sexta-feira, 15 de outubro de 2021

ONDE ERRAMOS?

ONDE ERRAMOS?

Neste 15 de outubro, em que celebramos o Dia dos Professores e Professoras e o aniversário de 104 anos do Padre Ernesto, é preciso fazermos uma autocrítica inadiável. Onde foi que erramos, diante da indisfarçável conjuntura caótica que atenta contra os valores civilizatórios e que o porvir é uma verdadeira incógnita?

Neste 15 de outubro, Dia dos Professores e Professoras e do natalício do saudoso Padre Ernesto Saksida (que estaria comemorando seus 104 anos), urge a reflexão, autocrítica, que não quer calar, diante da conjuntura caótica - de ódio, intolerância, corrosão dos valores civilizatórios, obscurantismo e truculência -, engendrada na última década por hordas negacionistas em conluio com fora de lei de diversos setores (parasitas sociais, sonegadores, grileiros, madeireiros, garimpeiros, jagunços, milicianos, traficantes, contrabandistas, mercadores da fé, ‘viúvos’ da ditadura, neofascistas etc).

Este dia ganha maior relevância por estarmos no ano do Centenário de Paulo Freire, o grande brasileiro, mais lido e reconhecido em todo o Planeta que em seu próprio país. O Brasil, aliás, é pródigo com as suas mentes iluminadas: Milton Santos, o Pai da Geografia no Brasil; Josué de Castro, o Pai da Segurança Alimentar (criador e primeiro diretor da FAO, Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, e autor do célebre Geografia da Fome - O dilema brasileiro: pão ou aço), apenas para cotejar. O fato é que Paulo Freire virou um pária nos anos de véspera de seu centenário, que se estivesse vivo encontraria vândalos endinheirados ávidos por linchá-lo.

Por essa razão, e com profunda dor, é que questionamos: onde foi que erramos? Não que pretendêssemos ser infalíveis. Se somos perfectíveis, é porque não somos perfeitos, e nossas ações têm a mesma sina. Até porque elas vêm para tentar encontrar solução àquilo que nos incomoda, que nos indigna, quando é o caso. Desde antes da construção daquilo que se chamou de Estado Democrático de Direito, em decorrência da Constituição Federal de 1988, estivemos nas bases das comunidades, urbanas e rurais, para debater, ouvir e facilitar um conjunto de tentativas de solução dos ‘gargalos’ que a própria sociedade brasileira tem, desde sua origem, profundamente excludente e exploradora.

Recorremos às mais variadas dinâmicas de grupo, sempre com os espíritos desarmados. Para sermos leais com os verdadeiros protagonistas, nos despimos de nossas vaidades. Foi um duro aprendizado, e muito rico, porque transformador. Mas, a bem da verdade, faltou algo. E esse algo que faltou permitiu que o vírus da discórdia, do ódio, germinasse e se reproduzisse três décadas depois, enquanto nós ainda estávamos focados no rigor de nossa metodologia. O fato é que a História, movida pela dialética (em que os opostos são determinantes), nos atropelou. Porque nos faltou algo, e esse algo nos custou caro, muito caro.

Cidadão do mundo, como os ilustres brasileiros citados em parágrafo anterior, Herbert de Souza, o saudoso Betinho (Sociólogo que criou e estruturou a Campanha contra a Fome de 1992 em todo o Brasil, mais conhecida como Ação da Cidadania contra a Fome e pela Vida), em seu memorável Textos indignados, nos ensina com a elegância que lhe era peculiar a sabermos superar nossas diferenças e até divergências para empreender as causas maiores de nossa sociedade, como a fome e a exclusão social, por exemplo. Nós, em Corumbá e Ladário, fomos modelo para muitas regiões do Brasil, como ficou constatado nos preparativos para a Segunda Semana Social Brasileira, de 1994.

A capilaridade (capacidade de conexão, ou melhor, capacidade de articulação de base) conquistada é indiscutível: durante os primeiros cinco anos (de 1993 a 1998) atingimos um nível de intervenção extraordinário, mais a interlocução efetiva junto a autoridades constituídas. Isso permitiu a construção simultânea de outros dois espaços públicos não governamentais igualmente inéditos e, portanto, históricos: o Pacto Pela Cidadania (ou Movimento Viva Corumbá) e o Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (FORUMCORLAD), desde 2013 Observatório da Cidadania Dom José Alves da Costa.

Obviamente, foi fruto de muito estudo, reflexão, debate, criatividade, lealdade e, sobre tudo, compromisso ético. O respeito com o outro. A horizontalidade. A transparência. A inesgotável capacidade de procurar respostas efetivas aos desafios. Isso nos custou caro, inclusive em termos pessoais (todos os articuladores tiveram perdas pessoais durante o período, até porque não há transformação indolor, tudo tem um custo, que costuma ser elevado). E o mais importante: as pessoas mais humildes e simples foram os mestres mais solventes, isto é, os melhores exemplos que tivemos para toda a Vida. A começar por Seu Zózimo de Paula e Professora Maria de Paula, um casal muito querido do bairro Nova Corumbá (com a Cunhada Rose e a Filha Cristiane). Dona Alice de Moura, do Cristo Redentor, igualmente. Donas Elígia, Vera e Imaculada, antes de se aposentar da Enersul, de Ladário, também fundamentais.

Fátima Garcia, do Banco do Brasil; Fabiana Costa, Professora Marilda Ribeiro e Suzete dos Santos, da FACOR; Professores Ivaneide Minozzo, Luiz Carlos Vargas, Milton Zanotto, Amélia Pereira Zanella e Delari Botega, da Pastoral da Terra; Mara Leslie do Amaral, do INSS; Irmã Zenaide Brito, da Creche-Lar Santa Rosa; Pastor Antônio Ribeiro, da Igreja Batista Missionária; Irmã Antônia Brioschi, do GENIC; Dona Cerize de Campos Barros, da Associação das Senhoras Católicas da Diocese de Corumbá; Padre Emílio Zuza Mena, Matriz; Ednir de Paulo, na época pela Câmara Municipal, e Professora Cristiane Sant’Anna de Oliveira, do SINTRAE Pantanal, e Noemi Feitosa, da TELEMS, imprescindíveis. Seu Jorge Katurchi, Luz Marina Cavalcanti da Silva, Doutora Angélica Anache e Seu Mahmud Mustafa, pela Área de Livre-Comércio; Seu Vicente Mosciaro, Seu Arthur Moreira Ferreira e Seu Matateu de Paulo, Terminal Pesqueiro; Jocimar Campos, Ubirajara Junior e Cássia da Silva, Passe-Livre Estudantil; Anísio Guilherme da Fonseca, Manoel do Carmo Vitorio e Vivaldo Salles, Trem do Pantanal; Alexandre Gonçalves e Francisco Ormand, Camelôs e Feirantes; Marlene Terezinha Mourão, Arturo Castedo Ardaya, Augusto César Proença e a saudosa Heloísa Helena da Costa Urt, Revitalização do ILA; Professores Raul Delgado, Obeltran Navarro, Iracema Santos, e Lineise Amarilio, na Valorização da Educação; Aurélio Mansilla Tórrez, Sonner Rodrigues, Hernani Coelho, Rafael Fernandes, Socorro de Maria Pinho, Vergínio Alves de Moraes, Mirane dos Santos Costa, Denise Mansano, Norma Taciana Ramos, Marilza Pinheiro, Aguinaldo Rodrigues, Iliane Esnarriaga e Ariodê Martins Navarro, na Efetivação do SUS; José Batista de Pontes, Tânia Nozieres de Santana e Luciene Cunha, Efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente; Camila de Pontes, Joaquim Padilha, Rosely Bispo, Ruth Esnarriaga, Lindivalda Gonçalves dos Santos, Armando Marques e Assunção do Carmo Vieira, no Controle Social da LOAS; Armando Carlos Arruda de Lacerda, Pastor Marcelo Moura, Pastor Fernando Sabra Caminada, Padre Julio Mônaco, Padre Ernesto Saksida, Padre Antônio Müller, Padre Pasquale Forin e Dom José Alves da Costa, na articulação geral e Coordenação dos referidos espaços públicos.

Não se trata de simples menção. São protagonistas de uma experiência histórica. Em que a Educação, como instrumento de afirmação da cidadania, teve seu papel, no sentido mais amplo e efetivo. Pela prática de Paulo Freire, nós fomos ensinados pelo público protagonista ao longo destas décadas. E temos consciência desse importante legado. No entanto, alguns segmentos se mantiveram enclausurados apesar de nossas insistentes tentativas de envolvê-los nesse processo. Hábil e altivamente não participaram de nossa construção, bem como souberam neutralizar suas conquistas. De repente, passamos a ser criminalizados, estigmatizados, como se visássemos algum objetivo espúrio. Caímos como patinhos, embora eles ostentassem o pato amarelo na Avenida Paulista.

Daí porque precisamos redefinir estratégias. Isso requer muito estudo da realidade e da História. Mais que encontrar formas de superação de nossos limites, trata-se de puxar o fio da meada. Daí o valor de autocrítica autêntica. Revisar toda a trajetória para rever os erros e os acertos. É um processo coletivo, difícil, mas não impossível. Precisamos, de modo sincero e efetivo, nos reencontrar com a História, sem a qual não iremos a lugar algum.

Com honestidade e sem qualquer risco de estarmos cometendo um ato de soberba, mas não nos arrependemos de nada - absolutamente nada - do que nossa geração fez. Arrependimento, sim, pelo que não pudemos fazer, não porque não quisemos, mas porque não nos foi possível. E, à guisa de reflexão e autocrítica, assumimos que foi esse ‘não fazer’ que fez o nosso valente barquinho entornar, feito um Titanic à deriva, diante do iceberg da História. Mas nos resta o devir da própria História: como fênix a renascer das cinzas, estamos reconstituindo o processo histórico, sem angústia nem ansiedade, para nos reencontrarmos na hora oportuna, sem nunca havermos parado um instante. Ainda que muitos de nós foram invisibilizados pelo establishment e, pior, alguns de nós criminalizados precisamente pelos que organizaram as hordas de fora da lei e parasitas de todo o sempre para tomar de assalto os destinos da Nação.

Fica, entretanto, patente a importância da Educação neste processo de afirmação do protagonismo popular. E cabe a todos e todas os/as que se dedicam ao ofício de trabalhador e trabalhadora da Educação a consciência de seu papel histórico, sobretudo nesta quadra da História em que temos que fazer frente ao obscurantismo genocida, etnocida e ecocida. Parabéns, Professor e Professora, e mãos à obra, para fazermos jus às lutas do Professor Paulo Freire e do Padre Ernesto Saksida!

Ahmad Schabib Hany

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