ONDE
ERRAMOS?
Neste 15 de outubro, em que
celebramos o Dia dos Professores e Professoras e o aniversário de 104 anos do
Padre Ernesto, é preciso fazermos uma autocrítica inadiável. Onde foi que
erramos, diante da indisfarçável conjuntura caótica que atenta contra os
valores civilizatórios e que o porvir é uma verdadeira incógnita?
Neste 15 de outubro, Dia dos Professores e
Professoras e do natalício do saudoso Padre Ernesto Saksida (que estaria
comemorando seus 104 anos), urge a reflexão, autocrítica, que não quer calar,
diante da conjuntura caótica -
de ódio, intolerância, corrosão dos valores civilizatórios, obscurantismo e
truculência -,
engendrada na última década por hordas negacionistas em conluio com fora de lei
de diversos setores (parasitas sociais, sonegadores, grileiros, madeireiros,
garimpeiros, jagunços, milicianos, traficantes, contrabandistas, mercadores da
fé, ‘viúvos’ da ditadura, neofascistas etc).
Este dia ganha maior relevância por estarmos no
ano do Centenário de Paulo Freire, o grande brasileiro, mais lido e reconhecido
em todo o Planeta que em seu próprio país. O Brasil, aliás, é pródigo com as
suas mentes iluminadas: Milton Santos, o Pai da Geografia no Brasil; Josué de
Castro, o Pai da Segurança Alimentar (criador e primeiro diretor da FAO, Fundo
das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, e autor do célebre Geografia da Fome - O dilema brasileiro: pão ou aço),
apenas para cotejar. O fato é que Paulo Freire virou um pária nos anos de
véspera de seu centenário, que se estivesse vivo encontraria vândalos
endinheirados ávidos por linchá-lo.
Por essa razão, e com profunda dor, é que
questionamos: onde foi que erramos? Não que pretendêssemos ser infalíveis. Se
somos perfectíveis, é porque não somos perfeitos, e nossas ações têm a mesma
sina. Até porque elas vêm para tentar encontrar solução àquilo que nos
incomoda, que nos indigna, quando é o caso. Desde antes da construção daquilo
que se chamou de Estado Democrático de Direito, em decorrência da Constituição
Federal de 1988, estivemos nas bases das comunidades, urbanas e rurais, para
debater, ouvir e facilitar um conjunto de tentativas de solução dos ‘gargalos’
que a própria sociedade brasileira tem, desde sua origem, profundamente
excludente e exploradora.
Recorremos às mais variadas dinâmicas de grupo,
sempre com os espíritos desarmados. Para sermos leais com os verdadeiros
protagonistas, nos despimos de nossas vaidades. Foi um duro aprendizado, e
muito rico, porque transformador. Mas, a bem da verdade, faltou algo. E esse
algo que faltou permitiu que o vírus da discórdia, do ódio, germinasse e se
reproduzisse três décadas depois, enquanto nós ainda estávamos focados no rigor
de nossa metodologia. O fato é que a História, movida pela dialética (em que os
opostos são determinantes), nos atropelou. Porque nos faltou algo, e esse algo
nos custou caro, muito caro.
Cidadão do mundo, como os ilustres brasileiros
citados em parágrafo anterior, Herbert de Souza, o saudoso Betinho (Sociólogo
que criou e estruturou a Campanha contra a Fome de 1992 em todo o Brasil, mais
conhecida como Ação da Cidadania contra a Fome e pela Vida), em seu memorável Textos indignados, nos ensina com a
elegância que lhe era peculiar a sabermos superar nossas diferenças e até
divergências para empreender as causas maiores de nossa sociedade, como a fome
e a exclusão social, por exemplo. Nós, em Corumbá e Ladário, fomos modelo para
muitas regiões do Brasil, como ficou constatado nos preparativos para a Segunda
Semana Social Brasileira, de 1994.
A capilaridade (capacidade de conexão, ou melhor,
capacidade de articulação de base) conquistada é indiscutível: durante os
primeiros cinco anos (de 1993 a 1998) atingimos um nível de intervenção
extraordinário, mais a interlocução efetiva junto a autoridades constituídas.
Isso permitiu a construção simultânea de outros dois espaços públicos não governamentais
igualmente inéditos e, portanto, históricos: o Pacto Pela Cidadania (ou
Movimento Viva Corumbá) e o Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de
Corumbá e Ladário (FORUMCORLAD), desde 2013 Observatório da Cidadania Dom José
Alves da Costa.
Obviamente, foi fruto de muito estudo, reflexão,
debate, criatividade, lealdade e, sobre tudo, compromisso ético. O respeito com
o outro. A horizontalidade. A transparência. A inesgotável capacidade de
procurar respostas efetivas aos desafios. Isso nos custou caro, inclusive em
termos pessoais (todos os articuladores tiveram perdas pessoais durante o
período, até porque não há transformação indolor, tudo tem um custo, que
costuma ser elevado). E o mais importante: as pessoas mais humildes e simples
foram os mestres mais solventes, isto é, os melhores exemplos que tivemos para
toda a Vida. A começar por Seu Zózimo de Paula e Professora Maria de Paula, um
casal muito querido do bairro Nova Corumbá (com a Cunhada Rose e a Filha
Cristiane). Dona Alice de Moura, do Cristo Redentor, igualmente. Donas Elígia,
Vera e Imaculada, antes de se aposentar da Enersul, de Ladário, também
fundamentais.
Fátima Garcia, do Banco do Brasil; Fabiana Costa,
Professora Marilda Ribeiro e Suzete dos Santos, da FACOR; Professores Ivaneide
Minozzo, Luiz Carlos Vargas, Milton Zanotto, Amélia Pereira Zanella e Delari
Botega, da Pastoral da Terra; Mara Leslie do Amaral, do INSS; Irmã Zenaide
Brito, da Creche-Lar Santa Rosa; Pastor Antônio Ribeiro, da Igreja Batista
Missionária; Irmã Antônia Brioschi, do GENIC; Dona Cerize de Campos Barros, da
Associação das Senhoras Católicas da Diocese de Corumbá; Padre Emílio Zuza
Mena, Matriz; Ednir de Paulo, na época pela Câmara Municipal, e Professora
Cristiane Sant’Anna de Oliveira, do SINTRAE Pantanal, e Noemi Feitosa, da TELEMS,
imprescindíveis. Seu Jorge Katurchi, Luz Marina Cavalcanti da Silva, Doutora
Angélica Anache e Seu Mahmud Mustafa, pela Área de Livre-Comércio; Seu Vicente
Mosciaro, Seu Arthur Moreira Ferreira e Seu Matateu de Paulo, Terminal
Pesqueiro; Jocimar Campos, Ubirajara Junior e Cássia da Silva, Passe-Livre
Estudantil; Anísio Guilherme da Fonseca, Manoel do Carmo Vitorio e Vivaldo
Salles, Trem do Pantanal; Alexandre Gonçalves e Francisco Ormand, Camelôs e
Feirantes; Marlene Terezinha Mourão, Arturo Castedo Ardaya, Augusto César
Proença e a saudosa Heloísa Helena da Costa Urt, Revitalização do ILA;
Professores Raul Delgado, Obeltran Navarro, Iracema Santos, e Lineise Amarilio,
na Valorização da Educação; Aurélio Mansilla Tórrez, Sonner Rodrigues, Hernani
Coelho, Rafael Fernandes, Socorro de Maria Pinho, Vergínio Alves de Moraes,
Mirane dos Santos Costa, Denise Mansano, Norma Taciana Ramos, Marilza Pinheiro,
Aguinaldo Rodrigues, Iliane Esnarriaga e Ariodê Martins Navarro, na Efetivação
do SUS; José Batista de Pontes, Tânia Nozieres de Santana e Luciene Cunha,
Efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente; Camila de Pontes, Joaquim
Padilha, Rosely Bispo, Ruth Esnarriaga, Lindivalda Gonçalves dos Santos, Armando
Marques e Assunção do Carmo Vieira, no Controle Social da LOAS; Armando Carlos
Arruda de Lacerda, Pastor Marcelo Moura, Pastor Fernando Sabra Caminada, Padre Julio
Mônaco, Padre Ernesto Saksida, Padre Antônio Müller, Padre Pasquale Forin e Dom
José Alves da Costa, na articulação geral e Coordenação dos referidos espaços
públicos.
Não se trata de simples menção. São protagonistas
de uma experiência histórica. Em que a Educação, como instrumento de afirmação
da cidadania, teve seu papel, no sentido mais amplo e efetivo. Pela prática de
Paulo Freire, nós fomos ensinados pelo público protagonista ao longo destas
décadas. E temos consciência desse importante legado. No entanto, alguns
segmentos se mantiveram enclausurados apesar de nossas insistentes tentativas
de envolvê-los nesse processo. Hábil e altivamente não participaram de nossa
construção, bem como souberam neutralizar suas conquistas. De repente, passamos
a ser criminalizados, estigmatizados, como se visássemos algum objetivo
espúrio. Caímos como patinhos, embora eles ostentassem o pato amarelo na
Avenida Paulista.
Daí porque precisamos redefinir estratégias. Isso
requer muito estudo da realidade e da História. Mais que encontrar formas de
superação de nossos limites, trata-se de puxar o fio da meada. Daí o valor de
autocrítica autêntica. Revisar toda a trajetória para rever os erros e os
acertos. É um processo coletivo, difícil, mas não impossível. Precisamos, de
modo sincero e efetivo, nos reencontrar com a História, sem a qual não iremos a
lugar algum.
Com honestidade e sem qualquer risco de estarmos
cometendo um ato de soberba, mas não nos arrependemos de nada - absolutamente
nada - do
que nossa geração fez. Arrependimento, sim, pelo que não pudemos fazer, não
porque não quisemos, mas porque não nos foi possível. E, à guisa de reflexão e
autocrítica, assumimos que foi esse ‘não fazer’ que fez o nosso valente
barquinho entornar, feito um Titanic à deriva, diante do iceberg da História.
Mas nos resta o devir da própria História: como fênix a renascer das cinzas, estamos
reconstituindo o processo histórico, sem angústia nem ansiedade, para nos
reencontrarmos na hora oportuna, sem nunca havermos parado um instante. Ainda
que muitos de nós foram invisibilizados pelo establishment e, pior, alguns de
nós criminalizados precisamente pelos que organizaram as hordas de fora da lei
e parasitas de todo o sempre para tomar de assalto os destinos da Nação.
Fica, entretanto, patente a importância da
Educação neste processo de afirmação do protagonismo popular. E cabe a todos e
todas os/as que se dedicam ao ofício de trabalhador e trabalhadora da Educação
a consciência de seu papel histórico, sobretudo nesta quadra da História em que
temos que fazer frente ao obscurantismo genocida, etnocida e ecocida. Parabéns,
Professor e Professora, e mãos à obra, para fazermos jus às lutas do Professor
Paulo Freire e do Padre Ernesto Saksida!
Ahmad
Schabib Hany
Nenhum comentário:
Postar um comentário