estudo da História (o estratego grego que para superar a punição sofrida pela derrota militar dedicou sua vida a registrar para a posteridade e de modo analítico a Guerra do Peloponeso, em que a torpe elite militarista de Esparta imprimiu duros golpes à iluminada elite ateniense, diferentemente de Heródoto, tido como ‘pai’ da História, mas que fazia apologias sobre e para seus contemporâneos), que o uso da força pelos cultores dos embates marciais era também escape para sua ojeriza com a leitura e o saber, por crerem enfadonhos e inúteis.

É desnecessário dizer que, décadas depois, ao final da guerra iniciada pelos espartanos e aliados contra a iluminada Atenas e seu cosmopolitismo (Guerra do Peloponeso), os gregos sucumbiram em um longo processo de decadência, tendo sido subjugados por sucessivos impérios militaristas que impuseram ao seu legado de luz e civilidade uma invisibilidade que quase extingue muitas de suas contribuições (Heráclito de Éfeso, o Pai da Dialética, só teve a sua obra resgatada pelos árabes durante o apogeu civilizatório ‘mouro’ a que o ocidente, por meio dos alemães, teve acesso entre fins do século XVIII e início do século XIX, o que levou Hegel divulgar e Marx aplicar em sua concepção filosófica da História).

E o que isso tudo, afinal, tem a ver com ‘Pinó-nhas’?

Vamos lá. ‘Pinó-nhas’ é um enxerto de Pinóquio em Patinhas. Lembremos daquele boneco de madeira criado pelo artesão Gepeto que a Fada Azul transforma em um menino, que se tornou mentiroso e um tanto preguiçoso na adaptação animada de Walt Disney, em 1940, da obra imortal de Carlo Collodi (de 1883), em plena Segunda Guerra Mundial? Um clássico da literatura que Disney transformou em clássico do cinema. Quanto ao Patinhas, criado pelo cartunista Carl Barks em 1947, e que Disney também transformou em bem-sucedido personagem da indústria de entretenimento, conhecemos bem o sovina que é, sinônimo de ‘pão-duro’, sempre ambicioso, cuja compulsão por acumular riqueza e chegar ao ápice ao tomar literalmente banho em sua ‘piscina’ de dinheiro é marcante.

Aos poucos, vamos nos dando conta de que o inominável não é apenas um mentiroso, mas um acumulador ambicioso e avarento, que por dinheiro perde a noção. E são os até bem pouco tempo colaboradores mais próximos os que estão apresentando para o público perplexo o enxerto de Pinóquio em Patinhas, isto é, ‘Pinó-nhas’.

O inominável, esse ser de poucas luzes e multifacetado, que se prestou ao papel de fantoche de uma elite igualmente obtusa e canhestra, não é chegado a ler e refletir: sua pouca inteligência o priva de lampejos reflexivos, quando muito seus arroubos só o levam a delírios megalomaníacos e maldades compulsivas.

Por conta dos delírios megalomaníacos, fruto de uma insólita mente focada na maldade e destituída de qualquer empatia, tem uma capacidade doentia de mentir, mentir, mentir. Mente tanto, que até ele chega a acreditar em suas mentiras cabeludas. E, pior, os fatos dos anos recentes permitem constatar que essa perversidade é hereditária e, pasmem, contagiosa: pessoas recalcadas são potencialmente contagiáveis nesse convívio promíscuo (ou não nos lembramos mais de sua confissão de que sentira ‘um clima’ ao ver um grupo de adolescentes venezuelanas em seu passeio pela periferia de Brasília?).

‘Pinó-nhas’, caro leitor, não é um eufemismo (como, aliás, gostaria que fosse), mas triste, tristíssima realidade de elites mal resolvidas desde que a família imperial deixou a corte, em 1889. Como a República foi um golpe militar de agregados do palácio imperial, as castas (castrenses e de exploradores de escravizados) se sentiram no direito de impor uma ordem e um progresso ao sabor de seus nada republicanos conceitos e valores. Mas depois da promulgação da Constituição Cidadã, em 5 de outubro de 1988 (portanto 35 anos atrás), a História começa a transformar esta bizarra mentalidade.

Ahmad Schabib Hany

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

A FALTA QUE MATHEUS FAZ

A falta que Matheus faz

Matheus faz falta à Família enlutada, à Escola Dr. Cássio Leite de Barros e a toda a sociedade corumbaense. Depois que a Vida nos torna pais/mães, ela passa a ter outro sentido, e são os nossos Filhos a razão de viver e lutar por um mundo melhor, uma sociedade mais justa.

A trágica eternização do Menino Matheus Alves de Souza, de 7 anos, ocorrida nesta terça-feira, 12 de setembro, em nossa Corumbá de todos os encantos e sonhos, causa a todos os que têm a felicidade de viver neste verdadeiro Paraíso profunda consternação que não há como fazer algo sem pensar na dor da Família que vive a chorar pela interrupção da existência alegre, contagiante e alvissareira de uma Criança repleta de esperança e de Amor no alvorecer da Vida.

Já está sendo sentida a ausência dele em casa, na escola, na vizinhança, no bairro, enfim, em todo ambiente a que Matheus levou alegria, entusiasmo, esperança, Amor e Vida. Mais ainda: na sociedade civil de Corumbá/Ladário e Mato Grosso do Sul. E o mais difícil é saber que essa ausência não tem fim. Ela cresce com o devir dos dias, das noites. Cada data, festa, momento de confraternização é motivo de dor, de saudade.

Matheus, como toda Criança amada, brincou, pulou, cantarolou, dançou, correu, andou. Enfim, viveu intensamente sua linda, singular, única Vida. Mais que aprender, soube, a seu modo, ensinar a toda a sua Família o seu jeito de ser, fazer e compreender a Vida. Porque cada um é insubstituível, único, especialíssimo.

Não há ser no Planeta que saiba tudo e que não aprenda com cada Criança com quem convive, seja em casa, na escola, no trabalho, na comunidade, na rua, numa viagem. Até aquelas pessoas mais turronas se tornam risonhas e sensíveis quando se deparam com algo desconcertante, como uma pergunta, uma curiosidade, algo imprevisível trazido por uma Criança. É um presente que a Vida nos dá.

Não é preciso ser pai/mãe para compreender a verdadeira dimensão da Vida, dia após dia, no convívio das queridas e queridos seres que vêm para o Planeta e que nos renovam a esperança, a motivação e a certeza por um mundo melhor, uma sociedade mais justa. Os nossos ancestrais nos ensinam que são as Crianças as que nos tornam mais sinceros, mais sensíveis e, sobretudo, mais generosos e determinados.

Por causa disso, antes de tudo, nossa sincera solidariedade à Mãe, ao Pai, Tios, Primos e Avós de Matheus; enfim, a toda a Família, que vive esta dor indescritível e sem fim. Da mesma forma, às amiguinhas e amiguinhos com quem ele conviveu, tanto na vizinhança como na escola. Aos Professores e Professoras e demais servidores e servidoras, também, nosso abraço solidário.

O fato de Matheus ter se eternizado durante uma fatalidade ocorrida em ambiente escolar torna a Comunidade educativa ainda mais necessária para o conforto da Família, Amigos e Amigas dele. Porque será necessário que todos e todas vivam esse luto coletivamente, solidariamente. É hora de que a superação desse momento de perda, de vazio, seja fruto de atitudes afetivas espontâneas, intensas e ricas de carinho e ludicidade.

Porque a Vida se constitui de pequenos, mas intensos, momentos de tentativas, ensaios, iniciativas de superação, de atenuação, de transformação. Sem termos a pretensão de apagar as experiências vividas, precisamos insistir, de modo imperceptível, no ‘passo seguinte’, ainda que a fragilidade, o abatimento, nos desencoraje, nos desmotive.

Dói dizer isto, mas nem o tempo, nem a distância é capaz de atenuar o atroz vazio que toma conta de nossa alma, de nosso âmago, ao passarmos por experiências traumáticas. E digo isso por ter perdido um Irmão mais velho quando eu tinha 15 anos, sentimento que 49 anos não atenuaram, embora tenhamos que aprender a conviver com a dor dessa ausência.

Mas temos que encontrar formas e meios para encontrar, delicadamente, o momento ideal de darmos o início, mesmo que o processo seja lento e muitas vezes aparentemente difícil. Basta vermos experiências que nos antecederam. Outros momentos, outras situações, mas, a rigor, experiências de perdas únicas, porque somos todos únicos.

Quando a Vida nos torna pai/mãe, passa a ser maior nosso vínculo à Vida graças aos nossos descendentes, que com sua sábia inocência renovam a nossa fé na Vida, no futuro e, em especial, na humanidade. Apesar da cobiça, do desamor, da ambição, da inveja e das atrocidades cometidas por aqueles que se julgam donos do mundo e melhores que os outros.

Justamente por conta disso, dessa inexplicável esperança que as Crianças nos provocam nesse convívio em que, na verdade, somos nós os aprendizes. Embora elas sequer tenham noção disso e pensem que somos nós os ‘donos da verdade’, os ‘sabe-tudo’.

Por seu turno, as autoridades educacionais, em todos os níveis, precisam de imediato dar início à construção de um protocolo que leve em conta os novos desafios decorrentes dos fenômenos causados pelas mudanças climáticas. Não há como ignorar o novo contexto que vivemos por causa do agravamento dos efeitos de aumento de temperatura, tempestades e questões sísmicas.

Além da necessidade de os educandários passarem a dispor de protocolos de atuação em situações críticas (por fatores climáticos e outros em que haja risco de vida) e planos de evacuação ante flagelos que precisam ser ponderados ante as novas tragédias vividas em diversas regiões do Brasil e do mundo, é fundamental que frequentemente em cada unidade educativa, com todos os segmentos da comunidade escolar, sejam praticadas ações simuladas de proteção coletiva imediata ou de evacuação (quando for o caso).

Em outras palavras, quando houver fenômenos climáticos intensos, sejam interrompidas as atividades didáticas em ambientes que ofereçam riscos iminentes e alunos, professores e servidores sejam conduzidos de imediato a ambientes mais seguros para a preservação da integridade física e mental de toda a Comunidade escolar.

Por outro lado, é urgente a realização de um mutirão de avaliação das condições das estruturas físicas atuais das dependências de todas as unidades escolares, sejam públicas ou privadas, bem como a determinação de uso de material mais resistente nas edificações dos equipamentos públicos voltados para o público, seja na educação, saúde, assistência social, cultura, desportos e de lazer, com prioridade para as que abrigarem crianças, adolescentes, gestantes, pessoas com deficiências, idosos e em situação de algum tipo de vulnerabilidade.

Foi oportuno o cancelamento, pela Prefeitura Municipal, dos festejos do aniversário de fundação de Corumbá, pois o clima festivo se foi com a tragédia vivida pela Comunidade escolar, que costuma ser uma protagonista de comemorações como essa. Em meio à dor pela perda da Vida de Matheus Alves de Souza, cujo nome precisa ser incluído para nomear (denominar) um espaço/logradouro voltado para a área da educação, é inadiável a adoção de medidas como as humildemente ora sugeridas. Não se trata de ato demagógico, pelo contrário, é uma forma de que a coletividade corumbaense faça uma necessária reparação póstuma à sua memória e à sua Família.

Porque reverenciar a memória de um inocente que em sua breve existência soube ensinar alegria, esperança e Amor, como fez Matheus, é um gesto de valorizar a Vida e a Cidadania nesta sociedade tão acometida pela ambição, cobiça, ódio e intolerância. É como humilde e sinceramente entendo, quando, transcorrem os 41 anos do tristemente célebre Massacre de Sabra e Chatila, ocorrido em 14, 15 e 16 de setembro de 1982 em Beirute, pós-invasão do exército de Israel à capital do Líbano, permitindo que milicianos da Falange Libanesa cometessem assassinatos de crianças, adolescentes, jovens mulheres e idosos, refugiados palestinos desarmados (crimes, como anteriores e posteriores, ainda impunes).

Por tudo isso, para nós, Corumbá e Ladário são um Paraíso na Terra, mas sua hospitaleira e generosa população humilde e trabalhadora precisa ser, de fato, a maior beneficiária desse privilégio. Matheus, presente!

Ahmad Schabib Hany

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

A FALTA QUE MATHEUS FAZ

A falta que Matheus faz

Matheus faz falta à Família enlutada, à Escola Dr. Cássio Leite de Barros e a toda a sociedade corumbaense. Depois que a Vida nos torna pais/mães, ela passa a ter outro sentido, e são os nossos Filhos a razão de viver e lutar por um mundo melhor, uma sociedade mais justa.

A trágica eternização do Menino Matheus Souza Marques, de 7 anos, ocorrida nesta terça-feira, 12 de setembro, em nossa Corumbá de todos os encantos e sonhos, causa a todos os que têm a felicidade de viver neste verdadeiro Paraíso profunda consternação que não há como fazer algo sem pensar na dor da Família que vive a chorar pela interrupção da existência alegre, contagiante e alvissareira de uma Criança repleta de esperança e de Amor no alvorecer da Vida.

Já está sendo sentida ausência dele em casa, na escola, na vizinhança, no bairro, enfim, em todo ambiente a que Matheus levou alegria, entusiasmo, esperança, Amor e Vida. Mais ainda: na sociedade civil de Corumbá/Ladário e Mato Grosso do Sul. E o mais difícil é saber que essa ausência não tem fim. Ela cresce com o devir dos dias, das noites. Cada data, festa, momento de confraternização é motivo de dor, de saudade.

Matheus, como toda Criança amada, brincou, pulou, cantarolou, dançou, correu, andou. Enfim, viveu intensamente sua linda, singular, única Vida. Mais que aprender, soube, a seu modo, ensinar a toda a sua Família o seu jeito de ser, fazer e compreender a Vida. Porque cada um é insubstituível, único, especialíssimo.

Não há ser no Planeta que saiba tudo e que não aprenda com cada Criança com quem convive, seja em casa, na escola, no trabalho, na comunidade, na rua, numa viagem. Até aquelas pessoas mais turronas se tornam risonhas e sensíveis quando se deparam com algo desconcertante, como uma pergunta, uma curiosidade, algo imprevisível trazido por uma Criança. É um presente que a Vida nos dá.

Não é preciso ser pai/mãe para compreender a verdadeira dimensão da Vida, dia após dia, no convívio das queridas e queridos seres que vêm para o Planeta e que nos renovam a esperança, a motivação e a certeza por um mundo melhor, uma sociedade mais justa. Os nossos ancestrais nos ensinam que são as Crianças as que nos tornam mais sinceros, mais sensíveis e, sobretudo, mais generosos e determinados.

Por causa disso, antes de tudo, nossa sincera solidariedade à Mãe, ao Pai, Tios, Primos e Avós de Matheus; enfim, a toda a Família, que vive esta dor indescritível e sem fim. Da mesma forma, às amiguinhas e amiguinhos com quem ele conviveu, tanto na vizinhança como na escola. Aos Professores e Professoras e demais servidores e servidoras, também, nosso abraço solidário.

O fato de Matheus ter se eternizado durante uma fatalidade ocorrida em ambiente escolar torna a Comunidade educativa ainda mais necessária para o conforto da Família, Amigos e Amigas dele. Porque será necessário que todos e todas vivam esse luto coletivamente, solidariamente. É hora de que a superação desse momento de perda, de vazio, seja fruto de atitudes afetivas espontâneas, intensas e ricas de carinho e ludicidade.

Porque a Vida se constitui de pequenos, mas intensos, momentos de tentativas, ensaios, iniciativas de superação, de atenuação, de transformação. Sem termos a pretensão de apagar as experiências vividas, precisamos insistir, de modo imperceptível, no ‘passo seguinte’, ainda que a fragilidade, o abatimento, nos desencoraje, nos desmotive.

Dói dizer isto, mas nem o tempo, nem a distância é capaz de atenuar o atroz vazio que toma conta de nossa alma, de nosso âmago, ao passarmos por experiências traumáticas. E digo isso por ter perdido um Irmão mais velho quando eu tinha 15 anos, sentimento que 49 anos não atenuaram, embora tenhamos que aprender a conviver com a dor dessa ausência.

Mas temos que encontrar formas e meios para encontrar, delicadamente, o momento ideal de darmos o início, mesmo que o processo seja lento e muitas vezes aparentemente difícil. Basta vermos experiência que nos antecederam. Outros momentos, outras situações, mas, a rigor, experiências de perdas únicas, porque somos todos únicos.

Quando a Vida nos torna pai/mãe, passa a ser maior nosso vínculo à Vida graças aos nossos descendentes, que com sua sábia inocência renova a nossa fé na Vida, no futuro e, em especial, na humanidade. Apesar da cobiça, do desamor, da ambição, da inveja e das atrocidades cometidas por aqueles que se julgam donos do mundo e melhores que os outros.

Justamente por conta disso, dessa inexplicável esperança que as Crianças nos provocam nesse convívio em que, na verdade, somos nós os aprendizes. Embora elas sequer tenham noção disso e pensem que somos nós os ‘donos da verdade’, os ‘sabe-tudo’.

Por seu turno, as autoridades educacionais, em todos os níveis, precisam de imediato dar início à construção de um protocolo que leve em conta os novos desafios decorrentes dos fenômenos causados pelas mudanças climáticas. Não há como ignorar o novo contexto que vivemos por causa do agravamento dos efeitos de aumento de temperatura, tempestades e questões sísmicas.

Além da necessidade de os educandários passarem a dispor de protocolos de atuação em situações críticas (por fatores climáticos e outros em que haja risco de vida) e planos de evacuação ante flagelos que precisam ser ponderados ante as novas tragédias vividas em diversas regiões do Brasil e do mundo, é fundamental que frequentemente em cada unidade educativa, com todos os segmentos da comunidade escolar, sejam praticadas ações simuladas de proteção coletiva imediata ou de evacuação (quando for o caso).

Em outras palavras, quando houver fenômenos climáticos intensos, sejam interrompidas as atividades didáticas em ambientes que ofereçam riscos iminentes e alunos, professores e servidores sejam conduzidos de imediato a ambientes mais seguros para a preservação da integridade física e mental de toda a Comunidade escolar.

Por outro lado, é urgente a realização de um mutirão de avaliação das condições das estruturas físicas atuais das dependências de todas as unidades escolares, sejam públicas ou privadas, bem como a determinação de uso de material mais resistente nas edificações dos equipamentos públicos voltados para o público, seja na educação, saúde, assistência social, cultura, desportos e de lazer, com prioridade para as que abrigarem crianças, adolescentes, gestantes, pessoas com deficiências, idosos e em situação de algum tipo de vulnerabilidade.

Foi oportuno o cancelamento, pela Prefeitura Municipal, dos festejos do aniversário de fundação de Corumbá, pois o clima festivo se foi com a tragédia vivida pela Comunidade escolar, que costuma ser uma protagonista de comemorações como essa. Em meio à dor pela perda da Vida de Matheus Souza Marques, cujo nome precisa ser incluído para nomear (denominar) um espaço/logradouro voltado para a área da educação, é inadiável a adoção de medidas como as humildemente ora sugeridas. Não se trata de ato demagógico, pelo contrário, é uma forma de que a coletividade corumbaense faça uma necessária reparação póstuma à sua memória e à sua Família.

Porque reverenciar a memória de um inocente que em sua breve existência soube ensinar alegria, esperança e Amor, como fez Matheus, é um gesto de valorizar a Vida e a Cidadania nesta sociedade tão acometida pela ambição, cobiça, ódio e intolerância. É como humilde e sinceramente entendo, quando, transcorrem os 41 anos do tristemente célebre Massacre de Sabra e Chatila, ocorrido em 14, 15 e 16 de setembro de 1982 em Beirute, pós-invasão do exército de Israel à capital do Líbano, permitindo que milicianos da Falange Libanesa cometessem assassinatos de crianças, adolescentes, jovens mulheres e idosos, refugiados palestinos desarmados (crimes, como anteriores e posteriores, ainda impunes).

Por tudo isso, para nós, Corumbá e Ladário são um Paraíso na Terra, mas sua hospitaleira e generosa população humilde e trabalhadora precisa ser, de fato, a maior beneficiária desse privilégio. Matheus, presente!

Ahmad Schabib Hany

sábado, 2 de setembro de 2023

MINO CARTA E O 'JORNAL DA REPÚBLICA'

Mino Carta e o ‘Jornal da República’

O Jornalista Mino Carta, ao lado do não menos genial Claudio Abramo, criou um diário icônico em 1979, o Jornal da República, de vida efêmera mas exemplar, uma fonte inesgotável para a História e o Jornalismo.

O Brasil é indiscutivelmente celeiro de grandes Jornalistas, desses com letra maiúscula, de muito talento e, sobretudo, coragem (para enfrentar uma elite acostumada a eliminar, sem comiseração ou comedimento, os que ousarem ‘atravessar seu caminho’). Entre eles, em meio a verdadeiros expoentes de primeira grandeza que fizeram escola em todo o Brasil, Mino Carta e Claudio Abramo, que, juntos e acompanhados de colegas igualmente experientes e talentosos, protagonizaram um singular diário que fez, aconteceu e entrou para a História.

Trata-se do Jornal da República, diário ímpar de vida efêmera, mas icônico. Inesgotável fonte para a História e o Jornalismo. Ganhou as bancas em 27 de agosto de 1979 e encerrou suas atividades em 22 de janeiro de 1980, data em que Frank Sinatra iniciou sua primeira turnê no Brasil. Nesse começo de ano (e de década) o Brasil assistia as primeiras reformas promovidas pelo regime de 1964, na ânsia de prorrogar sua sobrevida: volta dos dirigentes políticos cassados, depois de promulgada a Lei de Anistia, que não foi ampla, geral nem irrestrita. Verdadeiro alvoroço, seguido da não menos polêmica reformulação partidária, que baniu os dois partidos criados doze anos antes, ainda que seus dirigentes, ou melhor, os que sobraram deles com o fim do bipartidarismo, tenham conseguido trazê-los de volta para os pleitos eleitorais.

Depois de muitos anos em processo de digitalização de todas as edições (124 ao todo), a Biblioteca Nacional disponibilizou o acervo digital do Jornal da República para quem for conhecer a excelência jornalística deste diário que, em plena ditadura e sob pressão dos poderosos empresários concorrentes: a) Grupo Folhas, à época no plural, pois, além da Impress Editora e Gráfica e da Gráfica Folha, dono de seis jornais de grande circulação: Folha, Folha da Tarde, Última Hora, Gazeta Esportiva, Notícias Populares e A Cidade, de Santos; b) Grupo Estado, além das emissoras de rádio Eldorado AM e FM, da gráfica e da editora de listas telefônicas OESP, dono do Estadão, Jornal da Tarde e Jornal do Esporte; c) Grupo Globo, dono de O Globo, no Rio, e Diário Popular, em São Paulo, e revistas da Rio Gráfica Editora, além da Rede Globo de Televisão e do Sistema Globo de Rádio, e d) Grupo Abril, dono de mais de 300 títulos de revistas, fascículos, livros e coleções, além da Gráfica Abril, Distribuidora Abril, Círculo do Livro, Abril Cultural, Abril Educação, Abril Vídeo, Abril Tec, editora de listas telefônicas Listel e rede de hotéis Quatro Rodas Nordeste.

Para as gerações mais novas, vamos dedicar os próximos dois parágrafos para uma breve descrição da trajetória de cada um deles.

O Jornalista Mino Carta, atual diretor de redação de CartaCapital, é criador e primeiro diretor de redação do revolucionário Jornal da Tarde para a família Mesquita, de O Estado de S.Paulo, em 1965. Antes, criou e dirigiu, em 1963, a Quatro Rodas e, em 1968, a Veja para a família Civita, da Editora Abril, onde permaneceu até 1976, quando Roberto Civita lhe propôs correspondência jornalística em qualquer lugar do mundo, onde quisesse, em troca da direção da Veja, sob pressão do então ministro Armando Falcão, da Justiça do general Ernesto Geisel, o que valeu aos donos da Abril um empréstimo bilionário da Caixa Econômica e a ampliação dos negócios, incluindo a criação da rede de hotéis Quatro Rodas Nordeste, editoras de livros didáticos (cujo ápice foi a aquisição da Ática e Scipione anos depois) e cursos pré-vestibulares (incorporados mais tarde ao Sistema de Ensino Anglo). Mino rompeu com Roberto Civita e partiu para o confronto ao criar a IstoÉ, a Senhor, a IstoÉ/Senhor e anos depois a CartaCapital, em sociedade com colegas e amigos, como os emblemáticos Raymundo Faoro, jurista, ex-presidente da OAB; Fernando Moreira Salles, banqueiro, diretor do Unibanco, hoje Itaú; Fabrizio Fasano, empresário de hotelaria, gastronomia e bebidas, e Domingo Alzugaray, ex-diretor Comercial da Editora Abril e ex-sócio na Editora Três de seu irmão Luis Carta (ex-diretor da revista Realidade e ex-diretor Editorial da Abril) e que mais tarde fundou, com Fasano, a Carta Editorial, responsável por publicações de excelência editorial internacional e pioneiro no ingresso ao exigente mercado ibérico.

O Jornalista Claudio Abramo, eternizado em 1987, foi secretário de redação de O Estado de S.Paulo, depois secretário, diretor, correspondente e conselheiro da Folha de S.Paulo, que transformou em jornal de verdade em plena ditadura. Sob a sua direção, o principal jornal da família Frias rompeu com o ranço provinciano submisso às hordas fascistas do regime de 1964. Para se ter uma ideia da promiscuidade entre empresários e os órgãos de repressão, a Folha da Tarde, do mesmo grupo, funcionou nos anos de chumbo como centro suplementar da repressão (a redação do vespertino era cheia de ‘x-9’, isto é, policiais que se passavam por jornalistas, como os que sequestraram no meio da noite o Jornalista Vlado Herzog), além de os donos terem colaborado com paramilitares na Operação Bandeirantes para o transporte, em sua frota de carros, de corpos de vítimas da tortura e de execuções sumárias do DOI-CODI, DOPS, Esquadrão da Morte e Comando Le Coq (estes dois, grupos paramilitares). Com carta-branca do publisher Octavio Frias de Oliveira, Abramo não só contratou os melhores Jornalistas, analistas e colaboradores de seu tempo, como investiu na reforma gráfica e editorial, quando foram criados novos cadernos semanais, em especial o irreverente Folhetim, para o qual os ex-integrantes de O Pasquim Tarso de Castro, Fortuna, Luiz Gê, Angeli, Jota, Miguel Paiva, Marta Alencar, Sérgio Augusto, Paulo Francis e Newton Carlos foram contratados e tiveram total liberdade para produzir e editar o suplemento. Por conta da ousadia dos Jornalistas mais atirados, sobretudo Plínio Marcos, Fortuna e Tarso de Castro, o irascível chefe da Segurança Pública de São Paulo, coronel Antônio Erasmo Dias, invadiu a redação do jornal por causa da publicação da coluna em branco do cronista Lourenço Diaféria na Ilustrada, num ato de solidariedade ao Jornalista preso por supostamente ter ofendido a memória do Duque de Caxias em uma homenagem a um sargento morto ao salvar criança na iminência de ser atacada por uma ariranha em um lago de parque urbano. Claudio Abramo, Tarso de Castro e Plínio Marcos foram demitidos, e em seu lugar assumiu o controvertido reacionário Boris Casoy, ex-assessor de imprensa da família Frias, além dos extraordinários Mylton Severiano da Silva e Nelson Merlin para produzir o Folhetim, sob a chefia direta de Boris Casoy, verdadeiro feitor do jornal que Abramo havia revolucionado. Não demorou muito, e o irreverente suplemento trocou a equipe que o produzia e foi perdendo a simpatia do público ao adotar nova linha editorial (copiada do carrancudo Suplemento Cultural, do Estadão), tomado de resenhas literárias e ensaios acadêmicos, o que levou o Folhetim a ser fechado. Durante o tempo em que Abramo esteve fora da Folha, dedicou-se às artes plásticas.

Mino e Abramo já haviam trabalhado praticamente juntos na sede do Estadão, entre 1964 e 1966, quando um criou a edição vespertina (Jornal da Tarde) e o outro foi secretário de redação e ajudou a modernizar o matutino da família Mesquita. Mais tarde, quando ambos estavam sem emprego, também estiveram juntos numa edição mensal da Editora Símbolo (jornal especializado em literatura e cultura, o Leia Livros) com o editor Emir Machado Nogueira e a colunista Terezinha Monteiro, de Panorama, criada na década de 1960 na Folha Ilustrada por Jeronymo Monteiro, pai de T. Monteiro (como ela assinava) e primeiro diretor da Editora Abril (conforme consta dos gibis de Walt Disney da década de 1950), renomado Pai da Ficção Científica brasileira. Além disso, os dois Jornalistas desde jovens se dedicaram às artes plásticas, como geniais pintores, autores de telas valiosíssimas.

Os quase cinco meses de existência do Jornal da República foram suficientes para mostrar que um diário independente pode transformar a sociedade. Não foram poucos os jovens e leitores maduros que mudaram seu modo de enxergar a realidade brasileira ao ler e seguir esses dois Jornalistas. Assim como a IstoÉ de Mino Carta fez a primeira reportagem de capa sobre Luiz Inácio Lula da Silva, o JR foi o primeiro diário a publicar um artigo de opinião do sindicalista que se transformou no primeiro estadista brasileiro do século XXI (antes, a Folha sob a direção de Abramo e a edição setorial de Eduardo Matarazzo Suplicy publicou, em debate sobre sindicalismo e economia brasileira, depoimentos integrais de Lula e outros dirigentes sindicais, inclusive patronais, como Luiz Eulálio Bueno Vidigal, da FIESP). Basta navegar no portal da Biblioteca Nacional e selecionar a página ‘Hemeroteca Digital Brasileira’, preencher os espaços de busca com o nome do jornal, o período que quiser e tema ou autor. A propósito, há duas outras coleções tão importantes quanto à de que tratamos neste texto: a coleção digital completa do Correio da Manhã, carioca, o primeiro diário de circulação nacional a enfrentar a ditadura, e que por isso acabou levado ao fechamento depois de 70 anos de circulação, e a do Jornal do Brasil, um dos jornais mais emblemáticos do Rio de Janeiro na resistência ao regime de 1964, que encerrou suas atividades centenárias em 2010, depois de ter sido vendido à ARCA, do magnata Ary Carvalho, comodatário do Última Hora (de Samuel Wainer) do Rio durante a ditadura.

Com essa façanha, Mino Carta conseguiu demonstrar que no Brasil há espaço para um jornal do porte dos vinculados à corte desde o tempo da política café-com-leite, tais como as dinastias Mesquita, Marinho, Frias e, até pouco tempo atrás, Civita, sem falar nas famílias provincianas que fazem tabela com aquelas (anterior ao getulismo, que teve ao menos dois grandes meios, o Última Hora, de Samuel Wainer, e a Rede Tupi com os Diários Associados, de Assis Chateaubriand, ao qual a icônica revista O Cruzeiro era vinculada). A era tecnológica contribuiu para o barateamento dos custos de produção, de modo que até uma rede de televisão alternativa à da família Marinho cabe neste país de dimensões continentais, mas sem vínculos com seitas e quadrilhas organizadas.

Mais que registrar, com muita gratidão e uma ponta de nostalgia, a trajetória do Jornal da República, é preciso divulgar e valorizar grandes Jornalistas e seu digno legado para o Jornalismo, a História e, sobretudo, a Cidadania e o Estado de Direito, cuja conquista foi possível graças ao seu incansável empenho e coragem.

Ahmad Schabib Hany