PARA A HELÔ, DE PENINHA.
terça-feira, 23 de novembro de 2021
DEZ ANOS SEM HELÔ
DEZ
ANOS SEM HELÔ
Parece que foi ontem. Ela se
tornou eterna, e sempre terna. Sua gargalhada contagiante, seu olhar crítico e
cúmplice (no melhor sentido), seus critérios sábios, suas ideias geniais. A
humanidade passará mais dois mil anos para encontrar alguém como Helô, a
incansável revolucionária do amor, da genialidade e do respeito pelo ser
humano, do âmago da humildade... Helô Urt, sempre na memória e no coração!
Heloísa Helena da Costa Urt. Eternamente jovem,
irreverente, incansável e trabalhadora como poucos. Passados dez anos (que
parece ontem!) de sua súbita eternização, Helô é unanimidade: cultura,
solidariedade, abnegação, atitude, sinceridade e companheirismo - tudo
isso e muito mais, sem ser piegas, coisa que ela mais detestava...
Desde tenra idade, Helô rompeu paradigmas: nascida
e criada em uma família de valores sólidos e tradicionais, um lar tipicamente
árabe, em que o rigor e os costumes têm um valor imensurável, a eterna e terna
lutadora de grandes causas veio para causar,
na fala dos jovens de hoje. Sem papas na língua, desarmava o mais eloquente
argumentador por meio de perguntas simples, e por isso sábias.
Espontânea, lógica e profundamente irreverente;
ora sensível, ora rigorosa; generosa e abnegada o tempo todo. Trocou a
estabilidade de uma vida confortável e previsível pela incessante procura de
novos tempos para os sem voz e sem vez. Corajosa, não temia a cara feia de
nenhum ‘grandão’. Ao contrário, desafiava os mais arrogantes e prepotentes de
seu tempo.
A fala afiada e imprevisível tinha sim causa e
propósito: de raciocínio rápido e ideias próprias, Helô dava a mão e todo o
apoio possível e impossível a quem de fato precisasse - e
nunca errou quando dizia que não confiava em determinadas pessoas. Como pessoa
de alma boa, seu critério era justo e sábio, azar daquele que não inspirasse
confiança para ela.
Palestina pantaneira, nasceu no início da segunda
metade do século XX. Num tempo em que mulher nascia com destino marcado desde o
dia do nascimento. Com ela, isso jamais funcionou: sem se desgastar em
discussões estéreis, cada passo, calculado, que ela dava tinha razão, tinha causa.
Sem muito esforço, mas com muita tenacidade, Helô soube conquistar, um a um,
todos aqueles com os quais conviveu.so
Personalidade forte, ideias claras, propósitos
generosos. Os sessenta anos vividos com intensidade pareceram voar diante do
horizonte largo e intrincado que encontrou diante de si. Mas como uma lutadora
de grandes causas nunca lutou sozinha: sempre em grande e sincera companhia,
fez-se cercar de mulheres e homens dignos e valorosos.
Se pensarmos bem, tudo a que ela se dedicou com
pioneirismo (cultura popular, meio ambiente, ciência, artes, letras, educação,
política transformadora etc) até hoje vive colhendo o que ela semeou, trinta,
vinte anos atrás. Viola de cocho, cururu, siriri, São João, carnaval popular,
defesa do Rio Paraguai, Assentamentos, Codrasa, direitos das trabalhadoras e
trabalhadores humildes (não só garis como os da coleta de lixo e do lixão),
organização dos artistas em seus respectivos segmentos, promoção de eventos em
todas as áreas, inovação e criatividade. Tudo isso sem vaidade ou egoísmo.
Com todo o respeito pelos que a sucederam na
gestão da Cultura, mas depois que ela se eternizou nunca houve inovação, apenas
continuidade daquilo que ela, com pioneirismo e muita determinação, já havia ousado
tentar. É uma mulher à frente do seu tempo, e verdadeira cidadã do mundo (como
provou nas diversas viagens que fez como mochileira à América Latina e à
Europa). Mas nunca revelou isso, porque não gostava de ostentação nem ‘viralatice’
-
detestava o sabujismo das elites pelo esnobismo ocidental, como que fossem os
donos da civilização (descendente do milenar Povo Palestino e nascida no
coração do Pantanal e da América do Sul, ela sabia que a cultura, como a história,
não têm amos nem lacaios, apenas passageiros efêmeros).
Desafiara
os burocratas, vencera os serviçais, destituíra os trava-portas, promovera os
humildes, projetara os sinceros, reconhecera os leais, valorizara os
guerreiros, ajudara os transformadores, fortalecera os trabalhadores. Atuou
como se fosse imortal (e é, como prova a história), mas com a urgência de quem
tinha que partir precocemente...
Querida Helô, seguimos com Você, como guia travessa e desconcertante que desafia os medíocres e ensimesmados inebriados com seu próprio narcisismo, de sua insignificância atrevida, que Você tanto combateu. Sábia, Você saiu de cena para não ter que ver ineptos e mentecaptos atentando contra a grandeza e a soberania do Povo Brasileiro, que Você tanto amou e por quem Você dedicou seus melhores dias e toda a generosa e inatacável inteligência. Sempre na memória e no coração!
Ahmad
Schabib Hany
domingo, 21 de novembro de 2021
JGP, UM JOVEM CINQUENTÃO...
JGP,
UM JOVEM CINQUENTÃO...
Inaugurado em 1971, mesmo ano
da famigerada Lei 5.692, o Centro Educacional Julia Gonçalves Passarinho
celebra seu Jubileu de Ouro ainda mais jovem e conectado com as novas
tecnologias, apesar dos tempos sombrios que teimam impor à juventude
desassossegada.
A criação do Centro Educacional Julia Gonçalves
Passarinho, em 1970, fez parte do conjunto de obras para Corumbá com que o último
governador eleito durante a vigência do regime de 1964, Pedro Pedrossian,
reconheceu sua vitória sobre a UDN graças à votação do eleitorado corumbaense.
Além de uma escola moderna e de grande porte, a Cidade Branca fora contemplada
com a moderna adutora (estação de captação de água que muitos chamam de ‘ponte’)
e a criação do Instituto Superior de Pedagogia de Corumbá, que deu origem ao
atual Campus do Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Eram, sem dúvida, tempos cruentos. Sob a batuta da
linha-dura, o regime de 1964 tinha no comando o general Emílio Garrastazu Médici,
que sucedera o marechal Arthur da Costa e Silva em 1969, de cujo gabinete
ministerial resgatara o coronel paraense Jarbas Passarinho, antes do Trabalho e
depois da Educação e Cultura -
a mãe foi escolhida patronesse do novo educandário em reconhecimento aos inúmeros
favores daquele ministro oriundo da caserna. Na época, homenagens a pessoas
vivas eram permitidas e não havia qualquer questionamento de caráter ético.
O general Golbery do Couto e Silva, um dos
ideólogos de 1964, tinha sido apeado com o marechal Humberto de Alencar
Castello Branco por serem considerados muito brandos com os adversários
trabalhistas, rotulados pela máquina de propaganda do regime de ‘corruptos’ e
‘subversivos’. Só que o governador Pedro Pedrossian, egresso do PSD de
Juscelino Kubitschek de Oliveira (o popular JK), era tido como ‘subversivo’ por
ter sido apoiado por trabalhistas e até socialistas e comunistas contra Lúdio
Martins Coelho em 1965, tendo empreendido uma vitória acachapante sobre os
representantes regionais da UDN e, por extensão, do novo regime.
No processo de endurecimento do regime, diversas
leis foram outorgadas, em nome da segurança nacional. Na Educação, além de
instrumentos cerceadores da liberdade como os decretos-leis 228 (intervinha na estrutura
da representação estudantil) e 477 (impunha punições às atividades estudantis),
foram editadas, mediante o famigerado Acordo MEC-Usaid, a Lei da Reforma
Universitária (Lei nº 5.540/1968), que acabava com uma série de conquistas
históricas -
entre elas a autonomia universitária -,
e a Lei do Ensino Profissionalizante (Lei nº 5.692/1971), que acabou com
disciplinas humanistas, como Filosofia, Sociologia e História, além de dar uma
formação mais técnica e nada crítica ao ensino médio.
Nesse contexto de endurecimento político e de
fechamento institucional é que o Centro Educacional Julia Gonçalves Passarinho
foi ofertado para a população de um dos centros urbanos mais politizados e
organizados espontaneamente desde fins do século XIX. Até então, as maiores
escolas de ensino básico em Corumbá eram o Santa Teresa, Genic, Dom Bosco,
Maria Leite e Industrial Dr. João Leite de Barros (entre privados e públicos).
E a demanda por mais escolas que oferecessem ensino básico era crescente na
Corumbá cosmopolita do início da década de 1970.
A primeira diretora do Centro Educacional, como
era carinhosamente chamado, foi a Professora Edy Assis de Barros, inclusive
membro efetivo da pioneira Comissão de Implantação do ensino superior, e
responsável pelo oferecimento do curso de História no Instituto Superior de
Pedagogia de Corumbá (depois Centro Pedagógico de Corumbá, um dos campi da
recém-criada Universidade Estadual de Mato Grosso, também por Pedrossian). Mais
tarde, diretora do Centro Universitário de Corumbá e pró-reitora de Pesquisa e
Extensão da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, gestão do saudoso
Professor Jair Madureira.
Nos primeiros dias de 1974, ainda na gestão da
Professora Edy, meu saudoso Pai fez minha matrícula no Centro Educacional. Era
a primeira turma do colegial, constituída por apenas 18 alunos, em sua maioria
oriundos do Ginásio Industrial Dr. João Leite de Barros (sediado num modesto
prédio no terreno que hoje abriga a Escola Estadual Dr. Gabriel Vandoni de
Barros). Lá fiz Amigos para toda a Vida: João de Souza Alvarez, Juvenal Ávila
de Oliveira, Benedito Jesus Silva da Cruz, Bernadete da Cruz Benites, Soely
Ivacquia de Oliveira, Reginaldo Rugero da Silva, Johonie Midon de Mello, Julio
Ábrego, Manoel Guerrero, Sérvulo Benedito, Luiz Carlos dos Santos, José
Virgílio de Moraes, Apolo Andrade, Leci Souza, Sulamita Fernandes, Maria
Bernal, Mari Lobo, Gisela Bluma, Joana Lara, Jadielson Araújo e Iara Torres, entre
outros não menos queridos e sempre lembrados (mas cujos sobrenomes não tenho).
Além de nosso aprendizado com excelência, graças à
dedicação e generosidade de todos os Professores, sem exceção, a afirmação
cidadã, não só nas atividades do processo de ensino e aprendizagem, mas em
experiências extracurriculares como a do ‘jornalzinho’ que tinha a pretensão de
ser interescolar num tempo em que sonhar com isso era objeto de punição
prevista em decreto-lei (o 477). Mas “O Clarim Estudantil”, de vida efêmera,
foi uma escola dentro da escola: foi um laboratório de cidadania e de
protagonismo que alicerçou concepções, práticas e, sobretudo, critérios e
valores para toda a Vida. E aqui cabe um agradecimento público e eterno para
estas pessoas muito queridas: Professora Terezinha da Cruz Benites (que, como
grande Mestra e Mãe, confiou em jovens bem intencionados ávidos de novas
experiências dentro do projeto do jornal), Professor Octaviano Gonçalves da
Silveira Junior (que depositou toda a sua credibilidade e experiência num
projeto ousado que serviu para fortalecer o caráter e a formação dos jovens
nele envolvidos), Professor Augusto Alexandrino dos Santos (o querido Malah,
que compartilhou sua inquietude e seu talento de cartunista e artista gráfico
para enriquecer a experiência coletiva focada no jornal) e Seu Aristarco (o querido
‘Seu’ Ari, que nunca negou apoio, mesmo fora de horário e nos fins de semana,
ora levando, ora trazendo o farto material gráfico depositado em uma das
dependências do Centro Educacional, que cuidava como compartimento de sua própria
casa).
Obviamente, a Professora Maria Auxiliadora Maia,
que até pouco antes de sua eternização, em 2014, foi uma Amiga presente,
exerceu muita influência na minha opção pela licenciatura em História por ter
incentivado minha visão crítica na interpretação da chamada ‘história oficial’.
Por seu turno, o Professor Dilermando Luiz Ferra, igualmente Amigo que a Vida
me presenteou, esteve próximo de mim até poucas semanas antes de sua
eternização, em 1994, e, muito sincero, me deu conselhos muito caros que os
levo para a Vida (ele era um dos colaboradores do combativo Diário de Corumbá sob a direção do
saudoso e querido Márcio Nunes Pereira, e sempre estávamos trocando opiniões
acerca do cotidiano corumbaense). O mesmo acontecia com os queridos Professores
Octaviano, Malah, Esli, Kaoru, Finocchio e Joaquim, muito diálogo e
compartilhamento de inquietações, próprias daqueles tempos.
Docentes inesquecíveis do período 1974-1976,
alguns não mais entre nós e muitos deles se tornaram Amigos: Professora Maria
Auxiliadora Maia (História, OSPB e EMC), Professor Octaviano Gonçalves da
Silveira Junior (Português e Literatura), Professor Altevir Alberton (Geografia),
Professor José Finocchio (Educação Física), Professor Kaoru (Educação Física),
Professor Esli (Educação Física), Professora Elza Maia (EMC e OSPB), Professor
Augusto Alexandrino dos Santos Malah (Desenho Geométrico), Professor Sérgio
Freire (Matemática e Física), Professora Mariza Mauro (Química), Professora
Tânia Souza (Física), Professora Luciene Kassar (Biologia), Professor Domingos
Sávio de Souza (Biologia), Professora Marilza Cavassa (Programa de Saúde),
Professora Selma dos Santos (Programa de Saúde), Professora Roma Román Áñez
(Inglês), Professora Ivone Carretoni (História), Professor Antônio Brites
(Matemática), Professor João Luiz Gonçalves (Física e Matemática), Professor
João Carretoni (Química), Professor Joaquim dos Santos (Química), Professor
Reginaldo Faleiros (Química), Professor Maurício Pellegrini (Biologia),
Professora Georgina Benítez (Matemática), Professora Regina Abukalil Capucci
(Inglês), Professor Nivaldo Ferreira (Desenho Geométrico), Professor
Alexandrino dos Santos Mauro (Português), Professor Dilermando Luiz Ferra
(Noções de Contabilidade e Escrita Fiscal), Professor Eudes Marinho de Sá
(Noções de Administração), Professor Alcides dos Santos Mauro (Noções de Administração),
Professora Edy Assis de Barros (diretora), Professora Terezinha da Cruz Benites
(diretora), Professor João Quintilio Ribeiro (diretor).
Funcionários excepcionais, em todos os setores
(fiscais de alunos, secretaria, cantina, limpeza e na portaria), como ‘Seu’
Aristarco (o lendário ‘Seu’ Ari, querido Amigo, que se eternizou há pouco mais
de um ano, mas que tive a felicidade de encontrar por três vezes antes da
pandemia, fazendo um lanche onde ele mais gostava), Dona Maria, ‘Seu’ Brandão,
‘Seu’ Preza e Dona Eunice. Todos na memória e no coração. Meticuloso, “O Clarim
Estudantil” tinha uma relação com os nomes de todos os funcionários de todos os
turnos e setores, bem como dos Professores do JGP. Lamentavelmente, os arquivos
foram consumidos pela ação do tempo. Mas fica nossa eterna gratidão a todos
eles, verdadeiros Amigos e Companheiros de uma epopeia que jamais esqueceremos.
Uma pena, mesmo, não ter sido possível estar, no
dia 13, na confraternização dos ex-alunos do JGP, organizada com muito penhor
pelo ex-colega e hoje Professor Padilha, de Educação Física. Além da querida
Amiga de então, Mari Lobo, a Amiga que conheci já nos tempos de universidade,
Iara Torres, me havia alertado para o evento, mas outros compromissos, de ordem familiar,
me impediram participar desse encontro inesquecível. Espero, com sinceridade,
que seja feita outra confraternização, quando, creio, teremos a oportunidade de
estreitar nossos abraços e compartilhar nossas emoções.
Ahmad
Schabib Hany
sexta-feira, 19 de novembro de 2021
EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, PRIORIDADE INADIÁVEL
EDUCAÇÃO
PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, PRIORIDADE INADIÁVEL
Neste Dia da Consciência Negra,
em tempos sombrios de inspiração fascista (e por isso racista), é fundamental
resgatar a Educação para as Relações Étnico-raciais, prevista em lei mas descumprida
acintosamente desde o golpe de 2016.
O Dia da Consciência Negra é, antes de tudo,
oportunidade para celebrar, sim, o triunfo do movimento negro sobre as ruínas
da sociedade escravocrata que erigiu um país cheio de contradições, a despeito
de seu Povo (com letra maiúscula) generoso, determinado, alegre e
incansavelmente transformador. Desde meados da década de 1990, estados e
municípios brasileiros reverenciam o dia 20 de novembro, em vez de 13 de maio,
quando a história oficial consignou como o Dia da Lei Áurea, minimizando o
papel dos líderes abolicionistas e a luta do povo escravizado por sua liberdade
e autodeterminação.
Fruto da luta incessante de grandes paradigmas da
igualdade racial desde os tempos de Zumbi dos Palmares e de Esperança Garcia (a
primeira advogada negra), importantes conquistas foram consolidadas, sobretudo
ao longo das últimas décadas, entre elas a política de cotas raciais e a
obrigatoriedade da oferta das disciplinas História e Cultura da África e
Educação para as Relações Étnico-Raciais. Porém, todas as políticas de reparação
e igualdade racial foram abandonadas desde o golpe de 2016 (aquele em que
Michel Temer, com o sinal verde de Joe Biden, se mancomunou com o ex-deputado Eduardo
Cunha para depor Dilma Rousseff da Presidência e a corja da Leva Jeito tramou
para a prisão arbitrária de Luiz Inácio Lula da Silva a fim de tirá-lo das
eleições de 2018, e que deu no que deu: um inepto desequilibrado atentando
contra o Brasil).
Estabelecida por leis federais de 2003 e 2009, as
referidas disciplinas são, de longe, os melhores instrumentos de desconstrução
do chamado racismo estrutural e instrumento de formação das novas gerações,
libertas de toda sorte de preconceitos e condutas do tempo da casa-grande e da
senzala. Foram resultado de muito estudo de cidadãs que se dedicaram por
décadas, como a Professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, uma das
pioneiras dessa iniciativa. Lamentavelmente, muitos doutores e mestres da
academia não se aperceberam da importância dessa estratégia para a formação das
novas gerações (não só de professores, mas, sobretudo, de cidadãos libertos do
atraso).
Nestes tempos sombrios em que hordas fascistas - e
racistas, obviamente -
atentam contra o Estado Democrático de Direito e todas as emblemáticas
conquistas das últimas décadas, mais que nunca é necessário resgatar as
disciplinas mencionadas e pô-las em prática, oferecê-las não só nas
licenciaturas, como estabelece a legislação, mas também no ensino médio. É para
fortalecer a formação não racista e em favor da diversidade étnica e cultural
que faz do Brasil uma potência em processo de afirmação.
Hipocrisia às favas, é passada da hora de o Brasil
se reencontrar com sua História e se propor a acabar com o racismo - base
das elites que se tornaram endinheiradas, mas não necessariamente ‘civilizadas’,
eis que não abandonaram sua ‘santa’ ignorância -,
que vitima cínica e acintosamente afrodescendentes e originários sem despertar
qualquer sentimento sincero de caridade ou comiseração de fundamentalistas
neopentecostais que saíram dos porões do atraso para ressuscitar uma nova
inquisição em pleno século XXI. É, aliás, o que se vê na postura cínica e
provocadora do sinistro da ‘Inducassão’ do ser que atrasa a nação: foi até a
Comissão de Educação da Câmara dos Deputados para ofender e ameaçar aqueles que
têm coragem de desmentir o tal cristão de araque, em vez de demonstrar
qualificação e dizer que irá apurar as denúncias.
Enquanto pseudopatriotas e pseudocristãos torram
os cofres públicos sem qualquer critério republicano (é como se o dinheiro
público a eles pertencesse e eles tivessem carta-branca, ou cheque em branco,
para malversar ao sabor da ocasião), milhões de brasileiros entram para a
indigência, para a fome e a miséria, quando o Brasil desde 2010 saíra do mapa
da pobreza e servia de exemplo para o mundo. Pior: quando se trata de racismo,
como nunca a violência sistemática contra afrodescendentes e originários se
torna corriqueira (basta ver as estatísticas vergonhosas de 2019 e 2020). E, se
falarmos em políticas ambientais e de ciência e tecnologia, pior ainda - foi
flagrada na sexta-feira, dia 19, a má-fé do gestor federal, que propositalmente
protelou a divulgação dos dados do desmatamento dos últimos 12 meses, retardados
para não coincidir com a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças
Climáticas de Glasgow, Escócia.
Com o resgate da política proativa e afirmativa
dos anos de ouro do início do milênio, o Brasil então estará reencontrando-se
com sua vocação natural, ser a potência de paz, da concórdia, da justiça
social. Obviamente, para isso será necessário apear os monstrengos que
infelicitam a nação, a começar pelo falso messias. Não é sem tempo virar a
página infestada de ódio, perversidade, má-fé e, sobretudo, fascismo, puro
fascismo. Lembro-me, como se fosse hoje, o saudoso Professor Euro Nunes
Varanis, em 1972, com seu lindo pensamento (cuja autoria nunca vi em livro, ou
hoje Google, algum, portanto, de sua lavra): “O ódio não destrói o ódio. Só o
amor destrói o ódio. Seja abençoado o sândalo que destrói o ódio.”
Ahmad
Schabib Hany
terça-feira, 16 de novembro de 2021
O ETERNO MENINO DA FRONTEIRA
O
ETERNO MENINO DA FRONTEIRA
O querido Amigo-Irmão Dary Jr.
volta à sua/nossa Corumbá de todos os sonhos (e lutas) e, além de matar a
saudade, nos presenteia com seu inesgotável talento e inquestionável
maturidade. Vida longa e muita saúde, grande Dary!
Neste feriadão de 15 de novembro, em pleno coração
do Pantanal e da América do Sul, Corumbá voltou a ostentar contornos de
cosmopolitismo e racionalidade, sobretudo pela volta do querido Amigo-Irmão
Dary Jr. Foram catorze anos de sua até então mais recente apresentação, na
terceira edição do Festival América do Sul, em 2007, quando trouxe a
emblemática banda Terminal Guadalupe, fruto de sua inesgotável genialidade.
Graças ao alerta dos igualmente queridos
Amigos-Irmãos Luiz Taques e Nelson Urt, pudemos desfrutar dos registros, durante
sua estada, de encontros com Amigos e a apresentação memorável “O menino velho
da fronteira” em discreto ambiente do Porto Geral. É que a imprevisibilidade da
Vida muitas vezes nos furta reencontros magistrais, como o deste querido Amigo
que tenho a honra e o prazer de acompanhar (e curtir) desde a sua infância.
Até parece ter sido ontem. Estávamos em fins da
década de 1970 quando, por meio de minhas Irmãs Fatmato e Waded, conheci a
querida e hoje saudosa Dona Edna Esteves e seu querido Filho, que desde tenra
idade, com a precocidade peculiar dos talentosos, foi (e é) um questionador,
inovador. Além da inteligência singular, seu talento incansável já chamava a
atenção dos que tinham o privilégio de privar de sua Amizade.
Com a instalação da ‘novacap’, em decorrência da
criação de Mato Grosso do Sul, fomos nos reencontrar em Campo Grande, sempre
mediante a iniciativa da Fatmato e Waded, quer fosse pela realização do
Festival de Música de MS (I e II FESUL), algum curso ou seminário etc. Mas foi
quando, em companhia de Fatmato, assistimos a um belíssimo tributo à imortal
Elis Regina na casa de Dona Edna, com acolhedora companhia de Dary, já entrando
na adolescência, tendo se revelou verdadeiro gentleman.
Mas qual não foi a minha surpresa ver o querido
Dary Jr. na equipe de Hélio Ferreira, nos saudosos programas ‘Cheiro da Terra’
e ‘Câmera 5’? Ainda não atingira a maioridade e já ‘causava’! Matérias geniais,
inesquecíveis, na área da cultura, da temática social (no sentido amplo, não da
crônica social) e da economia. Não posso esquecer do tempo em que o saudoso Doutor
Lécio Gomes de Souza era diretor da então Casa de Cultura Luiz de Albuquerque,
a querida Mestra Elenir Lena Machado de Mello a biblioteconomista que se
encarregava da estruturação da Biblioteca Pública Estadual Dr. Gabriel Vandoni
de Barros, e o jovem Dary Jr. o repórter da à época TV Cidade Branca fazendo memorável
matéria, digna de ter sido guardada nos arquivos da emissora.
Em 1989, tive a honra de tê-lo como meu colega de
CEUC (o então Centro Universitário de Corumbá), e por meio dele pude conhecer os
queridos Júlio Galharte, Maria Inês Arruda e o saudoso Gilson Sávio, querido
Companheiro que se eternizou na emblemática jornada daquele ano, quando dirigia
uma picape do querido e hoje saudoso Padre Pasquale Forin. Não demorou muito,
Dary foi levado para a TV Morena, na capital, quando o querido Jornalista Luiz
Taques era chefe de reportagem do Jornalismo da emissora. Trocou Letras por
Jornalismo e faz história, no sentido mais amplo.
De Corumbá para o mundo. A grande revelação do
talento corumbaense não parou mais: Curitiba, Brasília etc. Suas entradas ao
vivo na Vênus Platinada e em outros canais em que o Jornalismo é prioritário,
além de um programa inesquecível na TV Justiça. Isso sem falarmos de suas incursões
irreverentes e inovadoras na música, desde os tempos do ‘Carestia em Ascensão’,
em Corumbá, até ‘Dario Júlio e os Franciscanos’.
Talento a toda prova. Ética inquestionável.
Sensibilidade latente. Coragem infindável. Maturidade saudável. Esse é o Pai do
Francisco. A quem agradecemos publicamente pela generosa menção afetuosa a toda
a nossa Família, inclusive no programa do querido Amigo Joel de Souza, na nossa
caríssima FM Pantanal. Esse é o Dary. A quem esperamos rever logo, de novo, e
desta vez em casa com o Francisco, em que serão anfitriões os seus
contemporâneos Omar e Sofia -
integrantes das novas gerações, razão de ser de nossa luta por um mundo melhor,
mais justo, solidário e digno, em que liberdade não seja uma palavra vã. Vida
longa e muita saúde, grande Dary!
Ahmad
Schabib Hany
quarta-feira, 10 de novembro de 2021
‘LOCKOUT’, MISTO DE BURRICE E ARROGÂNCIA
‘LOCKOUT’,
MISTO DE BURRICE E ARROGÂNCIA
Na Bolívia, a insistência num
movimento golpista travestido de ‘lockout’ não só revela o desprezo das elites
decadentes pelo povo trabalhador como a burrice e arrogância de uma casta que
nunca trabalhou, próprio de seu parasitismo congênito.
Desde a zero hora desta segunda-feira, dia 8, a
fronteira entre a Bolívia e o Brasil voltou a estar bloqueada porque
simplesmente os golpistas -
cinicamente imbecis e arrogantes -
vêm apostando no quanto pior melhor. Só que não: a imensa maioria do Povo
Boliviano (maiúsculas, por favor!) vive de seu trabalho diário, pois não tem
renda paralela nem dinheiro em paraísos fiscais, como as fami(g)lias de Luis Fernando
Camacho (famigerado ‘¡Qué Macho!’, entronizado como governador de Santa Cruz),
de Jorge ‘Tuto’ Quiroga (ex-vice de Banzer), de Jorge ‘Bombón’ Reyes Villa (bonitinho
mas ordinário) e de tantos outros oligarcas ligados às narcoditaduras de Hugo
Banzer Suárez, Alberto Natusch Busch e Luis García Meza Tejada.
Não é novidade o acintoso desprezo desses
oligarcas pelo povo trabalhador da Bolívia, que, faça chuva ou faça sol, todos
os dias acorda às três horas da madrugada para iniciar a jornada que só
encerrará às nove horas da noite, sem hora para comer ou desfrutar de seu
merecido lazer. A melhor demonstração disso é o município vizinho de Corumbá,
Puerto Quijarro, que vem crescendo diuturnamente graças à população que veio
para esta fronteira como ‘relocalizados’, a partir da década de 1980, quando
era ministro da Economia o pseudoboliviano Gonzalo ‘Gony’ Sánchez de Lozada
(que, como seu ex-vice, Carlos Diego Mesa Gisbert, não tem graduação nenhuma,
embora em seu currículo oficial ostente ser bacharel em Filosofia, só que de
para-choque de caminhão).
Por conta da reforma de Gony (de inspiração
neoliberal, de autoria de Jeffrey Sachs, o mesmo da reforma capitalista da
Polônia de Lech Wallesa), em 1985, para felicidade do nefasto ‘Tio Sam’, tudo
foi privatizado na Bolívia, até a água encanada (tanto que o ex-presidente Evo
Morales ganhou visibilidade na Guerra da Água, de Cochabamba, quando a população
cochabambina se revoltou contra os péssimos serviços e os aumentos constantes
da concessionária multinacional, rebatizada por lá como ‘Aguas del Illimani’). À
exceção de Hernán Siles Suazo, Juan José Torres, David Padilla Arancibia e
(toc-toc-toc!) Jaime Paz Zamora (o ‘toc-toc-toc’ é por conta da aliança feita
com o ditador Hugo Banzer Suárez), todo presidente do período chamado de ‘republicano’
sempre padeceu de uma ‘queda’ pelos inquilinos da Casa Branca.
Aliás, ‘democrata’ ou ‘republicano’, todo
presidente estadunidense, desde os tempos da Doutrina Monroe (que nada tem a
ver com a atriz Marilyn, mas com o presidente James Monroe, da década de 1820,
que proclamara “A América para os americanos”, ou seja, para eles, não para
todos nós), é igual à águia que ostenta o seu brasão: estão à espreita para
fincar suas garras sobre as riquezas dos demais países do continente que tirou
a Europa da fome e ensinou os europeus a tomar banho todos os dias. Foi o que
aconteceu na gestão da golpista Jeanine Áñez na Bolívia, e em tantos outros
golpes ocorridos não só no agora Estado Plurinacional, como em quase todos os
países da América Latina. Inclusive a ‘colaboração’ do Departamento de Justiça
dos Estados Unidos à Operação Leva Jeito (dos atuais pré-candidatos Deltan
Dallagnol e Sérgio Moro, de triste memória), além da ‘visita’ do então
vice-presidente Joe Biden ao seu colega Michel Temer, em 2015, por conta do não
da ex-presidenta quando dos leilões do pré-sal e da formação dos BRICS (bloco
do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), as verdadeiras causas do
golpe contra Dilma Rousseff em 2016.
Pois é. Eles agora estão de olho, no território
boliviano, nas incomensuráveis reservas e nas jazidas de lítio, o minério mais
cobiçado do mundo na atualidade (matéria-prima para a indústria cibernética de alta
tecnologia), além das reservas de gás natural e de petróleo, nada desprezíveis.
A saída de cena do mauricinho argentino Macri e do pinochetista chileno
Sebastián Piñera (em processo de impeachment pelo congresso de seu país),
debilita ainda mais a trupe Bolsonaro-Trump. Não é de hoje que aliados dos
golpistas de 2019 vivem se jactando que o atual inquilino do Planalto (que vai
mal nas pesquisas de avaliação do atual governo) vai pavimentar a ascensão (sic) de ‘¡Qué Macho!’ ao Palácio
Quemado, em La Paz. Até porque foi explícita a participação de emissários
ligados aos filhos do capitão no terror movido a ‘matocicletas’, conhecidos por
“matoqueros”, conforme inquérito da Fiscalía General del Estado Plurinacional
(equivalente, no Brasil, à Procuradoria-geral da República).
Além de não saberem jogar xadrez, os golpistas
demonstram ser péssimos no carteado, com sucessivos blefes. Nos primeiros dias
desta tentativa de ‘lockout’, os cínicos
(com ‘n’, por favor!) de Santa Cruz de la Sierra já sofreram baixas
inimagináveis: empresários do transporte rodoviário (em sua maioria
brasileiros) e dirigentes departamentais (como os do Beni e Tarija) disseram
que neste momento precisam trabalhar e pôr as contas em dia, por conta dos
prejuízos causados pela pandemia. Em outras palavras, a legenda do segundo
colocado nas eleições presidenciais, a “Comunidad Ciudadana”, de Carlos Mesa,
deixou a aventura e dá uma demonstração de racionalidade ante o momento de
retomada da economia boliviana. Para não ficarem feios na foto, Tuto Quiroga e
Bombón Reyes Villa começam a realizar reuniões internas para demover os mais
exaltados de suas agremiações.
Obviamente, as ratazanas que vivem do ilícito, da
contravenção e do crime em faixa de fronteira não querem abrir mão de seu ‘ganha-pão’
e teimam levar adiante o ‘lockout’ natimorto. Os cínicos desta região estão numa verdadeira encalacrada, por terem
perdido as eleições em Puerto Quijarro, atualmente administrado pelo mesmo
partido do Presidente Luis Arce Catacora, o Movimiento Al Socialismo (MAS). Se
o ‘lockout’ for interrompido, ficarão desmoralizados perante seus apoiadores.
Mas se a tentativa de golpe travestida de ‘lockout’ se esvaziar, pior para
eles, que nem moral terão frente ao lumpesinato que dizem representar (sabe-se
que parasitas são iguais às moscas, cada qual por si, sempre atrás de carniça e
que se danem os seus assemelhados).
Ahmad
Schabib Hany
sexta-feira, 5 de novembro de 2021
CORUMBÁ, PRIMEIRA CIDADE UNIVERSITÁRIA DE MATO GROSSO
CORUMBÁ,
PRIMEIRA CIDADE UNIVERSITÁRIA DE MATO GROSSO
Década de 1970, o então
concorrido Centro Pedagógico de Corumbá (CPC) era destino de dezenas de
universitários latino-americanos (bolivianos, sobretudo), perseguidos por
sórdidos ditadores como Hugo Banzer, que permaneceram até 1980, quando a
federalização muda as normas da ex-UEMT para dar lugar à UFMS.
Eram tempos sombrios, mas os alvissareiros ventos
de esperança já sopravam no Coração do Pantanal e da América do Sul, e a
cosmopolita Corumbá palpitava como vanguarda latino-americana fazendo jus à sua
vocação histórica. Nos sufocantes momentos de censura e controle inquisitorial
dos jovens universitários que teimavam se dedicar à ciência e à formação plena,
o Centro Pedagógico de Corumbá (CPC) acolhia jovens de diversos países de nosso
entorno, sobretudo da Bolívia, que, por conta do Tratado de Roboré, dispunham
de um documento de permanência em cidades limítrofes ao país de origem.
Por essa razão, aliás, Corumbá se tornou a
primeira cidade universitária de Mato Grosso. A despeito do controle rigoroso
da cidade, então enquadrada como Área de Segurança Nacional, o que impediu o
eleitorado votar por quase vinte anos para prefeito (e vice-prefeito), objeto
de nomeação pelo presidente de plantão durante esse período, além da presença
acintosa de “X-9” nas salas de aula. O cosmopolitismo corumbaense, por seu
turno, potencializou essa condição pioneira, e acolhidos dentro das
possibilidades então existentes (não esqueçamos que vivíamos sob um regime de
exceção, com a vigência do Ato Institucional nº 5 e os truculentos Decretos 228
e 477) os então chamados ‘estudantes de Convênio’ viveram, conviveram,
estudaram e conquistaram sua graduação com dedicação e, muitos, com louvor.
Ao levantar dados para um estudo que pretende
resgatar esse período honroso de nossa história recente (afinal, são apenas 50
anos), comecei a fazer contato com ex-alunos e ex-alunas da Bolívia que fizeram
sua graduação em uma das seis licenciaturas disponíveis à época. Alguns se
tornaram Amigos, como os mais de dez ex-colegas de meu saudoso Irmão Mohamed,
entre eles o Professor José El-Hage e o saudoso Professor Caro (então diretor
de uma das mais antigas escolas públicas da Chiquitania, província à qual esta
fronteira era vinculada até a criação da Província Germán Busch, pelo grande
democrata Hernán Siles Suazo, versão boliviana do eterno Doutor Ulysses
Guimarães, em seu segundo mandato de presidente constitucional da Bolívia).
Nisso, me deparei com a consternante notícia da
eternização, em fins de abril de 2021, do querido Amigo Professor Jorge Ocampo
Claros, ex-aluno de Pedagogia do CPC (desde 1978), inicialmente hóspede na
pensão de meu saudoso Pai e depois inquilino da saudosa Mãe do querido Amigo
Arturo Castedo Ardaya. Como a quase totalidade dos estudantes bolivianos do
CPC, o hoje saudoso Jorge Ocampo era um dos ‘alunos nota 10’ (mas sem ser CDF),
e foi por meio dele que conheci o grande violonista brasileiro então exilado na
Europa, Tibério Gaspar. Discreto, ele compartilhava comigo livros clássicos de
Sociologia e de História em espanhol, além do emblemático “Pedagogia do
oprimido”, do Mestre Paulo Freire, então proibidos pelas ditaduras
obscurantistas latino-americanas.
Os queridos Amigos Professores Gisela Levatti
Alexandre, Gilberto Luiz Alves, Masao Uetanabaro, Valmir Batista Corrêa, Lúcia
Salsa Corrêa, Maria Angélica de Oliveira Bezerra e Francisco Fausto Matto
Grosso Pereira, quando da elaboração, com minha Irmã Wadia, de um artigo sobre
os 50 anos do hoje Campus do Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul (UFMS), já nos haviam dado pistas sobre este importante fato. No entanto,
por conta do período de arbítrio, o município não pôde implementar políticas
locais de consolidação dessa relevante conquista, pioneira e natural. A bem da
verdade, o Professor Valmir Corrêa, quando titular da Secretaria Municipal de
Educação e Cultura do Prefeito Armando Anache, e mais tarde em seus dois
mandatos de vereador (o primeiro pelo PMDB e o segundo pelo PT) tentou e não
conseguiu, porque a prerrogativa efetiva da autonomia municipal, conquistada
pela Constituição Federal de 1988 e efetivada pelo Estatuto da Cidade em 2004, ainda
não vigia e, nesse tema, as esferas estadual e federal se sobrepunham.
Como se pode depreender, muitas conquistas
pioneiras de Corumbá foram levadas como cinzas pela ventania do descaso com a
divisão do velho estado de Mato Grosso (fruto do casuísmo do já cambaleante
regime de 1964) e a instalação da nova unidade da federação numa região que,
decorridos mais de 40 anos, ainda não se deu ao trabalho de conhecer e
reconhecer o valor, a dimensão e, sobretudo, a diversidade de Corumbá e
Ladário, não por acaso a região cosmopolita mais antiga de Mato Grosso (e,
obviamente, Mato Grosso do Sul). Não se trata de ‘bairrismo’ barato (até porque
não nasci aqui, embora ame esta terra), mas, no dizer dos Amigos (com letra
maiúscula) Seu Jorge Katurchi e Armando Lacerda, uma inadiável questão de sabedoria
e inteligência das elites dirigentes do já não tão novo estado.
Então a Cidade Universitária (com a implantação do
curso de Medicina em Universidade pública), a Área de Livre Comércio (mais que
sonho, razão de ser da geração de Seu Jorge), a revitalização do Patrimônio Arquitetônico
(com uma gestão incentivadora, não punitiva), o Pantanal uno e sustentável (em
que instituições como a UFMS, Embrapa, UFGD, UEMS, UCDB e UNIDERP tenham
condições de contribuir efetivamente), o destino do turismo contemplativo
(cultural e científico) e a ativação do tronco rodoferroviário transcontinental
(interrompido em 1996 com a privatização da RFFSA e concessão / sucateamento da
extinta Noroeste do Brasil por Efe-agá-cê), isto que hoje parece uma vã utopia
de apaixonados corumbaenses como Seu Katurchi e Lacerda seriam um fato
concreto, efetivo e possível. Como o querido Amigo Arturo Ardaya diz, se
reportando ao tempo em que atuava na Pastoral da Juventude, “só ama quem
conhece”...
Ahmad
Schabib Hany
Em memória do querido Amigo e Professor Orivaldo
Leite Pereira, o eterno Fumaça, que se eternizou no dia primeiro de novembro
por causa de dois infartos sucessivos. Orivaldo foi, por quase uma década, um
querido Professor de Matemática e Ciências em diversas escolas de Corumbá. Foi,
igualmente, aluno destacado em duas graduações, Ciências e Formação de
Tecnólogos em Administração Rural, por sinal, um Colega marcante de duas de
minhas Irmãs, a Waded e a Fatmato. Nas emocionantes palavras do querido Amigo-Irmão
Edson Moraes (de quem, aliás, era Primo): “Tinha um sorrisão que parecia nunca
se cansar de sorrir, de cumprimentar a luz do dia e a escuridão da noite...
Porque não era um riso: era luz!”
quinta-feira, 4 de novembro de 2021
CORUMBÁ DE TODOS OS CREDOS E TODAS AS CULTURAS
CORUMBÁ
DE TODOS OS CREDOS E TODAS AS CULTURAS
“O paraíso é aqui!” Essa
expressão de reconhecimento e gratidão foi dita inúmeras vezes ao longo dos séculos
XIX, XX e XXI por diversos imigrantes encantados com tamanha exuberância e,
sobretudo, pela hospitalidade singular deste Povo generoso e incansavelmente laborioso.
Corumbá não combina com a violência generalizada que ameaça de morte o Estado
Democrático de Direito.
Desde que me entendo por gente, ainda em tenra
idade, não canso de testemunhar inúmeras declarações de amor pelo Povo
Corumbaense (com letras maiúsculas). Depois de ter ouvido de meu saudoso Pai a
justificativa de sua opção por Corumbá aos 50 anos de idade, ouvi de diversas
pessoas, de diferentes profissões, culturas, origens étnicas e até
circunstâncias em que imigraram a mesma manifestação de amor e gratidão.
Em mais de uma centena de artigos publicados em
jornais e revistas em português, espanhol, inglês e árabe, Mahoma Hossen Schabib
deixou com todas as letras sua eterna gratidão pelo Povo Corumbaense e por
Corumbá, a quem comparava com Turim pelas similaridades históricas e
geográficas. Além do velho Diário de
Corumbá, seus artigos estão nas hemerotecas do Diário da Manhã, de Corumbá; do Jornal
da Cidade, de Campo Grande; do Al-Anbá
(o original, dirigido por Júlio G. Atlas, em São Paulo), e do La Razón, de Trinidad (Beni, Bolívia).
Não bastasse esse testemunho, ninguém menos que o
saudoso Padre Ernesto Saksida, em diversas declarações sobre a origem da Cidade
Dom Bosco, também deixou claro o seu deslumbramento por Corumbá e o Pantanal.
Igualmente, o saudoso Padre Pasquale Forin deixava nítida como a luz do dia a
razão pela qual decidiu permanecer em Corumbá até mesmo depois de aposentado. O
saudoso Dom José Alves da Costa, já como Bispo Emérito de Corumbá, quando veio
inaugurar a sede da Casa de Recuperação Infantil Padre Antônio Müller, em 2004,
também assim se manifestou, recordando que sua saúde precária o levara de
Corumbá.
Se parecesse exagero, a permanência do saudoso Dom
Segismundo Martínez Álvarez, Bispo Emérito de Corumbá, é a prova cabal sobre o
fascínio que o coração do Pantanal causa entre as pessoas generosas e
abnegadas. Isso também ocorreu com o saudoso Pastor Cosmo Gomes de Souza e o
saudoso Pastor Antônio Ribeiro -
o primeiro veio a Corumbá como Pastor da Primeira Igreja Batista de Corumbá, em
fins da década de 1960, e ficou mesmo depois de ter aposentado; o segundo, como
Pastor da Igreja Batista do Centenário, durante a década de 1980, também se
decidiu por ficar até o último dia de sua Vida.
Não são poucos os imigrantes, pelas mais diferentes
razões, que se dizem encantados por Corumbá, Ladário e o Pantanal. Por ser hoje
uma verdadeira instituição, vou citar mais uma vez o querido e lúcido Senhor
Jorge José Katurchi, cujo amor pelo coração do Pantanal e da América do Sul
está acima de qualquer dúvida. Ele desafia a todo interlocutor: “Duvido que
exista alguém que ame mais Corumbá do que eu! Pode haver que ame tanto quanto
eu, mas não mais que eu...” E é precisamente dele a declaração de que “o
paraíso é aqui!”, ainda que tenha experimentado alguns dissabores em certos
momentos de sua Vida.
Elencados tais testemunhos, da mais alta dignidade,
e que referendam a convicção de que estamos na melhor região do Planeta, ainda
que estes sombrios tempos insistam em causar alguns inconvenientes
injustificáveis. Um deles, aliás, é o recente episódio em que a desnecessária,
inoportuna e extemporânea manifestação de intolerância religiosa por policiais
militares no último final de semana no interior de uma moradia umbandista, e
logo no bairro Padre Ernesto Sassida, construído em memória do querido e
abnegado sacerdote salesiano que dedicou sua Vida pelas crianças e famílias
vítimas da exclusão social.
As imagens falam por si. O direito ao sagrado, à
devoção religiosa, é inalienável. Como justificar cassetetes e agressões dentro
de um espaço religioso? Na Roma dos césares que perseguiram os cristãos até a
conversão do imperador Constantino ao cristianismo a intolerância já era objeto
de repulsa e condenação. Diversos são os documentos que registram a truculência
dos agentes do Estado, já em franca decadência, rumo ao fim que eles mesmos
causaram. Erros do passado não podem ser repetidos, sob quaisquer justificativas.
E cabe aos agentes do Estado, nas instâncias superiores, a punir com rigor
tamanha desfaçatez.
Num passado remoto, cenas como essas eram
recorrentes na Corumbá cosmopolita dos anos 1960, até por conta da vigência de
um regime de exceção. No entanto, depois da promulgação da Constituição de
1988, episódios lastimáveis como esse não eram tão comuns neste pedaço do
paraíso. Numa região em que a diversidade religiosa e cultural é tão grande, é
preciso capacitar os agentes do Estado para que a convivência fraternal aqui
existente não se perca, não se dilua e nem sirva de pretexto para mais
violência. Até porque a Constituição Federal de 1988 é muito clara quando
declara que o Estado Democrático de Direito é laico e tem como razão de ser o
bem-estar de todos os seus cidadãos.
Tive a honra e o privilégio de privar da Amizade
de grandes defensores do Direito, entre eles os saudosos Doutor Joilce Viegas
de Araújo, Doutor Lício Benzi Paiva Garcia, Doutor Walter Mendes Garcia e
Doutor Márcio Toufick Baruki, de gratas memórias. Fosse na Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) ou mesmo na sua Comissão de Direitos Humanos, eles eram
rigorosamente duros quando se tratava de denúncia de violação de direitos. Mais
que reparar um dano coletivo, trata-se de reiterar o compromisso inequívoco das
instituições com os cânones da cidadania, aliás, cláusulas pétreas consignadas
solenemente na Carta Constitucional brasileira de 1988.
Vivemos tempos sombrios, não há qualquer dúvida.
Mas não podemos transigir de valores civilizatórios construídos ao longo de
milênios, sob pena de pormos a perder conquistas de diversas gerações (ou
dimensões) dos Direitos Humanos. Como nunca, fundamentais para assegurar a
transição para as gerações vindouras, dignas de uma sociedade melhor, mais
digna, justa e fraterna. Ainda ecoam as sábias e contundentes palavras do
Doutor Ulysses Guimarães naquele 5 de outubro de 1988, quando a Cidadania
celebrou seu reencontro com a História, da qual não nos afastaremos.
Ahmad
Schabib Hany