Atitude
reveladora
A atitude de um parlamentar
sul-mato-grossense do atual partido do presidente revela a insensatez, o
despreparo e o desespero da legião de ‘tonton macoutes’ eleitos em 2018 no rastro da imbecilidade e
do negacionismo que tomou de assalto a razão de expressiva parcela da
sociedade.
Parece obra de ficção, fruto da genialidade de
dramaturgos como o saudoso Dias Gomes (aquele que imortalizou Odorico Paraguaçu,
Zeca Diabo e Irmãs Cajazeiras, de ‘O bem-amado’). Um parlamentar, obscuro e
medíocre, para justificar seu projeto de lei que reconhece a condição de
colecionadores, atiradores e caçadores (CAC) como de risco, a fim de
flexibilizar o uso de armas por proprietários de terras e outros
empreendimentos, recorreu a uma demonstração do uso da força, por meio de
disparos de pistola em espaço de tiro ao alvo. Detalhe: o alvo estava
representado pela foice e o martelo, símbolo do Partido Comunista.
Ao participar da sessão de modo virtual, valeu-se
do discurso de seu mito para instigar a violência em pleno ambiente
parlamentar, proferindo ameaças e agressões aos membros de movimentos sociais e
pessoas que comungam ideias diametralmente opostas às suas. As gerações que
conquistaram o Estado Democrático de Direito deram os melhores dias de suas
vidas não para que seres destituídos de qualquer compromisso com as liberdades
democráticas atentem contra a vida, princípio de direitos, de seus semelhantes,
como o indivíduo desprovido de graça e empatia que protagonizou esse sinistro
espetáculo.
Em sã consciência, trata-se de uma ofensa à
memória de conservadores eruditos, cultos e bastante ilustrados. Entre eles, o
memorável Carlos Lacerda, aquele que arrebatava multidões com seus discursos
bem elaborados e sua oratória envolvente. Em seu livro de memórias, Lacerda
reconhece o erro e narra seu encontro com o Presidente Goulart, no Uruguai, em
que se desculpa pelas injúrias. Aliás, o golpe civil-militar de 1964 é mérito seu
e, obviamente, da ‘forcinha’ do governo de Lyndon Johnson, que patrocinou
diversas manifestações e inúmeras lideranças durante décadas para interromper o
processo de crescimento e emancipação do Brasil perante o ‘grande irmão do
norte’, que de ‘irmão’ só tem a semelhança com Caim, o filho de Adão e Eva,
segundo a tradição monoteísta.
Em tom de provocação leviana, chula, a bravata típica
de covardes nazifascistas, que só sabem agir como hienas, em bando, matilhas. No
tête-à-tête, frente a frente,
amarelam e saem em disparada, como seus antecessores, em 1934, na emblemática
batalha da Sé, em São Paulo, mais conhecida como a revoada dos galinhas verdes. Seguidores de Plínio Salgado, da Ação
Integralista (uma espécie de braço brasileiro do nazifascismo), eles se
concentraram no centro de São Paulo para ‘dar uma lição’ (sic) aos sindicalistas e outros membros da esquerda brasileira, mas
diante da coragem dos trabalhadores acabaram se borrando, saindo em disparada, devendo
estar correndo até hoje.
Atitude típica de quem não tem domínio da
persuasão, do argumento inteligente, para convencer seus pares do Legislativo
sul-mato-grossense. Daí porque se deu ao desplante de fazer uma verdadeira
apologia ao crime durante uma sessão parlamentar, que atenta contra o convívio
civilizado preconizado pelo regimento interno da instituição, a própria
Constituição Federal e as regras de urbanidade e boas maneiras. Poucos colegas
seus se manifestaram contrários a esse procedimento: o presidente da Assembleia
Legislativa, deputado Paulo Corrêa (PSDB); o deputado Paulo Duarte (PSB),
ex-prefeito de Corumbá; o deputado Pedro Kemp (PT), terceiro secretário da
Assembleia Legislativa, e o deputado Amarildo Cruz (PT).
Fruto do apagão de lucidez pelo qual passou a
sociedade em 2018, quando permitiu que uma legião de tonton macoutes (o esquadrão de matadores que serviam à ditadura de
François Duvalier, no Haiti) fosse eleita no rastro da imbecilidade e do
negacionismo de quem, incentivando a violência e propalando o ódio, fez de sua
campanha uma ode à desrazão e ao desvario. Hoje, todos eles, despreparados para
o exercício do poder à luz da democracia plena e desesperados para continuar a desfrutar
das benesses do poder, recorrem às agressões verbais e ameaças de morte, na
ânsia de intimidar e posar de algo que não são, covardes e nefastos que são na
essência.
Mas podem começar a esvaziar as gavetas e se
despedir das mordomias, que seus dias de glamour estão contados. Porque quem
semeia vento colhe tempestade. E não adianta se passar por corajosos, que seu
passado os condena: não há fascista corajoso, todos, sem exceção, não passam de
galinhas verdes, como seus
antecessores da Praça da Sé da década de 1930. E, a despeito de suas ilusões, o
lixo da história está pronto para levá-los de volta ao lugar de onde jamais
deveriam ter saído depois que o Tribunal de Nuremberg lhes deu a sentença
histórica pelos crimes cometidos contra a humanidade. Crimes, aliás, que jamais
serão esquecidos pelos requintes de crueldade com que foram feitos, sem qualquer
razão que os justificasse.
Ahmad
Schabib Hany
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