Fora
da casinha
Muitos entram para a história
por serem ‘fora da curva’, mas este governo, de fato, já entrou para o folclore
político por ser fora da casinha. E o pior é que vive fazendo tudo fora da
casinha...
Assim que minha Família chegou a Corumbá, na
segunda metade do século XX, ainda era comum as pessoas se referirem ao
sanitário (WC ou toalete para os que gostam de nomes importados para esse
cômodo indissociável de nossa condição humana e que nos iguala a todos, sem
exceção) pelo clássico termo ‘casinha’. É porque então era uma dependência --
sobretudo nas construções mais antigas e nas modestas, da maioria da população
-- localizada fora da edificação principal da moradia. Muitas vilas de casas
populares, aliás, tinham o uso comum (às vezes coletivo, como nas escolas) da
casinha, por conta da otimização de fossas (tratadas com cal virgem), pois
vasos com caixas de descarga e as demais instalações hidráulicas eram uma
raridade, de elevadíssimo custo.
No século XXI, a locução nominal ‘fora da casinha’
ganhou uma, muitas vezes, simpática acepção: diz respeito ao comportamento
excepcional (sentido lato) de alguém. Longe de querer fazer um trocadilho, mas
é o que temos assistido, sobretudo a partir de 2019, no contexto de Brasília.
Muitos ‘fora da casinha’ fazendo a coisa literalmente fora da ‘casinha’. E olha
que o Palácio do Planalto foi construído entre os fins da década de 1950 e o
começo dos anos 1960, com base em um projeto futurista de um gênio como Oscar Niemayer...
Nesta oportunidade não vamos nos ater aos
episódios mais palpitantes da semana, em que ninguém menos que o ex-ministro da
Educação Milton Ribeiro, também ex-reitor da Universidade Mackenzie (de São
Paulo), passou pelo constrangimento de ser detido por ordem de um juiz de
primeira instância por evidências de ter recebido vantagens de alguns pastores
envolvidos no escândalo que o levaram à sua demissão. Só relembrarei o velho
adágio popular, que nos ensina sabiamente que “pimenta nos olhos dos outros é
refresco”. Lembram-se dos últimos dias do governo da Presidente Dilma Rousseff,
em que juízes seguidores daquele da ‘leva jeito’, que acabaram beneficiando a
insólita eleição do atual inquilino do Planalto, mandavam à torta e à direita
prender e soltar os assessores e ex-assessores de Lula e Dilma? Agora é a vez
de eles experimentarem o pão frio, ou seria duro? “Quem com ferro fere...”
Vamos aos fatos mais recentes (porque faríamos uma
enciclopédia se fôssemos elencar todos). Um presidente que se expõe ao ridículo
ao propor uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para uma estatal
vinculada ao Poder Executivo, quando ele é detentor do maior cargo hierárquico
e, se tem evidências de ilícitos, é seu dever exigir auditoria por meio das
vias institucionais, sob pena de cometer crime de prevaricação. Em vez de dar
exemplo e trabalhar pelo menos oito horas por dia, fica perdendo tempo com
casos que ele mesmo cria, quando deveria ser ele o líder e resolver, pelas vias
institucionais, as questões pertinentes ao cargo, até para fazer jus ao seu
salário, que hoje não é o maior porque ele mesmo permitiu que militares da
reserva pudessem acumular o soldo com os salários como detentores de cargos
civis da administração pública. Finalmente, essa sua obsessão de que não confia
nas urnas, só piora sua popularidade: o eleitor vê nessas atitudes seu medo de
perdedor (o povo não gosta de perdedores, sobretudo dos maus perdedores!), e,
pior, levando consigo instituições da República cujos dirigentes ficam a fazer
coro a esse desespero e que só traz instabilidade institucional.
Em síntese, o conjunto de atitudes ‘fora da
casinha’ o desqualifica como estadista e, na ótica do cidadão comum, que hoje
sente na carne (digo, no bolso de muitos e no estômago de amplas camadas da
população) a ausência de gestão nos mais triviais atos de governo. Ficar
atribuindo ‘culpa’ (palavrinha medieval!) aos outros é confissão de
incompetência, prova de que desconhece o funcionamento das instituições. E, se
isso não fosse tudo, estimular conflito com os outros Poderes, sobretudo com o
Judiciário, e colocar as Forças Armadas como subalternas do atual inquilino do
Planalto nos remete ao tempo em que ele estava na caserna e, por mau
comportamento, respondeu a várias punições e só não virou desertor pela
benevolência do então ministro do Exército, que o poupou dessa humilhação. Para
o eleitor, tudo isso depõe contra qualquer candidato, sobretudo aquele que tem
o ônus de estar no exercício do mandato e não se comporta como um gestor
competente e um estadista capaz de reconhecimento mundial.
Sem maiores delongas, o atual ocupante do Planalto
se comporta como o maior cabo eleitoral de seu principal adversário nesta
eleição, cuja popularidade (do oponente) se consolida toda vez que o ex-capitão
perde a compostura. Ele mesmo (o atual inquilino do Planalto) já admitiu, de
viva voz, semanas atrás, a um seleto grupo de investidores no Fórum
Investimento Brasil 2022, em São Paulo, de que não leva jeito para o cargo. A
autocrítica é louvável, mas a recorrência nos erros demonstra desespero,
desequilíbrio e desqualifica o agente político que não demonstra capacidade de
superação.
A humildade, o claro e sincero respeito ao outro,
é a verdadeira grandeza de uma pessoa pública, seja ela qual for, em qual cargo
estiver ou qual cargo pretender, seu gênero ou sua orientação sexual. Até
porque ser presidente, governador ou prefeito não é sinônimo de ‘deus do Olimpo’,
detentor de poderes sobre-humanos e atemporais. A História está repleta de
episódios traumáticos de pretensos ‘seres superiores’ saídos da escória da
política, hoje no lixo da história, que causaram males irreversíveis a seu povo
-- ou melhor, à humanidade, porque o que acontece com um povo repercute em toda
a humanidade, e só não enxerga quem não tiver sensatez e empatia --, como Nero,
Hitler, Mussolini, Stroessner, Banzer, Pinochet, Videla, García Meza, Fujimori
etc.
Corumbá, terra que respira História por todos os
lados, me ensinou muito. Mesmo sem terem essa pretensão, muitos queridos Amigos
de longa caminhada, como Seu Jorge Katurchi, Armando Lacerda, Professor Valmir
Corrêa, Seu Augusto César Proença, Dona Eva Granha de Carvalho, Marlene Peninha
Mourão, Seu Arlindo Diniz, Juvenal Ávila, João de Souza Alvarez, e os saudosos,
também, Márcio Nunes Pereira, Dom José Alves da Costa, Padre Pascoal Forin, Seu
João Gonçalves Miguéis, Padre Ernesto Sassida, Pastor Antônio Ribeiro, Issam
Said, Doutor Lamartine Costa, Dona Gabriela Soeiro, Helô Urt, Seu Ariodê
Martins Navarro, entre outros não menos importantes, me fizeram despertar para
a sutileza que tem o comportamento humano. A delicadeza com que se tratam os humildes
dá a exata dimensão da magnanimidade de cada um de nós, indistintamente.
Mas não pode ser artificial, fruto de
marqueteiros. Precisa ser espontânea, sincera, vinda do fundo da alma. Amor em
vez de ódio. Esperança em vez de medo. Vida em vez de fundamentalismo.
Ahmad
Schabib Hany