‘Irã quer guerra.’ ‘Rússia é agressora.’
‘China é ameaça.’ Mas as bases militares são dos Estados Unidos e a maioria
absoluta das guerras deflagradas depois de 1945 foi de iniciativa estadunidense.
‘Salvadores’
de quem, afinal?
Para os Estados Unidos e o
ocidente, o Irã quer guerra, a Rússia é agressora e a China é ameaça. Mas as
bases militares que cercam esses países são estadunidenses, e a maioria
absoluta das guerras deflagradas depois de 1945 é de iniciativa estadunidense. ‘Proteger’
o que, por que e de quem, afinal?
Quem deu aos Estados Unidos a procuração, a
prerrogativa de ‘proteger’, de ‘salvar’ a humanidade? Desde o século XIX, sob o
lema de “A América para os americanos”, por meio da Doutrina Monroe, as elites
estadunidenses atribuíram a si o direito (segundo seus ideólogos, a ‘predestinação’)
de ‘proteger’ a ‘civilização’, o ‘progresso’. Mas de quem e por quê?
Tornados independentes no último quartel do século
XVIII, os habitantes das 13 colônias inglesas da América do Norte eram ex-colonos
puritanos, protestantes, vindos para o novo continente durante a expansão do
mercantilismo e a perseguição religiosa. Como seus colonizadores ingleses, eles
também tinham vocação colonialista. Primeiro, não por acaso, invadiram o
território de seus vizinhos do México, ex-colônia espanhola, passando a
triplicar a sua superfície territorial.
Ainda no século XIX, os governantes estadunidenses,
com a participação de suas elites capitalistas, decidiram promover um tipo
disfarçado, diferente à época, de colonização. Financiando plantação de variedades
tropicais, como cana-de-açúcar e banana, eles passaram a gerir as economias de
seu entorno. E assim transformaram os países vizinhos da América Central em
quintal de seus interesses, corrompendo militares e políticos traidores de seu
próprio povo.
Começaram com Cuba, Nicarágua, El Salvador,
Panamá, Honduras, Haiti, Costa Rica, Porto Rico... O pretexto, cínico, era
levar ‘progresso’ e ‘democracia’ (sic)
às populações vizinhas. Mas Simón Bolívar, um dos Libertadores da América,
compreendeu os reais propósitos, os interesses inconfessáveis, e advertiu: “A
América para os americanos, não. A América para a humanidade...” Não demorou
muito, e a Colômbia, então Nova Granada, sentiu o peso, a saga, da ‘mão
invisível’ do grande irmão do norte, feito Caim na tradição monoteísta. Sentiu,
não; sente até hoje, pois seu território, diminuto diante do que já foi, está
tomado de bases militares estadunidenses.
Não sem motivo, surgiram na esteira dessas
aberrações com grife ‘democrática’ figuras bizarras frutos de dinastias como a
dos Batista (de Fugencio Batista) em Cuba, e Duvalier (de François Duvalier, o Papa Doc), no Haiti, e as oligarquias
como as de Somoza (de Anastacio Somoza), da Nicarágua. Embora as elites
estadunidenses se refiram a essas nações como ‘Repúblicas das bananas’, os
responsáveis por esses vínculos foram os altos executivos do governo e do
mercado dos Estados Unidos. E para saciar sua cobiça.
Esses são os Estados Unidos, onde em 8 de março de
1857, em Nova York, mulheres tecelãs foram imoladas pelas autoridades policiais
por estarem fazendo greve pelo direito de disporem de creches para seus filhos
e pela implantação do descanso semanal remunerado; onde em 1º de maio de 1886,
em Chicago, trabalhadores da indústria foram mortos pela polícia por fazerem
greve pela redução da jornada de trabalho, de 14 horas para 12 horas diárias; onde
até 1968 os afrodescendentes não tinham o direito de usar o mesmo ônibus que os
demais usuários do transporte coletivo; onde em pleno século XXI as mães
trabalhadoras ainda não têm o direito consignado em lei federal à
licença-maternidade, fazendo com que os bebês não possam se alimentar com leite
materno até pelo menos seis meses de vida; onde até hoje as eleições
presidenciais são indiretas e há um bizarro bipartidarismo que não coaduna com
as sociedades do terceiro milênio, em que a diversidade de interesses,
legítimos, existentes nos vários setores da sociedade se reflete no gradiente
ideológico espelhado nos partidos políticos.
Aliás, para manter o alardeado american way of life (‘estilo de vida
americano’), quem paga a conta é toda a humanidade, sem compaixão ou
consentimento, mesmo que não more nem pretenda morar por lá. Um tanto
comedidos, os governantes estadunidenses deram início, já em pleno século XX,
às fórmulas ‘milagreiras’, de dar um ‘olé’ aos seus empreendedores, muitos
deles negacionistas e sem qualquer futuro. Instalaram seus empreendimentos em
toda a América Central, quer na fruticultura, nas atividades sucroalcooleiras, na
indústria do tabaco ou mesmo do turismo, de preferência sexual, em que homens
de negócios promoviam orgias nas praias paradisíacas de Cuba ou de qualquer
outro país caribenho.
Pouco antes da guerra fria, quando assume sua
condição de superpotência competindo contra a União Soviética, estiveram
envolvidos em diversas guerras continentes afora, como na Guerra do Chaco, em
que a Bolívia e o Paraguai se empobreceram ainda mais só para satisfazer a
cobiça dos Estados Unidos e Inglaterra, usando como intermediários o Brasil e a
Argentina, representantes das petroleiras Gulf Oil e Shell. Também no Oriente Médio,
também na disputa por fontes de energia de origem fóssil, à época muito
disputadas para o desenvolvimento das indústrias de transformação em todo o
mundo. É óbvio que, com a vitória dos Aliados sobre o Eixo em 1945 e a
consequente ascensão das duas superpotências, sob pretexto da disputa
ideológica, os Estados Unidos estiveram por trás de todas as guerras e golpes
ocorridos no planeta entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a queda da União
Soviética.
É bom desmistificarmos a aura ‘democrática’ de
Jimmy Carter, que com a contundente derrota empreendida contra o maior exército
do mundo o Vietnã (alvo do controle da rota do ópio desde os tempos da Guerra
da Indochina iniciada pela França de Charles De Gaulle, um herói de guerra
chegadinho à tirania). Quando os Estados Unidos (ou melhor, as máfias
estadunidenses) perderam o controle sobre o tráfico do ópio, passaram a mirar
com sanha e cobiça, países como a Colômbia, Bolívia e Paraguai para compensar a
perda nesse ‘nicho’ de mercado: assim a América do Sul entrou na mira sórdida
dos salvadores da humanidade (de
araque). Mesmo assim, os dois Bush guindados à condição de inquilinos da Casa
Branca insistiram até conseguir o controle do Afeganistão para obter a
compensação decorrente da perda do mercado vinculado ao Vietnã e Indonésia.
E o que foi o ‘Consenso de Washington’, celebrado
entre Ronald Reagan e Margareth Tatcher, em fins da década de 1980 e véspera do
desmoronamento do Muro de Berlim e do fim do Pacto de Varsóvia e da própria
URSS, senão o tiro de misericórdia à lógica da guerra fria por meio de um
fantoche travestido de ‘estadista’, Michail Gorbatchev? Ou, decorridos 31 anos
da grande farsa batizada pelo binômio ‘perestroika’-‘glasnost’, ainda vamos
acreditar não em chapeuzinho vermelho, mas no ‘carequinha vermelho’, não de
rubor (cínico que é), mas de impostura ideológica?
A mente rasa, maniqueísta, dos puritanos acima da
linha do Equador teima em rotular o mundo ao seu bel prazer: o Irã, sob o
tirano reino do Xá Mohamad Reza Pahlevi durante décadas foi fiel serviçal dos
EUA, ‘quer guerra’; a Rússia, durante o primeiro governo pós-União Soviética, do
fantoche Boris Yeltsin, foi uma tchutchuca
do ocidente (tendo perdido todos os seus aliados do Pacto de Varsóvia para a
OTAN sem esboçar qualquer resistência), agora virou ‘agressora’, e a China, conquistada
como aliada em 1973 pelo então presidente estadunidense Richard Nixon, agora é ‘ameaça’,
enquanto isso as bases militares da OTAN ou dos Estados Unidos se espalham pelo
globo terrestre, como se vivêssemos nos tempos mais tensos da guerra fria...
Em síntese, a riqueza e o poder estadunidenses foram
construídos à base de guerras e golpes em que submeteram os povos rebelados à
sua tirania ‘democrática’, ‘civilizada’. Vejam-se os exemplos do Iraque, Líbia,
Iêmen, Palestina, Egito, todas as nações centro-americanas, México, Venezuela,
Colômbia, Chile, Bolívia, Paraguai, Argentina e o Brasil ao longo da história.
Os Estados Unidos são, apenas e tão somente, salvadores de seus inconfessáveis interesses, pois onde põem as suas
garras destroem sua soberania, sua cultura e sua própria história. Só não vê
quem não quer.
Ahmad
Schabib Hany
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