sexta-feira, 10 de junho de 2022

A DAMA DA CIÊNCIA

A Dama da Ciência

Chefe-geral da Embrapa Pantanal por dois mandatos, a Pesquisadora Emiko Resende se eterniza, na Semana do Meio Ambiente, enquanto enfrentava um câncer voraz.

Por meio do Professor Masao Uetanabaro, um dos pioneiros da pesquisa no Pantanal e no Chaco, soube da eternização da Pesquisadora Emiko Kawakami de Resende, que entre 1985 e 2019 desenvolveu, coordenou e geriu inúmeras pesquisas na Embrapa Pantanal, de cuja chefia geral foi titular por duas vezes. Ao se aposentar, três anos atrás, decidiu fixar residência em Pouso Alegre (MG), onde enfrentava um câncer voraz, que a venceu em plena Semana do Meio Ambiente, aos 74 anos de idade.

Carinhosamente chamada de Doutora Emiko, a pesquisadora chegou a Corumbá antes do primeiro aniversário de instalação do Centro de Pesquisas Agropecuárias do Pantanal (CPAP), inaugurado em novembro de 1984 com a presença do à época ministro da Agricultura Nestor Jost e o então presidente da Embrapa Eliseu Roberto de Andrade Alves. Da antiga UEPAE Corumbá, a bióloga especialista em Ictiologia Emiko Resende, oriunda do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) foi a segunda pesquisadora mulher na então distante unidade da Embrapa (a primeira pesquisadora da então UEPAE foi a Pedóloga Sílvia Maria Costa Nicola, que se desligou do CPAP ao se mudar para a França, onde desenvolveu estudos sobre solos na ORSTOM, similar à Embrapa, durante seu doutorado).

Como evento inaugural do CPAP, a Embrapa celebrou uma parceria com a UFMS, cujo reitor era o Professor Jair Madureira, pesquisador da área de Veterinária, tendo sido realizado o Primeiro Simpósio sobre Recursos Naturais e Socioeconômicos do Pantanal. O coordenador-geral foi o Pesquisador Eduardo Künze Bastos, especialista em Ictiologia, e que contou com a colaboração do Professor Arnaldo Yoso Sakamoto, da UFMS, para a sua realização. O simpósio teve repercussão nacional, pois renomados pesquisadores, muitos deles de universidades brasileiras, foram palestrantes, e entre diversos temas tratados a necessidade de um período de defeso para assegurar a reprodução dos peixes foi defendida e logo transformada em lei federal, apresentada pelo Senador José Fragelli, então Presidente do Senado da República.

Na época, o CPAP era chefiado pelo prestigiado Pesquisador Araê Boock, que com a instalação da Nova República (governo de José Sarney) passou a ser pressionado por alguns fazendeiros ligados ao Deputado Harry Amorim Costa, em favor da indicação do agrônomo Mansur Bumlai. Havia, então, a preocupação de que, com o novo status, a Embrapa deixasse as pesquisas agropecuárias por conta dos projetos de aproveitamento econômico de espécies nativas, como o jacaré e a capivara, para cujos projetos originais haviam sido convidados como coordenadores os pesquisadores Cleber Rodrigues Alho, da UnB, e Francisco Breyer, da própria Embrapa.

A polêmica transcendeu os muros da instituição e ganhou o espaço público. Um grupo de estudiosos do Bioma Pantanal se mobilizou em Campo Grande e, por intervenção do Deputado Plínio Barbosa Martins, muito prestigiado em Brasília, o novo Presidente da Embrapa, Luiz Carlos Pinheiro Machado, ligado ao então Ministro Pedro Simon, da Agricultura, não permitiu ingerência política na gestão das unidades da Embrapa durante seu curto mandato. Assim, o Pesquisador Araê Boock encerrou seu mandato e pediu transferência para o Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Corte (Embrapa Gado de Corte), em Campo Grande, e o Pesquisador Nilson de Barros assumiu a chefia geral da Embrapa Pantanal. Depois, com a nomeação de Nilson de Barros pelo governador Marcelo Miranda Soares para a Secretaria de Meio Ambiente, o Pesquisador Urbano Gomes de Abreu passou a ser o chefe-geral do CPAP.

Nesse ínterim, o foco da Pesquisadora Emiko Resende em seus estudos científicos sobre a ictiofauna pantaneira a levou a conquistar o reconhecimento público e, quando Pedro Pedrossian foi eleito governador do estado, a nomeou titular da Secretaria de Meio Ambiente. Em sua gestão, diversas iniciativas foram tomadas, sempre com rigor científico e ouvindo os diferentes setores envolvidos nas questões ambientais, não por acaso Mato Grosso do Sul foi referência em normatização e iniciativas ambientais. Nos preparativos e durante a realização da Conferência Mundial sobre Meio Ambiente do Rio de Janeiro em junho de 1992, a Eco-92 (ou Rio-92), a Doutora Emiko se empenhou para que representantes das populações tradicionais e originárias (ribeirinhos e indígenas) do Pantanal estivessem participando das atividades da conferência e paralelas a ela.

Quando Celso Martins e Frederico Valente estiveram à frente da Secretaria de Meio Ambiente, no governo do Doutor Wilson Barbosa Martins, o legado institucional de Emiko Resende contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento de projetos como o PCBAP e o Programa BID Pantanal. Indiscutivelmente, a firmeza e a sólida formação científica da Doutora Emiko foram determinantes para a conquista dessas iniciativas, interrompidas mais tarde pela ambiguidade dos gestores que se sucederam a partir de 2007. Quando, como Chefe-geral da Embrapa Pantanal, no início da década de 2000, foi procurada por uma comissão de representantes da sociedade civil, em meio à reação orquestrada por interesses vinculados aos megaprojetos de multinacionais e lobistas do mercado, abriu as portas da instituição para um necessário debate racional sobre os limites do Programa BID Pantanal.

Sua postura sincera e clara, sem titubeios, aliada à sua consistente formação científica a qualificou como interlocutora em diversos momentos em que o Bioma Pantanal foi objeto de um aliciamento predador tingido de desenvolvimentista. Não se submeteu à pressão dos grupos poderosos, embora fizesse questão de agir com sensatez e discrição. Diferente de muitos gestores das áreas científica e ambiental contemporâneos, Emiko Resende revelou-se, em poucas palavras, a Dama da Ciência. Para a sorte e felicidade de todas as espécies de seres vivos que habitam o Pantanal, sobretudo as populações tradicionais e originárias, que têm na Doutora Emiko uma espécie de, como todo o respeito, de Padroeira da Ciência no Pantanal.

Obrigado, Doutora Emiko, por ter existido e resistido neste Pantanal de todas as espécies e todas as ciências! Até sempre, Dama da Ciência, pois, está nas mãos das mulheres o milênio que está apenas em seu alvorecer, ainda que sob as recorrentes ameaças de misóginos insensatos oriundos das trevas medievais!

Ahmad Schabib Hany

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