sexta-feira, 27 de maio de 2022

HOMENAGEM MERECIDA

Homenagem merecida

Augusto César Proença merece esse reconhecimento, e sua obra precisa ser difundida no meio literário, juvenil e, sobretudo, escolar. Trata-se de um autor de profunda percepção social, originalidade inquestionável e, sobretudo, elegância textual.

A oportuna homenagem ao escritor, memorialista, pesquisador, roteirista e ativista cultural Augusto César Proença é uma das grandes conquistas do Festival América do Sul, que desde 2004 vem sendo realizado em Corumbá pela Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul. É autor de obras emblemáticas como o premiado Snack Bar, Pantanal: Gente, tradição e história, Corumbá de todas as graças e o conto Atrás daquela poeira não vem mais seu pai, premiado num certame mundial da Rádio França Internacional e depois transformado em curta, experiência que o levou a experimentar o sucesso como roteirista na produção cinematográfica, ao lado de cineastas de renome nacional.

O escritor, além da humildade e discrição peculiares, é a personificação do literato clássico, fruto do cosmopolitismo que foi construindo desde tenra idade, sempre ao lado de personalidades singulares, como Manoel Cavalcanti Proença (crítico literário cuiabano de renome internacional, que assinava M. Cavalcanti Proença), Clio Proença (poeta, compositor, cronista e professor) e o Doutor Celso Fernando de Barros (intelectual de rara sensibilidade social, extraordinário conhecimento jurídico e discrição incomum, que entrou para a história da democracia brasileira como o Procurador de Justiça que em 1982 impediu uma tentativa de fraude eleitoral no Rio de Janeiro, no caso Proconsult, em que a Rede Globo estava envolvida).

Durante a efêmera existência da Sociedade dos Amigos da Cultura, de cuja diretoria foi vice-presidente, participou anonimamente da realização da Primeira Semana da Cultura, movimento pioneiro pela revitalização da Casa de Cultura Luiz de Albuquerque (ILA), em 1991, dispondo-se, aos 60 anos, a levar em bicicleta emprestada de um estudante a arte elaborada pelo genial artista plástico Rubén Darío Román Áñez para ser confeccionada graciosamente pela Seritex, do querido e saudoso Augusto Alexandrino dos Santos, o Malah. Foi por meio dele que conhecemos pessoas de rara generosidade, entre eles o incansável Amigo Armando Lacerda, que como assessor do saudoso Prefeito Fadah Scaff Gattass ofereceu o apoio logístico e operacional para o movimento, que durou uma semana, e a divulgação impecável, realizada pelos saudosos Jornalistas Farid Yunes Solomini, então Secretário de Comunicação, e Armando Amorim Anache, do Sistema Globo de Rádio.

Foi o ano em que Proença retornou a Corumbá, depois de décadas de peregrinação em diversas metrópoles, como Nova York e Rio de Janeiro, onde na década de 1970 fez uma discreta colaboração em O Pasquim, semanário satírico que entrou para a história não só do Jornalismo como da luta pela democratização do Brasil. Humilde e discreto, enquanto concluía seu emblemático Pantanal: Gente, tradição e história, ele se engajou em movimentos como a Ação da Cidadania contra a Fome e pela Vida (campanha contra a fome, inspirada pelo sociólogo Betinho em 1992) e o Pacto pela Cidadania (Movimento Viva Corumbá), em que colaboraram ao lado do querido Professor Valmir Batista Corrêa os saudosos Padre Pasquale Forin e Dom José Alves da Costa, respectivamente vigário-geral da Diocese e Bispo Diocesano de Corumbá.

No processo de negociação do Programa BID Pantanal, em fins dos anos 1990, Proença deu sua importante contribuição na área da cultura e do patrimônio histórico, quando o saudoso Professor Carlos Henrique Patusco, representando o Instituto de Ensino Superior do Pantanal (IESPAN), fundado pelo saudoso Doutor Salomão Baruki, também deu um generoso aporte ao projeto de monitoramento daquele programa de desenvolvimento sustentável do Pantanal financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. Lamentável e tragicamente, forças reacionárias em nível regional e nacional conspiraram contra a sua implantação entre 2002 e 2007.

Em 1999, foi nomeado gestor da Casa de Cultura Luiz de Albuquerque, antecessor da querida e saudosa Heloísa Helena da Costa Urt, a eterna e terna Helô, em que o popular ILA se tornou um centro dinâmico das artes e da cultura, retomando seu papel histórico, projetado pelo saudoso Doutor Lécio Gomes de Souza e o apoio do então secretário de Estado de Educação e Cultura de Mato Grosso, Doutor Salomão Baruki, no governo derradeiro de Mato Grosso uno, o saudoso Governador Cássio Leite de Barros, que nas gratas palavras do Senhor Jorge José Katurchi, foi o mais corumbaense de todos os governadores do estado.

Um dos fundadores da Organização de Cidadania, Cultura e Ambiente (OCCA Pantanal), formada por remanescentes da Ação da Cidadania, Proença colaborou com a elaboração de projetos culturais no primeiro certame seletivo do Fundo de Investimento Cultural de Mato Grosso do Sul, ao lado da artista plástica Marlene Terezinha Mourão, a querida Peninha, e do brilhante compositor Sandro Nemir. Com Seu Jorge Katurchi, Antônio Vítor Lima Batista e os saudosos Doutor Salomão Baruki, Senhor João Luiz Gonçalves Miguéis, Seu José Batista de Pontes, Doutor Lamartine Costa e Ruiter Cunha de Oliveira, ajudou na fundação do Centro Padre Ernesto de Promoção Humana e Ambiental (CENPER), tendo sido um dos membros de sua Comissão Organizadora, escolhida a dedo pelo saudoso Padre Ernesto Sassida.

Nesse período Augusto César Proença elaborou o projeto de pesquisa para a implantação da Sala da Memória da Cidade Dom Bosco e escreveu o livro Corumbá de todas as graças, em que faz singular resgate do drama social do coração do Pantanal e da América do Sul e a iniciativa oportuna do Padre Ernesto, um projeto interdisciplinar em que une educação, cultura, esportes, assistência social, saúde e, sobretudo, cidadania com amor e inclusão plena. Como se vê, um grande talento literário com profundo engajamento social que desde jovem esteve preocupado com a desigualdade social de sua terra natal, o que o levou a procurar novos horizontes em sua juventude.

Saudamos, portanto, a nobre iniciativa dos organizadores da décima sexta edição do Festival América do Sul de homenagear oportunamente, ao lado dos imortais Lobivar de Mattos e Lídia Baís, o incansável Augusto César Proença, cuja obra de elevado caráter literário precisa ser conhecida por todo o público, sobretudo a juventude, estudantes e conterrâneos sul-mato-grossenses e mato-grossenses. Mais que mero reconhecimento oportuno, trata-se da valorização de um cidadão à frente de seu tempo que uniu sua genialidade singular à discreta atuação cidadã em favor de amplas parcelas da população. Um exemplo vivo e vívido de literato cosmopolita nestes tempos sombrios em que o provincianismo e o individualismo roem as bases dos valores mais caros da humanidade. Uma honra para nós, seus contemporâneos, um relicário para as futuras gerações.

Ahmad Schabib Hany

quinta-feira, 26 de maio de 2022

‘SALVADORES’ DE QUEM, AFINAL?

‘Irã quer guerra.’ ‘Rússia é agressora.’ ‘China é ameaça.’ Mas as bases militares são dos Estados Unidos e a maioria absoluta das guerras deflagradas depois de 1945 foi de iniciativa estadunidense.

‘Salvadores’ de quem, afinal?

Para os Estados Unidos e o ocidente, o Irã quer guerra, a Rússia é agressora e a China é ameaça. Mas as bases militares que cercam esses países são estadunidenses, e a maioria absoluta das guerras deflagradas depois de 1945 é de iniciativa estadunidense. ‘Proteger’ o que, por que e de quem, afinal?

Quem deu aos Estados Unidos a procuração, a prerrogativa de ‘proteger’, de ‘salvar’ a humanidade? Desde o século XIX, sob o lema de “A América para os americanos”, por meio da Doutrina Monroe, as elites estadunidenses atribuíram a si o direito (segundo seus ideólogos, a ‘predestinação’) de ‘proteger’ a ‘civilização’, o ‘progresso’. Mas de quem e por quê?

Tornados independentes no último quartel do século XVIII, os habitantes das 13 colônias inglesas da América do Norte eram ex-colonos puritanos, protestantes, vindos para o novo continente durante a expansão do mercantilismo e a perseguição religiosa. Como seus colonizadores ingleses, eles também tinham vocação colonialista. Primeiro, não por acaso, invadiram o território de seus vizinhos do México, ex-colônia espanhola, passando a triplicar a sua superfície territorial.

Ainda no século XIX, os governantes estadunidenses, com a participação de suas elites capitalistas, decidiram promover um tipo disfarçado, diferente à época, de colonização. Financiando plantação de variedades tropicais, como cana-de-açúcar e banana, eles passaram a gerir as economias de seu entorno. E assim transformaram os países vizinhos da América Central em quintal de seus interesses, corrompendo militares e políticos traidores de seu próprio povo.

Começaram com Cuba, Nicarágua, El Salvador, Panamá, Honduras, Haiti, Costa Rica, Porto Rico... O pretexto, cínico, era levar ‘progresso’ e ‘democracia’ (sic) às populações vizinhas. Mas Simón Bolívar, um dos Libertadores da América, compreendeu os reais propósitos, os interesses inconfessáveis, e advertiu: “A América para os americanos, não. A América para a humanidade...” Não demorou muito, e a Colômbia, então Nova Granada, sentiu o peso, a saga, da ‘mão invisível’ do grande irmão do norte, feito Caim na tradição monoteísta. Sentiu, não; sente até hoje, pois seu território, diminuto diante do que já foi, está tomado de bases militares estadunidenses.

Não sem motivo, surgiram na esteira dessas aberrações com grife ‘democrática’ figuras bizarras frutos de dinastias como a dos Batista (de Fugencio Batista) em Cuba, e Duvalier (de François Duvalier, o Papa Doc), no Haiti, e as oligarquias como as de Somoza (de Anastacio Somoza), da Nicarágua. Embora as elites estadunidenses se refiram a essas nações como ‘Repúblicas das bananas’, os responsáveis por esses vínculos foram os altos executivos do governo e do mercado dos Estados Unidos. E para saciar sua cobiça.

Esses são os Estados Unidos, onde em 8 de março de 1857, em Nova York, mulheres tecelãs foram imoladas pelas autoridades policiais por estarem fazendo greve pelo direito de disporem de creches para seus filhos e pela implantação do descanso semanal remunerado; onde em 1º de maio de 1886, em Chicago, trabalhadores da indústria foram mortos pela polícia por fazerem greve pela redução da jornada de trabalho, de 14 horas para 12 horas diárias; onde até 1968 os afrodescendentes não tinham o direito de usar o mesmo ônibus que os demais usuários do transporte coletivo; onde em pleno século XXI as mães trabalhadoras ainda não têm o direito consignado em lei federal à licença-maternidade, fazendo com que os bebês não possam se alimentar com leite materno até pelo menos seis meses de vida; onde até hoje as eleições presidenciais são indiretas e há um bizarro bipartidarismo que não coaduna com as sociedades do terceiro milênio, em que a diversidade de interesses, legítimos, existentes nos vários setores da sociedade se reflete no gradiente ideológico espelhado nos partidos políticos.

Aliás, para manter o alardeado american way of life (‘estilo de vida americano’), quem paga a conta é toda a humanidade, sem compaixão ou consentimento, mesmo que não more nem pretenda morar por lá. Um tanto comedidos, os governantes estadunidenses deram início, já em pleno século XX, às fórmulas ‘milagreiras’, de dar um ‘olé’ aos seus empreendedores, muitos deles negacionistas e sem qualquer futuro. Instalaram seus empreendimentos em toda a América Central, quer na fruticultura, nas atividades sucroalcooleiras, na indústria do tabaco ou mesmo do turismo, de preferência sexual, em que homens de negócios promoviam orgias nas praias paradisíacas de Cuba ou de qualquer outro país caribenho.

Pouco antes da guerra fria, quando assume sua condição de superpotência competindo contra a União Soviética, estiveram envolvidos em diversas guerras continentes afora, como na Guerra do Chaco, em que a Bolívia e o Paraguai se empobreceram ainda mais só para satisfazer a cobiça dos Estados Unidos e Inglaterra, usando como intermediários o Brasil e a Argentina, representantes das petroleiras Gulf Oil e Shell. Também no Oriente Médio, também na disputa por fontes de energia de origem fóssil, à época muito disputadas para o desenvolvimento das indústrias de transformação em todo o mundo. É óbvio que, com a vitória dos Aliados sobre o Eixo em 1945 e a consequente ascensão das duas superpotências, sob pretexto da disputa ideológica, os Estados Unidos estiveram por trás de todas as guerras e golpes ocorridos no planeta entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a queda da União Soviética.

É bom desmistificarmos a aura ‘democrática’ de Jimmy Carter, que com a contundente derrota empreendida contra o maior exército do mundo o Vietnã (alvo do controle da rota do ópio desde os tempos da Guerra da Indochina iniciada pela França de Charles De Gaulle, um herói de guerra chegadinho à tirania). Quando os Estados Unidos (ou melhor, as máfias estadunidenses) perderam o controle sobre o tráfico do ópio, passaram a mirar com sanha e cobiça, países como a Colômbia, Bolívia e Paraguai para compensar a perda nesse ‘nicho’ de mercado: assim a América do Sul entrou na mira sórdida dos salvadores da humanidade (de araque). Mesmo assim, os dois Bush guindados à condição de inquilinos da Casa Branca insistiram até conseguir o controle do Afeganistão para obter a compensação decorrente da perda do mercado vinculado ao Vietnã e Indonésia.

E o que foi o ‘Consenso de Washington’, celebrado entre Ronald Reagan e Margareth Tatcher, em fins da década de 1980 e véspera do desmoronamento do Muro de Berlim e do fim do Pacto de Varsóvia e da própria URSS, senão o tiro de misericórdia à lógica da guerra fria por meio de um fantoche travestido de ‘estadista’, Michail Gorbatchev? Ou, decorridos 31 anos da grande farsa batizada pelo binômio ‘perestroika’-‘glasnost’, ainda vamos acreditar não em chapeuzinho vermelho, mas no ‘carequinha vermelho’, não de rubor (cínico que é), mas de impostura ideológica?

A mente rasa, maniqueísta, dos puritanos acima da linha do Equador teima em rotular o mundo ao seu bel prazer: o Irã, sob o tirano reino do Xá Mohamad Reza Pahlevi durante décadas foi fiel serviçal dos EUA, ‘quer guerra’; a Rússia, durante o primeiro governo pós-União Soviética, do fantoche Boris Yeltsin, foi uma tchutchuca do ocidente (tendo perdido todos os seus aliados do Pacto de Varsóvia para a OTAN sem esboçar qualquer resistência), agora virou ‘agressora’, e a China, conquistada como aliada em 1973 pelo então presidente estadunidense Richard Nixon, agora é ‘ameaça’, enquanto isso as bases militares da OTAN ou dos Estados Unidos se espalham pelo globo terrestre, como se vivêssemos nos tempos mais tensos da guerra fria...

Em síntese, a riqueza e o poder estadunidenses foram construídos à base de guerras e golpes em que submeteram os povos rebelados à sua tirania ‘democrática’, ‘civilizada’. Vejam-se os exemplos do Iraque, Líbia, Iêmen, Palestina, Egito, todas as nações centro-americanas, México, Venezuela, Colômbia, Chile, Bolívia, Paraguai, Argentina e o Brasil ao longo da história. Os Estados Unidos são, apenas e tão somente, salvadores de seus inconfessáveis interesses, pois onde põem as suas garras destroem sua soberania, sua cultura e sua própria história. Só não vê quem não quer.

Ahmad Schabib Hany

segunda-feira, 23 de maio de 2022

PROFESSOR JÚLIO PARO, SEMPRE NA MEMÓRIA E NO CORAÇÃO

Professor Júlio Paro, sempre na memória e no coração

Ex-docente do CPAN/UFMS, o Professor Júlio César Paro se eternizou bastante jovem neste final de semana em Campo Grande. Desde o início da década de 2010 era docente do IFMS, de cujo campus foi diretor na capital.

Por meio de minha Irmã, Janan, ficamos sabendo da eternização precoce do Professor Júlio César Paro, docente na década de 2000 do curso de Matemática do Campus do Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (CPAN/UFMS). De generosidade ímpar, ele não se limitou às pesquisas e projetos em sua área, tendo desenvolvido, como poucos, parcerias com professores de outros cursos, inclusive Letras, Pedagogia e Biologia. No início dos anos 2010 pediu demissão de seu cargo na UFMS, depois de submeter-se e ser aprovado brilhantemente em um concurso publico no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul (IFMS), Campus de Campo Grande, onde chegou a ser diretor recentemente.

Em Corumbá, o Professor Júlio Paro não só demonstrou seu compromisso com a Ciência, revelando-se rigorosamente competente e profissional de excelência, como exerceu corajosamente seu protagonismo cidadão em favor de grandes causas, num tempo em que o negacionismo e o oportunismo de falsos ‘progressistas’ (que hoje andam de mãos dadas com a imbecilidade obscurantista encastelada no Planalto Central) começavam a pôr suas manguinhas de fora, dizendo serem ‘petistas desde criancinhas’...

Tive a honra de testemunhar sua generosidade cidadã ao lado dos igualmente queridos Amigos Moacir Lacerda, Maria Angélica Bezerra de Oliveira e Débora Fernandes Calheiros -- competentes e humildes Professores Doutores, pesquisadores de verdade, que sabem que também a Ciência tem lado. Sobretudo quando o vil metal compra a consciência dos mais fracos, e estes passam a fazer o jogo dos grandes, em detrimento das parcelas mais humildes da população. E foi isso que aconteceu entre 2001 e 2009, quando o famoso parlamentar que se dizia ‘petista’ e ‘de todos’ (mas não era de ninguém) usou e abusou do poder para, como nos tempos da (mal)ditadura para a qual serviu, intimidar e coagir quem ousasse questionar legitimamente suas pretensões.

Corajosamente, o Professor Júlio Paro atuou com dignidade e cidadania. Embora com discrição e comedimento, esteve algumas vezes no programa ‘Cidadania em Ação’, na Pantanal FM do igualmente querido e saudoso Padre Pasquale Forin, que não só acolheu a todo(a)s o(a)s que sabiam exercer, sem medo, sua cidadania, como fez com que os legítimos clamores reverberassem pelas ondas do rádio até atingir a consciência coletiva da sociedade civil brasileira. Desse histórico debate não podemos deixar de citar a determinação cidadã de valorosos brasileiros como o Professor Doutor Hélvio Rech (hoje na Unipampa), o Professor Anísio Guilherme da Fonseca, os Jornalistas Allan de Abreu e Luiz Taques (hoje em São Paulo e Paraná, respectivamente), além do saudoso cientista Allan Ruellan, amigo e colaborador do inesquecível estadista francês François Mitterrand (em seu mandato foi presidente da ORSTOM, centro internacional de pesquisas científicas de ponta, tendo vindo várias vezes a Corumbá, convidado pela querida Amiga e Professora Doutora Sílvia Maria da Costa Nicola, que também acabou indo embora de Corumbá).

A coragem e generosidade do agora saudoso Professor Júlio Paro, bem como dos demais dignos cidadãos citados, entrarão para a História pela porta da frente, ao lado de outras pessoas queridas, como a querida Marlene Terezinha Mourão e a eterna, terna e saudosa Heloísa Helena da Costa Urt (nossa querida Helô das grandes causas). O tempo tem sido, como ensina sabiamente a milenar tradição, o senhor da razão: todas as aventuras tidas como ‘redentoras’ do progresso local, como os polos desenvolvimentistas não debatidos com transparência, não passam de tempestades de areia no deserto frívolo de mentes obtusas de oportunistas de ocasião.

Que o legado do Professor Júlio Paro fecunde nas mentes iluminadas das novas gerações e o compromisso com a Ciência, emancipadora e libertária, seja inspiração benfazeja de novos tempos para a população laboriosa, hospitaleira, acolhedora e profundamente esperançosa de nosso torrão pantaneiro. Nossos mais profundos e sinceros sentimentos para toda a sua Família, que neste momento de dor recebe o conforto dos Amigos e das Amigas que tiveram a honra de conviver e aprender com ele.

Obrigado, Professor Júlio, pelo exemplo de coragem e dignidade e compromisso com a Ciência, além da grande Amizade com que nos contemplou humildemente. Até sempre, querido Amigo cujos gestos espontâneos ficarão em nossas mentes e corações!

Ahmad Schabib Hany

sábado, 21 de maio de 2022

ATITUDE REVELADORA

Atitude reveladora

A atitude de um parlamentar sul-mato-grossense do atual partido do presidente revela a insensatez, o despreparo e o desespero da legião de ‘tonton macoutes’ eleitos em 2018 no rastro da imbecilidade e do negacionismo que tomou de assalto a razão de expressiva parcela da sociedade.

Parece obra de ficção, fruto da genialidade de dramaturgos como o saudoso Dias Gomes (aquele que imortalizou Odorico Paraguaçu, Zeca Diabo e Irmãs Cajazeiras, de ‘O bem-amado’). Um parlamentar, obscuro e medíocre, para justificar seu projeto de lei que reconhece a condição de colecionadores, atiradores e caçadores (CAC) como de risco, a fim de flexibilizar o uso de armas por proprietários de terras e outros empreendimentos, recorreu a uma demonstração do uso da força, por meio de disparos de pistola em espaço de tiro ao alvo. Detalhe: o alvo estava representado pela foice e o martelo, símbolo do Partido Comunista.

Ao participar da sessão de modo virtual, valeu-se do discurso de seu mito para instigar a violência em pleno ambiente parlamentar, proferindo ameaças e agressões aos membros de movimentos sociais e pessoas que comungam ideias diametralmente opostas às suas. As gerações que conquistaram o Estado Democrático de Direito deram os melhores dias de suas vidas não para que seres destituídos de qualquer compromisso com as liberdades democráticas atentem contra a vida, princípio de direitos, de seus semelhantes, como o indivíduo desprovido de graça e empatia que protagonizou esse sinistro espetáculo.

Em sã consciência, trata-se de uma ofensa à memória de conservadores eruditos, cultos e bastante ilustrados. Entre eles, o memorável Carlos Lacerda, aquele que arrebatava multidões com seus discursos bem elaborados e sua oratória envolvente. Em seu livro de memórias, Lacerda reconhece o erro e narra seu encontro com o Presidente Goulart, no Uruguai, em que se desculpa pelas injúrias. Aliás, o golpe civil-militar de 1964 é mérito seu e, obviamente, da ‘forcinha’ do governo de Lyndon Johnson, que patrocinou diversas manifestações e inúmeras lideranças durante décadas para interromper o processo de crescimento e emancipação do Brasil perante o ‘grande irmão do norte’, que de ‘irmão’ só tem a semelhança com Caim, o filho de Adão e Eva, segundo a tradição monoteísta.

Em tom de provocação leviana, chula, a bravata típica de covardes nazifascistas, que só sabem agir como hienas, em bando, matilhas. No tête-à-tête, frente a frente, amarelam e saem em disparada, como seus antecessores, em 1934, na emblemática batalha da Sé, em São Paulo, mais conhecida como a revoada dos galinhas verdes. Seguidores de Plínio Salgado, da Ação Integralista (uma espécie de braço brasileiro do nazifascismo), eles se concentraram no centro de São Paulo para ‘dar uma lição’ (sic) aos sindicalistas e outros membros da esquerda brasileira, mas diante da coragem dos trabalhadores acabaram se borrando, saindo em disparada, devendo estar correndo até hoje.

Atitude típica de quem não tem domínio da persuasão, do argumento inteligente, para convencer seus pares do Legislativo sul-mato-grossense. Daí porque se deu ao desplante de fazer uma verdadeira apologia ao crime durante uma sessão parlamentar, que atenta contra o convívio civilizado preconizado pelo regimento interno da instituição, a própria Constituição Federal e as regras de urbanidade e boas maneiras. Poucos colegas seus se manifestaram contrários a esse procedimento: o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Paulo Corrêa (PSDB); o deputado Paulo Duarte (PSB), ex-prefeito de Corumbá; o deputado Pedro Kemp (PT), terceiro secretário da Assembleia Legislativa, e o deputado Amarildo Cruz (PT).

Fruto do apagão de lucidez pelo qual passou a sociedade em 2018, quando permitiu que uma legião de tonton macoutes (o esquadrão de matadores que serviam à ditadura de François Duvalier, no Haiti) fosse eleita no rastro da imbecilidade e do negacionismo de quem, incentivando a violência e propalando o ódio, fez de sua campanha uma ode à desrazão e ao desvario. Hoje, todos eles, despreparados para o exercício do poder à luz da democracia plena e desesperados para continuar a desfrutar das benesses do poder, recorrem às agressões verbais e ameaças de morte, na ânsia de intimidar e posar de algo que não são, covardes e nefastos que são na essência.

Mas podem começar a esvaziar as gavetas e se despedir das mordomias, que seus dias de glamour estão contados. Porque quem semeia vento colhe tempestade. E não adianta se passar por corajosos, que seu passado os condena: não há fascista corajoso, todos, sem exceção, não passam de galinhas verdes, como seus antecessores da Praça da Sé da década de 1930. E, a despeito de suas ilusões, o lixo da história está pronto para levá-los de volta ao lugar de onde jamais deveriam ter saído depois que o Tribunal de Nuremberg lhes deu a sentença histórica pelos crimes cometidos contra a humanidade. Crimes, aliás, que jamais serão esquecidos pelos requintes de crueldade com que foram feitos, sem qualquer razão que os justificasse.

Ahmad Schabib Hany

sábado, 14 de maio de 2022

FARSA EXPLÍCITA E CÍNICA

Farsa explícita e cínica

O assassinato da Jornalista Shireen Abu Aqleh pelas forças do exército nazissionista de Israel na Palestina expõe o cinismo dos ‘democratas’ ocidentais. Enquanto fantoches mercenários matam, oprimem e saqueiam as populações da Palestina, Líbia, Iraque e Iêmen, enviam bilhões de dólares em ‘armas humanitárias’ para seu fantoche sionista da Ucrânia: tempo é dinheiro, pois lucram, e muito, com as guerras.

Ficou exposta a cínica farsa das ‘democracias ocidentais’ com o assassinato da Jornalista Shireen Abu Aqleh pelas forças de ocupação do Estado nazissionista de Israel durante cobertura da TV Al Jazira à violenta repressão contra mais uma manifestação de jovens palestinos a reivindicar o fim das arbitrariedades cometidas pelo governo israelense. Primeiro, tentaram encobrir, apagar as imagens e notícias que denunciavam a morte de uma renomada jornalista em pleno exercício do ofício. Segundo, a decisão orquestrada por autoridades policiais da ‘comunidade europeia’, a exemplo da polícia metropolitana de Berlim (Alemanha), de proibir todas as mobilizações alusivas ao Dia da Nakba (em português Dia da Diáspora Palestina), 15 de maio, quando da ‘fundação’ do Estado nazissionista de Israel, em 1948, sobre o Estado da Palestina milenar.

A execução torpe e intencional da Jornalista Shireen Abu Aqleh enquanto trabalhava, por si, constitui uma flagrante violação não apenas à liberdade do exercício profissional dos jornalistas como um atentado aos direitos humanos, de cuja defesa o ocidente, acintosa e cinicamente, se arvora como paladino (obviamente, quando lhe convém). Contudo, a violenta repressão, aperfeiçoada ao longo das últimas sete décadas, fazendo de Israel um Estado policial, militarizado, ilegalmente detentor de armas atômicas, químicas e bacteriológicas. O argumento, desbotado diante dos fatos recorrentes, é de que precisa proteger sua população da ação terrorista do povo palestino, a verdadeira vítima dessa história sórdida e inverossímil.

O mesmo ocidente que deu quorum à nefasta deliberação da Assembleia Geral da ONU para a divisão do território da Palestina em 29 de novembro de 1947 é hoje cúmplice no apagamento, via censura e repressão policial, em todos os territórios europeus e norte-americanos, de quaisquer manifestações de apoio e solidariedade ao povo palestino. O pretexto é a hipotética ‘ameaça’ (sic) ao convívio harmonioso das comunidades judaicas oriundas dos países da Europa oriental, inclusive os refugiados da Ucrânia, depois que o fantoche ocidental, Volodimir Zelensky, causou a precipitação da guerra no território que até menos de três décadas fazia parte da extinta União Soviética, em que a sociedade ucraniana desempenhava relevante atuação no contexto do desenvolvimento econômico, científico, tecnológico, social, político e cultural soviético.

Israel, cuja cidadania é exclusiva a quem professa a religião judaica (com exceção de árabes drusos que se aliaram às atividades sionistas nas primeiras décadas da existência do Estado judeu no século XX), vem estendendo seus tentáculos policialescos em todo o planeta. Não por acaso, inclusive no Brasil, há denúncias de participação de empresas de ‘segurança’ (na verdade, espionagem e sabotagem) israelenses que prestam consultoria ou assessoria a governos de extrema-direita. A propósito, o Jornalista Luis Nassif, em recente matéria referente à gestação de uma estratégia golpista por apoiadores do atual governante tupiniquim, revela a contratação de serviços no mínimo questionáveis que atentam contra o Estado Democrático de Direito. Durante o governo de Donald Trump não foram poucas as denúncias de ações ilegais, obtidas sem o cumprimento de normas institucionais, desenvolvidas ao longo do mandato do negacionista estadunidense.

Não são poucos os Jornalistas independentes que alertam para uma ascendente escalada policialesca e militarista de inspiração sionista, ou melhor, nazissionista, desde o fim da guerra fria. Até o Pentágono, a Secretaria de Defesa dos Estados Unidos, manifestou certo desconforto com o crescimento da influência das forças paramilitares israelenses que concorrem com as estratégias militares dos governos ocidentais. É mais uma evidência da perda do controle, pelo ocidente, de um Estado engendrado na esteira do colonialismo e do nazifascismo no pós-guerra de 1945, em que o milenar povo palestino foi punido pelo genocídio de Adolf Hitler perpetrado em território europeu por europeus doutrinados por sua nefasta e sórdida ideologia assassina. A qual, aliás, ameaça impor-se, a despeito da proibição consensual pelos vencedores da Segunda Guerra Mundial.

Ahmad Schabib Hany

domingo, 8 de maio de 2022

PATRIOTAS OU FANTOCHES?

Patriotas ou fantoches?

A história está cheia de ‘patriotas’ de todos os matizes, credos e corporações. Mas fatos constatam que não passam de reles fantoches, serviçais de interesses inconfessáveis, e tiranos de seus próprios povos.

Nada mais bizarro que Augusto Pinochet posando de ‘patriota’. Imaginem o serviçal do império que teve seu sangrento golpe financiado pela ITT (a telefônica estadunidense) para depor e matar Salvador Allende, o primeiro presidente socialista da América do Sul eleito pelo voto livre, direto e secreto de sua população, a chilena.

O igualmente nefasto sanguinário Hugo Banzer, não satisfeito com a sua sanha sangrenta contra inofensivos universitários, operários, camponeses e indígenas de todas as regiões das milenares terras andinas, foi capaz de assassinar seu comparsa de aventura golpista dois anos depois, o coronel Andrés Selich Shop, mesma patente, ascendência sérvia e ideais nazifascistas (detentor de informações únicas sobre a operação que executou o líder guerrilheiro Che Guevara na Bolívia), com o apoio da Casa Branca durante o mandato de Richard Nixon e seu secretário de Estado Henry Kissinger.

Outro funesto ‘patriota’ de araque foi Jorge Rafael Videla, cujo golpe financiado pelo ‘grande irmão do norte’ ceifou milhares de vidas de jovens, mulheres e crianças que não tinham como se defender. Igual, aliás, que este país-continente com parte de sua cúpula militar golpista, que sequestrou, torturou, matou e desapareceu inúmeras vidas humanas sem qualquer justificativa razoável, nada mais fez que entregar as maiores riquezas naturais para as grandes corporações transnacionais em troca do aval para uma farsa travestida de ‘democracia ocidental’, um jogo de cena inconsistente e canastrão.

Mais dia, menos dia, acabamos por nos deparar com eles por meio de seus ‘viúvos’ e ‘órfãos’, os saudosistas do nazifascismo, e que não se assumem como tal por covardia, pura covardia. Porque todo fascista ou nazista é covarde, e não assume o que é desde os tempos em que o duce e o fürer estavam em Roma e Berlim: o mais emblemático caso é a célebre Batalha da Sé, mais conhecida como a ‘revoada dos galinhas verdes’, em São Paulo, década de 1930, da qual os integralistas (versão tupiniquim do nazifascismo), de Plínio Salgado, saíram correndo e jamais voltaram a ser vistos até a presente data.

É comum vermos ‘patriotas’ posando de heroizinhos, bons moços e salvadores da pátria. Sem qualquer ideal construtivo, gesto criativo, ou qualquer mérito capaz de justificar as suas proposições: sempre repetem as velhas frases feitas, frases de efeito, tiradas dos embolorados livros de facínoras do passado, como Adolf Hitler, Benito Mussolini, Francisco Franco e António Salazar e seus sequazes. Perceberam que ninguém defende, em sã consciência, as suas ideias e, inclusive, a própria biografia deles com sinceridade?

Aquela lorota desbotada de que família forte é nação forte vem dos nefastos tempos do nazifascismo, de triste memória. Porque não há maior antipátria e genocida que aquele desatinado que condenou à morte milhares de inocentes pelo simples fato de terem sido associados aos espectros satanizados pela sua doutrina de ódio e intolerância, bem como os seus seguidores. A bem da verdade, Hitler e Mussolini, sobretudo, desencadearam o que há de pior na índole da espécie humana, desde o fim da Idade Média. Além de usar o nome de Deus do modo mais cínico para promover uma doutrina mefistofélica violenta, insana, mentirosa e assassina.

Não que os colonizadores lusitanos, castelhanos, ingleses, franceses, belgas, italianos, alemães, holandeses e turcos fossem diferentes na essência. A história os condena pelos inúmeros crimes cometidos contra as populações originárias em todos os continentes. No entanto, o acintoso comportamento desses fanáticos seguidores do nazifascismo sempre foi de causar indignação e até pânico a todos e todas que testemunhassem seus feitos sórdidos. Nem os mais bizarros soldados do sádico exército de Átila, o huno, foram capazes de tamanha desumanidade quase 1.600 anos atrás.

Ainda que vivamos em pleno século XXI, o comportamento remanescente que predomina nas corporações que cultuam a morte e o ódio a um inimigo imaginário é intimidador para expressiva parcela da população. Enquanto não trocarmos esse suposto adepto da intolerância que não só banaliza, mas atenta contra a vida, é injusto vermos seguidores ‘invisíveis’ adentrando às masmorras medievais ainda presentes na maioria de sua rede de apoio constituída por pessoas bem intencionadas, doutrinadas daquilo que de pior a espécie humana produziu em toda a sua existência.

Lembrando o sempre querido Professor Euro Nunes Varanis e seu pensamento preferido (que tudo indica ser de sua própria autoria, vez que deixou um livro inédito no prelo): “O ódio não destrói o ódio. Só o amor destrói o ódio. Bendito seja o sândalo que destrói o ódio.” Cabe-nos, assim, abraçar os porta-vozes do amor em todas as suas dimensões e manifestações, de modo a (re)construir com ternura, mas vigor, a sociedade livre, justa e fraterna que devemos às próximas gerações.

Ahmad Schabib Hany

ATÉ SEMPRE, DOUTOR LAMARTINE!

Até sempre, Doutor Lamartine!

Aos 74 anos, Doutor Lamartine Figueiredo Costa se eterniza, depois de lutar contra a leucemia. À Esposa, Professora Carmen Saad Costa, Filhos e Irmãos nossos sinceros e profundos sentimentos.

Personificação da concórdia em tempos de beligerância, da conciliação em momentos de tensão e de ponderação em horas de ruptura, o Amigo carinhosamente reconhecido por Doutor Lamartine -- odontólogo Lamartine de Figueiredo Costa, ex-vice-prefeito de Corumbá, ex-vereador e ex-secretário de Assistência Social -- se eternizou depois de resistir com dignidade à leucemia atroz que o tirou do merecido convívio familiar.

Tive a honra de compartilhar momentos históricos da cidadania local ao lado do agora saudoso e querido Amigo. Primeiro, em 1991, por ocasião da articulação da I Semana da Cultura, movimento pioneiro em prol da revitalização do ILA, a Casa de Cultura Luiz de Albuquerque, quando o procuramos em seu consultório (na época à rua Frei Mariano, na área central), em companhia de pessoas muito queridas, como Mara Leslie do Amaral e Arturo Castedo Ardaya. Mais tarde, em 1993, quando, por iniciativa do querido Amigo Armando Lacerda, fui convidado pela querida Amiga Irmã Antônia Brioschi, diretora do GENIC e coordenadora diocesana de Pastoral, para participar das atividades locais da Segunda Semana Social Brasileira, de cujo desdobramento Dom José Alves da Costa assumiu a coordenação do Comitê de Corumbá e Ladário da Ação da Cidadania contra a Fome e pela Vida e o Pacto pela Cidadania, tendo como adjunto o querido e saudoso Amigo Padre Pascoal Forin, então vigário-geral da Diocese de Corumbá.

Discreto e conciliador, Doutor Lamartine se pautava pela lealdade e coerência. Atuou de modo reservado, mas intenso, das atividades da Sociedade dos Amigos da Cultura (pró-ILA), da campanha contra a fome (Ação da Cidadania), do Movimento Viva Corumbá (Pacto pela Cidadania) e da construção dura e meticulosa do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (FORUMCORLAD, o Observatório da Cidadania Dom José Alves da Costa). Companheiro de todas as horas, acompanhava, passo a passo, todos os encaminhamentos, ainda que tivesse sido voto vencido em algumas deliberações.

Durante a administração do saudoso Prefeito Ruiter Cunha de Oliveira, quando o Doutor Lamartine foi Secretário-Executivo de Assistência Social, a coordenação colegiada do FORUMCORLAD, por conta de um mal-entendido reiterado de uma subalterna que, sem a vivência cidadã, queria aplicar a letra fria da lei sobre a nossa realidade peculiar e fez do salutar convívio entre governamentais e não governamentais um verdadeiro imbróglio constante e interminável. Sábio e ponderado, sem constranger a detentora de cargo comissionado, procurou uma saída honrosa em que demonstrou o caráter democrático, altruísta e cristão do Doutor Lamartine.

Católico praticante, sua atuação cidadã sempre foi pautada pelos princípios cristãos, daí porque sua conduta cordial, profundamente fraternal e solidária ao longo de sua vida política, recebeu elogios de muitos e críticas de outros. Afinal, ninguém consegue ser unanimidade, ainda mais na política. Se por um lado, foi cotado para ser candidato a prefeito de Corumbá em algumas oportunidades, os potenciais adversários, ainda que não revelados, aproveitavam de criticá-lo sub-repticiamente. Nem por isso se abalava ou mudava de comportamento, pois era convicto em seus princípios e coerente com a sua forma de atuar cidadã e politicamente.

Conheci o Doutor Lamartine por meio do também Amigo e Professor Valmir Corrêa, quando ambos exerciam seus mandatos de vereador em Corumbá, na década de 1980. Na época eu estava correspondente de um semanário da capital e colhia opiniões sobre a viabilidade do gasoduto Bolívia -- Brasil. O empreendimento era apresentado como mais uma redenção para Corumbá, mas vereadores com olhar sincero, preocupação social e sensibilidade ambiental ponderavam sobre condições seguras para a execução de um megaprojeto como aquele.

Tanto quanto o Professor Valmir Corrêa, na oposição, o Doutor Lamartine, da base de apoio à administração do também saudoso Doutor Fadah Scaff Gattass, ponderava sobre um conjunto de ações prévias que mitigassem eventuais impactos sociais e ambientais, até porque, nas palavras do Professor Valmir, tratava-se de um duto de milhares de quilômetros que atravessaria todo o território do município e do estado para levar gás para os estados mais industrializados do Brasil. Essa posição custara caro, politicamente, ao Doutor Lamartine, pois políticos obreiristas (isto é, ‘tocadores de obras’) se sentiam traídos, ameaçados em seus interesses, pela postura criteriosa dos colegas.

Quando o igualmente querido e saudoso Jornalista Márcio Nunes Pereira experimentou a perseguição de um gestor local por conta do Jornalismo Investigativo adotado pelo altivo Diário de Corumbá, sobretudo no período 1993 -- 1997 (ano em que se eternizou), o Doutor Lamartine hipotecou sua solidariedade irrestrita a seu Amigo de várias décadas. Não foram poucas as vezes que o Amigo Márcio Pereira se referiu com carinho ao Doutor Lamartine, reconhecido e grato pelas atitudes generosas, que foram além de seu tempo de vida, até 2002, quando o jornal começou a definhar.

Também junto à população, o conceito do Doutor Lamartine sempre esteve em alta e no alto. Eder Brambilla assegurou a sua reeleição ao convidá-lo para integrar a sua chapa em 2000, mas, em contrapartida, esse grande cidadão reivindicou a Secretaria de Saúde para o Doutor Mário Sérgio Lombardi Kassar, um dos melhores, senão o melhor gestor em saúde da história de Corumbá. São os fatos que provam esse dado histórico, conforme registro documentado no Conselho Estadual de Saúde de Mato Grosso do Sul.

Cordial, gentil, generoso e elegante, o Doutor Lamartine deixa uma profunda lacuna na vida corumbaense. Seu legado de solidariedade, compromisso sincero e profundo sentimento cristão permanece vivo entre os que tiveram o privilégio, a sorte e a honra de compartilhar com ele momentos que entrarão para nossa história. Modestamente, tenho o orgulho de dizer para os meus Filhos, parodiando o querido Amigo Senhor Jorge José Katurchi -- coordenador-adjunto do Pacto pela Cidadania --, que compartilhei com esse grande corumbaense momentos ímpares da história do Brasil protagonizada em Corumbá.

Obrigado, Doutor Lamartine, por ter existido e resistido, ainda que silenciosamente, a estes bizarros tempos que em nada lembram os protagonizados por nossas gerações, no processo de democratização do Brasil e toda a América Latina. Até sempre, querido Amigo e honrado Companheiro de jornadas cidadãs!

Ahmad Schabib Hany

domingo, 1 de maio de 2022

PRIMEIRO DE MAIO EMBLEMÁTICO

Primeiro de Maio emblemático

Apesar das poucas mobilizações no Dia do Trabalhador, o Primeiro de Maio de 2022 tem caráter emblemático: de um lado, a ascensão das forças políticas proletárias no Hemisfério Sul e, do outro, a reafirmação do nazifascismo nas ex-metrópoles coloniais, que teimam em nos colonizar no rastro da globalização.

Por si só, 2022 é recheado de paradigmas. Bicentenário da Independência e constituição do Império do Brasil; centenário da Semana de Arte Moderna, importante marco de afirmação das diversas identidades deste país multifacético; cem anos do Movimento Tenentista, quando o jovem oficialato brasileiro se opôs à política ‘café com leite’ das oligarquias, que se julgavam proprietárias do país desde o golpe de 15 de novembro de 1889 (e que criou as condições para a Coluna Prestes, entre 1924 e 1928, atravessar todo o território nacional); um século da fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), em 1962 redefinido Brasileiro, quando da cisão com os correligionários do PCdoB, o primeiro partido político de âmbito nacional, pois todos os partidos que representavam as elites políticas eram regionais até 1945, fim do período ditatorial getulista.

O Primeiro de Maio, homenagem aos Mártires de Chicago de 1886 e cuja celebração foi permitida no Brasil só depois da Constituinte de 1945 (como toda manifestação proletária até então, era duramente reprimida pelas forças policiais), sempre foi encarado como ‘comunista’ pelas forças conservadoras. E não é diferente neste 2022, quando as forças do atraso, que ganharam fôlego a partir das mobilizações golpistas de 2013 (sob pretexto dos aumentos das passagens no eixo Rio -- São Paulo, início do ardil reacionário para criminalizar governos petistas, que desde 2003 ganharam democrática e livremente todas as eleições até 2014), abriram a caixa de Pandora e tomaram de assalto os destinos da nação.

Incapazes de conquistar pela via democrática eleitoral o maior cargo eletivo nacional, o da Presidência da República, esses covardes fascistas travestidos de patriotas de meia pataca sempre recorreram aos mais cínicos ardis, não diferentemente de hoje. A bem da verdade, jamais foram patriotas, sempre serviçais de interesses inconfessáveis: desde os tempos da colonização, seu papel subalterno para atender a tacanhos interesses dos saqueadores das riquezas nacionais, razão pela qual até hoje se sentem no direito de dispor dos recursos nacionais por serem, em sua gênese, vocacionados ao espólio e à dilapidação do patrimônio público, como se o erário lhes pertencesse.

Alguém, em sã consciência, é capaz de acreditar que aquele desmiolado galgaria ao mais importante cargo da República senão houvesse o conluio de Sérgio Moro e a corja da ‘Leva Jeito’? Além de ser uma vergonha nacional, repreendida pela Comissão de Direitos Humanos da ONU em Genebra, a farsa cometida por juizecos e promotorecos medíocres de primeira instância, useiros e vezeiros das prerrogativas constitucionais conquistadas pela grande mobilização popular que consignou na Carta de 1989 autonomia e afirmação do Ministério Público, atentou contra o Estado Democrático de Direito e infligiu uma perda abissal ao erário e às empresas nacionais de ponta, que desde a década de 1980 competem em nível de igualdade com as maiores corporações transnacionais, caso da Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, OAS, A. Gaspar, Mendes Júnior e Afonseca, além da Petrobrás e suas subsidiárias, cujo patrimônio mobiliário (convertido em ações) foi amealhado em conluio com autoridades dos Estados Unidos sem prévia autorização dos órgãos competentes do Poder Executivo do primeiro escalão.

A incompetência dos fascistas, ineptos para o exercício do poder desde sempre por puro despreparo, e a deslealdade constante de seu DNA (iguais ao escorpião, não conseguem corresponder com lealdade a seus aliados), hoje expressiva maioria da população não suporta mais seu modo entreguista de governar, com prioridade aos amos e senhores. Neste contexto de volta iminente à normalidade, as classes trabalhadoras deste país se mobilizam para a defesa e o resgate das conquistas históricas covardemente revogadas pelas hordas golpistas, incluindo o ‘brimo’ Temer e seus aliados aecistas (de Aécio, o garoto mimado que ao perder as eleições de 2014 surtou com crise de abstinência de poder ‘y otras cositas más’).

No Hemisfério Sul as forças políticas proletárias são as que retomam a iniciativa de reescrever a História, a exemplo de países como Bolívia, Peru e Chile. É claro que a cadela (com todo o respeito pelos caninos e caninas) fascista não deixa de tentar dar seu golpe, até por viver como parasitas, auferindo o maldito dinheiro do tráfico, de laranjas, das contravenções e das corporações transnacionais, a financiar os atentados criminosos. E no Hemisfério Norte, sobretudo nas antigas metrópoles coloniais, as forças fascistas retomam fôlego por conta do parasitismo desavergonhado da obtusa ‘classe mé(r)dia’, que como pêndulo oportunista vai à procura do que lhe for mais conveniente e fácil.

É hora das mais diferentes categorias profissionais, organizadas e conscientes de seu papel histórico, retomarem as lutas, sem medo da cara feia dos feitores de plantão. Não é demais lembrar que eles, os feitores, costumam amarelar ante a determinação dos trabalhadores, como no memorável ato de 1934 na Praça da Sé, em São Paulo, que entrou para a História como ‘revoada dos galinhas verdes’. Fascista não é gente, é hiena (com o devido pedido de desculpas à espécie) purulenta e abominável, quer seja no Hemisfério Sul ou no Hemisfério Norte.

Em Corumbá, em 2018, por meio de uma emblemática articulação histórica e graças à generosidade do querido e saudoso Amigo-Companheiro-Irmão-Camarada Andrés Corrales Menacho, que fez a interlocução com os representantes regionais da Central Operária Boliviana (COB), a Federação de Mulheres Bartolina Sisa, a Confederação de Docentes Urbanos e Rurais da Bolívia, a Associação dos Povos Originários do Oriente Boliviano, e os movimentos populares congêneres, foi realizado o primeiro ato internacional pelo Dia do Trabalhador e da Trabalhadora, na divisa dos dois países, em Arroyo Concepción, quando a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e demais entidades congêneres marcaram uma importante fase das relações entre as organizações de trabalhadores latino-americanas, implementadas por nosso Amigo-Companheiro-Irmão-Camarada Aníbal Carlos Monzón por meio das reuniões interativas do Encontro / Encuentro durante todo o 2020.

Ouso lembrar o querido Amigo Senhor Jorge José Katurchi, devoto também de São Jorge, do alto de seus 95 anos, que recorda com nostalgia a saudação de sua conterrânea Eva Perón à classe trabalhadora no ano em que ele, jovem adulto, foi à Argentina e assistiu à memorável manifestação. Como não possuo a memória fotográfica de Seu Jorge, tomo a liberdade de adaptá-la ao contexto brasileiro: “Cabe à classe trabalhadora a iniciativa das transformações em prol de uma vida mais digna, justa e progressista, sempre organizados em suas entidades de classe. Porque o progresso de uma nação depende da saúde e da qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras.”

Ahmad Schabib Hany